Combinação de Fármacos anti-hipertensivos na síndrome metabólica A Hipertensão arterial no contexto da Síndrome Metabólica A Síndrome Metabólica (SM) é uma entidade clínica complexa que congrega múltiplos fatores de risco cardiovascular (FR), tais como: obesidade central, hipertensão arterial (HA), hiperglicemia, hipertrigliceridemia e HDL-c baixo e está associada ao aumento da morbi-mortalidade cardiovascular(1). Dentre os componentes da SM, a HA merece destaque pois é uma doença de alta prevalência, frequentemente associa-se a alterações funcionais e/ou estruturais dos chamados órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com conseqüente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais(1,2). A resistência insulínica e a hiperinsulinemia estão no centro da fisiopatologia deste transtorno e juntamente com a ativação do SRAA e do sistema nervoso simpático, contribuem para as alterações metabólicas e funcionais, como a disfunção endotelial e o consequente aumento da resistência vascular periférica e da pressão arterial, além de alterações do metabolismo glicídico. Todo este conjunto aumenta o risco cardiovascular associado a esta condição(1,3). Desta forma a HA deve ser entendida como um dos componentes de um complexo mosaico de risco cardiovascular, onde o risco individual de cada paciente é representado pela interação da PA com os outros FR, e é um elemento fundamental na tomada de decisão terapêutica. O principal objetivo do tratamento da HA é reduzir os valores de PA para as metas desejadas e como consequência reduzir a morbi-mortalidade cardiovascular. Para isto, a estratégia terapêutica deverá ser individualizada de acordo com a estratificação de risco e a meta do nível de PA a ser alcançado(1,2). Deve-se destacar que a presença de síndrome metabólica classifica o risco cardiovascular como alto, onde o rigor no tratamento e acompanhamento do tratamento anti-hipertensivo devem ser maiores. Andréa Araújo Brandão Professora Adjunta de Cardiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Setor de Hipertensão Arterial e Lípides - Cardiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fellow do American College of Cardiology. Fellow da European Society of Cardiology. Erika Maria Gonçalves Campana Maria Eliane Campos Magalhães Roberto Pozzan Ayrton Pires Brandão Universidade do Estado do Rio de Janeiro Metas de Pressão Arterial na Síndrome Metabólica As principais sociedades médicas em revisões recentes de suas diretrizes analisaram os principais estudos em HA e levantaram algumas questões em relação à recomendação de metas mais rigorosas em populações de alto risco cardiovascular, destacando a ausência de evidências robustas para a recomendação de metas muito mais baixas do que 140/90mmHg neste grupo(1,2). Outro conceito importante sobre este tema veio dos resultados do estudo VALUE4, recomendando-se nos pacientes hipertensos de alto risco que as metas de PA sejam alcançadas em um tempo máximo de seis meses. À luz do conhecimento atual e das recomendações de várias Diretrizes, parece razoável recomendar metas de PA=130/80mmHg nos pacientes hipertensos de alto risco cardiovascular, em tempo inferior a seis meses(1,2). 36 Recebido para publicação: Março de 2011 Aceite para publicação: Março de 2011 Revista Factores de Risco, Nº22 JUL-SET 2011 Pág. 36-39 diabetes e proteger os órgãos alvo(1,2). Diferentes classes de anti-hipertensivos demonstraram capacidade de alcançar estes objetivos, porém, como já ressaltado anteriormente, na maior parte dos ensaios clínicos, a combinação de fármacos foi mandatória para o controle adequado da PA na SM(1,2). A maior parte dos fármacos anti-hipertensivos disponíveis pode ser utilizado no manejo farmacológico da hipertensão da SM. Como a grande parte dos pacientes com síndrome metabólica necessita da associação de hipotensores, as principais sociedades médicas sugerem a utilização de combinação de fármacos desde o início do tratamento que pode ser feita mediante o emprego de hipotensores em separado ou combinados em doses fixas(1,2) (Figura 1)(1). É consensual que em portadores de SM, os betabloqueadores devido aos seus efeitos adversos sobre a incidência de novos casos diabetes, sobre o peso corporal, o perfil lipídico e a sensibilidade à insulina, só devam ser utilizados em casos de indicações específicas. Desta forma, as combinações que contenham este fármaco na sua composição devem ser evitadas neste grupo de pacientes sempre que possível(1,2). Nos pacientes em que o uso dos betabloqueadores for considerado mandatório, como nos portadores de doença coronariana, devem-se privilegiar as combinações com os beta-bloqueadores da nova geração (carvedilol ou nevibolol), que demonstraram ser mais neutros metabolicamente(1,2). Monoterapia e Combinação de fármacos Em um grande número de pacientes, as metas pressóricas não serão alcançadas com mudança de hábitos de vida e nestes casos a terapêutica farmacológica será necessária. Existem poucas evidências na literatura que permitam definir qual é a melhor intervenção farmacológica na SM(1,2). De forma semelhante, permanece sem consenso a recomendação do uso de terapêutica farmacológica em portadores de SM com PA na faixa normal alta ou limítrofe(1,2). Por outro lado, as evidências demonstram que mais de dois terços dos pacientes necessitam de associação de fármacos para o controle da PA. Nestes casos, a utilização de terapia combinada com duas ou mais classes de medicamentos é mais eficaz do que o uso de altas doses de monoterapia(1,2). Dois importantes estudos foram fundamentais para sedimentar este conceito: estudos HOT5 e UKPDS(6). No estudo UKPDS6, 35% dos pacientes necessitaram de dois e 29% dos pacientes necessitaram de três medicamentos para tentar alcançar o controle da pressão arterial. No estudo HOT5, 70% dos pacientes necessitaram de dois ou mais medicamentos na tentativa de atingir as metas de pressão arterial. Combinações de fármacos preferenciais na síndrome metabólica A terapêutica farmacológica deve ter como objetivos principais reduzir a morbidade e a mortalidade cardiovascular e renal, evitar o surgimento de novos casos de Figura 1 Fluxograma para o tratamento medicamentoso da hipertensão arterial Modificado da referência 1 37 Combinação de Fármacos anti-hipertensivos na síndrome metabólica «Nos pacientes hipertensos com SM, os bloqueadores do sistema renina angiotensina aldosterona e os antagonistas do cálcio são fármacos particularmente úteis e benéficos» Por esse mesmo efeito de prejuízo metabólico destacado acima, os diuréticos tiazídicos em altas doses também devem ser evitados nas combinações de fármacos em portadores de SM(1, 2). Por outro lado, um perfil habitual nesses pacientes é a presença de obesidade e sensibilidade ao sal, o que torna os diuréticos particularmente úteis em uma combinação de fármacos neste grupo de pacientes. As formulações que utilizam baixas doses de tiazídicos ou a combinação de tiazídicos com drogas inibidoras do sistema renina angiotensina aldosterona, antagonistas do cálcio ou mesmo com diuréticos poupadores de potássio, apresentam menor custo metabólico e podem ser consideradas opções interessantes nesta situação(1,2). Nos pacientes hipertensos com SM, os bloqueadores do sistema renina angiotensina aldosterona e os antagonistas do cálcio são fármacos particularmente úteis e benéficos. Reconhecidamente, são hipotensores eficientes, não possuem efeitos deletérios ao metabolismo lipídico e glicídico e comprovadamente reduzem a morbidade e a mortalidade cardiovascular(1,2). Nos pacientes aonde coexistem a SM e o diabetes mellitus, as associações medicamentosas que incluem antagonistas do sistema renina-angiotensina são mandatórias(1,2). Outras vantagens fundamentadas por um conjunto de evidências demonstram que os IECAs e os BRAs reduzem a proteinúria e retardam o declínio da função renal em portadores de nefropatia diabética, e se mostraram capazes de reduzir o surgimento de novos casos de diabetes(1,2), benefícios particularmente úteis no contexto da SM. O estudo ACCOMPLISH7 que incluiu hipertensos de alto risco CV, frequentemente com diabetes mellitus associado, os autores observaram que a combinação de IECA + anlodipina foi superior à associação de IECA + hidroclorotiazida na prevenção de eventos cardiovasculares(7). A utilização dos bloqueadores do SRAA tem sido considerada uma estratégia obrigatória no manejo de pacientes com doenças cardiovasculares e metabólicas(1,2). Entretanto, o duplo bloqueio do SRAA com a combinação de inibidores da ECA (IECA) e bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), atualmente não é recomendado frente aos resultados finais do estudo ONTARGET8, exceto em situações muito particulares como na insuficiência cardíaca avançada ou na insuficiência renal com proteinúria macroscópica, e mesmo nestas situações caberá ao clínico uma criteriosa avaliação de risco-benefício ao indicar a combinação de fármacos bloqueadores do SRAA(1,2,8,9). Entretanto, no contexto da SM, é útil a análise dos dados do estudo AVOID, onde a combinação de losartana e alisquireno mostrou redução maior da proteinúria em hipertensos diabéticos com nefropatia proteinúrica(17) que o uso isolado de losartana(10). Os inibidores adrenérgicos também podem ser utilizados neste grupo, pois são metabolicamente neutros e podem ajudar a reduzir a hiperatividade simpática que frequentemente acompanha a SM. A grande limitação a essa classe de fármacos são os efeitos colaterais, desta forma eles devem ser usados preferencialmente na terapia combinada(1,2), quando outras combinações não tiveram sucesso(1,2). Assim sendo, diversas combinações de fármacos podem ser utilizadas no tratamento da HAS no contexto da SM; entretanto, as evidências da literatura sugerem que neste grupo específico de pacientes os bloqueadores do SRAA representem pilar fundamental na estratégia de associação de fármacos, e a escolha dos outros fármacos a serem combinados deverá ser individualizada para cada paciente, objetivando-se evitar o agravamento de distúrbios metabólicos ou de lesões em órgãos-alvo(1,2). Neste contexto, a associação de um bloqueador do SRAA com antagonistas dos canais de cálcio destacam-se pelo perfil metabólico mais favorável. Os principais grupos de pacientes com recomendações especiais de fármacos anti-hipertensivos estão listados na tabela abaixo, incluindo a SM: Conclusão Em conclusão, em indivíduos hipertensos com SM, o tratamento farmacológico deverá sempre ser instituído quando a PA for superior a 140/90mmHg, a despeito do emprego exaustivo das mudanças de estilo de vida. O emprego da combinação de fármacos nestes pacientes é a estratégia preferencial por aumentar as taxas de controle da PA, reduzir a ocorrência de efeitos colaterais e frequentemente o custo do tratamento, contribuindo para a melhora da adesão e do sucesso do tratamento(1,2). Nestes 38 Revista Factores de Risco, Nº22 JUL-SET 2011 Pág. 36-39 Quadro I Recomendações especiais para utilização de fármacos anti-hipertensivos (Modificado referências 1 e 2) Condições Especiais Lesão orgãos-alvo Subclínicas Hipertrofia Ventricular Esquerda Aterosclerose subclínica Microalbuminura Disfunção Renal Evento clínico AVC prévio IAM prévio Angina de peito Insuficiência Cardíaca Fibrilação Atrial Insuficiência Renal / Proteinúria Doença Arterial Periférica Condição Clínica Hipertensão Sistólica Isolada Síndrome Metabólica Diabetes Mellitus Gravidez*** Negros Diurético X X B-bloq IECA BRA ALK X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X ACC Antagonista Aldostrona X X X X X X Modificado da referência 1, 2 B-bloq. betabloqueador; IECA: inibidor da ECA; BRA: Bloqueador do receptor de angiotensina; ALK: Aliskireno, ACC: antagonista do canal de cálcio; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; IAM: infarto agudo do miocárdio; DAC: doença arterial coronaria; IR: insuficiência renal; AVC: acidente vascular cerebral; * Indicado somente na Fibrilação atrial permanente. Para os antagonisticas do cálcio devem ser considerados apenas os não-dihidropiridinicos; ** Devem ser considerados diuréticos de alça; *** A Metildopa é considerada de primeira escolha na condução da hipertensão associada à gestação casos, o uso de bloqueadores do SRAA em combinação com antagonista do cálcio preferencialmente, ou mesmo com um diurético tiazídico em baixas doses constituem-se nas alternativas mais custo-efetivas. 4. Weber MA, Julius S, Kjeldsen SE, Brunner HR, Ekman S, Hansson L, Hua T, Laragh JH, McInnes GT, Mitchell L, Plat F, Schork MA, Smith B, Zanchetti A. Blood pressure dependent and independent effects of antihypertensive treatment on clinical events in the VALUE Trial. Lancet 2004; 363:2049–2051. 5. Hanson L et al. Effects of intensive blood-pressure lowering and lowdose aspirin in patient with hypertension: principal results of the Hypertension Optimal Treatment (HOT) randomized trial. Lancet 1998; 351: 1755-62 Andréa Araújo Brandão Erika Maria Gonçalves Campana Maria Eliane Campos Magalhães Roberto Pozzan Ayrton Pires Brandão 6. UKPDS Group. Tight blood pressure control and risk of macro vascular and micro vascular complications in type 2 diabetes: UKPDS 38. Brit Med J 1998; 317: 703-13 7. Jamerson K, Weber MA, Bakris GL, Dahlof B, Pitt B, Shi V, Hester A, Gupte J, Gatlin M, Velazquez EJ; ACCOMPLISH Trial Investigators. Benazepril plus Amlodipine or Hydrochlorothiazide for Hypertension in High-Risk Patients. NEJM 2008; 359 (23): 2417–2428 NEJM 2008; 359 (23): 2417-2428 Referências 1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(1 supl.1): 1-51 8. Guthrie R. Recent advances in cardiovascular risk reduction: implications of ONTARGET. Clin Cornerstone 2009; 9 Suppl 3: S18-26. 2. Mancia G, Laurent S, Agabiti-Rosei E, Ambrosioni E, Burnier M. 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