14 1 INTRODUÇÃO As doenças do miocárdio são as formas mais comuns de cardiopatias em felinos. A cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH) é uma doença primária do miocárdio e de etiologia idiopática na maioria das vezes. O reconhecimento das miocardiopatias, especificamente da CMH é recente. A descrição da doença foi realizada pela primeira vez em pacientes humanos durante o ano de 1950, sendo que o reconhecimento da CMH felina ocorreu pouco mais tarde, por volta de 1970. A cardiomiopatia hipertrófica em humanos é uma doença primária do miocárdio resultante de mutações nos genes que codificam as proteínas do sarcômero. Na CMH felina ainda pouco se sabe sobre a mutação genética, mas estas foram encontradas em felinos da raça Maine Coon e Ragdoll (GODIKSEN et al., 2011). Desta forma evidências sugerem que esta cardiomiopatia, provavelmente tenha uma base genética, porém o mecanismo preciso pelo qual mutações genéticas levam ao desenvolvimento de hipertrofia não foi estabelecido. Sugere-se que a alteração de proteínas do sarcomêro seja responsável pela disfunção fibromuscular (ABBOTT, 2010). Meurs e seus colaboradores (2005) descobriram que a miosina, uma proteína do sarcômero, é reduzida ou ausente no miocárdio em felinos da raça Maine Coon, afetados com CMH. Sendo assim, estes achados enfatizam que a cardiomiopatia hipertrófica felina é uma doença do sarcômero, abrindo desta forma uma possível forma de testes para diagnóstico precoce da doença (HAGGSTROM, 2003). As doenças do miocárdio podem ser classificadas de diferentes maneiras. Quanto a etiologia : Primária Idiopática ou Secundária a outras doenças cardíacas ou metabólicas. Quanto a morfologia : Cardiomiopatia Dilatada, Cardiomiopatia Hipertrófica, Cardiomiopatia Restritiva/ Intermediária. Quanto a função : Disfunção Sistólica na Cardiomiopatia Dilatada e Disfunção Diastólica na Cardiomiopatia Hipertrófica, Cardiomiopatia Restritiva e nas Neoplasias infiltrativas (FUENTES, 1993). Outra classificação mais recente inclue as doenças cardíacas em quatro categorias : Cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia restritiva , cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita, e mais recentemente cardiomiopatia indeterminada ou “não” classificada, representativa dos casos cujas características não se enquadram em mais nenhuma categoria (NOBREGA, 2011). A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) primária é uma doença caracterizada por hipertrofia concêntrica dos músculos papilares e das paredes do ventrículo esquerdo, que pode ser de ligeira a grave, com ausência de dilatação do ventrículo. É uma afecção inerente ao miocárdio, não sendo secundária a sobrecarga de pressão ou à estimulação hormonal 15 (MARQUES, 2010). Na CMH, a hipertrofia da parede ventricular pode ser ainda simétrica ou assimétrica, com diminuição ou não da cavidade ventricular, podendo haver arritmias, insuficiência cardíaca congestiva e morte súbita (SILVA et al., 2009). A hipertrofia do ventrículo esquerdo pode promover mudanças em pequenas artérias e desta forma comprometer a perfusão deste ventrículo, de modo que esta isquemia contribui para o relaxamento anormal do mesmo (FUENTES, 2003). A hipertrofia secundária do miocárdio também pode ser considerada como uma resposta compensatória à outras doenças como: hipertiroidismo, hipertensão arterial sistêmica, acromegalia e doenças infiltrativas (BRANQUINHO et al., 2010). Contudo estas doenças não causam uma hipertrofia tão exuberante quando comparada a cardiomiopatia hipertrófica (MARQUES, 2010). A apresentação das manifestações clínicas é de forma bem variável, relatando casos de animais assintomáticos e que permanecem desta forma durante toda a vida, ou aqueles que apresentam sinais relacionados com insuficiência cardíaca congestiva como dispnéia, ortopnéia, anorexia, vômitos, demonstrando desta forma um acometimento da doença na forma moderada a grave e que muitas vezes poderá resultar em morte súbita, muitas vezes em gatos jovens (JORRO; MANUBENS, 2003). O tromboembolismo arterial (TEA) é uma complicação comum na cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH) ocorrendo em 20 a 40% dos casos. Desconhece-se a fisiopatologia do processo, mas supõe-se que a estase sangüínea em conjunto com a lesão do endocárdio atrial, além da tendência que os gatos têm à agregação plaquetária levando a formação de trombos intracardíacos, que poderão sofrer embolização, originando desta forma o tromboembolismo arterial, localizado habitualmente na trifucarção da aorta culminando muitas vezes em sinais de claudicação e/ou paresia/ paralisia de membros pélvicos. Por outro lado o tromboembolismo poderá ocorrer também em qualquer outra parte do corpo, originando sintomas relacionados com o órgão afetado, como por exemplo em animais com comprometimento do ventrículo direito que podem desenvolver tromboembolismo pulmonar (SCHWARTZ, 2003). O objetivo deste trabalho foi promover o esclarecimento da cardiomiopatia mais comum em felinos caracterizando sua apresentação clínica, bem como seu tratamento. A ampla heterogenicidade desta doença faz com que muitas vezes esta se torne um grande desafio para o clínico. Para tanto esta revisão de literatura tem como pretensão, vir à cooperar com maiores informações a respeito deste tipo de cardiomiopatia a fim de facilitar uma 16 melhor compreensão para que esta doença tenha um diagnóstico mais precoce culminando assim em melhor controle da mesma. 17 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 ETIOLOGIA 2.1.1 CMH hereditária, primária ou idiopática A etiologia da cardiomiopatia hipertrófica felina primária ainda é desconhecida. Em humanos, já está determinado que a CMH tem padrão genético de caráter autossômico dominante, caracterizado como mutações dos genes responsáveis pela formação de proteínas do sarcômero, incluindo o da cadeia pesada da betamiosina, tropomiosina e troponina. De forma semelhante, um padrão de transmissão autossômico recessivo foi documentado em uma família de gatos da raça Maine Coon (SILVA, et al.; 2009), porém ainda não se conhece os genes envolvidos (SCHWARTZ, 2003). Dentre as raças de felinos com CMH reconhece-se o fator hereditário em Maine Coon, Ragdoll, Persa, British e American Shorthair, sendo que nas raças Maine Coon e American Shorthair, foi identificado padrão autossômico dominante da transmissão da doença (NOBREGA, 2011). Por causa da identificação de mais de 240 mutações em genes que codificam proteínas do sarcômero em seres humanos, tem-se a hipótese de que mutação em um desses genes seria responsável pela cardiomiopatia hipertrófica felina (Figuras 1 e 2). Em um estudo feito por Meurs e colaboradores (2005), identificou-se uma mutação em um único par de bases no gene MYBPC3, em gatos afetados que altera a conformação da proteína C de ligação à miosina, deste gene, resultando desta forma em uma desorganização do sarcômero e consequentemente na sua disfuncionalidade (Figura 3). Embora seja tentador sugerir que a mutação deste gene seja a explicação para a doença nos gatos, os estudos feitos ainda são poucos para sugerir que a evolução da doença está relacionada a homozigose ou heterozigose da mutação (MEURS et al.; 2005). De qualquer forma as descobertas de fundo genético são importantes no que se refere a provável utilização desta metodologia para futuramente servir para um diagnóstico precoce da CMH, principalmente em animais utilizados em reprodução (NOBREGA, 2011) (Figura 4). 18 Figura 1: Análise SDS- PAGE (Sulfato sódio dodecyl-polyacrylamida) de amostras de miocárdio de parede livre de ventriculo esquerdo de gatos normais (Faixas 1 e 2) e gatos afetados (Faixas 3 a 6) . As proteínas cMyBP-C e miosina estão reduzidas e a miosina beta migrante anômala aparece estar aumentada em comparação aos gatos normais. Os genótipos são mostrados como G/G (Normais), C/G (Heterozigoto afetado) e C/C (Homozigoto afetado). Fonte: Meurs et al., 2005. Figura 2: Imunoensaio realizado para confirmar a identificação de proteínas anormais. Faixas 1 e 3 contem amostras miocárdias de gatos normais, Faixa 2 contém uma amostra miocárdica de um gato afetado (Heterozigoto) . Os genótipos dos gatos são mostrados como G/G (Normais), C/G (Afetado heterozigoto). Fonte: Meurs et al., 2005. 19 Figura 3: Sequência de DNA identificando uma única mudança de par de bases (G para C) no códon 31 do gene MYBPC3 em gatos afetados (n=16). Fonte: Meurs et al., 2005. Figura 4: Coloração de imunofluorescência de seções de parede livre do ventrículo esquerdo de gatos afetados e não afetados. Análise de proteínas sarcoméricas revelaram interrupção significativa de diversas proteínas sarcoméricas com redução da intensidade de coloração da cMyBP-C (A) e miosina (B) em gatos afetados Fonte: Meurs et al., 2005. 20 2.2 CMH SECUNDÁRIA 2.2.1 Hipertiroidismo O hipertireoidismo felino é a endocrinopatia geriátrica mais comum, observada em gatos de 4 a 22 anos de idade, com uma média de 13 anos. Não há predileção sexual ou racial, mas os siameses e himalaios apresentam uma incidência inferior. Os primeiros casos foram descritos no final dos anos 70. Em 99% dos casos, a causa é um adenoma nodular benigno. Estes nódulos secretam, de modo autônomo, os hormônios tireóideos T4 (tiroxina) e T3 (triiodotironina) em excesso, resultando desta forma em doença multissistêmica (OLSON, 2004). A glândula tiróide tem papel fundamental nos processos metabólicos em inúmeros tecidos e orgãos, especialmente no miocárdio , sendo este extremamente sensível a estes hormônios. O efeito deste dois hormônios sobre o coração consiste na indução de uma isoforma da proteína miosina, contribuindo desta forma em um aumento da interação entre a actina e a miosina resultando em um aumento de contratilidade, promovendo também um aumento da atividade da bomba Ca 2+ ATPase do retículo sarcoplasmático e dos canais de cálcio (NOBREGA, 2011). Em gatos com hipertireoidismo brando, o coração pode estar normal ou apresentar uma freqüência cardíaca levemente aumentada. Conforme a doença evolui, ocorre o desenvolvimento de taquicardia, ritmos de galope, hipertrofia do miocárdio. Insuficiência cardíaca congestiva pode ser observada em alguns pacientes (OLSON, 2004). É fato que o hipertireoidismo induz o aumento do número e da sensibilidade dos receptores βadrenérgicos resultando ao aumento da resposta às catecolaminas, e desta forma ocorrendo em taquicardia (NOBREGA, 2011). Portanto esta endocrinopatia altera diretamente a função cardiovascular , de um lado pelo seu efeito simpático a nível miocárdico, e de outro pelo excesso de hormônio tiroideano e suas ações conforme já mencionadas (BRANQUINHO et al., 2010). 21 2.2.2 Hipertensão sistêmica Denomina-se hipertensão arterial a uma elevação persistente de pressão arterial sistólica ou pressão arterial diastólica ou de ambas, em relação aos valores normais, segundo características de sexo, raça e outros fatores inerentes tanto ao indivíduo como ao meio (MUCHA; CAMACHO, 2003). A hipertensão arterial primária ou essencial é muito rara. A maioria corresponde à uma causa secundária, onde algumas tem-se demonstrado na prática clínica e outras ainda em estudo. Entre as causas secundárias nos gatos podemos citar o hipertiroidismo, doença renal crônica e o diabetes mellitus. No hipertiroidismo, os hormônios tiroideanos aumentam o número de receptores adrenérgicos, sensibilizando desta forma ainda mais o coração aos efeitos das catecolaminas, desta forma tem-se como resultado o aumento da freqüência cardíaca, do inotropismo e consequentemente a pressão arterial. Na doença renal crônica existe uma incapacidade renal de eliminação de sódio e água, ou ainda pela falta de produção de agentes vasodilatadores (prostaglandinas e prostaciclinas, entre outros), além de que nesta doença há a possibilidade de produzir hipercolesterolemia, causa possível de hipertensão arterial. O diabetes é suspeito de produzir hipertensão, porém os seus mecanismo ainda não estão claros, mas acredita-se que possa dever à expansão do fluxo extracelular, ativação do sistema renina-angiotensina, alteração na sensibilidade dos vasopressores ou por falta na produção de agentes vasopressores ou natriuréticos (MUCHA; CAMACHO, 2003). A hipertensão arterial atinge gatos de meia- idade a geriátricos, sendo um dos diagnósticos diferenciais mais comuns na cardiomiopatia hipertrófica felina. Em geral considera-se hipertensão sistêmica neste animais, valores de pressão sistólica e pressão diastólica que excedem 180 mmHg e 120 mmHg respectivamente (NOBREGA, 2011). As alterações cardíacas secundárias são comuns em gatos hipertensos, pois estas alterações são antes a consequência que a causa da hipertensão (SNYDER, 2006). Os efeitos da hipertensão arterial nos gatos, manifestam-se através da hipertrofia ventricular concêntrica esquerda, na diminuição do diâmetro ventricular esquerdo, da dilatação do átrio esquerdo e consequentemente dos movimentos anormais valvulares. Existem relatos também em gatos hipertensos com disfunção sistólica e diastólica, em resposta a hipertrofia do miocárdio. Todas estas respostas adaptativas correspondem ao aumento na pressão da carga no coração, levando assim a um aumento do estresse da parede do ventrículo esquerdo. Em muitos casos a disfunção diastólica em conjunto com o espessamente do ventrículo esquerdo vem a 22 culminar em isquemia do miocárdio, fibrose do tecido cardíaco causando desta forma a instalação da insuficiência cardíaca (NOBREGA, 2011). Nos gatos a queixa apresentada mais habitual é a cegueira e/ou dilatação pupilar. Em ambas as situações, a causa refere-se à uma retinopatia hipertensiva. Outros sinais como convulsões, desorientação, ataxia, andar em círculos, paresia e nistagmo são compatíveis com encefalopatia hipertensiva e já foram relatados em felinos. Gatos com hipertensão podem desenvolver sopros cardíacos sistólicos. Qualquer animal com suspeita de hipertensão deve ser submetido à mensuração indireta de pressão sangüínea. Outro ponto importante é identificar as anormalidade relacionadas à processos patológicos como hipertiroidismo, doença renal crônica, diabetes e até mesmo feocromocitoma (SNYDER, 2006). 2.2.3 Acromegalia A acromegalia resulta da hipersecreção do hormônio do crescimento, a somatotropina, realizado pelas células somatotrópicas tumorais, localizadas na glândula hipófise anterior. É uma doença rara nos gatos. A idade média dos gatos acometidos é de 10 anos, com variação relatada de 8 a 14 anos. A maior parte dos casos tem sido relatados em gatos machos. A hipersecreção deste hormônio induz ao aumento da somatomedina C (fator de crescimento semelhante a insulina), promovendo assim síntese protéica e crescimento em diversos tecidos, uma organomegalia generalizada. No que se refere a alterações ósseas e nos tecidos moles, estas são mais proeminentes nas regiões cefálica, cervical e nas extremidades distais. Com a anormalidade do crescimento das cartilagens articulares, estas alteram a biomecânica normal da articulação levando futuramente à uma artropatia degenerativa. No coração o efeito é a hipertrofia cardíaca que frequentemente resulta em insuficiência cardíaca congestiva (TYLER, 2008). . Esta hipertrofia é secundária à ação da secreção crônica do hormônio do crescimento (GH). Vale ressaltar que este hormônio está aumentado em 60% dos gatos com CMH, mesmo sem sofrerem de acromegalia, concluindo desta forma que ainda não está claro se o GH é uma causa ou conseqüência da CMH (BRANQUINHO et al.; 2010). 23 2.2.4 Outras causas O aumento do miocárdio também pode ser resultado de uma doença infiltrativa neoplásica, por um linfoma ou por distrofia muscular (BRANQUINHO et al.; 2010; NOBREGA, 2011) . O linfoma é um tumor de origem hematopoética, sendo considerado a neoplasia mais comum nos felinos. Normalmente a sua infiltração no miocárdio resulta de um linfoma disseminado, o multicêntrico. O linfoma primário cardíaco nos gatos é extremamente raro. Não somente o linfoma, mas outras neoplasias podem fazer mestástases no coração dos gatos, são eles : o hemangiossarcoma, o carcinoma da glândula mamária, o carcinoma pulmonar, adenocarcinoma salivar e o melanoma oral. Outro ponto importante a ser mencionado é que o derrame pericárdico na presença de CMH, pode ser indicativo de processo infiltrativo neoplásico, sendo descartado a CMH como doença primária (NOBREGA, 2011). 3 PREVALÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA O reconhecimento das miocardiopatias, especificamente da cardiomiopatia hipertrófica felina é recente, particularmente em meados dos anos 70 (ABBOTT, 2010). A CMH é uma doença que tem intrigado cardiologistas veterinários há décadas. A CMH é a cardiopatia de maior prevalência na população felina. Através dos exames de ecocardiografia bidimensional pode-se fazer diagnósticos mais apurados em gatos, mesmo que assintomáticos (SAMPEDRANO et al., 2006). Vale ressaltar que ainda prevalece discrepância entre valores ecocardiogáficos para CMH entre diferentes cardiologistas, portanto a escolha de valores de referencia é uma questão pertinente que merece especial atenção. De outro lado pela ecocardiografia tem-se a incapacidade de detectar gatos que carregam genes mutantes, mas um teste genético para uma mutação na proteína -C ligante da miosina (gene cMyBP-C), encontrado entre gatos Maine Coon com CMH já está disponível (GUNDLER et al., 2008). A cardiomiopatia hipertrófica manifesta-se em gatos de raça pura, porém há relatos de ocorrência desta doença em animais de raça indeterminada. Entre os pacientes felinos a ocorrência da CMH foi observada em raças como o Maine Coon, Persa, Ragdoll, e gatos de pêlo curto americano. Uma herança genética já esta documentada nas raças Manine Coon e 24 Ragdoll, bem como mutações genéticas. A predisposição da doença, de acordo com a maioria dos estudos, se refere à machos (ABBOTT, 2010). Além disso notou-se que machos desenvolvem a doença mais precocemente que as fêmeas e manifestam a forma mais grave da doença (MARQUES, 2010). No que tange á idade dos animais acometidos pela CMH, relatase que a doença pode ser encontrada em qualquer faixa etária , pois existem casos mencionados em gatos de 3 meses a 10 anos ou mais (ROBERTSON, 2009). 4 FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da CMH felina envolve anormalidades sistólicas, anormalidades diastólicas e isquemia miocárdica. Como conseqüência da hipertrofia ventricular, o miocárdio apresenta maior rigidez e sua capacidade de relaxamento apresenta-se diminuída, dando lugar à uma disfunção diastólica. Acredita-se que esta disfunção diastólica é o principal mecanismo fisiopatológico das manifestações clínicas da CMH (ABBOTT, 2010). A disfunção diastólica refere-se à diminuição da capacidade do ventrículo esquerdo em receber o sangue ou preencher-se sem aumento compensatório na pressão do átrio esquerdo. O enchimento ventricular esquerdo prejudicado pode causar dispnéia como resultado de edema pulmonar, ou provocar letargia, síncope ou morte súbita como conseqüência na queda do volume sistólico. Além disso, a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo retarda o fluxo normal do átrio esquerdo, predispondo ao aumento atrial esquerdo, estase circulatória e tromboembolismo. O declínio da função diastólica nos felinos com CMH ocorre como resultado de alta rigidez da câmara cardíaca (baixa complacência), assim como do relaxamento prejudicado do miócito. O aumento desta rigidez do ventrículo esquerdo, tem origem a partir da rigidez passiva do miocárdio como conseqüência de fibrose do tecido cardíaco e desarranjo do miócito, bem como do incremento da massa muscular. O dano no relaxamento do miocárdio nos pacientes com CMH felina também contribui para a disfunção diastólica. Também é possível observar dano ao desempenho sistólico, como resultado muito provável da extensa fibrose do miocárdio que ocorre com a doença crônica. Outras anormalidades sistólicas incluem a regurgitação da válvula mitral, e esta muito provavelmente é secundária a geometria do ventrículo esquerdo ou ao movimento sistólico anormal dos folhetos da válvula mitral causado pelo fluxo de saída de alta velocidade no trato do ventrículo esquerdo (efeito Venturi) (BRIGHT, 2006). 25 Os animais com CMH apresentam vascularização coronariana alterada com a luz diminuída, que favorece a formação de isquemias miocárdicas, responsáveis por provocar aumento na demanda de oxigênio e o aparecimento de arritmias (JORRO; MANUBENS, 2003). 4.1 HIPERTROFIA CONCÊNTRICA Na cardiomiopatia hipertrófica felina o desenvolvimento da hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo é resultado do aumento da espessura do miocárdio e inflexibilidade das paredes ventriculares com conseqüente diminuição da pós-carga (MARQUES, 2010) (Figura 5). A hipertrofia do ventrículo esquerdo apresenta diferentes morfologias e distribuições variáveis; a hipertrofia pode ser simétrica, onde há o acometimento de todos os segmentos da parede de forma proporcional, ou assimétrica onde são acometidos somente os segmentos do septo interventricular, a parede livre do ventrículo esquerdo e/ou os músculos papilares. As alterações morfológicas incluem a hipertrofia do septo, que leva a um estreitamento do trajeto do fluxo de saída e a uma obstrução dinâmica ao fluxo de saída pelo ventrículo esquerdo (JACKSON, 2004) (Figura 6). Hipertrofia do ventrículo é a resposta normal a pressão ventricular aumentada, mas em CMH idiopática não há nenhuma causa óbvia da hipertrofia. Outro ponto é que a hipertrofia ventricular também ocorre como uma resposta sistêmica para hipertensão, entre outras doenças como acromegalia, hipertiroidismo e infiltrações neoplásicas (FUENTES, 1993). Com relação aos miócitos, o seu crescimento na hipertrofia pode fazer de duas maneiras, seja pela adição de sarcômeros em série ou em paralelo. Porém é relevante ressaltar que tal crescimento não é acompanhado de multiplicação de miócitos (MILL; VASSALLO, 2001). Outros fatores que podem estar relacionados com a hipertrofia cardíaca são as endotelinas -1 e a angiotensina II, por serem potentes estimulantes das sínteses protéica no miocárdio. Tem sido feito um grande esforço na tentativa de se encontrar resposta pelo qual estes agentes poderiam interferir na expressão gênica e induzir hipertrofia. Durante muito tempo a angiotensina II foi o mais salientado em exercer este papel, porém estudos em camundongos não confirmaram esta hipótese (MILL; VASSALO, 2001). 26 Alterações na regulação do fluxo de Ca2+ entre o exterior e interior dos miócitos poderiam estar envolvidos na redução da contratilidade cardíaca e na hipertrofia ventricular, mas ainda nada foi comprovado (NOBREGA, 2011). Figura 5: Corte de um coração de um gato Maine Coon, com severa CHM. Miocárdio sofreu contração pósmortem que resultou em obliteração da cavidade do ventrículo esquerdo. Músculos papilares amplamente hipertrofiados podem ser visualizados como uma massa rósea de tecido abrangendo dois terços da parede interna do ventrículo esquerdo (seta). Fonte: Kittleson et al., 1999 Figura 6: Padrão de distribuição de hipertrofia cardíaca, em corações de gatos com CMH (amostras de cortes longitudinais, correspondente a ecocardiografia bidimensional, em eixo longo com vista paraesternal direita) Legenda: Hipertrofia substancial e difusa do VE de A a D (parede do septo e VE assinalados em vermelho); Hipertrofia segmentar de VE em E e F; A- Hipertrofia concentrica simétrica do septo interventricular e paredes do VE; B e C- Hipertrofia assimétrica difusa e substancial, afetando principalente o septo (B) ou a parede VE (C); D- Hipertrofia difusa, mais proeminente na base do septo; E e F- Hipertrofia segmentar do VE, associada principalmente à base do septo ventricular. Fonte: Nóbrega, 2011 27 Figura 7: Coração dissecado de um Maine Coon com grave CMH. Corte passou entre ambos músculos papilares hipertrofiados que causaram obstrução da cavidade ventricular (seta à direita). Átrio esquerdo moderadamente aumentado, abrigando um grande trombo (seta à esquerda). Fonte: Kittleson et al., 1999. 4.2 ISQUEMIA DO MIOCÁRDIO A isquemia do miocárdio está presente em animais com CMH como resultado da redução da densidade capilar, do estreitamento das artérias coronárias intramurais e do aumento da resistência vascular. Havendo menor aporte sanguíneo para o coração, a isquemia do miocárdio tem sua relevância por prejudicar ainda mais o processo de relaxamento miocárdico dependente de energia, comprometendo com isso, a função diastólica. Além disso ela é importante, pois pode ser responsável pelo mal estar e pela letargia causados pela dor anginal e ainda predispõe indubitavelmente a arritmias letais (BRIGHT, 2006). A patogênese da isquemia do miocárdio ainda não foi muito bem esclarecida, porém não se nega o fato de que ela é responsável pelo infarto do miocárdio. Alguns estudos propõem diversas hipóteses para o fator desencadeante da isquemia, eles são : em relação a hipertrofia do miocárdio há um menor número de capilares que não acompanha este grau de hipertrofia, a redução do lúmen dos vasos coronários causados pela doença intramural das artérias coronárias, relaciona-se com hipertrofia da camada íntima e média destes vasos, 28 resultando na diminuição do lúmen dos mesmos e alteração do fluxo sangüíneo consequentemente, o aumento da pressão do enchimento do ventrículo esquerdo (NOBREGA, 2011). O infarto do miocárdio é um achado incomum na CMH felina e humana. As alterações clínicas e o prognóstico estão na dependência da localização e extensão do infarto, observando-se em casos graves disfunção sistólica, comprometimento hemodinâmico grave, arritmias ventriculares e morte . Havendo maior necessidade de oxigênio e este não estando disponível, devido a diminuição da perfusão coronária, ocorre a hipóxia e isquemia do miocárdio que vão ser responsáveis pelo infarto , morte celular e substituição dos miócitos por tecido de cicatrização- tecido fibroso (SILVA et al., 2009). Dependendo do tempo de evolução e de características macro e microscópicas o infarto do miocárdio pode ser classificado em agudo onde encontramos hipereosinofilia de miofibrilas, perda de estriações e separação destas por edema além de um infiltrado inflamatório consituído por neutrófilos e macrófagos; em subagudo com áreas necróticas e delimitados por tecido de granulação, este tipo de infarto é observado de quatro a quatorze dias após o estímulo patológico; e em crônicos que se caracterizam por fibrose e tecido de granulação maduro (SILVA et al., 2009) (Figuras 8 ,9 e 10). A estrutura molecular da troponina I (cTnl) é altamente conservada entre espécies de mamíferos e ensaios desenvolvidos para sua medição em pacientes humanos e também foi validados em um número de espécies veterinárias. O aumento da concentração de circulação do cTnl é um marcador sensível e específico de doença cardíaca onde há lesão de miócitos. Níveis elevados têm sido documentados em uma variedade de pacientes cardiopatas tanto em humanos como em animais. Em um estudo feito por Connolly e colaboradores foi comparado o soro com concentração de cTnl de 16 gatos com diagnósticos de CMH e 18 gatos controle. Os resultados mostraram que gatos com CMH tem concentração significamente maior de soro cTnl do que os gatos controle. Estes resultados sugerem que a medição da concentração de cTnl no soro pode permitir que os gatos com cardiomiopatia possam ser distinguidos de gatos normais, ou seja o estudo demonstrou que o teste para medição da troponina I é altamente específico e sensível marcador de danos celulares do miocárdio (CONNOLLY et al., 2003). 29 Figura 8: Fotomiografia do miocárdio ventricular esquerdo de um gato com CMH e infarto do miocárdio. Observar desarranjo de fibras na parede do ventrículo esquerdo (seta branca) circundado por infiltrado inflamatório e fibras necróticas (seta sem preenchimento) (HE, obj. 40X). Fonte: Silva et al., 2009. Figura 9: Fotomiografia do miocárdio ventricular esquerdo de um gato com CMH e infarto do miocárdio. AInfarto miocárdico na parede ventricular esquerda. Observam-se fibras musculares com hipereosinofilia de citoplasma, entremeadas por infiltrado inflamatório neutrofilico focalmente extenso (HE,obj. 10X). B- Mesma fotomiografia de A em maior aumento, observando-se perda de estriações das fibras musculares e hipereosinofilia associados a um infiltrado inflamatório intersticial de polimorfonucleares (HE, obj. 40X). Fonte: Silva et al., 2009. 30 Figura 10: Fotomiografia do miocárdio ventricular esquerdo de um gato com CMH e infarto do miocárdio. Observar trombo (seta) em artéria coronária do átrio esquerdo (HE,obj. 10X). Fonte: Silva et al., 2009. 4.3 OBSTRUÇÃO DINÂMICA DO TRATO DE SAÍDA DO VENTRÍCULO ESQUERDO A hipertrofia ventricular, particularmente a do septo, ou um posicionamento irregular dos músculos papilares. em certas ocasiões, produz um movimento anormal do folheto septal da valva mitral que leva à obstrução dinâmica da via de saída ventricular esquerda (Forma obstrutiva da CMH) e a aparição de insuficiência mitral com as conhecidas conseqüências (JORRO et al.; 2003). O trato de saída do ventrículo esquerdo é formado anteriormente pelo septo interventricular e posteriormente pelo folheto anterior da válva mitral (NOBREGA, 2011). O movimento anterior anormal sistólico da valva mitral consiste em um movimento que obstrui o trato de saída do ventrículo esquerdo, pois por meio do contato dos folhetos da valva com o septo interventricular hipertrofiado, resulta desta forma na projeção de duas estruturas para a via de saída do ventrículo esquerdo durante a sístole, culminando em uma obstrução ao fluxo sangúíneo de saída deste ventrículo (KIENLE, 2001). Os gatos afetados apresentam diferentes graus de obstrução, tal como é relatado em humanos. A denominação 31 geralmente é conhecida como cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva ou estenose sub aórtica. Esta situação apresenta-se em 67% dos gatos com CMH no momento do exame de ecocardiografia, porém até o momento ainda não foi provado que estes pacientes no seu ambiente (casa) também exibam tal alteração (BRANQUINHO et al., 2010). Diversos mecanismos já foram propostos para explicar a fisiopatologia da obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, incluindo disfunção dos músculos papilares, alterações da válvula mitral entre outras. O aumento de pressão é verificado neste tipo de cardiopatia obstrutiva que pode mais tarde ser traduzido em uma isquemia subendocardial progredindo para necrose e fibrose do miocárdio. Havendo anormalidades no que tange ao funcionamento da válvula mitral, há regurgitação de sangue em direção ao átrio esquerdo, criando um fluxo sanguíneo turbulento, o que caracteriza um sopro de ejeção típico na CMH (NOBREGA, 2011). 4.4 DISFUNÇÃO DIASTÓLICA O declínio da função diastólica nos gatos com CMH ocorre como resultado de rigidez elevada da câmara (baixa complacência) assim como do relaxamento prejudicado do miocárdio. O aumento na rigidez da câmara do ventrículo esquerdo origina-se do aumento da rigidez passiva do miocárdio como conseqüência de fibrose do tecido e desarranjo do miócito, bem como do incremento da massa muscular (relação de volume-massa reduzida). O dano no relaxamento do miocárdio nos pacientes com CMH felina também contribui com a disfunção diastólica (BRIGHT, 2006). A disfunção diastólica ocorre como um resultado de início retardado de relaxamento e um aumento na rigidez do ventrículo. Fibrose miocárdica, hipertrofia concêntrica e desarranjo de miócitos são determinantes na disfunção diastólica e na morte súbita cardíaca na CMH em humanos e animais (MACDONALD et al., 2008). Outros fatores podem ser relevantes tais como, alterações de carga, isquemia, necrose e inflamação do miocárdio (NOBREGA, 2011). De acordo com um estudo da disfunção sistólica e diastólica de gatos com cardiomiopatia hipertrófica ou ainda com hipertensão sistêmica salientou-se que a função diastólica pode ter estar comprometida mesmo antes do aparecimento da hipertrofia do ventrículo. Conforme a função diastólica vai se degradando, a dependência do ventrículo esquerdo em relação ao átrio esquerdo para que ocorra o enchimento ventricular , torna-se 32 cada vez maior, culminando desta forma em um aumento da pressão atrial esquerda (SAMPEDRANO, 2006). 4.5 ATIVAÇÃO DO SISTEMA NEURO-HORMONAL 4.5.1 Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) do sistema nervoso simpático (SNS) O papel dos sistemas neuro-hormonais na insuficiciência cardíaca congestiva, bem como a utilização dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) no controle da CMH são tópicos ainda controversos (BRIGHT, 2006). A ativação de sistemas neuro-hormonais em pacientes com doença cardíaca pode diminuir potencialmente a taxa de filtração glomerular (TFG) e consequentemente alterar a função renal. Disfunção sistólica e diastólica estão presentes em CHM , em estados avançados da doença, sendo assim o volume sistólico e consequentemente a perfusão sanguínea dos tecidos é prejudicada. Com a hipoperfusão renal a ativação do sistema nervoso simpático bem como do sistema renina-angiotensina-aldosterona são imediatamente acionados. Estes eventos podem levar a algum grau de insuficiência renal em gatos com CHM (GOUNI et al., 2008). Figura 11: Formação de angiotensina e suas ações em orgãos alvo. . Fonte: Oigman; Neves, 2000. 33 Na redução do débito cardíaco promove-se uma deficiente perfusão sanguínea, com isto barorreceptores localizados no arco aórtico, seio carotídeo e nas arteríolas renais, são estimulados bem como as células do aparelho justaglomerular nos rins. Este estímulo promove a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona dando início á produção dos hormônios angiotensina II e aldosterona. onde ambos aumentam a retenção de sódio e água (Figura 11). A angiotensina II é um potente vasoconstritor que promove o aumento da précarga tendo também efeitos tróficos sobre o miocárdio, iniciando um ciclo vicioso no decurso da CMH. O aumento do volume sanguíneo leva ao aumento do retorno venoso para o coração, o que implica no aumento da tensão do miocárdio. Tanto a angiotensina II como a aldosterona podem exercer efeitos deletérios sobre o miocárdio incluindo hipertrofia dos miócitos e fibrose, que são independentes dos efeitos sobre a pressão arterial e ativação do sistema nervoso simpático. Estudos experimentais mostram que a concentração de renina renal é aumentada em gatos com CHM no exame pos-mortem. Da mesma forma a atividade de renina plasmática e concentrações de aldosterona no plasma podem estar aumentadas em gatos com cardiomiopatias e são muito aumentadas em gatos com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) (MACDONALD et al., 2006). A angiotensina II é conhecida por aumentar a pressão arterial. O volume circulatório pode ser aumentado pela angiotensina II pois esta pode estimular a sede e a secreção de vasopressina (ADH) e de aldosterona. Em pacientes com função cardíaca comprometida, a permanência deste mecanismo provoca a deterioração do tecido cardíaco. A liberação do vasoconstritor endotelina, pelas células endoteliais, é estimulada pela angiotensina II. O aumento da pressão arterial (PA) e a hipertrofia vascular induzida pela angiotensina II é em parte induzida por um aumento na produção endógena de endotelinas. Há evidências que a angiotensina II é capaz de induzir resposta inflamatória na parede vascular, pois esta induz interações entre os leucócitos e o endotélio, aumentando a quimiotaxia com posterior elevação da produção de citocinas, além de apresentar efeito na produção de radicais livres que geral reação inflamatória vascular. A angiotensina II tem efeitos diretor e indiretos sobre o coração, os quais afetam a freqüência cardíaca, a contratilidade e o crescimento celular. Induz à resposta inotrópica positiva, independente do sistema β- adrenérgico. Esta ação inotrópica é dose-dependente e mediada por receptores de angiotensina. Indiretamente, a angiotensina II aumenta a freqüência cardíaca em decorrência da facilitação do tônus simpático, do aumento da neurotransmissão noradrenérgica e da liberação de catecolaminas pela adrenal. Cronicamente, a angiotensina II induz mudança na forma, composição e tamanho do coração, em um processo denominado remodelação miocárdica. Estas alterações incluem hipertrofia, 34 acúmulo de colágeno no compartimento intersticial com evolução para morte celular miocárdica e fibrose cardíaca (Figura 12). Apesar desta remodelação do mocárdio ser um processo adaptativo, no sentido de preservar a função ventricular, este processo poderá ser deletério quando o estímulo é patológico e contínuo. Evoluindo esta remodelação, o que se vê é uma disfunção ventricular progressiva que culmina com insuficiência cardíaca e morte prematura (Figura 13). A necrose do miocárdio é um fator responsável pelas alterações estruturais do coração. A angiotensina II tem sido associada à necrose dos miócitos e reforçando a denominação que a angiotensina II é conhecida como “substância cardiotóxica” esta também tem participação na apoptose das células cardíacas (TRAPP et al., 2009). A perda de miócitos gerada por apoptose aumenta a carga sobre os miócitos restantes, que também tenderão a sofrer necrose ou apoptose, criando assim um círculo vicioso que piora a disfunção ventricular. Assim conclui-se que a apoptose destes miócitos é um contribuinte importante para a evolução do remodelamento e da insuficiência cardíaca (PONTES; LEÃES, 2004). A produção de aldosterona pela adrenal é estimulada pela angiotensina II. Este hormônio está aumentado no miocárdio na insuficiência cardíaca, e tem papel importante na formação de colágeno, fibrose e remodelamento cardíaco (PONTES; LEÃES, 2004). Figura 12: Sequência de eventos após insulto miocárdico, levando a remodelamento e insuficiência cardíaca. Fonte: Pontes; Leães, 2004. 35 Figura 13: Mecanismo de dano e disfunção miocárdica progressiva. Fonte: Pontes; Leães, 2004. 4.5.2 Peptídeos natriuréticos Os peptídeos natriuréticos são hormônios produzidos pelos cardiomiócitos, sendo constituídos pelo peptídeo natriurético atrial (PNA) e peptídeo natriurético cerebral (PNB). Estes hormônios são liberados na circulação como resultado do estiramento da parede cardíaca, ou seja em resposta ao aumento da tensão da parede dos atrios e, desempenham papel fundamental na homeostase eletrolítica e na regulação da pressão arterial, por induzir diurese, natriurese e vasodilatação periférica, contrariando os efeitos produzidos pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) (MACLEAN et al., 2006) (Figura 14). O PNA é sintetizado pelas células cardíacas localizadas nos átrios esquerdo e direito e em pequena quantidade produzida pelos ventrículos e sua ativação ocorre decorrente ao estiramento da parede atrial, além do aumento intravascular do volume e pressão sanguínea (BIONDO et al., 2003). O PNB é produzido pelas células cardíacas dos átrios e dos ventrículos e o aumento da sua produção deve-se ao aumento do estiramento do miocárdio. A alta concentração do PNB está relacionada à fatores como: isquemia, arritmia, doença cardíaca valvular, hipertensão com hipertrofia do ventrículo esquerdo e disfunção do ventrículo esquerdo assintomática (NOBREGA, 2011). 36 Tem sido investigado o uso do peptídeo natriurético atrial (PNA) e o peptídeo natriurético cerebral (PNB) como marcadores de diagnóstico de doença cardíaca em gatos. Supõe-se que a distribuição cardíaca destes hormônios aumenta em gatos com cardiomiopatia hipertrófica. Biondo e seus colaboradores realizaram estudos por meio da imunoistoquímica da distribuição destes hormônios nos corações de gatos saudáveis e gatos com cardiomiopatia hipertrófica, concluindo que nestes últimos, a distribuição dos hormônios PNA e PNB é mais proeminente e mais difusamente distribuída dentro dos átrios, onde encontrou-se uma coloração mais intensa na região das aurículas atriais em comparação ao corpo dos átrios, e o PNB tem nova expressão dentro dos ventrículos, ao contrário dos gatos saudáveis onde a produção de PNA e PNB parece ser restrita aos cardiomiócitos atriais, mais especificamente àqueles que revestem a superfície do endocárdio (BIONDO et al., 2003) (Figura 15). Estes peptídeos têm receptores específicos que estão localizados em diversos órgãos, tais como os pulmões, rins, glândulas adrenais, coração, sistema vascular, sistema nervoso central e pele, sendo que seus efeitos estão restritos aos locais de atuação e da sua produção. Estes hormônios quando ativados vão induzir a diurese e a natriurese ao inibirem o transporte dos íons sódio (Na2+) no ducto coletor que estão localizados nos rins, inibindo concomitantemente também a produção de renina e angiotensina (NOBREGA, 2011). O PNA e o PNB têm se mostrado como potentes marcadores auxiliares para o diagnóstico histológico da cardiomiopatia hipertrófica, porém mais estudos seriam necessários para um diagnóstico mais preciso destes peptídeos como marcadores de tecidos , particularmente em sua capacidade de diferenciar CMH de outras causas de hipertrofia cardíaca (BIONDO et al., 2003). Figura 14: Representação gráfica dos efeitos hemodinâmicos dos peptídeos PNA e PNB através do receptor Tipo-A (NPR-A) Fonte: Ribeiro, 2010. 37 Figura 15: Figuras de 1-12. Imunoistoquímica do PNA e PNB. Corações de gatos controle (saudáveis) e gatos com CMH. En: superfície endocardial; Ep: superfície epicardial; N: feixe de nervos; PNA: peptídeo natriurético atrial; PNB: peptídeo natriurético cerebral. Figura 01: Átrio, coração controle, PNA. Cardiomiócitos com intensa coloração, adjacente a superfície do endocárdio, com nervos negativos. Barra = 220 µm. Figura 02: Átrio; CHM, PNA. Imunorreatividade mais difusa e os padrões em camada menos distinta. Barra = 220 µm Figura 03: Átrio; controle, PNA. Distribuição granular no citoplasma dos cardiomiócitos. Barra = 22 µm. Figura 04: Átrio (mesmo bloco (amostra) de tecido da figura 01); controle, PNB. Cardiomiócitos corados em padrão semelhante ao da figura 01 mas nervos corados positivamente. Barra = 220 µm . Figura 05: Átrio, CMH, PNB. Imunorreatividade difusa com padrão similar ao da figura 02. Barra = 220 µm. Figura 06: Átrio, controle, PNB. Imunorreatividade de fibras nervosas junto ao músculo cardíaco. Barra = 22 µm. Figura 07: Ventrículo, controle, PNA. Cardiomiócitos sem coloração. Barra = 220 µm. Figura 08: Ventrículo, CMH, PNA. Cardiomiócitos sem coloração. Barra = 220 µm. Figura 09: Ventrículo, controle, PNB. Controle de coloração negativo por 10 a 12 slides. Barra = 55 µm. Figura 10: Ventrículo, controle, PNB. Cardiomiócitos corados negativamente e capilares intersticiais positivamente (setas). Barra = 55 µm. Figura 11: Ventrículo, CMH, PNB. Capilares corados positivamente (setas) e cardiomiócitos com coloração clara e difusa para PNB. Barra = 55 µm. Figura 12: Ventrículo, CHM, PNB. Aumento maior da coloração capilar e dos cardiomiócitos. Barra = 22 µm Fonte: Biondo et al., 2003. 38 4.6 EDEMA PULMONAR E DERRAME PLEURAL A função primária do coração é receber a drenagem venosa que retorna dos leitos capilares, bombeando-a de volta à circulação arterial. Quando, por qualquer razão o débito cardíaco, em geral correspondente ao débito do coração esquerdo é incapaz de equilibrar as demandas circulatórias do corpo por um período prolongado, ocorre a insuficiência cardíaca. Para que o coração realize a sua função de bombear nutrientes para todo o organismo é imperativo que sejam mantidos a pressão de perfusão e o volume de sangue arterial efetivos. Isto é conseguido através do equilíbrio entre o débito cardíaco e a resistência vascular sistêmica. Os mecanorreceptores situados no ventrículo esquerdo, nos seios carótideos, no arco aórtico e nas arteríolas renais aferentes , ao detectarem subenchimento no compartimento vascular arterial deflagram respostas regulatórias para manter a homeostase, entre elas: o aumento da atividade simpática do sistema nervoso central, o sistema renina-angiotensinaaldosterona, iniciando desta forma a retenção não osmótica de água livre solúvel e elevando assim o consumo hídrico pelo estímulo da sede. A conseqüência desses ajustes é a expansão do volume total de líquido vascular, na tentativa de restaurar o volume sanguíneo arterial efetivo. Portanto as características importantes da insuficiência cardíaca são: volume sanguíneo arterial efetivo reduzido, volume fluídico corpóreo total aumentado e pressão de enchimento de ventrículo elevada (KNIGHT; SLEEPER, 2006). No decurso da CMH, o volume diastólico final pode sofrer queda causando desta forma uma redução do volume de ejeção pelo ventrículo esquerdo, diminuindo assim o débito cardíaco, tornando-se incapaz de assegurar a perfusão de órgãos e tecidos. Esta redução de perfusão, restringe o fluxo sanguíneo para os rins que respondem com a estimulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), resultando na retenção de sódio e água e consequentemente no aumento da pressão diastólica no ventrículo e átrio esquerdo, no aumento da pressão na veia pulmonar, capilares pulmonares e capilares da pleura visceral culminando assim em edema pulmonar, e por muitas vezes em efusão pleural. Nos casos de efusão pleural em gatos com CMH, não é observado insuficiência cardíaca direita, porém acredita-se que este evento seja secundário a insuficiência cardíaca esquerda, por aumento de pressão nas veias pulmonares que drenam a pleura visceral, além do aumento crônico da pressão ao átrio esquerdo que é transmitido a vasculatura pulmonar resultando em hipertensão pulmonar grave e algumas vezes em insuficiência cardíaca direita (MARQUES, 2010). 39 4.7 TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL O tromboembolismo arterial (TEA) é uma complicação comum na CMH felina, ocorrendo em 20% a 40% dos casos (SCHWARTZ, 2003). O tromboembolismo refere-se à oclusão parcial ou total das artérias, por um êmbolo e trombo. Estes êmbolos não são identificados habitualmente antes da morte, mas presume-se que estes sejam oriundos do coração, sendo que os locais mais típicos de formação são o átrio esquerdo, em particular no apêndice da aurícula esquerda e, raramente no ventrículo esquerdo. Os locais mais comuns da localização destes êmbolos são na trifurcação aórtica distal (trombo em sela) (Figura 16), na artéria braquial (êmbolo de membro anterior), artérias viscerais, incluindo a artéria mesentérica e artérias renais e na região de artérias cerebrais (LASTE, 2006). Assim que se aloja, o trombo estimula a liberação de substâncias vasoativas, entre elas, o tromboxano e a serotonina, estas iniciam sua ação estimulando a vasoconstrição das artérias colaterais e promove a interrupção da perfusão do fluxo sanguíneo direcionado aos membros posteriores (MACDONALD, 2008). O típico paciente com TEA, um gato macho de meia-idade, provavelmente reflete a predileção etária e sexual para a ocorrência desta afecção. Foi descrita a idade média de 7,7 anos, com a ocorrência de 67% dos casos em gatos machos (LASTE, 2006). O principal fator predisponente para a ocorrência do tromboembolismo aórtico felino é a presença de doença cardíaca. Mais especificamente, o aumento do átrio esquerdo parece estar vinculado a alto risco de TEA (LASTE, 2006). Na cardiomiopatia hipertrófica felina o átrio esquerdo se torna cada vez mais dilatado, em consequência com o aumento da regurgitação da válva mitral e o aumento da pressão no seu interior, a velocidade de fluxo sanguíneo no interior do átrio esquerdo diminui. Havendo estase sanguínea há o início da agregação plaquetária, incitando a formação dos coágulos. É importante ressaltar que somente o aumento do átrio esquerdo não é por si só o único fator da formação dos coágulos, outros fatores como diminuição da função atrial, estase sanguínea, a elevação da agregação dos eritrócitos e a hiperviscosidade do sangue, são também itens muito importantes na gênese dos trombos. De acordo com estudos feitos por Macdonald, três fatores estariam envolvidos na formação dos TEA: hipercoagulabilidade, estase sanguínea e lesão endotedial (Triângulo de Virchow) (NOBREGA, 2011). 40 O tromboembolismo aórtico está presente em 57% dos casos de gatos com cardiomiopatia hipertrófica, porém não é particular desta doença. A ocorrência do TEA pode ser visto também na cardiomiopatia restritiva ou intermediária (LASTE, 2006). Alguns sinais clínicos são particulares em relação à localização do trombo. No caso do trombo em sela podemos referenciar o método dos “seis Ps”, útil para lembrar os sinais deste embolismo periférico, são estes: processo doloroso, palidez, parestesia, paralisia, ausência de pulsação e pecilotermia. Os pacientes muitas vezes também exibem a musculatura posterior firme. Em relação ao êmbolo do membro anterior os sinais podem ser brandos,claudicação intermitente, ou mais graves como contração dos tendões e desuso de um dos membros ateriores afetados. Havendo obstrução completa, há a ausência de pulso braquial. O coxim plantar encontra-se tipicamente frio e pálido quando comparadado ao membro contralateral (LASTE, 2006). Figura 16: Trifurcação da aorta abdominal com a presença de tromboembolismo (seta) Fonte: Nóbrega, 2011. 41 4.8 HIPERTROFIA DOS MÚSCULOS PAPILARES A hipertrofia do músculo papilar pode ocorrer em conjunto ou ser a única indicação de cardiomiopatia hipertrófica ou outras doenças que resultam em hipertrofia ventricular esquerda concêntrica. A avaliação do tamanho da hipertrofia do músculo papilar é geralmente subjetiva, porque as medidas ainda não foram relatadas e pode ser diagnosticada mediante a avaliação da ecocardiografia. Um estudo feito por Adin e Poston, demonstrou que gatos com cardiomiopatia hipertrófica tinham medidas de músculos papilares maiores quando comparados aos gatos normais. Este método de diâmetro tem sido utilizado para identificar hipertrofia dos músculos papilares como uma manifestação de CMH em seres humanos. Sendo assim neste estudo conclui-se que a medição do músculo papilar feita de forma objetiva poderia ser potencialmente útil para o ínicio da detecção da cardiomiopatia hipertrófica felina, onde a hipertrofia dos músculos papilares poderia ser o primeiro ou único indicador da doença. A disponibilidade de um intervalo de referência para uma medida normal do músculo papilar também poderia ser útil, principalmente no exame ecocardiográfico demonstrando assim o que seria considerado dentro da normalidade e o que estaria hipertrofiado (Figuras 18 e 19). No momento ainda as avaliações são subjetivas, merecendo desta forma um estudo mais aprofundado futuramente (ADIN; POSTON, 2007) (Figura 17). 42 Figura 17: Visão ventricular esquerda ao nível dos músculos papilares ao final da diástole. A: Medida 1 indica o rastreamento da superfície externa do ventrículo esquerdo. Medida 2 indica traçado de área da superfície interna endocárdica do ventrículo esquerdo em torno dos músculos papilares. Medida 3 indica traçado de área da superfície interna do ventrículo esquerdo ignorando os músculos papilares. Fonte: Adin; Poston, 2007. 43 Figura 18: Visão ventricular esquerda ao nível dos músculos papilares ao final da diástole. Medida 1 e 2 indicam diretamente áreas rastreadas dos músculos papilares anterior e posterior respectivamente Fonte: Adin; Poston, 2007. Figura 19: Visão ventricular esquerda ao nível dos músculos papilares ao final da diástole. Medidas 1 e 2 indicam diâmetro horizontal dos músculos papilares anterior e posterior, respectivamente. Medidas 3 e 4 indicam diâmetro vertical dos músculos papilares anterior e posterior respectivamente. Fonte: Adin; Poston, 2007. 44 5 DIAGNÓSTICO O reconhecimento das miocardiopatias é recente, mais especificamente da cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH). Apesar de ser uma das mais importantes e comuns afecções do coração de gatos o seu diagnóstico ainda constitui um grande desafio para os veterinários, principalmente nos casos de gatos assintomáticos. Com o melhoramento no que se refere a exames de imagem e laboratoriais, como os descritos a seguir, o diagnóstico desta cardiopatia tem se mostrado mais elucidativo para os profissionais da área de medicina veterinária, juntamente com o conhecimento das características da doença propriamente dita, além de se levar em conta os diagnósticos diferenciais como o hipertiroidismo, a hipertensão arterial sistêmica, acromegalia, doenças estas também responsáveis pela hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo e do septo interventricular (ABBOTT, 2010). 5.1 SINAIS CLÍNICOS Muitos gatos com CMH de grau leve ou moderado apresentam-se assintomáticos. Relata-se que gatos com CMH grave também podem ser assintomáticos, mas podem também apresentar sinais clínicos (SCHWARTZ, 2003). Gatos com cardiomiopatias geralmente são reconhecidos quando na ausculta cardíaca, arritmias , sons de galope ou sopros são identificados incidentalmente durante exames de rotina, ou quando da sintomatologia clínica referente a insuficiência cardíaca ou tromboembolismo. Em alguns gatos afetados morte súbita é a primeira manifestação clínica da doença. Dificuldade respiratória como dispnéia, ortopnéia, anorexia e vômitos, relacionada com edema pulmonar, ou derrame pleural é a manifestação clínica mais comum da insuficência cardíaca da CMH felina. Estes sinais de insuficiência cardíaca em gatos normalmente tem um início súbito em contraste ao observado em cães. A tosse que para a espécie canina é um sinal clínico muitas vezes relacionada com doença cardíaca, em gatos é muito raramente observada (BRIGHT, 2006). Tem sido observado que em gatos com insuficiência cardíaca apresentam-se com hipotermia e azotemia pré-renal, secundário a ativação dos sistemas neuro-hormonais que diminuem potencialmente a taxa de filtração glomerular, alterando desta forma a função renal e a perfusão sanguínea para o corpo (GOUNI et al., 2008). As síncopes, apesar de pouco freqüentes, costumam estar 45 associadas a taquiarritmias ou a obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo e a morte súbita. Embora não seja habitual, também pode estar relacionada com situações de estresse ou de insuficiência cardíaca congestiva grave. No exame físico pode-se detectar a presença de um batimento cardíaco mais pronunciado à palpação no ápice cardíaco, sopros cardíacos provenientes das valvas atrioventriculares ou da valva aórtica no caso de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Quando há existência de arritmias, um ritmo de galope é percebido na auscultação cardíaca. Crepitação em caso de edema pulmonar e hipofonese cardíaca e pulmonar em casos de derrame pleural ou pericárdico. Quando observa-se a existência de tromboembolismo os animais apresentam-se com paresia ou paralisia aguda do membro posterior , pulso femoral fraco ou até inexistente, extremidades frias, com unhas e coxins pálidos chegando a cianose, rigidez dos músculos gastrocnêmicos e dor aguda à palpação (trombo em sela). Nos casos de insuficiência cardíaca congestiva direita, tem-se pulso jugular positivo, distensão abdominal por ascite, hepatomegalia e esplenomegalia. Caquexia e desidratação são freqüentes nesses casos, principalmente em fases crônicas. Palpação cuidadosa do pescoço pode revelar a presença de uma tiróide aumentada, em gatos de meia idade ou mais velhos, que podem revelar hipertiroidismo felino (FUENTES, 1993). 5.2 EXAME RADIOGRÁFICO Semelhante a muitos aspectos da CMH felina os achados radiográficos podem variar, dependendo sobretudo, da alteração hipertrófica, do grau de disfunção miocárdica, da presença de aumento secundário da câmara e da gravidade da congestão circulatória (BRIGHT, 2006). O exame radiográfico apresenta-se como um método pouco sensível em gatos com cardiomiopatia hipertrófica, principalmente no que se refere a identificar a hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. Seu uso concentra-se na identificação da insuficiência cardíaca congestiva, com presença de derrame pleural ou edema pulmonar (NOBREGA, 2011). De outro lado extremo zelo deve-se tomar se o gato apresenta-se com dispnéia. Se o derrame pleural é uma forte suspeita, então toracocentese deverá ser realizada antes da radiografia. Isto pode melhorar tanto as chances de sobrevivência do animal como uma maior quantidade de informações que pode ser obtida das imagens radiográficas (FUENTES, 1993). 46 Os principais achados radiográficos incluem cardiomegalia generalizada, afetando principalmente os átrios, edema pulmonar ou derrame pleural. Em algumas ocasiões pode-se ver a imagem do coração de “São Valentim”, ou “coração romântico” com ápice estreito e base alargada, típica mas não exclusiva da CMH (SCHWARTZ, 2003) (Figura 20). Contudo a silhueta cardíaca está aparentemente normal na maior parte dos gatos com ligeira CMH (BRANQUINHO et al., 2010), ou ainda por tratar-se de uma hipertrofia cardíaca que ocorre de forma concêntrica, alguns gatos podem não apresentar qualquer aumento apreciável deste coração (BRIGHT, 2006). Em alguns casos pode ser observado um desvio dorsal da traquéia, causado pela cardiomegalia e nos casos de derrame pleural acentuado. Vasos pulmonares (artérias e veias) dilatados e tortuosos, podem ser observados por meio de radiografia torácica, mas estes casos estão relacionados com estágios mais avançados da doença (NOBREGA, 2011). Nos casos de insuficiência cardíaca congestiva direita, há aumento do diâmetro da veia cava caudal, hepatomegalia e esplenomegalia nas radiografias abdominais e excepcionalmente ascite (JORRO; MANUBENS, 2003). Figura 20: Radiografias de gatos com CMH. Na imagem à esquerda cardiomegalia evidente. Na imagem à direita coração em forma de copas”ou coração de São Valentim”. Fonte: Ribeiro, 2010. 47 5.3 ELETROCARDIOGRAFIA Até 70% dos gatos com CMH apresentam alterações no eletrocardiograma (BRANQUINHO et al., 2010). Mas de outro lado é um método de diagnóstico pouco sensível em gatos que apresentam cardiomiopatia hipertrófica. Apesar de apresentarem alterações no eletrocardiograma, que podem ser úteis para o diagnóstico de CMH, ainda assim não providencia informação necessária capaz de excluir, confirmar ou classificar as doenças cardíacas nos felinos (NOBREGA, 2011). No gato, o eletrocardiograma é indicado para avaliar o ritmo dos batimentos cardíacos em condições normais ou quando efeitos de certas doenças sistêmicas entre as quais, doenças que provocam a hipercalemia pois dentre as alterações encontram-se arritmias ventriculares ou supraventriculares (COTE, 2010). O eletrocardiograma (ECG) pode ser apresentar sem alterações em felinos com CMH ou mostrar somente (supraventriculares) taquicardia prematuras, sinusal, ou taquicardia evidenciar despolarizações supraventricular, fibrilação atriais atrial, despolarizações ventriculares prematuras, taquicardia ventricular paroxística ou sustentada, uniforme ou polimórfica. Nos casos de hipertrofia do ventrículo esquerdo observa-se aumento da amplitude da onda R ou Q+R ou R+S, nos casos de aumento do átrio esquerdo observa-se aumento da duração da onda P. Esta onda P pode se mostrar de forma alargada ou alta. O bloqueio fascicular anterior esquerdo (desvio do eixo para a esquerda) é um achado comum em felinos com CMH. As arritmias ventriculares podem ocorrer na presença de hipertrofia ventricular grave pois esta leva ao surgimento de isquemia, necrose miocárdica e fibrose de miócitos. Outra fator que predispõe à ocorrência das arritmias ventriculares é o infarto do miocárdio, secundário ao tromboembolismo coronariano oriundo de trombo localizado no átrio esquerdo ou aurícula esquerda Taquiarritmias atriais (supraventriculares) podem ser conseqüência do aumento atrial esquerdo. Ocorrência de arritmias de origem atrial e/ou ventricular pode contribuir para a manifestção dos sinais clínicos, entre os quais baixo débito cardíaco ou sinais congestivos (SCHWARTZ, 2003). O eletrocardiograma é a única maneira de caracterizar uma arritmia com precisão. Outras alterações no eletrocardiograma podem dar indícios sobre a etiologia de uma doença cardíaca, mas não tem especificidade, ao contrário quando comparado ao exame ecocardiográfico que fornece um diagnóstico específico para determinada doença cardíaca (ROBERTSON, 2009). 48 5.4 ECOCARDIOGRAFIA A ecocardiografia é o único método não invasivo para confirmar o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica e estimar a gravidade, bem como a distribuição, da hipertrofia cardíaca (figuras 21 e 22). Este exame permite a avaliação anatômica, a medida das espessuras das paredes do septo interventricular e dos ventrículos e tamanho das câmaras cardíacas, existência de trombo cardíaco em átrio ou em aurícula e avaliação da função sistólica e diastólica. No caso da ecocardiografia Doppler, também um exame não invasivo da direção do fluxo sanguíneo, ela pode fornecer a avaliação hemodinâmica quase completa em gatos com CMH (figura 23). Pode demonstrar turbulências e permitir o cálculo de gradiente de pressão. Medidas feitas no gráfico do fluxo sanguíneo obtido pelo Doppler fornecem informações a respeito do relaxamento e, portanto da função diastólica. (BRIGHT, 2006). O ecocardiograma é em termos práticos, o meio preferencialmente utilizado para o diagnóstico de gatos com CMH e na tentativa de sua diferenciação para as outras hipertrofias cardíacas secundárias à doenças metabólicas, infiltrativas, doenças sistêmicas e outras cardiomiopatias (BRANQUINHO et al., 2010). As características ecocardiográficas típicas da cardiomiopatia hipertrófica felina incluem hipertrofia simétrica do septo interventricular e da parede caudal do ventrículo esquerdo, dimensões da câmara do ventrículo esquerdo que podem estar normais a reduzidas e aumento secundário do átrio esquerdo (BRIGHT, 2006). Em gatos Maine Coon com CMH a hipertrofia é geralmente assimétrica, envolvendo a parte posterior do ventrículo esquerdo, e/ ou músculos papilares (ABBOTT, 2010). Enquanto muitos gatos apresentam hipertrofia simétrica e global do ventrículo esquerdo, a hipertrofia pode ser assimétrica ou regional, acometendo apenas o septo ou a parede caudal. Embora pode-se pensar que exista uma correlação entre o grau de hipertrofia e a gravidade da sintomatologia clínica, alguns felinos com grave insuficiência do ventrículo esquerdo apresentam mensurações do septo e da parede ventricular apenas levemente aumentadas. Por outro lado, pode ser observados pelo exame ecocardiográfico grave hipertrofia e adelgaçamento do lúmen em determinados gatos que estão assintomáticos. Alguns animais, em especial aos que apresentam hipertrofia septal assimétrica, apresentam movimento anterior anormal do aparelho da valva mitral em direção ao septo durante a sístole. Esta anormalidade é denominada movimento anterior sistólico (MAS) da valva mitral (BRIGHT, 2006) (figura 24). 49 A ecocardiografia Doppler proporciona, como já mencionado, exame que avalia a direção e a velocidade do fluxo sanguíneo. Sendo assim a imagem encontrada em gatos com CMH é de um fluxo sanguíneo turbulento de alta velocidade nos tratos do fluxo de saída do ventrículo direito e/ou esquerdo, e os gradientes de pressão são estimados a partir de mensurações de velocidade com Doppler contínuo. O Doppler colorido também é utilizado para confirmar regurgitação de mitral e/ou obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo, além da quantificação da disfunção diastólica (SCHWARTZ, 2003). Recentemente surgiu uma nova técnica ecográfica, a imagem por Doppler Tecidual (TDI- TISSUE DOPPLER IMAGING). TDI é uma técnica não invasiva capaz de uma investigação mais aprofundada na função do ventrículo esquerdo em gatos com CMH e também na doença cardíaca hipertensiva (figura 25). Em um estudo realizado por Sampedrano e seus colaboradores foi possível usar o TDI para análise do movimento da parede do ventrículo esquerdo, permitindo uma diferenciação entre gatos com cardiomiopatia hipertrófica e gatos com hipertensão arterial sistêmica. Também conclui-se que o TDI é capaz de detectar disfunções nas pressões sistólicas e diastólicas em gatos com CMH e com hipertensão arterial sistêmica. Este estudo sugeriu que o TDI é mais sensível que a ecocardiografia modo –M convencional para detectar alterações sistólicas e diastólicas do miocárdio em gatos. (SAMPEDRANO et al., 2006). Figura 21: Gravações ecocardiográficas de músculos papilares de gato normal e gato afetado com CMH. À esquerda figura ecocardiográfica de músculos papilares de um gato normal. Na figura ao centro imagem de músculos papilares de um gato acometido com cardiomiopatia grave. À direita imagem de um gato com cardiomiopatia hipertrófica grave. Abreviaturas : IVS: septo interventricular; LV: ventrículo esquerdo; PW: parede posterior (parede livre) Fonte: Godiksen et al., 2011. 50 Figura 22: Gravações ecocardiográficas do Modo- M de um gato normal e um gato com CMH. Ilustração à esquerda: Ecocardiograma Modo – M de um gato da raça Maine Coon a nível de cordas tendíneas mostra dimensão normal do ventrículo esquerdo, septo e parede posterior do ventrículo esquerdo. Ilustração à direita : Ecocardiograma Modo –M de uma gato Maine Coon com CMH severa, com fibrilação atrial, uma insuficiência cardíaca congestiva e doença tromboembólica, registrada no nível de cordas tendíneas para avaliar as dimensões ventricular esquerda mostra severo espessamento de ambos o septo de parede posterior do ventrículo esquerdo. Abreviações : IVS: Septo interventricular, LV: Ventrículo esquerdo e PW: Parede posterior. . Fonte: Godiksen et al., 2011. Figura 23: A: Animal com MAS (movimento anterior sistólico da valva mitral).Nesta foto parte da válvula mitral é estendida dentro do trato de saída do ventrículo esquerdo e aorta. B: parte do aparelho da válvula mitral está ocluida . C: O fluxo colorido do ecocardiograma com Doppler de um gato com MAS, mostrando 2 jatos turbulentos: 1- De SAS (estenose subaórtica) dinâmico e outro de regurgitação mitral. D: Traçado de uma onda com Doppler de um gato com MAS. Picos de velocidades variam de acordo com a respiração. Formato do traçado é típico de MAS. Fonte: Kittleson et al., 1999. 51 Figura 24: Imagem ecocardiográfica obtida a partir de um gato com cardiomiopatia hipertrófica. Obstrução da via de saída ventricular esquerda e regurgitação da valva mitral causada por movimento sistólico anterior da valva mitral são evidentes. A: A imagem mostra via de trato de saída do ventrículo esquerdo. A seta indica o ponto de contato do folheto da válvula mitral . B: Imagem em M- modo da válvula mitral. A seta indica o ponto de contato dos folhetos da válvula mitral. C: A imagem inclui a via de trato de saída do ventrículo esquerdo com sobreposição da cor do mapa do Doppler. A regurgitação da válvula mitral é detectada caudalmente. Evidenciado distúrbio do fluxo subvalvular da via de trato de saída do ventrículo esquerdo. D: Espectograma do Doppler da via de trato de saída do ventrículo esquerdo. O pico de velocidade excede 3 ms /s. Existe uma aceleração pós sistólica com evidencia de obstrução dinâmica. Fonte: Abbott, 2010. Figura 25: Imagem de onda pulsado no Doppler em um gato Maine Coon com cardiomiopatia hipertrófica. TDI de um gato Maine Coon com severa cardiomiopatia hipertrófica sem falência cardíaca, mostrando redução da velocidade diastólica prematura (Em) e E: A reverso com indicação de disfunção diastólica (A). A: velocidade anular diastólica mitral tardia, S: onda sistólica. Fonte: MacDonald et al., 2008. 52 5.5 ANÁLISES LABORATORIAIS Nos animais que apresentam doença cardíaca acompanhada ou não de insuficiência cardíaca, normalmente são executados exames de rotina como perfil hematológico e bioquímico, com o objetivo de descartar outras doenças além de serem úteis na monitorização dos possíveis efeitos adversos do tratamento instituído. Os principais parâmetros bioquímicos solicitados para esta monitorização, são a dosagem da uréia e creatinina, pois alguns gatos podem apresentam azotemia renal quando apresentam CMH. A prevalência da azotemia renal nestes animais com afecções cardíacas ainda não é bem documentada, sendo que estudos literários a respeito deste assunto não estão muitos disponíveis. Sabe-se que a ativação dos sistemas neuro-hormonais em pacientes com doença cardíaca podem diminuir potencialmente a taxa de filtração glomerular e consequentemente alterar a função renal. Outro aspecto a ser considerado é que muitos animais com doença cardíaca são usuários de diuréticos e sendo assim se faz necessário a monitorização dos eletrólitos, pois o uso destes fármacos pode levar a hipocloremia, hipocalemia e possivelmente a hiponatremia (GOUNI et al., 2008). O perfil hematológico normalmente não apresenta alterações, senso que em muitos casos os resultados permanecem normais, não fornecendo desta forma dados específicos nos casos de insuficiência cardíaca. A dosagem de hormônios tiroideanos em gatos com idade acima de 6 anos também é interessante para descarte do hipertiroidismo, outra doença que pode causar hipertrofia do miocárdio (SMITH JR et al., 2008). Estão disponíveis testes que consistem na dosagem das concentrações sanguíneas, designadas como biomarcadores, que são conhecidos como indicadores de lesão , necrose das células do miocárdio e indicadores da função cardíaca. Tem sido investigado o uso do peptídeo natriurético atrial (PNA) e o peptídeo natriurético cerebral (PNB) como marcadores de diagnóstico de doença cardíaca em gatos. Supõe-se que a distribuição cardíaca deste dois hormônios aumenta em gatos com cardiomiopatia hipertrófica (BIONDO et al., 2003). Apesar do peptídeo natriurético cerebral (PNB) ser considerado o mais sensível no diagnóstico de CMH grave, quando comparado com o peptídeo natriurético atrial (PNA) não se mostra tão sensível ao ponto de identificar os casos de ligeiros a moderados, considerandoos isentos de CMH. Sendo assim, com base em estudos o peptídeo natriurético cerebral (PNB) não foi considerado uma ferramenta de triagem para o diagnóstico preciso de gatos com cardiomiopatia hipertrófica (SINGH et al., 2010). 53 As troponinas são componentes pertencentes ao aparelho contrátil do músculo estriado. Existem três tipo, a TnC, a Tnl e a TnT, sendo que Tnl e TnT tem isoformas cardíacas diferentes, cTnl e cTnT que são produzidas pelos miócitos (NOBREGA, 2011). Em humanos estes biomarcadores são considerados indicadores de excelência da lesão cardíaca, por elevada sensibilidade e especifidade. Em medicina veterinária estes indicadores despertaram interesse em animais com doença cardíaca, salientando que o cTnl tem algum valor diagnóstico na CMH, porém este valor ainda não está bem estabelecido. A concentração de cTnl é um marcador sensível e específico de doença cardíaca com lesão de miócitos. Níveis elevados tem sido documentados em uma variedade de doenças cardíacas em pacientes humanos e veterinários. Em um estudo feito por Connolly e colaboradores demonstrou que a medição da concentração sérica de cTnl no soro pode permitir que gatos com cardiomiopatia possa ser distinguidos de gatos normais , utilizando este teste diagnóstico (CONNOLLY et al., 2003) (figura 26). Figura 26: Processo de liberação das troponinas no sangue, após lesão dos miócitos Fonte: Ribeiro, 2010. 5.6 OUTROS MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO A ressonância magnética cardíaca é um método diagnóstico relativamente novo. Permitindo a quantificação da hipertrofia do ventrículo esquerdo e diagnóstico de CMH em humanos. Em gatos com CMH, este método mostrou eficácia na identificação de alterações na massa ventricular esquerda, porém não foi capaz de identificar a insuficiência diastólica nestes animais (figura 27 e 28). A utilização de contraste é necessário neste tipo de exame e 54 este contraste acumula-se principalmente nas áreas com maior quantidade de fibrose, sendo absorvido pelos vasos sanguíneos e excretados pelos rins. Relato em literatura mostra benefício desta técnica na determinação da fibrose num gato com CMH grave (figura 29). Apesar disto existem algumas limitações incluindo a necessidade de anestesia geral, duração prolongada do procedimento e custos elevados (NOBREGA, 2011). Figura 27: Quantificação da massa ventricular esquerda por imagem de ressonância magnética cardíaca. As extremidades epicardiais (1) e endocardiais (2) foram manualmente traçadas no final da sístole. Este gato com severa cardiomiopatia hipertrófica tem aproximadamente completa obliteração da cavidade no final da sístole. Fonte: MacDonald et al., 2006. Figura 28: Quantificação da intensificação do contraste miocardial e avaliação da intensificação tardia através de ressonância magnética cardíaca. O ventrículo esquerdo é divido em 4 quadrantes e regiões de interesse (1-4) são manualmente desenhados dentro dos quadrantes no final da sístole. É realizado uma média do sinal miocardial através de cinco fatias médio ventriculares para obter a intensidade média. Outra região de interesse é desenhada dentro do sulfato de cobre padrão (5) e é usado para calcular a intensidade miocardial relativa Fonte: MacDonald et al., 2006. 55 Figura 29: Discreta intensificação regional em atraso em gatos Maine Coon com CMH. A: pré- contraste em imagem de ressonância magnética em gatos com severa CMH, com hipertrofia assimétrica. B: Pós- contraste revelou uma larga e discreta região com intensificação atrasada, na região da parede livre do ventriculo esquerdo. Esta região é consistente com uma larga substituição de tecido fibroso do miocárdio. Fonte: MacDonald et al., 2006. 56 6 HISTOPATOLOGIA No âmbito da histologia podemos perceber uma variedade de anomalias. Notamos que alguns gatos apresentam hipertrofia de miócitos de forma evidente. Outro ponto é que gatos com CMH apresentam desorientação das miofibrilas, apresentando-se com uma arquitetura bizarra e desorganizada, com miócitos cardíacos totalmente desalinhados, orientados de forma perpendicular ou obliquamente entre si. Quando observam-se as artérias coronárias intramurais notamos que estas estão com um tamanho anormal, notada como doença dos pequenos vasos ou arteriosclerose. Esta anormalidade dos vasos não é específica da CMH e pode se apresentar em outras afecções cardíacas, e como conseqüência causa uma diminuição da perfusão do miocárdio que futuramente dará origem a necrose e substituição do tecido por fibrose (RIBEIRO, 2010). A perfusão do miocárdio também é comprometida quando está presente a hipertrofia concêntrica juntamente com uma redução da densidade capilar. A fibrose nada mais é que um tecido de reparo, quando ocorre necrose do miocárdio. Outros causadores de fibrose estão presentes tais como a ativação do sistema neuro-hormonais, onde incluem-se a angiotensina II e a aldosterona ; a morte celular por apoptose e a isquemia do miocárdio (RIBEIRO, 2010) (figuras 31,32,33 e 34). Um estudo feito por Liu e colaboradores constatou-se que um quarto dos gatos estudados que apresentavam CMH tinham desorganização das células do músculo cardíaco no ventrículo e septo interventricular, similar em extensão e aparência ao que se apresenta histologicamente em humanos. Outro ponto a ser considerado é que encontrou-se, neste mesmo estudo, hipertrofia ventricular assimétrica na maior parte dos animais (LIU et al., 1981). Figura 30: Figura a esquerda: Cardiomiócitos de diâmetro normal, arranjados em feixes paralelos. Há pouco tecido conjuntivo no interstício. Figura a direita : Cardiomiócitos hipertróficos, dispostos em várias direções. Fibrose intersticial (HE, obj.40X). Fonte: HTTP: //anatpat.unicamp.br/lancard10.html. 57 Figura 31: Imagem 01 : Coração de gato. O ventrículo apresenta-se muito hipertrofiado. Há um trombo no átrio esquerdo (seta). Imagem 2 : Parede livre do ventrículo esquerdo com músculos papilares. Múltiplos infartos do miocárdio (cabeça da seta) foram envolvidos por fibrose prematura e regiões de fibrose madura (cicatriz do miocárdio, seta). Tricrômio Gomori. Barra = 1,000 µm. Imagem 3 : Parede livre do ventrículo esquerdo de gato. Aumento maior do infarto de miocárdio da figura 2 (cabeça da seta). Tricrômio Gomori. Barra = 125 µm. Imagem 4 : Aumento maior das cicatrizes do miocárdio da figura 2. Tricrômio Gomori. Barra = 339 µm Imagem 5 : Parede livre do ventrículo esquerdo com músculos papilares. Dessaranjo das miofibrilas (seta). Tricrômio Gomori. Barra = 250 µm Imagem 6 : Septo interventricular de um gato. Há regiões de fibrose do endocárdio e subendocardio bem desenvolvidas (seta). Tricrômio Gomori. Barra = 250 µm. Fonte: Cesta et al., 2005. 58 Figura 32: A B – O sistema de condução atrioventricular, mostrando marcante atrofia e fibrose da porção conectante do feixe arioventricular (cabeça da seta) devido à compressão, de uma lesão condrometaplástica. No extenso corpo fibroso central (A). A área demarcada em A é vista em maior aumento em B. CFB: maior parte de fibrose situada no centro, AS: septo atrial, VS: septo ventricular. Tricrômio Masson A, X 25; B, X 82 Fonte: Kaneshige et al., 2006 Figura 33: A,B. O sistema atrioventricular de condução, mostrando destruição da porção conectante do feixe atrioventricular (cabeça da seta), o qual é comprimido por um cisto ósseo com elementos medulares na base do corpo fibroso central (A). A área demarcada em A é vista em aumento maior em B. O espaço entre o feixe atrioventricular afetado e a crista do septo ventricular é um artefato. CFB: maior parte de fibrose situada no centro. BC: Cisto ósseo, VS: septo ventricular. Tricrômio Masson A, X 25; B, X 82 Fonte: Kaneshige et al., 2006 59 Figura 34: A,B. O sistema atrioventricular de condução, mostrando desaparecimento completo das fibras de condução na porção superior do feixe esquerdo de conexão (cabeça da seta) como resultado de fibrose de endocárdio e borda superior no septo interventricular (A). A área demarcada em A é vista em aumento maior em B. A porção conectante do feixe AV também está afetada. CFB: maior parte de fibrose situada no centro, VS: septo ventricular. Tricrômio Masson A, X 25; B, X 82 Fonte: Kaneshige et al., 2006 7 TERAPÊUTICA O objetivo principal do tratamento dos pacientes com CMH é proporcionar melhora na qualidade de vida além da potencialização da sua logenvidade (NOBREGA, 2011). O controle médico da CMH felina deve ser direcionado ao restabelecimento da função diastólica, à redução da isquemia miocardíaca, ao alívio da congestão/ hipoxemia circulatória e à supressão das arritmias significativas do ponto de vista hemodinâmico. Como alguns gatos apresentam gradientes de pressão intraventricular que exacerbam a isquemia e, consequentemente, a disfunção diastólica, as intervenções terapêuticas para reduzir os gradientes sistólicos podem ser benéficas. É importante dar atenção ao tratamento e à prevenção do tromboembolismo arterial, bem como a reversão da hipertrofia. No momento 60 contudo, não há agentes farmacológicos capazes de evitar o tromboembolismo arterial de forma consistente (BRIGHT, 2006). 7.1 FÁRMACOS UTILIZADOS NA CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA 7.1.1 Diuréticos Os diuréticos são de extrema importância quando da ocorrência de insuficiência cardíaca congestiva porém, na ausência desta condição, este grupo de fármacos é contra indicado, pois promove ativação do sistema Renina- Angiotensina- Aldosterona e reduz a précarga (SCHWARTZ, 2003). Os diuréticos são utilizados para aliviar a congestão circulatória em gatos que apresentam edema pulmonar. Dos vários diuréticos, a furosemida é o fármaco de escolha e é o mais utilizado na ICC, por ter uma larga margem de segurança podendo ser administrado em doses que variam dependendo da gravidade dos sinais clínicos do animal. Este diurético é aplicado imediatamente em gatos com grave angústia respiratória (BRIGHT, 2006). A furosemida pertence à classe dos diuréticos de alça (saluréticos potentes) entre outros, porém este fármaco é o mais utilizado em medicina veterinária. É facilmente absorvido pela via oral, podendo ser administrado também pela via intravenosa. A maior parte desta droga (65%) é eliminada por via renal, sendo o restante (35%) eliminada nas fezes. O seu início de ação após administração é de aproximadamente de 30 minutos e o seu feito pode perdurar por até 3 horas. Na administração oral o seu efeito é observado de 1 a 2 horas após, podendo persistir por até 4 horas. O segmento do néfron (figura 35) em que este tipo de diurético atua é a alça de Henle, principalmente em seu ramo ascendente, interferindo na reabsorção de Na+, Cl- e K+, chegando a corresponder a cerca de 20% da carga total filtrada de sal pelo rim, daí ser considerado um diurético potente (figura 36). O uso inapropriado deste diurético resulta em complicações na terapia da CMH. A incorreta administração da furosemida acarreta alterações sistêmicas, hemodinâmicas, eletrolíticas ou ácido-básicas que podem piorar o estado clínico do paciente. Entre os efeitos cita-se a hipocalêmia, desidratação grave e desenvolvimento de azotemia pré-renal. É importante ressaltar que a desidratação grave potencializa o efeito de alguns fármacos nefrotóxicos e o uso muito prolongado dos 61 diuréticos de alça, sem controle devido, causam hipopotassemia e hipocloremia. Sabe-se, no entanto que, o efeito diurético desta droga diminui a pré-carga e o débito cardíaco, estimulando desta forma o sistema neuroendócrino (SRAA,SNS, Peptídeos natriuréticos e hormônio ADH) (KOGIKA, 2002). Alguns autores mencionam o desenvolvimento de resistência aos diuréticos sugerindo assim o uso de um segundo diurético para benefício do paciente. Há aqueles que sugerem a adição de um diurético da classe dos tiazídicos à furosemida e outros aconselham a adição da espironolactona, um diurético da classe dos diuréticos poupadores de potássio (NOBREGA, 2010) (figura 36). Os tiazídicos são considerados saluréticos moderados, pois a fração excretada de sódio não ultrapassa os 10%, mesmo utilizado em dose máxima. Ação deste medicamento ocorre principalmente à nível de túbulo contornado distal e em menor intensidade na alça de Henle (segmento do ramo ascendente) e no túbulo contornado proximal (figura 36). O uso prolongado dos diuréticos tiazídicos provoca o aparecimento de hipopotassemia. Espironolactona é o principal representante do grupo dos antagonistas da aldosterona e seu uso tem a finalidade de amenizar a perda de potássio acarretada principalmente pelo uso dos diuréticos de alça. A espironolactona age inibindo competitivamente os efeitos da aldosterona à nível do túbulo contornado distal e possivelmente nos ductos coletores, portanto tem fraco poder diurético (KOGIKA, 2002). Por outro lado, um estudo feito por MacDonald e Kittleson sobre o uso de espironolactona em gatos demonstrou que, um terço dos gatos estudados desenvolveram dermatite ulcerativa facial grave somente foi resolvida após interrupção da medicação. No laudo histopatológico demonstrou-se lesão ulcerativa necrosante. Este motivo levou à não utilização deste fármaco na rotina dos gatos com CMH, além do que esta droga não melhorou a função diastólica ou a diminuição da hipertrofia cardíaca do ventrículo esquerdo, quando usada isoladamente (MACDONALD, et al., 2008) (figura 37). 62 Figura 35: Imagem de néfron. Fonte: HTTP://dc252.4shared.com/doc/wf2Tifef/preview.html Figura 36: Imagem de néfron. Setas indicam o local de ação dos diuréticos. Fonte: HTTP://dc252.4shared.com/doc/wf2Tifef/preview.html 63 Figura 37: Dermatite ulcerativa facial grave em 2 gatos tratados com espironolactona. A: Maine Coon, 6 anos de idade, macho. Lesão ulcerativa na região pré-auricular lateral direita. B: Maine Coon, 7 anos de idade, macho. Lesão ulcerativa na lateral na região pré-auricular esquerda. Fonte: MacDonald et al., 2008. 7.1.2 Agentes bloqueadores dos receptores beta Os beta-bloqueadores são atualmente os fármacos mais recomendados na CMH, principalmente quando há obstução da via de saída do ventrículo esquerdo (estenose subaórtica dinâmica) (SCHWARTZ, 2003). A tendência em desenvolver MAS (movimento anterior sistólico da válva mitral) e os gradientes do trato do fluxo de saída está relacionada à contratilidade e às condições de carga cardíaca (BRIGHT, 2006). 64 O atenolol e o propanolol são β bloqueadores que geralmente são empregados no tratamento da ICC nos gatos. O propanolol é um bloqueador dos receptores β 1 e β2 e, por proporcionar maior risco de ocorrer bronconstrição, este fármaco, hoje em dia já não é tão utilizado (SCHWARTZ, 2003). O atenolol é um bloqueador β adrenérgico que é relativamente seletivo para receptores beta e sua depuração é na maior parte renal. Este tem papel importante no tratamento da CMH por ser considerado um cardio-protetor na estenose subaórtica e estenose pulmonar. Além disto, reduz a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, é protetor cardíaco muscular dos ventrículos que estão hipertrofiados e participa na terapia do hipertiroidismo, quanto à hipertensão sistêmica e, como supressor dos batimentos ectópicos atriais e ventriculares e controle da freqüência cardíaca nas taquicardias e fibrilação atrial (NOBREGA, 2011). Os efeitos adversos dos β bloqueadores ocorrem com o uso de altas doses ou em pacientes sensíveis. Podem surgir após uma hora da administração destas drogas, bradicardia, hipotensão e também fraqueza. Em animais que apresentam doenças respiratórias, insuficiência miocárdica e distúrbios de condução cardíaca, estes fármacos devem ser utilizados com muita cautela, pois nas condições de edema pulmonar ou derrame cavitário, estes podem ser agravados pelo uso dos beta bloqueadores. Basta a interrupção do uso para que estes efeitos colaterais sejam suspensos. No que tange às interações medicamentosas, os β bloqueadores devem ser utilizados com cuidado quando associado a agentes que diminuem a freqüência cardíaca e a contratilidade (PAPICH, 2009). 7.1.3 Bloqueadores dos canais de cálcio Tanto os antagonistas beta adrenérgicos como os antagonistas dos canais de cálcio podem ser usados para aliviar a isquemia do miocárdio e reduzir os gradientes sistólicos nos gatos com CMH. Entretanto, apenas os bloqueadores dos canais de cálcio apresentam efeito benéfico direto sobre o relaxamento miocardíaco e o fluxo sanguíneo coronário na maioria dos gatos. Estes tem a propriedade de restabelecer o relaxamento miocárdico, aumentar o fluxo coronário, diminuir a demanda de oxigênio pelo miocárdio e reduzir os gradientes sistólicos. O diltiazem é o fármaco de escolha, que pertence à este grupo, no tratamento da CMH em gatos (BRIGHT, 2006). 65 O mecanismo de ação do diltiazem está em bloquear a entrada de cálcio nas células pelo bloqueio dos canais lentos de cálcio. Por este mecanismo, o diltiazem promove a vasodilatação, efeitos cronotrópicos e inotrópicos negativos. Os efeitos adversos incluem hipotensão, depressão do miocárdio, bradicardia e bloqueio atrioventricular (PAPICH, 2009). Esta droga parece ser mais conveniente para o tratamento da CMH em gatos assintomáticos, visto que não é indicado para os pacientes com início recente de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) (NOBREGA, 2011). 7.1.4 Inibidores da enzima de conversão do angiotensinogênio (IECA) A utilização dos inibidores da enzima de conversão do angiotensinogênio (IECA) tem sido cada vez mais defendida tanto nos pacientes sintomáticos quanto nos assintomáticos. O uso dos IECA em CMH continua interessante, pois pelos estudos realizados em humanos, estas drogas surgem como uma ferramenta terapêutica de alto potencial para prevenir ou reduzir a fibrose miocárdica e assim, talvez, reduzir o risco de morte súbita a progressão da disfunção diastólica na CMH felina (TAILLEFER; FRUSCIA, 2006). O papel dos IECAS na CMH prende-se pelo fato de exercer sua ação em promover a diminuição da concentração no plasma da angiotensina II e da aldosterona, inibindo a ativação do SRAA, o que causa a redução da retenção de fluidos e da vasoconstrição na ICC. Os IECAS destacam-se pelo fato de poderem promover proteção do músculo cardíaco pois, sabe-se que a angiotensina II e a aldosterona além de reterem sódio e água, também induzem a fibrose cardíaca, hipertrofia do miocárdio e do músculo liso dos vasos sanguíneos, sendo desta forma conceituadas como substâncias cardiotóxicas (TRAPP et al., 2009). Os IECAS de maior uso em gatos com CMH são o benazepril e o enalapril, porém com maior destaque para o enalapril por ser mais bem tolerado clinicamente. Os IECAS são fármacos geralmente seguros e apresentam papel importante na existência de derrame pleural. Alguns estudos discutem o uso destas drogas em gatos assintomáticos, pois torna-se lógico que nestes casos o SRAA não se encontra patologicamente ativado e sendo assim o uso dos IECAS não seriam interessantes, apesar de existirem controvérsias em outros autores (RIBEIRO, 2010). Deve-se tomar cuidado nos casos de obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo, para não causar hipotensão sistêmica, visto que isto provoca piora da obstrução (SCHWARTZ, 2003). 66 Os efeitos adversos são a hipotensão e a azotemia, portanto recomenda-se a avaliação antes de iniciar o tratamento com os fármacos desta classe, e repetir o exame uma a duas semanas após o início de uso, principalmente em uso concomitante com furosemida (NOBREGA, 2011). 7.2 ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA CMH ASSINTOMÁTICA AGUDA E CRÔNICA Ainda é assunto que gera muita controvérsia o fato de estabelecer ou não o tratamento para gatos assintomáticos. O ideal seria identificar pacientes que tem a forma subclínica da CMH e provavelmente está destinada à piorar e para tanto ter uma forma de intervir neste prognóstico, para atrasar ou impedir a progressão da doença. Atualmente não há dados concretos que ratifique se a intervenção médica prorroga ou evita o início dos sinais clínicos ou a morte súbita. O uso de beta-bloqueadores ou diltiazem muitas vezes é defendido particularmente em pacientes com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, mas a eficácia desta intervenção não foi determinada. Também não há indicação que estes fármacos possam interromper a evolução da hipertrofia em gatos adultos (ABBOTT, 2010; BRIGHT, 2006). Os critérios estabelecidos para se guiar o início de um tratamento incluem a frequência cardíaca, a presença ou não de obstrução do trato da via de saída do ventrículo esquerdo, a severidade da hipertrofia do ventrículo esquerdo e na existência ou não do aumento do átrio esquerdo. Gatos que apresentam freqüência cardíaca acima de 220 batimentos por minuto (bpm) são considerados taquicárdicos e para tanto merecem o controle desta freqüência cardíaca bem como uma investigação a respeito das causas que levam a isto. Nestas condições os fármacos pertencentes à classe dos beta-bloqueadores, em especial o atenolol e àqueles pertencentes aos bloqueadores de canais de cálcio, em especial o diltiazem, podem ser usados nestas condições de freqüência cardíaca elevada (NOBREGA, 2011). As doses recomendadas para o atenolol é de 6,25- 12,5/ gato, VO a cada 12 ou 24 horas e diltiazem é de 1,75 a 2,4 mg/kg a cada 8 horas (PAPICH, 2009). O ideal é avaliar a frequencia cardíaca uma a duas semanas após o início da terapia. Mesmo sem comprovação ainda, estas duas drogas tem demonstrado capacidade de diminuir a hipertrofia cardíaca em alguns gatos, porém ainda pairam dúvidas a respeito em quais condições se utiliza de um ou outro fármaco. Preconiza-se que a utilização do diltiazem se faz em casos de hipertrofia cardíaca simétrica e 67 grave e os beta-bloqueadores tem preferência de uso nos casos onde há obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, taquiarritmias, síncope, suspeita de infarto do miocárdio ou hipertiroidismo recorrente (RIBEIRO, 2010). Além disso é importante o repouso, uma dieta hipossódica e observar sempre se há presença de aumento atrial esquerdo, neste caso alguns autores defendem o uso da aspirina, como medida antitrombótica, na dosagem de 25 mg/kg VO a cada 3 dias (72 horas), podendo ser combinado com clopidrogel (Plavix) na dose de 18,75 mg/ gato uma vez ao dia (a cada 24 horas), ou ainda utilizar-se da warfarina na dose de 0,25-0,5 mg/gato a cada 24 horas, porém o uso dos derivados cumarínicos, bem como dos outros anticoagulantes merecem atenção especial pois podem incorrer em hemorragias, sendo assim há necessidade do controle do tempo de protrombina para mantê-la em um valor de razão entre 2,0 e 3,0 (RIBEIRO, 2010; SCHWARTZ, 2003). Vale ressaltar que o uso dos anticoagulantes não tem efeito em trombos já formados, sendo então indicados para não haver aumento dos mesmos. No momento não há método consistente e universalmente eficaz de evitar o tromboembolismo em gatos com CMH (BRIGHT, 2006). Gatos com forma aguda descompensada da CMH devem ter prioridade terapêutica pois, apresentam neste caso a insuficiência cardíaca congestiva (ICC). É importante evitar o máximo de estresse nestes animais quando da realização dos exames tais como raio x e ecocardiograma. Os diuréticos são usados para aliviar a congestão circulatória em gatos com edema pulmonar. Aplica-se a furosemida imediatamente em gatos com grave angústia respiratória na dosagem de 1 a 2 mg/kg por via endovenosa a cada 30 ou 60 minutos, tendo em conta que o pico da diurese ocorre aos 20 a 30 minutos pós administração, seguindo-se de doses sucessivas até que ocorra do controle da dispnéia associada ao ICC. Após a estabilização do paciente, geralmente quando há normalização da freqüência respiratória, a dosagem e freqüência do uso da furosemida é diminuída a cada 8 ou 24 horas. O alívio do edema pode ser intensificado pela administração simultânea de ungüento de nitroglicerina (venodilatador potente) a 2%, 0,5 a 1 cm por via transdérmica, na parte interior do pavilhão auricular a cada 8 horas. Além disso é importante prover a suplementação de oxigênio. Quando o edema pulmonar desaparecer, é possível descontinuar cautelosamente o fornecimento da furosemida em muitos pacientes, bem como o uso da nitroglicerina. A diurese excessiva pode culminar em azotemia, anorexia e enchimento ventricular diminuído. A toracocentese é imprescindível nos gatos agudamente dispnéicos, no tratamento de derrame pleural severo, com os sons cardíacos abafados e risco de morte iminente. Toracocentese é realizada com o animal em decúbito esternal, utilizando uma agulha estéril do tipo borboleta 68 de calibre 19 ou 21 introduzida no sétimo ou no oitavo espaço intercostal ao nível da junção costocondral (BRIGHT, 2006; NOBREGA, 2011; RIBEIRO, 2010). Em gatos com CMH crônica o objetivo principal é manter este paciente livre do estado congestivo, tentar reverter ou ainda abrandar a disfunção miocárdica, prevenir o aparecimento do tromboembolismo arterial, desta forma proporcionando qualidade de vida do animal prolongando seu tempo de vida. É importante descartar as doenças que podem causar hipertrofia cardíaca, como já mencionadas, o hipertiroidismo, a hipertensão sistêmica entre outras (NOBREGA, 2011; RODRIGUEZ, 2002). O uso dos diuréticos na CMH crônica deve ser efeito conforme os riscos iminentes de ICC, sempre optando pelo menor dose. De acordo com alguns autores alguns gatos reagem bem utilizando a dosagem de 1 a 2 mg/kg a cada dois dias, ou até duas vezes por semana conforme avaliação médica e estágio da CMH. Existem casos que o uso do diurético é descartável por período indeterminado. É importante salientar que o controle da função renal sempre deve ser feito, impedindo desta forma o desenvolvimento de azotemia (NOBREGA, 2011; RODRIGUEZ, 2002). A terapia de utilização dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), ainda é controversa para muitos estudiosos. Sabe-se que estes agentes tem efeito antihipertrófico e antifibróticos sobre o miocárdio em algumas espécies laboratoriais com doença cardíaca induzida. Além disso a utilização destas drogas reduz a concentração plasmática de aldosterona, ajudando a aliviar a congestão circulatória. É importante salientar que os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) são agentes vasodilatadores e, consequentemente, tem o potencial de provocar hipotensão nos gatos com volume terminal diastólico ventricular reduzido. Por estes motivos, não se considera em geral que os fármacos deste grupo sejam agentes únicos ou de primeira linha para o controle da CMH felina (BRIGHT, 2006; RIBEIRO, 2010; NOBREGA, 2011; JORRO; MANUBENS, 2003; TAILLEFER; FRUSCIA, 2006; RODRIGUEZ, 2002; AMBERGER et al, 1999).). É freqüente adicionar a terapêutica da CMH felina um β bloqueador, ou um bloqueador de canais de cálcio (diltiazem). Alguns casos graves associam-se os dois grupos. Os β bloqueadores são normalmente utilizados quando há obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo, e os bloqueadores dos canais de cálcio por melhorarem a função diastólica (BRIGHT, 2006 ). Gatos assintomáticos com CMH devem ser monitorizados a cada 12 meses, já os animais sintomáticos compensados devem ter cuidado especial em menor período de tempo, incluindo-se exames como ecocardiografia e função renal (NOBREGA, 2011). 69 7.3 CASOS REFRATÁRIOS DE ICC A formação de edema pulmonar e derrame pleural podem ser recorrentes e difíceis de controlar. A toracocentese de faz necessária nos casos de derrames moderados a graves quantas vezes forem necessários para estabilização do paciente. Quando a terapia com furosemida associada aos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) não surtem melhores efeitos na insuficência cardíaca, o prognóstico não é dos melhores. Várias tentativas podem ser feitas entre elas, aumento da dose dos IECAs, dos β bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio, da furosemida (6-8 mg/Kg – SID) ou ainda associar um segundo diurético, como a hidroclorotiazida na dose de 1 a 2 mg/kg a cada 12 ou 24 horas, ou a espironolactona na dose de 1 mg/kg a cada 24 horas, observando os efeitos colaterais já mencionados anteriormente referente a dermatite ulcerativa facial. A dieta hipossódica se faz sempre necessária nestes casos. O cuidado quanto a desidratação e o desenvolvimento da azotemia se faz necessário, em uma monitorização intensiva. Animais que apresentam muito estresse aconselha-se a sedação ligeira com acepromazina ou butorfanol no intuito de aliviar o estresse respiratório. (NOBREGA, 2011; RIBEIRO, 2010; JORRO; MANUBENS, 2003). 7.4 TERAPÊUTICA DO TROMBOEMBOLISMO O tromboembolismo arterial é uma das complicações resultantes da CMH e que causa frustação para se alcançar resultados eficazes. Métodos consistentes capaz de evitar o tromboembolismo em gatos até o momento, não há. A abordagem mais apropriada de prevenção das complicações tromboembólicas é melhorar a função cardíaca (BRIGHT, 2006). Gatos de todas as formas de doença cardíaca encontram-se em risco de desenvolver tromboembolismo aórtico (TEA), mas em estágios avançados da doença e principalmente naqueles de possuem aumento atrial (SCHWARTZ, 2003; RIBEIRO, 2010). Os princípios básico do tratamento do tromboembolismo incluem analgesia, controle do estado eletrolítico e ácido básico e prevenção da extensão dos trombos. A analgesia é muito importante no tratamento do tromboembolismo pois, a dor causada pela isquemia, decorrente da oclusão da perfusão sanguínea do tecido acometido é muito intensa, deixando os gatos muito desconfortáveis aumentando assim seu estado de estresse. O manejo da dor é 70 essencial nas primeiras 24 a 36 horas, bem como evitar a automutilação. Entre os vários opióides utilizados existem preferências entre autores onde, alguns recomendam o uso do butorfanol na dose de 0,2 mg/kg, SC a cada 8 horas, porém por seu um opiáceo de curta duração, outros autores preferem a buprenorfina na dose de 0,01 mg/kg EV, SC ou PO ou na dose de 0,02 mg/kg SC a cada 6-8 horas, por ter sido provado em estudos feitos a sua maior eficácia em relação aos outros opióides por, raras vezes desencadear efeitos colaterais e ainda, por efeito de longa duração. Recomenda-se o uso em conjunto com os opióides da acepromazina, pois este fármaco pode favorecer a circulação colateral pelo seu efeito vasodilatador, porém deve-se usar doses baixas a fim de evitar a hipotensão (SCHWARTZ, 2003; NOBREGA, 2011). Os anticoagulantes não são úteis para dissolver um trombo já formado, mas seu uso é interessante pois, atuam atrasando a síntese de novos trombos ou acelerando a inativação dos fatores de coagulação. Entre os anticoagulantes utilizados citam-se a warfarina, heparina, heparina de baixo peso molecular e o clopidrogel. A warfarina apesar de ter algum sucesso nos gatos não é isenta de efeitos adversos e necessita de monitoramento rigoroso dos tempos de coagulação sanguínea, pois tem grande potencial de desenvolver hemorragias. A dose da warfarina recomendada é de 0,25 a 0,5 mg/gato devendo ser ajustada para que tempo de protrombina esteja normalizado entre 2,0 e 3,0. O mecanismo de ação da warfarina está em alterar o metabolismo da vitamina K interferindo na produção dos pré-fatores de coagulação, sendo estes fatores II, VII, IX e X. A heparina é um anticoagulante onde seu mecanismo de ação está em ligar-se e inibir o fator de Von Willebrand. Normalmente o seu uso é indicado nos casos agudos e crônicos e a dose preconizada é de 200 a 300 UI/kg IV e depois a cada 8 horas, por via SC durante 48-72 horas. A aspirina é um dos antiplaquetários mais utilizados, apesar que, na prática, não haver ainda comprovações efetivas na prevenção ou nos episódios recorrentes de tromboembolismo. Gatos são suscetíveis à intoxicação por estes salicilatos devido à depuração lenta, portanto deve ser usado com muito cuidado nestes animais. Para efeito antiplaquetário considera-se duas doses de acordo com estudo feito por Fuentes. Dose alta – 40 mg/gato a cada 72 horas ou dose baixa- 5 mg/gato a cada 72 horas. O clopidrogel (Plavix ®) é um novo antiplaquetário sugerido no tratamento do tromboembolismo arterial. A dosagem preconizada é de 19 mg/gato a cada 24 horas por via oral. O clopidrogel é um inibidor plaquetário do grupo das tienopiridina que tem sua ação em inibir o mediador do receptor adenosina difosfato (ADP) da atividade plaquetária. É metabolizado a um metabólito ativo que exerce efeito antiplaquetário. Nos gatos o efeito do clopidrogel persiste até 3 dias após fornecimento do fármaco. Outro efeito desta droga está em diminuir a liberação de 71 serotonina das plaquetas dos gatos, o que é importante pois, a liberação de serotonina contribui com as manifestações clínicas de tromboembolismo felino. Deve ser usado com cautela quando associado a outros fármacos que possam inibir a formação de coágulos (NOBREGA, 2011; SCHWARTZ, 2003; RIBEIRO, 2010; PAPICH, 2009). Nos casos irreversíveis, nos quais não existe viabilidade do membro afetado, a amputação pode ser uma alternativa à eutanásia, sempre que o animal esteja estável e com prognóstico favorável (JORRO; MANUBENS, 2003). Os animais que apresentam hipercalemia em decorrência da síndrome de reperfusão, devem ser controlados pelo eletrocardiograma. Quando necessário, pode-se diminuir a concentração de potássio pela administração intravenosa de bicarbonato de sódio ou pela administração de insulina e de glicose em bolus ou em infusão contínua (JORRO; MANUBENS, 2003). 7.5 DROGAS E INTERVENÇÕES CONTRA INDICADAS EM GATOS COM CMH Há alguns fármacos e intervenções que são potencialmente nocivos aos gatos com cardiomiopatia hipertrófica. Estão incluídos os agentes inotrópicos positivos e agentes dilatadores arteriolares. Os agentes inotrópicos positivos compreendendo os digitálicos, as catecolaminas e os inibidores da fosfodiesterase aumentam a demanda de oxigênio pelo miocárdio, exacerbando, por meio disso, a isquemia miocardíaca. Além disso, os agentes inotrópicos positivos podem induzir a gradientes de pressão sistólica, resultando em assincronia da contração e do relaxamento. Já os agentes dilatadores arteriolares podem provocar grave hipotensão devido à reserva inadequada da pré-carga nos gatos com CMH. A dilatação arteriolar também intensifica os gradientes intraventriculares. Os agentes anestésicos dissociativos, como o cloridrato de quetamina, também são potencialmente deletérios por causa dos efeitos lusitróficos negativos e cronotrópicos positivos que apresentam. O maleato de acepromazina é nocivo, em virtude de seu efeito vasodilatador periférico. Medicamentos e fluidos contendo sódio, bem como as dietas ricas neste elemento devem ser utilizados com cautela e até evitados. Não de deve administrar fluidos intravenosos de forma rápida pois pode precipitar a insuficiência congestiva. É muito prudente evitar o estresse do animal com CMH, já que normalmente os gatos nesta condição tem a predisposição de aumentar a freqüência cardíaca e da contratilidade. O uso criterioso de agentes sedativos como os 72 benzodiazepínicos, os narcóticos e o etomidato podem impor menos riscos do que a prática de procedimentos diagnósticos sem sedação (BRIGHT, 2006; SCHWARTZ, 2003). Uma possível contra-indicação para uma terapia combinada é a associação dos inibidores da IECA + β bloqueador, pois acarreta risco grande para o surgimento da hipotensão. Alguns gatos podem ser beneficiados com uso do β bloqueadores associado ao bloqueador de canais de cálcio, porém deve-se ter cuidado com a somatória do efeito inotrópico negativo e vasodilatador (hipotensão) (SCHWARTZ, 2003). 8 PROGNÓSTICO Determinar um prognóstico para os gatos com CMH é bastante difícil visto que depende da apresentação clínica do paciente, bem como o grau da hipertrofia avaliada pelo exame ecocardiográfico (JORRO; MANUBENS, 2003, BRIGHT, 2006). Animais que apresentam a doença de forma assintomática possuindo de leve a moderada hipertrofia ventricular, sem apresentação de dilatação atrial ou sem grau importante tem um prognóstico bom a curto e a longo prazo. De outra forma, animais assintomáticos com hipertrofia grave, com dilatação atrial importante possuem prognóstico reservado e ainda com grande potencial para desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), apresentar tromboembolismo e ainda sofrer morte súbita. E aqueles gatos que são sintomáticos, que apresentam insuficiência cardíaca congestiva (ICC), tromboembolismo o, prognóstico é muito mau, embora possam ser ainda estabilizados por um período curto (JORRO; MANUBENS, 2003, BRIGHT, 2006). 73 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS A cardiomiopatia hipertrófica é uma das cardiopatias mais comuns em gatos, porém muitas vezes pouco diagnosticada pelo desconhecimento da doença em si. Vemos que incidência é maior em gatos de raça pura, o que vem reforçar o caráter genético da doença mas também não exclui o fato de que gatos de outras espécies ou sem raça definida podem também ser acometidos. De acordo com o presente trabalho, enfatizou-se a importância dos métodos diagnósticos, em especial do uso da ecocardiografia como método definitivo para diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica em gatos. No que concerne à terapêutica vemos que a doença pode ser controlada em especial quando temos a precocidade do diagnóstico e, que pode-se proporcionar uma qualidade de vida ao animal. 74 REFERÊNCIAS ABBOTT, J.A. Feline Hypertrofic Cardiomyopathy : Un update. Veterinary Clinic of North America Small Animal Practice, v. 40, p. 685-700, 2010. ADIN, D.B.; POSTON, L.D. Papillary Muscle Measurements in cats with normal echocardiograms and cats with concentric left ventricular hypertrophy. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 21, p. 737-741, 2007. AMBERGER, C.N.; GLARDON, O.; GLAUS, T.; HÖRAUF, A.; KING, J.N.; SCHMIDLI, H.; SCHRÖTER, L.; LOMBARD, C.W. 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