TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CIBERESPAÇO Gabriel Alarcon Madureira, UNESP – FCL/Araraquara Orientadora: Prof. Dra. Marcia Teixeira, UNESP – FCL/Araraquara Objetivos do trabalho Objeto A internet é a principal das tecnologias da informação e comunicação e representa a base tecnológica da economia do conhecimento e da sociedade da informação, caracterizando-se como interface mediadora entre os indivíduos e os diversos fluxos econômicos, culturais e políticos. Desta estrutura baseada na internet forma-se uma arquitetura social veloz, fluída, não-hierarquizada e flexível, essencialmente organizada em redes, nós, interligações e espaços de exclusão (CASTELLS, 2003). A questão fundamental é que esta sociedade do conhecimento, informacional, organizada em rede, e globalizada, está permeada de desigualdades estruturais, uma série de perversidades sistêmicas capazes de naturalizar a pobreza e a exclusão social oriundas dos processos característicos desta economia política contemporânea (SANTOS, 2001). Dependendo da capacidade dos mercados, da equação de privilégios sociais e do arranjo de escolhas políticas, as redes podem ser tanto de conexão/inclusão quanto de desconexão/exclusão. Conjuntamente, a centralidade da internet implica em uma população marginalizada, seja por falta de acesso ou incapacidade de uso. Em síntese, a segregação sócio-espacial é inerente às dinâmicas das redes, e a revolução informática-tecnológica vem se desenvolvendo concomitantemente com a desigualdade social e a polarização da renda. (CASTELLS, 2003). A partir da exposição do papel das tecnologias da informação e comunicação na sociedade contemporânea, focamos a análise na a internet compreendida como um ciberespaço composto de hipertextos interativos; de atos comunicativos multifacetados, plurais e fragmentados; e de dinâmicas imprevisíveis entre emissores e receptores de mensagens, discursos, textos e códigos. Optamos circunscrever a investigação no âmbito do arcabouço teórico-metodológico de Pierre Bourdieu justamente por caracterizar-se como uma sociologia que ao mesmo tempo em que articula uma ampla gama de conceitos que procuram desnaturalizar as relações sociais e explicitar os mecanismos de dominação e reprodução no campo social, procura ultrapassar a dicotomia entre o conhecimento objetivo e fenomenológico a partir da abordagem praxiológica, rompendo com a oposição aparente entre estruturalismo e individualismo metodológico (BOURDIEU, 1983). O ciberespaço geralmente é observado como lócus de liberdade individual por excelência, como uma inteligência coletiva, como autogoverno, como ágora e democracia digital, como reino da realização das individualidades em suas máximas potencialidades, como ambiente de infinitas possibilidades de discurso, como oportunidade de apropriação criativa e infinita dos recursos técnicos-informacionais. De fato, o ciberespaço apresenta aspectos que denotam uma dissolução das diferenças, mas ao contrário, o olhar da pesquisa reside justamente em uma abordagem das desigualdades e clivagens sociais reais que se virtualizam no ciberespaço. A ruptura proposta busca elaborar hipóteses que investiguem o ciberespaço como espaço dialógico e permeado de um movimento dialético evidenciando a correlação existente entre o real e o virtual, entre o indivíduo imerso no corpo social e o usuário que navega no ciberespaço. A partir do conceito de habitus, princípio gerador que opera retraduzindo as características oriundas de uma trajetória específica e de uma posição determinada no campo social, são introjetados através dos contínuos processos de socialização, gostos, costumes, bens e práticas, operando um estilo de vida, um traço de classe correspondente ao volume e à estrutura do capital possuído (BOURDIEU, 2001). Da mesma forma, as práticas virtuais variam de acordo com o habitus do usuário, implicando que as múltiplas e infinitas possibilidades da internet possuam limites definidos, logicamente interligados com as condições objetivas dos usuários. O usuário do ciberespaço possui tais disposições introjetadas (estruturas estruturadas) e navega nos construtos digitais, em um conjunto infinito do hipertexto formado pela estrutura resultante das múltiplas interações dos usuários privilegiados no acesso à rede, encontrando no âmbito virtual esquemas de clivagens sociais existentes no corpo social. Os usuários são expostos a uma violência simbólica na rede, a uma apropriação de conteúdos prontos e estabelecidos por outros. O imprevisível, o caótico e o inovador - tão proclamados no ciberespaço - são derivados de discursos e estratégias das classes privilegiadas no acesso à rede e que exercem um poder simbólico através da legitimação de signos e significados, palavras e conceitos de interpretação de mundo, expressando as relações de força e as desigualdades existentes na ordem social. Em suma, o ciberespaço é problematizado como fragmento múltiplo, infinito e difuso das lutas que os atores privilegiados travam nos outros campos sociais, configurando-se como espaço de violência simbólica contra a maioria dos usuários que não possuem principalmente capital econômico (equipamentos e banda larga) e capital cultural (elementos necessários para a apropriação crítica e criativa dos construtos digitais). O objetivo da pesquisa é a análise os aglomerados de exclusão comuns, típicos das cidades, com a observação da dialética inerente ao processo de inclusão/exclusão digital e sua respectiva ligação com a dinâmica estrutural da desigualdade social a partir da fundamentação teórica apresentada. Tais aglomerados de exclusão são espaços de urbanização desordenada, de caos e imprevisibilidade, de ausência de controle sócio-burocrático e, fundamentalmente, de inclusão precária nos circuitos de integração capitalista no que tange ao trabalho, ao consumo e à cidadania (HAESBAERT, 1995). Metodologia No âmbito dos aglomerados de exclusão, o espaço comum e freqüente de acesso ao ciberespaço são as chamadas Lan Houses, estabelecimentos comerciais que disponibilizam mediante o pagamento de taxas os serviços informacionais, oferecendo acesso a computadores e à internet através de banda larga. A primeira etapa do processo de construção dos dados consiste na coleta de informações que embasa a articulação entre os conceitos de capital econômico, capital cultural e as características do ciberespaço através de: a) questionários permeados por sondagens acerca da escolaridade dos usuários e de suas famílias; da renda individual e familiar; da freqüência de acesso à internet; da duração dos tempos de navegação; e das atividades desenvolvidas no ciberespaço, como o uso do e-mail, redes sociais, visualização de notícias, jogos eletrônicos, comunicadores instantâneos, blogs, pesquisas, etc. b) entrevistas semi-estruturadas permeadas pela investigação da trajetória individual e familiar no que concerne ao volume e à estrutura do capital, focando especificamente no contexto socioeconômico, cultural e educacional, assim como nas práticas e representações relativas à internet. A segunda etapa do modelo de investigação realiza a articulação do indivíduo desta população específica de estudo (que se configura como usuário imerso e participante no ciberespaço), com uma análise de discurso, dos conteúdos, e das linguagens presentes nos respectivos construtos virtuais acessados com maior freqüência na internet. Resultados Obtidos As hipóteses principais que norteiam a trajetória de pesquisa expõem que a inclusão digital baseada na distribuição material de equipamentos não se traduz em inclusão social pelo fato de que a internet exige uma apropriação crítica e criativa das informações, exercício condicionado à capacidade intelectual e profissional do usuário; e que o ciberespaço reproduz virtualmente as condições desiguais que permeiam o espaço real dos usuários dos aglomerados de exclusão na medida em que a universalidade do acesso se contrapõe aos conteúdos da rede, produzidos e direcionados para um público específico privilegiado na posse de capital econômico e cultural. Os resultados preliminares parecem indicar uma tendência de confirmação das hipóteses, mas principalmente, uma abertura de novas frentes teórico-analíticas de investigação. Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (org). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p.46-82 ______. Gosto de Classe e Estilos de Vida. In: ORTIZ, Renato (org). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p.83-104 ______. Razões Práticas. Sobre a Teoria da Ação. Campinas: Papirus, 1996. ______. A Economia das Trocas Simbólicas. Org. Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 1998. ______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A.: 2001. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de Sociólogo: metodologia de pesquisa na sociologia. Petropólis: Vozes, 2004. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.