Tendência ao declínio secular está de volta às commodities? 14/05/2015 Por Artur Passos Os preços internacionais de commodities registraram forte queda desde 2011. Índices agregados mostram quedas de 50% desde o auge no primeiro semestre de 2011. O movimento pode ser observado nas commodities agrícolas, metálicas e energéticas, todas com quedas na mesma magnitude. Há uma explicação própria para cada produto, mas o fator comum é o excesso de oferta em relação à demanda. Uma série de preços de commodities desde 1913, em dólares americanos deflacionados pela inflação nos EUA, traz duas observações importantes sobre o ciclo e a tendência de longo prazo. Primeiro, a queda dos preços entre 2011 e 2014 trouxe os preços de volta à tendência de declínio secular (ver gráfico). Por esta ótica, não é possível rejeitar uma continuidade da queda, já que os ciclos de alta anteriores foram sucedidos por preços abaixo da tendência. Segundo, o ciclo de forte alta dos preços iniciado em 2002 (associado à China) foi precedido de três ciclos anteriores. O primeiro, entre 1915 e 1919, pode estar associado à Primeira Guerra Mundial. O próximo coincide com a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução da Europa no pós-guerra. O terceiro ciclo parece ter começado com a crise do petróleo em 1973 e deve ter continuado com o repasse de custos maiores de energia para as demais commodities. O padrão cíclico observado nos preços encontra uma explicação nos fundamentos. Os ciclos de alta tendem a ser causados por aceleração da demanda. A alta dos preços incentiva investimentos. A maturação dos investimentos aumenta a capacidade de produção. Quando este aumento coincide com o fim do ciclo de crescimento anormal da demanda, os preços recuam por um longo período, até que o balanço entre oferta e demanda volte a níveis equilibrados. Dos quatro ciclos observados, apenas a crise do petróleo de 1973 apresentou características distintas. Neste caso, a alta começou a partir de um choque de oferta do petróleo, com os países árabes organizados na Opep aumentando o preço do petróleo em mais de 400%. O movimento em represália à política externa americana aumentou os custos de produção e transporte das demais commodities, elevando os preços de equilíbrio. A queda dos preços ocorreu somente com a política desinflacionária dos EUA a partir do fim da década de 70. O alinhamento da queda atual dos preços com o padrão cíclico "convencional" indica que a queda dos preços de commodities não deve ser revertida, e há riscos de quedas adicionais. Os ciclos anteriores foram seguidos de preços abaixo da tendência de longo prazo, de modo que a combinação de demanda em desaceleração, reação tardia da oferta aos preços altos em 2011 e deflação de custos pode continuar levando a preços de equilíbrio mais baixos. Há fatores que podem causar altas nos preços, mas todos representam apenas riscos. Quebras de safra, conflitos (particularmente no Oriente Médio) e acidentes naturais podem reduzir a produção de uma ou mais commodities, mas nenhum fator localizado deve ser capaz de gerar uma nova alta sustentável. Desse modo, os países devem ajustar suas políticas de médio prazo para a nova realidade dos preços das commodities, sem esperar um retorno aos níveis observados entre 2007 e 2011. A decomposição das commodities (em agrícolas, metálicas e energéticas) mostra uma semelhança e uma diferença em relação à análise agregada. A semelhança é que nos três grupos a queda desde 2011 representa um retorno à tendência de longo prazo. A diferença é que a tendência secular de declínio é restrita às agrícolas, enquanto commodities metálicas e energéticas apresentam alta em termos reais desde 1926. O fato de commodities agrícolas serem renováveis explica a diferença: aumento de área plantada e avanços tecnológicos aumentam a oferta com custos decrescentes. Já entre as commodities metálicas e energéticas, os avanços tecnológicos não compensam a extração em locais cada vez menos favoráveis. A tendência de queda das commodities em termos reais não é em relação a bens manufaturados. Tanto o índice agregado de commodities quanto o índice de preços de bens finais (da séries de preços ao produtor dos EUA) mostram queda em termos reais desde 1947. A queda em termos reais de commodities e manufaturados é resultado da tendência de alta dos preços de serviços. Cabe notar que o desempenho relativo não deve levar a políticas que prejudiquem setores cujos preços apresentam queda secular ou a subsidiar serviços para exportação. Os tigres asiáticos atingiram elevados níveis de renda per capita produzindo bens manufaturados, enquanto Austrália, Canadá e Nova Zelândia mantem níveis ainda maiores de desenvolvimento e renda com economias relativamente dependentes da produção de commodities. Na outra ponta, Índia e Filipinas são exportadores líquidos de serviços e não mostraram crescimento acima do normal (dado o nível de renda per capita) nas últimas décadas. Artur Manoel Passos é economista do Itaú Unibanco e mestre em economia pela PUC-Rio.