Para um estudo histórico dos clássicos da filosofia da educação

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PARA UM ESTUDO HISTÓRICO DOS CLÁSSICOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO:
DISCUSSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Margarita Victoria Rodríguez
Universidade de Uberaba
RESUMO
A História da Educação faz referência “... as tramas objetivas criadas pelos homens no trabalho, sistemático ou
assistemático, de transmissão de vários tipos de conhecimentos, valores etc. Ao mesmo tempo significa o estudo
científico e a exposição dessas tramas (dando origem, portanto, à historiografia da Educação). E como a
educação é sempre feita com a inserção de graus variados de reflexão teórica, é possível dizer que a pedagogia –
a teoria da educação - não se desliga da própria educação, o que implica compreender a história da educação
como história da educação e da pedagogia” (GUIRALDELLI, 2001: 11). Sendo assim, esta pesquisa tem como
objetivo um estudo crítico dos clássicos da filosofia da educação, tentando desvendar suas idéias pedagógicas,
com o intuito de compreender a problemática humana e os debates em torno da essência e da existência, da
matéria e do espírito. Nesse sentido, este estudo procura evidenciar que, desde o início da história, todo fazer
educativo esteve sustentado por uma concepção filosófica. Assim, compreender e aprofundar o pensamento dos
grandes filósofos, dos “clássicos da filosofia da educação”, contribuirá para a formação dos futuros educadores
e oferecerá um entendimento do seu significado histórico. Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como
campo de reflexão dos problemas de sua época, e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos
permitirá reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas, no interior de uma época e
no devir da história da humanidade. Partiremos de alguns supostos básicos para entender o papel da filosofia da
educação: a condição básica da existência humana, a sua historicidade, que envolve a espacialidade e a
temporalidade do existir real dos seres humanos, ou seja, a condição de sujeito que está inserido num tempo
histórico, em relação com outros sujeitos. Estas relações não são ideais ou abstratas, elas são produtos das
relações materiais que condicionam a existência humana. Só com base nessas condições reais de existência é
que se pode legitimar o esforço sistemático da filosofia em construir uma imagem consistente do humano. Nosso
enfoque metodológico procura superar os limites, tanto dos paradigmas tradicionais, que tendem a analisar os
processos educacionais de forma autônoma em ralação ao desenrolar da ação educativa, quanto da chamada
história das mentalidades ou da nova história cultural, que pretende acabar com a velha história da pedagogia, ao
deslocar o foco para as expressões cotidianas do imaginário dos agentes educativos. Dando origem, assim, a
múltiplas histórias dos saberes pedagógicos, histórias essas diferentes, divergentes e até mesmo contrapostas
entre si, não passíveis, portanto, de serem articuladas numa história unificada. (SAVIANI, 1999). Embora nossa
intenção seja superar a visão tradicional, não implica necessariamente a renúncia à compreensão articulada e
racional do movimento objetivo em favor de uma abordagem relativista e fragmentada. Temos privilegiado uma
abordagem da “longa duração”, a qual privilegia a síntese sobre a análise, ou seja, procura-se partir das fontes
disponíveis na busca da construção de sínteses explicativas, sejam elas já consagradas ou que se pretende
inovadoras. Adotamos o critério usado por Gramsci dos movimentos orgânicos e conjunturais- os movimentos
orgânicos são relativamente permanentes, enquanto que os movimentos conjunturais são ocasionais, imediatos,
quase acidentais. Isso permite estabelecer uma periodização, utilizando eventos que poderíamos colocar no
conceito de “tempo curto”, na linguagem de Braudel (1972), embora esta terminologia se nos revela um tanto
quanto formalista, própria da lógica determinista que caracteriza o estruturalismo. A pesquisa aborda o período
de 1900 a 1940, período este, no qual verificamos uma profunda crise que se manifesta na estrutura social,
desencadeando fortes contradições sociais, políticas econômicas, as que repercutem no campo das idéias
filosóficas. E conseqüentemente detecta-se um empenho especial das forças interessadas na conservação da
estrutura, no sentido de resolver essas contradições. Estas forças conservadoras tentam incorporar as idéias e os
resultados dos estudos e propostas dos pensadores e educadores considerados de origem socialista e/ou
progressista, tais como: Makarenko, Vygostsky, Mão Tse-Tung, Lênin, Freinet, entre outros. Portanto,
desenvolvemos uma metodologia que nos permite entender as contradições internas da estrutura social dos
diferentes períodos históricos, com o intuito de estudar essas ondas em suas diversas oscilações o que nos
possibilitará reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura de uma parte, e de outra parte, entre o
desenvolvimento do movimento orgânico e aquele do movimento de conjunto da estrutura. Entender e praticar
uma metodologia da história, que nos permita compreender a história como um processo, cujo movimento
necessita ser reconstruído pelo historiador, implica considerar a história como um processo contínuo, constituído
por rupturas e descontinuidades, e não uma mera somatória de fatos. Assim, a transformação do homem e de sua
história ocorre, a partir das necessidades materiais, e as idéias, enquanto produtos da existência humana, são a
expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção de sua existência.
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TRABALHO COMPLETO
A História da Educação faz referência “...às tramas objetivas criadas pelos homens no
trabalho, sistemático ou assistemático, de transmissão de vários tipos de conhecimentos,
valores etc. Ao mesmo tempo significa o estudo científico e a exposição dessas tramas (dando
origem, portanto, à historiografia da Educação). E como a educação é sempre feita com a
inserção de graus variados de reflexão teórica, é possível dizer que a pedagogia –a teoria da
educação - não se desliga da própria educação, o que implica compreender a história da
educação como história da educação e da pedagogia” (GHIRANDELLI, 2001: 11).
Sendo assim, a transformação do homem e de sua história ocorre a partir das
necessidades materiais e das idéias, enquanto produtos da existência humana. Portanto, as
idéias representam aquilo que o homem faz, seu modo de viver, de se relacionar com os
outros homens no mundo, expressando suas próprias necessidades. A “... realidade é um dado
objetivo (constante e durável) e também subjetivo (por isso dinâmico), na medida em que o
sujeito é parte constituinte do ser social”. (KOSIK, 1969: 48).
Tanto a sociedade quanto a realidade são dinâmicas e concretamente definidas, assim,
a história constitui-se num processo dinâmico e transformador na medida em que se torna “o
eixo da explicação e compreensão científicas e tem na ação uma das principais categorias
epistemológicas” (FAZENDA, 1997: 106).
Com efeito, a relação sujeito/objeto é interativa, de influência mútua, realizada de
forma concreta e consciente. Esta idéia de totalidade concreta possibilita a compreensão mais
profunda de cada campo do real, logo, objeto e sujeito são percebidos na sua dinâmica, tanto
de forma diacrônica quanto sincrônica.
Por sua vez, o objeto da filosofia é o próprio pensamento sobre a realidade que precisa
ser pensada, seja em si mesma, na sua generalidade, ou nas suas manifestações particulares e,
portanto, não é um objeto que está pré-determinado (SAVIANI, 1990). A filosofia é uma
atividade do pensamento que visa à compreensão. Assim, aprender a filosofar é um convite a
pensar, implica refletir como se deve pensar, como se deve agir e como se deve viver, na
expressão de Agnes Heller.
Como expressa Leôncio Basbaum (1978), a filosofia tem sentido para a vida humana
e, portanto, devemos repelir qualquer idéia de que a filosofia seja um quadro exposto à
contemplação passiva do homem, ou mesmo um entorpecente para se mergulhar em doces
sonhos etéreos, enquanto se esquece a realidade da vida e do muito que há a fazer dentro dela.
A filosofia é, antes , em primeiro lugar, e acima de tudo, ‘uma arma’, uma ferramenta, um
instrumento de ação, uma ajuda com a qual o homem conhece a natureza e busca o conforto
físico e espiritual para a sua vida.
A filosofia interessa a todos os homens, dado que todos eles pensam. Nesse sentido,
todos nós somos filósofos, porque todos pensamos em nossa realidade e em nossa vida
cotidiana. Ou seja, filosofar não é um processo abstrato e distante de nosso fazer, de nosso
sentir.
Entretanto, o filósofo propriamente dito é um especialista do pensamento, ele pensa
com maior rigor lógico, com maior coerência, valendo-se, sistematicamente, de métodos.
Conhece toda a história do pensamento e as mudanças que este sofreu, o que lhe permite
retomar os problemas, a partir do ponto onde eles se encontram, após terem sofrido a mais
alta tentativa de solução.
O assunto que ocupa o filósofo é comum a todos os homens. Como a realidade
necessita ser pensada, a filosofia discute aqueles problemas que não se conhecem e que
precisam ser conhecidos, as dúvidas que necessitam ser dissipadas - e as dificuldades que
precisam ser superadas.
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Neste sentido, a filosofia pode contribuir para uma melhor configuração e
discernimento do objeto educativo, porque possibilita a sua problematização e reflexão
metodológica da realidade, explicitando suas características e diferenciando os fenômenos
afins, colocando em evidência a especificidade do processo educacional. Ou seja, a filosofia
contribui para uma melhor definição da educação, enquanto objeto de conhecimento,
facilitando sua abordagem metódica e sistemática.
Como a educação é um fenômeno complexo, ela envolve múltiplos aspectos e suscita
múltiplas abordagens. Uma abordagem científica da educação implica muitos estudos e,
portanto, acreditamos que se deva falar em ciências da educação.
A partir de uma
abordagem científica da educação, poderemos construir conhecimentos metódicos e
sistematizados da realidade educacional, mediante a pesquisa educacional. Deste modo, a
filosofia contribuirá para precisar o objeto próprio da educação distinguindo-o dos objetos
específicos das outras disciplinas afins (psicologia, sociologia, economia, política, história,
entre outras).
Por outro lado, educar também é uma arte, uma realização original e criativa que
envolve técnicas, assim, o ato educativo deve ser eficiente, correto e regido por algumas
regras pré-determinadas. Existe uma íntima relação entre a teoria e a prática no âmbito
educativo. Elas não são pólos opostos ou auto-excludentes, como muitas das vezes são
apresentadas na realidade educacional. Pelo contrário, é impossível pensar na teoria
educacional sem ter uma forma prática de aplicá-la e a filosofia ajuda a desvendar as
diferentes abordagens do fenômeno educativo através de uma reflexão radical e rigorosa das
diversas formas de se encarar a questão educacional, explicitando as características de cada
abordagem, suas diferenças e semelhanças, bem como as relações recíprocas que se
estabelecem.
Como temos afirmado, o fenômeno educativo pode ser explicado a partir de diversas
abordagens, e o educador deve ter uma consciência clara delas. Sua prática, sua vida
educacional deve ser explicitada, superando qualquer tipo de explicação do senso comum.
Ou seja, a filosofia deve contribuir para a redescoberta do objeto da educação, possibilitando
uma adesão consciente a qualquer tendência pedagógica.
A filosofia, enquanto atitude reflexiva, tem como propósito elucidar os problemas com
que o homem se defronta no transcurso de sua existência. Porém, não se reflete simplesmente
por um mero ato ou gosto de refletir, sem objetivo, sem método. Muito pelo contrário, o
processo de reflexão leva-nos a resultados que estão consubstanciados em concepções de
mundo. Assim, a filosofia é também entendida como uma concepção de mundo, que se
expressa num nível mais elaborado, logicamente consistente e coerente.
“A filosofia, enquanto concepção de mundo, formula e encaminha a solução dos
grandes problemas postos pela época em que ela se constitui. Como tal, ela
contém em si, de forma sintética e conceptualizada, a problemática da época. Por
isso, os filósofos que a História reconhece como tais, são, vias de regra, os
grandes intelectuais que conseguiram expressar de forma mais elaborada os
problemas das respectivas fases de desenvolvimento da humanidade. Nesse
sentido, tornaram-se clássicos, isto é, integram o patrimônio cultural da
humanidade já que suas formulações, embora radicada numa época determinada,
extrapolam os limites dessa época, mantendo o seu interesse mesmo para as
épocas ulteriores. (SAVIANI, 1990)
Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo um estudo crítico dos clássicos da
filosofia da educação, tentando desvendar suas idéias pedagógicas, com o intuito de
compreender a problemática humana e os debates em torno da essência e da existência, da
matéria e do espírito. Este estudo procura, também, evidenciar que, desde o início da história,
todo fazer educativo esteve sustentado por uma concepção filosófica. Assim, compreender e
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aprofundar o pensamento dos grandes filósofos, dos “clássicos da filosofia da educação”,
contribuirá para a formação dos futuros educadores e oferecerá um entendimento do seu
significado histórico.
Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como campo de reflexão dos
problemas de sua época e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos permitirá
reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas, no interior de
uma época e no devir da história da humanidade.
Partiremos de alguns pressupostos básicos para entender o papel da filosofia da
educação: a condição básica da existência humana, a sua historicidade, que envolve a
espacialidade e a temporalidade do existir real dos seres humanos, ou seja, a condição de
sujeito que está inserido num tempo histórico, em relação com outros sujeitos. Estas relações
não são ideais ou abstratas, elas são produtos das relações materiais que condicionam a
existência humana. Só com base nessas condições reais de existência é que se pode legitimar
o esforço sistemático da filosofia em construir uma imagem consistente do humano
Nosso enfoque metodológico procura superar os limites, tanto dos paradigmas
tradicionais, que analisam os processos educacionais de forma autônoma em ralação ao
desenrolar da ação educativa, quanto da chamada história das mentalidades ou da nova
história cultural, que pretende acabar com a velha história da pedagogia, ao deslocar o foco
para as expressões cotidianas do imaginário dos agentes educativos, dando origem, assim, a
múltiplas histórias dos saberes pedagógicos, histórias essas diferentes, divergentes e até
mesmo contrapostas entre si, não passíveis, portanto, de serem articuladas numa história
unificada. (SAVIANI, 1999). Embora nossa intenção seja superar a visão tradicional, isto não
implica necessariamente a renúncia à compreensão articulada e racional do movimento
objetivo em favor de uma abordagem relativista e local.
Temos destacado uma abordagem de “longa duração”, a qual privilegia a síntese
sobre a análise, ou seja, procura-se partir das fontes disponíveis na busca da construção de
sínteses explicativas, sejam elas já consagradas ou que se pretendam inovadoras. Adotamos
o critério usado por Gramsci dos movimentos orgânicos e conjunturais - os movimentos
orgânicos são relativamente permanentes, enquanto que os movimentos conjunturais são
ocasionais, imediatos, quase acidentais. Isso permite estabelecer uma periodização, utilizando
eventos que poderíamos colocar no conceito de “tempo curto”, na linguagem de Braudel
(1968), embora esta terminologia se nos revela um tanto quanto formalista, própria da lógica
determinista que caracteriza o estruturalismo.
A pesquisa aborda o período de 1900 a 1940, no qual verificamos uma profunda crise
manifestada na estrutura social, desencadeando inúmeras contradições sociais, políticas
econômicas, que se repercutem no campo das idéias filosóficas. Conseqüentemente detectase um empenho especial das forças interessadas na conservação da estrutura, no sentido de
resolver essas contradições. Estas forças conservadoras tentam incorporar as idéias e os
resultados dos estudos e propostas dos pensadores e educadores considerados de origem
socialista e/ou progressista, tais como: Makarenko, Vygostsky, Mao Tse-Tung, Lênin,
Freinet, entre outros, embora a atuação dos educadores adeptos a estas concepções seja
marginal nas redes de ensino brasileira.
Portanto, desenvolvemos uma metodologia que nos permite entender as contradições
internas da estrutura social dos diferentes períodos históricos, com o intuito de estudar essas
ondas em suas diversas oscilações o que nos possibilitará reconstruir as relações entre
estrutura e superestrutura de uma parte, e de outra parte, entre o desenvolvimento do
movimento orgânico e aquele do movimento de conjunto da estrutura.
Entender e praticar uma metodologia da história, que nos permita compreender a
história como um processo, cujo movimento necessita ser reconstruído pelo historiador,
implica considerar a história como um processo contínuo, constituído por rupturas e
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descontinuidades, e não uma mera somatória de fatos. Assim, a transformação do homem e
de sua história ocorre, a partir das necessidades materiais, e as idéias, enquanto produtos da
existência humana, são a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas
no processo de produção de sua existência.
Com efeito, o nosso pensar comum, cotidiano, para vir a ser filósofo, deverá ganhar
um outro patamar, o da criticidade e coerência, diferente do senso comum. Pretendemos
criticar a própria concepção de mundo, tornando-a unitária e coerente e elevando-a até um
ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. O que significa, portanto,
criticar também, toda a filosofia existente até hoje, na medida em que ela deixou
estratificações consolidadas na filosofia popular. (GRAMSCI, 1978:12)
Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como campo de reflexão dos
problemas de sua época e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos permitirá
reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas no interior de uma
época e no devir da história da humanidade.
Pretendemos que nosso estudo ajude o educador a compreender, com maior clareza, a
razão da existência de teorias contrastantes da educação e de práticas pedagógicas que se
contrapõem, além de entender que a prática pedagógica está sempre determinada por uma
teoria, que pressupõe uma específica concepção filosófica, embora muitas vezes esta relação
não esteja totalmente explicitada.
Quando os pressupostos teóricos e os fundamentos filosóficos das práticas ficam
implícitos, o educador está se guiando por uma concepção que fica ao nível do senso comum.
Ou seja, uma concepção não elaborada, constituída por aspectos heterogêneos de diferentes
concepções que se agrupam de modo fragmentário, sedimentário e de modo acrítico. Esta
prática que se orienta pelo senso comum é claramente inconsistente e incoerente. Portanto,
almejamos contribuir para que o educador supere o senso comum e se eleve ao nível da
consciência filosófica de sua própria prática, o que implica detectar e elaborar o bom senso
que envolve as concepções sistematizadas da filosofia da educação. Deste modo, poderá
explicitar os fundamentos de sua prática e superar suas inconsistências, tornando coerente seu
agir no processo educativo.
Consideramos a Educação como um Projeto que envolve a reflexão e a práxis, e nesse
sentido cabe à filosofia da educação a construção de uma imagem do homem, enquanto
sujeito fundamental da educação. Assim, a filosofia da educação constitui-se em antropologia
filosófica, como tentativa de integração dos conteúdos das ciências humanas na busca de uma
visão integrada do homem.(SEVERINO,1990)
O objeto de estudo das ciências sociais não é estático, imutável ou repetível, constituíse em processos únicos, situações concretas nas quais interagem diferentes fatores, sendo o
principal protagonista o ser humano que atua dentro de uma sociedade. Sendo assim, o
homem constrói, transforma e conserva a sua história e sua cultura dentro de uma dada
estrutura social materialmente determinada.
Nesse sentido, defrontamo-nos com questões que são vitais para nosso fazer como
pesquisadores da história: o historiador deve buscar a “verdade histórica” ou ele mesmo deve
fabricá-la? Há tantas verdades quantos sujeitos que constróem a história? Podemos ser
objetivos quando trabalhamos com objetos históricos? Chegar à “verdade” é uma questão de
método ou de utilização de fontes históricas? Que utilidade tem então estudar a história das
idéias filosóficas? As dúvidas aparecem na hora em que nos deparamos com as inúmeras
mediações que existem entre os fatos tal como aconteceram e a reconstrução dos mesmos,
posteriormente.
Todo pensamento, obra literária, artística, científica ou religiosa é produto da história
;circunstâncias políticas, sociais, familiares, culturais e técnicas influenciam o pensamento e
o fazer humano. Hegel afirmava que “... las filosofías son su propia época expresada en
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pensamiento; pertenecen a su época y se hallan prisioneras de sus limitaciones: el individuo es
hijo de su pueblo, de su mundo, y por mucho que quiera estriarse, mas podrá salirse de su
piel.”
Os filósofos e as próprias correntes filosóficas não são restos fósseis da cultura de uma
sociedade, nem são relíquias do passado. As idéias são aspectos vivos do pensamento e do
patrimônio intelectual da humanidade e de nosso próprio pensar e agir (ou pensamento e
ação, você escolhe), embora nem sempre tenhamos consciência disto. Acreditamos que
recuperar a memória dos clássicos da educação, não só nos permitirá entender o presente da
educação, senão também nos permitirá compreender nossas próprias concepções e práticas
pedagógicas, embora, na história da filosofia, muitas vezes parece que um pensamento
derruba outro, que uma concepção filosófica é esquecida e refutada por novos paradigmas. Na
verdade, eles não são destruídos, são superados: Aristóteles supera Platão, Kant supera as
idéias de Hume, Marx deixa claro o limite do pensamento de Hegel, porém, ninguém parte do
zero, todos eles constróem os novos modelos filosóficos partindo dos existentes. Muitas das
idéias filosóficas permanecem, denotando uma atualidade extraordinária, entretanto, outras
idéias são suplantadas e mudadas. Portanto, os autores não pensam isoladamente; constróem
sob o que outros já fizeram e aportam novos fundamentos.
Para Hegel, a filosofia tem uma unidade história: é uma caminhar em busca da
verdade, não se trata de uma mera opinião, não é um pensar caprichoso, sem método e sem
teoria. Cada filósofo depende de idéias, argumentos e estilo dos pensadores que o
antecederam, e é sobre essa base que constróem novas argumentações. Portanto, estudar a
história da filosofia não é uma mera exposição histórica/erudita de idéias, sistemas de
pensamento e afirmações, trata-se de uma busca de novas argumentações e soluções aos
problemas e questionamentos pranteados historicamente pelo homem – por exemplo o
significado do conhecimento, da natureza, da estrutura do mundo, da liberdade e da ética,
entre outros.
Tanto na história como na filosofia, tudo é discutível; por princípio não se admitem
verdades absolutas e muitos menos o falar em verdade sem prévia demonstração. O estudo
da filosofia e da história deve suscitar uma confiança na razão, na capacidade do homem para
aproximar-se da verdade e encontrar soluções, pelo menos provisórias, aos problemas. Deste
modo, cada pensador, cada intelectual aponta uma nova peça ao quebra cabeça que
poderíamos chamar de verdade.
Como cada período histórico se constitui sob a base material e ideológica do anterior,
também o pensamento filosófico é influenciado e marcado pelos pensamentos que o
precedem. Assim, cada corrente de pensamento constitui uma visão parcial do real, nunca é
absoluta nem completa Se a verdade só é possível de ser alcançada de modo gradual,
encontrá-la requer um esforço de reflexão, análise e estudo, que nos obriga a estar num
estado de alerta permanente. Temos a obrigação de ser críticos, com nós mesmos e com todas
as informações que nos chegam externamente. Como seres humanos não devemos nos
recusar a sermos filósofos, mas sim buscarmos a verdade com espírito crítico.
Em vista disso, um dos aspetos que devemos levar em consideração na construção do
conhecimento histórico são as fontes (escritas, orais, iconográficas, fílmicas, sonoras, etc.).
No caso das fontes escritas, temos que observar se são escritos oficiais ou não; asso,o como a
condição social do produtor destes documentos e o espaço e tempo no qual foram produzidos,
entre outros.
Porém o conceito de fonte histórica tem-se ampliado “do narrativo ao notarial, do
escrito ao oral, até a inexistência de documentos. Também as ciências auxiliares têm-se
ampliado, a informática está ocupando um espaço considerável junto às disciplinas
tradicionais como Diplomacia, Numismática, Genealogia, e os aportes mais recentes da
Geografia, Lingüística, Economia, Antropologia, Sociologia, entre outras.
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Outro aspecto, que não devemos esquecer, é a subjetividade do próprio historiador,
que é quem seleciona temas, documentos, métodos e interpreta a informação obtida, conforme
sua concepção teórica, e sua própria condição de historiador e cidadão. Contudo, devemos
reconhecer que não basta um estudo crítico e / ou quantitativo de fontes – que é necessário,
mas não suficiente- para assegurar o resultado científico de uma pesquisa.
A subjetividade do historiador também deve ser integrada no discurso histórico, sendo
este um requisito prévio e científico para avaliar sua objetividade. Porém, o conhecimento do
pesquisador não está apenas baseado nas fontes, é muito importante o conhecimento geral
que o pesquisador tem (sentido comum, cultura, sistema de valores) e que direciona a busca
de dados, a seleção e interpretação, assim comoconsiderar o conhecimento estritamente
científico, ou seja o saber histórico, o saber científico referido às restantes ciências e o saber
filosófico, teórico e metodológico (TOPOLSKY: 1982).
Na verdade, os documentos históricos adquirem significação quando são escolhidos
pelos pesquisadores, quando estes dados são organizados conforme esquemas prévios que o
historiador elabora seguindo suas concepções, metodologias e perguntas que permitem arribar
às conclusões, segundo o marco referencial que o sustenta. Deste modo, produz-se um
diálogo permanente entre as fontes e o conhecimento do pesquisar, entre a sua experiência
profissional e a teoria da história. Enfim, o presente do historiador está influenciando o
passado.
Nesse sentido, nosso interesse nesta pesquisa é olhar para história, procurando aquelas
idéias que não envelhecem, elaboradas por sujeitos que enfrentaram problemas muitas vezes
parecidos com os nossos. Se cada filósofo, ou cada sistema filosófico é produto de suas
circunstância históricas, consideramos imprescindível buscar as conexões históricas tanto, na
longa duração, quanto no temo recente.
Sendo assim, os filósofos devem ser lidos diretamente, nas suas obras, a leitura de
intermediários e livros interpretativos, nem sempre facilita o entendimento dos autores,
porque corremos o risco de comprar uma “filosofia enlatada”, onde outros selecionam as
idéias de interesse individuais e muitas vezes, corremos o perigo de comprar interpretações
parciais ou erradas. Por conseguinte, após a leitura de um autor, devemos elaborar
conclusões pessoais, procurando adquirir um pensamento próprio, consciente e racional,
evitando o refúgio em tópicos, lugares comuns e afirmações superficiais.
Tendo em vista uma concepção epistemológica da construção histórica do
conhecimento que recusa o autoritarismo de uma única verdade absoluta, estamos
convidando a uma leitura dos autores como se se tratasse de estudar diferentes propostas
teórico-metodológicas. Para tanto, propomos a leitura, intelecção e elaboração de associações
possíveis , dialogando com autores consagrados. Com efeito, ler é o passo inicial para pensar
e promover um passeio da alma. (CHAUI, 1990)
“Ler”, significa “aprender a pensar na esteira deixada pelo pensamento do outro. Ler
é retomar a reflexão de outrem como matéria-prima para o trabalho de nossa própria
reflexão.”(CHAUÍ, 1994:151)
Esta postura perante os textos sugeridos supõe um esforço intelectual que nos leve a
ultrapassar muitas práticas enviesadas, que não respeitam o pensamento do autor, tais como:
ler de modo exterior, sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em si; ler
pinçando o que interessa, segundo a conveniência do leitor; ler de modo fragmentado, sem
recompor o encadeamento das idéias pelas quais um autor constrói seu pensar; ler um texto
usando lentes e referenciais estranhos ao autor que o concebeu.
No campo da filosofia, ler implica identificar os significados que o autor confere às
questões estudadas. Segundo Alfredo Bosi (1988), a boa colheita na leitura consiste em
distinguir e escolher adequadamente os sentidos originalmente propostos. Assim, o mesmo
autor considera que “Ler é colher tudo quanto vem escrito. Mas, interpretar é eleger (ex-
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legere: escolher), na messe de possibilidades semânticas, apenas aquelas que se movem no
encalço da questão crucial: o texto quer dizer?” (BOSSI, 1988:274)
Interpretar um texto respeitando aquilo que um autor quis realmente dizer, implica que
o leitor deve decifrar o enigma do texto, ou seja, o que diz o autor, e que metodologia adota
para fazê-lo . Portanto, isto significa dispor de paciência e perseverança, trata-se de um
exercício que supõe uma atitude política e ética onde o sujeito leitor não só deve apreender as
diferenças entre os diferentes autores, mas saber admirar um texto bem concebido, ainda e
principalmente quando não concorde com a orientação teórico-metodológica do autor.
Assim, consideramos de extrema relevância que o pesquisador adote uma atitude
epistemológica na qual não prejulgue ou fuja à verdade inerente ao texto. É muito importante
que, como investigadores, tenhamos o propósito de reconstruir, com nossa imaginação, o
itinerário de construção do pensamento do outro, procurando não desfigurá-lo. Este deve ser
um trabalho que respeite a integridade do todo e que relativize o pinçar fragmentando das
partes e a compreensão apressada, ou ainda, a leitura exterior que exige de texto categorias e
desenvolvimentos teóricos, que ele nunca poderá fazer.
É preciso, também, que se tenha muito cuidado com as associações, que muitas vezes
por comodidade, ingenuidade ou por posicionamentos não críticos e a-históricos, incorremos
quando fazemos “colagem” de citações sem respeitar as concepções teóricas diferenciadas dos
autores escolhidos. Para evitar confusões é recomendável fazer um acompanhamento
exaustivo da construção teórico-metodológica do texto, mergulhando na sua dinâmica
interior.
Para tanto, devemos entrar no pensamento do autor e realizar um esforço para entender
todas suas expressões, termos e teses. Uma vez entendida a lógica expressiva do autor
poderemos realizar a crítica. A história da filosofia, deve nos ensinar a pensar sob o que
dizem os autores, o que não significa memoriza-los, . porque quando o objetivo é
compreender e esclarecer idéias, toda crítica contra argumentos, idéias e termos escuros ou
imprecisos é pouca. Porém, devemos confiar em nosso próprio conhecimento e capacidade
crítica, porque qualquer sujeito reconhece, ou pelo menos deveria reconhecer, se um
argumento convence ou não. Ninguém deveria aceitar idéias de outros simplesmente porque
se trata de uma autoridade ou porque essas idéias são compartilhadas por muitas pessoas.
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