83 PARA UM ESTUDO HISTÓRICO DOS CLÁSSICOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO: DISCUSSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS Margarita Victoria Rodríguez Universidade de Uberaba RESUMO A História da Educação faz referência “... as tramas objetivas criadas pelos homens no trabalho, sistemático ou assistemático, de transmissão de vários tipos de conhecimentos, valores etc. Ao mesmo tempo significa o estudo científico e a exposição dessas tramas (dando origem, portanto, à historiografia da Educação). E como a educação é sempre feita com a inserção de graus variados de reflexão teórica, é possível dizer que a pedagogia – a teoria da educação - não se desliga da própria educação, o que implica compreender a história da educação como história da educação e da pedagogia” (GUIRALDELLI, 2001: 11). Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo um estudo crítico dos clássicos da filosofia da educação, tentando desvendar suas idéias pedagógicas, com o intuito de compreender a problemática humana e os debates em torno da essência e da existência, da matéria e do espírito. Nesse sentido, este estudo procura evidenciar que, desde o início da história, todo fazer educativo esteve sustentado por uma concepção filosófica. Assim, compreender e aprofundar o pensamento dos grandes filósofos, dos “clássicos da filosofia da educação”, contribuirá para a formação dos futuros educadores e oferecerá um entendimento do seu significado histórico. Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como campo de reflexão dos problemas de sua época, e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos permitirá reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas, no interior de uma época e no devir da história da humanidade. Partiremos de alguns supostos básicos para entender o papel da filosofia da educação: a condição básica da existência humana, a sua historicidade, que envolve a espacialidade e a temporalidade do existir real dos seres humanos, ou seja, a condição de sujeito que está inserido num tempo histórico, em relação com outros sujeitos. Estas relações não são ideais ou abstratas, elas são produtos das relações materiais que condicionam a existência humana. Só com base nessas condições reais de existência é que se pode legitimar o esforço sistemático da filosofia em construir uma imagem consistente do humano. Nosso enfoque metodológico procura superar os limites, tanto dos paradigmas tradicionais, que tendem a analisar os processos educacionais de forma autônoma em ralação ao desenrolar da ação educativa, quanto da chamada história das mentalidades ou da nova história cultural, que pretende acabar com a velha história da pedagogia, ao deslocar o foco para as expressões cotidianas do imaginário dos agentes educativos. Dando origem, assim, a múltiplas histórias dos saberes pedagógicos, histórias essas diferentes, divergentes e até mesmo contrapostas entre si, não passíveis, portanto, de serem articuladas numa história unificada. (SAVIANI, 1999). Embora nossa intenção seja superar a visão tradicional, não implica necessariamente a renúncia à compreensão articulada e racional do movimento objetivo em favor de uma abordagem relativista e fragmentada. Temos privilegiado uma abordagem da “longa duração”, a qual privilegia a síntese sobre a análise, ou seja, procura-se partir das fontes disponíveis na busca da construção de sínteses explicativas, sejam elas já consagradas ou que se pretende inovadoras. Adotamos o critério usado por Gramsci dos movimentos orgânicos e conjunturais- os movimentos orgânicos são relativamente permanentes, enquanto que os movimentos conjunturais são ocasionais, imediatos, quase acidentais. Isso permite estabelecer uma periodização, utilizando eventos que poderíamos colocar no conceito de “tempo curto”, na linguagem de Braudel (1972), embora esta terminologia se nos revela um tanto quanto formalista, própria da lógica determinista que caracteriza o estruturalismo. A pesquisa aborda o período de 1900 a 1940, período este, no qual verificamos uma profunda crise que se manifesta na estrutura social, desencadeando fortes contradições sociais, políticas econômicas, as que repercutem no campo das idéias filosóficas. E conseqüentemente detecta-se um empenho especial das forças interessadas na conservação da estrutura, no sentido de resolver essas contradições. Estas forças conservadoras tentam incorporar as idéias e os resultados dos estudos e propostas dos pensadores e educadores considerados de origem socialista e/ou progressista, tais como: Makarenko, Vygostsky, Mão Tse-Tung, Lênin, Freinet, entre outros. Portanto, desenvolvemos uma metodologia que nos permite entender as contradições internas da estrutura social dos diferentes períodos históricos, com o intuito de estudar essas ondas em suas diversas oscilações o que nos possibilitará reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura de uma parte, e de outra parte, entre o desenvolvimento do movimento orgânico e aquele do movimento de conjunto da estrutura. Entender e praticar uma metodologia da história, que nos permita compreender a história como um processo, cujo movimento necessita ser reconstruído pelo historiador, implica considerar a história como um processo contínuo, constituído por rupturas e descontinuidades, e não uma mera somatória de fatos. Assim, a transformação do homem e de sua história ocorre, a partir das necessidades materiais, e as idéias, enquanto produtos da existência humana, são a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção de sua existência. 84 TRABALHO COMPLETO A História da Educação faz referência “...às tramas objetivas criadas pelos homens no trabalho, sistemático ou assistemático, de transmissão de vários tipos de conhecimentos, valores etc. Ao mesmo tempo significa o estudo científico e a exposição dessas tramas (dando origem, portanto, à historiografia da Educação). E como a educação é sempre feita com a inserção de graus variados de reflexão teórica, é possível dizer que a pedagogia –a teoria da educação - não se desliga da própria educação, o que implica compreender a história da educação como história da educação e da pedagogia” (GHIRANDELLI, 2001: 11). Sendo assim, a transformação do homem e de sua história ocorre a partir das necessidades materiais e das idéias, enquanto produtos da existência humana. Portanto, as idéias representam aquilo que o homem faz, seu modo de viver, de se relacionar com os outros homens no mundo, expressando suas próprias necessidades. A “... realidade é um dado objetivo (constante e durável) e também subjetivo (por isso dinâmico), na medida em que o sujeito é parte constituinte do ser social”. (KOSIK, 1969: 48). Tanto a sociedade quanto a realidade são dinâmicas e concretamente definidas, assim, a história constitui-se num processo dinâmico e transformador na medida em que se torna “o eixo da explicação e compreensão científicas e tem na ação uma das principais categorias epistemológicas” (FAZENDA, 1997: 106). Com efeito, a relação sujeito/objeto é interativa, de influência mútua, realizada de forma concreta e consciente. Esta idéia de totalidade concreta possibilita a compreensão mais profunda de cada campo do real, logo, objeto e sujeito são percebidos na sua dinâmica, tanto de forma diacrônica quanto sincrônica. Por sua vez, o objeto da filosofia é o próprio pensamento sobre a realidade que precisa ser pensada, seja em si mesma, na sua generalidade, ou nas suas manifestações particulares e, portanto, não é um objeto que está pré-determinado (SAVIANI, 1990). A filosofia é uma atividade do pensamento que visa à compreensão. Assim, aprender a filosofar é um convite a pensar, implica refletir como se deve pensar, como se deve agir e como se deve viver, na expressão de Agnes Heller. Como expressa Leôncio Basbaum (1978), a filosofia tem sentido para a vida humana e, portanto, devemos repelir qualquer idéia de que a filosofia seja um quadro exposto à contemplação passiva do homem, ou mesmo um entorpecente para se mergulhar em doces sonhos etéreos, enquanto se esquece a realidade da vida e do muito que há a fazer dentro dela. A filosofia é, antes , em primeiro lugar, e acima de tudo, ‘uma arma’, uma ferramenta, um instrumento de ação, uma ajuda com a qual o homem conhece a natureza e busca o conforto físico e espiritual para a sua vida. A filosofia interessa a todos os homens, dado que todos eles pensam. Nesse sentido, todos nós somos filósofos, porque todos pensamos em nossa realidade e em nossa vida cotidiana. Ou seja, filosofar não é um processo abstrato e distante de nosso fazer, de nosso sentir. Entretanto, o filósofo propriamente dito é um especialista do pensamento, ele pensa com maior rigor lógico, com maior coerência, valendo-se, sistematicamente, de métodos. Conhece toda a história do pensamento e as mudanças que este sofreu, o que lhe permite retomar os problemas, a partir do ponto onde eles se encontram, após terem sofrido a mais alta tentativa de solução. O assunto que ocupa o filósofo é comum a todos os homens. Como a realidade necessita ser pensada, a filosofia discute aqueles problemas que não se conhecem e que precisam ser conhecidos, as dúvidas que necessitam ser dissipadas - e as dificuldades que precisam ser superadas. 85 Neste sentido, a filosofia pode contribuir para uma melhor configuração e discernimento do objeto educativo, porque possibilita a sua problematização e reflexão metodológica da realidade, explicitando suas características e diferenciando os fenômenos afins, colocando em evidência a especificidade do processo educacional. Ou seja, a filosofia contribui para uma melhor definição da educação, enquanto objeto de conhecimento, facilitando sua abordagem metódica e sistemática. Como a educação é um fenômeno complexo, ela envolve múltiplos aspectos e suscita múltiplas abordagens. Uma abordagem científica da educação implica muitos estudos e, portanto, acreditamos que se deva falar em ciências da educação. A partir de uma abordagem científica da educação, poderemos construir conhecimentos metódicos e sistematizados da realidade educacional, mediante a pesquisa educacional. Deste modo, a filosofia contribuirá para precisar o objeto próprio da educação distinguindo-o dos objetos específicos das outras disciplinas afins (psicologia, sociologia, economia, política, história, entre outras). Por outro lado, educar também é uma arte, uma realização original e criativa que envolve técnicas, assim, o ato educativo deve ser eficiente, correto e regido por algumas regras pré-determinadas. Existe uma íntima relação entre a teoria e a prática no âmbito educativo. Elas não são pólos opostos ou auto-excludentes, como muitas das vezes são apresentadas na realidade educacional. Pelo contrário, é impossível pensar na teoria educacional sem ter uma forma prática de aplicá-la e a filosofia ajuda a desvendar as diferentes abordagens do fenômeno educativo através de uma reflexão radical e rigorosa das diversas formas de se encarar a questão educacional, explicitando as características de cada abordagem, suas diferenças e semelhanças, bem como as relações recíprocas que se estabelecem. Como temos afirmado, o fenômeno educativo pode ser explicado a partir de diversas abordagens, e o educador deve ter uma consciência clara delas. Sua prática, sua vida educacional deve ser explicitada, superando qualquer tipo de explicação do senso comum. Ou seja, a filosofia deve contribuir para a redescoberta do objeto da educação, possibilitando uma adesão consciente a qualquer tendência pedagógica. A filosofia, enquanto atitude reflexiva, tem como propósito elucidar os problemas com que o homem se defronta no transcurso de sua existência. Porém, não se reflete simplesmente por um mero ato ou gosto de refletir, sem objetivo, sem método. Muito pelo contrário, o processo de reflexão leva-nos a resultados que estão consubstanciados em concepções de mundo. Assim, a filosofia é também entendida como uma concepção de mundo, que se expressa num nível mais elaborado, logicamente consistente e coerente. “A filosofia, enquanto concepção de mundo, formula e encaminha a solução dos grandes problemas postos pela época em que ela se constitui. Como tal, ela contém em si, de forma sintética e conceptualizada, a problemática da época. Por isso, os filósofos que a História reconhece como tais, são, vias de regra, os grandes intelectuais que conseguiram expressar de forma mais elaborada os problemas das respectivas fases de desenvolvimento da humanidade. Nesse sentido, tornaram-se clássicos, isto é, integram o patrimônio cultural da humanidade já que suas formulações, embora radicada numa época determinada, extrapolam os limites dessa época, mantendo o seu interesse mesmo para as épocas ulteriores. (SAVIANI, 1990) Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo um estudo crítico dos clássicos da filosofia da educação, tentando desvendar suas idéias pedagógicas, com o intuito de compreender a problemática humana e os debates em torno da essência e da existência, da matéria e do espírito. Este estudo procura, também, evidenciar que, desde o início da história, todo fazer educativo esteve sustentado por uma concepção filosófica. Assim, compreender e 86 aprofundar o pensamento dos grandes filósofos, dos “clássicos da filosofia da educação”, contribuirá para a formação dos futuros educadores e oferecerá um entendimento do seu significado histórico. Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como campo de reflexão dos problemas de sua época e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos permitirá reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas, no interior de uma época e no devir da história da humanidade. Partiremos de alguns pressupostos básicos para entender o papel da filosofia da educação: a condição básica da existência humana, a sua historicidade, que envolve a espacialidade e a temporalidade do existir real dos seres humanos, ou seja, a condição de sujeito que está inserido num tempo histórico, em relação com outros sujeitos. Estas relações não são ideais ou abstratas, elas são produtos das relações materiais que condicionam a existência humana. Só com base nessas condições reais de existência é que se pode legitimar o esforço sistemático da filosofia em construir uma imagem consistente do humano Nosso enfoque metodológico procura superar os limites, tanto dos paradigmas tradicionais, que analisam os processos educacionais de forma autônoma em ralação ao desenrolar da ação educativa, quanto da chamada história das mentalidades ou da nova história cultural, que pretende acabar com a velha história da pedagogia, ao deslocar o foco para as expressões cotidianas do imaginário dos agentes educativos, dando origem, assim, a múltiplas histórias dos saberes pedagógicos, histórias essas diferentes, divergentes e até mesmo contrapostas entre si, não passíveis, portanto, de serem articuladas numa história unificada. (SAVIANI, 1999). Embora nossa intenção seja superar a visão tradicional, isto não implica necessariamente a renúncia à compreensão articulada e racional do movimento objetivo em favor de uma abordagem relativista e local. Temos destacado uma abordagem de “longa duração”, a qual privilegia a síntese sobre a análise, ou seja, procura-se partir das fontes disponíveis na busca da construção de sínteses explicativas, sejam elas já consagradas ou que se pretendam inovadoras. Adotamos o critério usado por Gramsci dos movimentos orgânicos e conjunturais - os movimentos orgânicos são relativamente permanentes, enquanto que os movimentos conjunturais são ocasionais, imediatos, quase acidentais. Isso permite estabelecer uma periodização, utilizando eventos que poderíamos colocar no conceito de “tempo curto”, na linguagem de Braudel (1968), embora esta terminologia se nos revela um tanto quanto formalista, própria da lógica determinista que caracteriza o estruturalismo. A pesquisa aborda o período de 1900 a 1940, no qual verificamos uma profunda crise manifestada na estrutura social, desencadeando inúmeras contradições sociais, políticas econômicas, que se repercutem no campo das idéias filosóficas. Conseqüentemente detectase um empenho especial das forças interessadas na conservação da estrutura, no sentido de resolver essas contradições. Estas forças conservadoras tentam incorporar as idéias e os resultados dos estudos e propostas dos pensadores e educadores considerados de origem socialista e/ou progressista, tais como: Makarenko, Vygostsky, Mao Tse-Tung, Lênin, Freinet, entre outros, embora a atuação dos educadores adeptos a estas concepções seja marginal nas redes de ensino brasileira. Portanto, desenvolvemos uma metodologia que nos permite entender as contradições internas da estrutura social dos diferentes períodos históricos, com o intuito de estudar essas ondas em suas diversas oscilações o que nos possibilitará reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura de uma parte, e de outra parte, entre o desenvolvimento do movimento orgânico e aquele do movimento de conjunto da estrutura. Entender e praticar uma metodologia da história, que nos permita compreender a história como um processo, cujo movimento necessita ser reconstruído pelo historiador, implica considerar a história como um processo contínuo, constituído por rupturas e 87 descontinuidades, e não uma mera somatória de fatos. Assim, a transformação do homem e de sua história ocorre, a partir das necessidades materiais, e as idéias, enquanto produtos da existência humana, são a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção de sua existência. Com efeito, o nosso pensar comum, cotidiano, para vir a ser filósofo, deverá ganhar um outro patamar, o da criticidade e coerência, diferente do senso comum. Pretendemos criticar a própria concepção de mundo, tornando-a unitária e coerente e elevando-a até um ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. O que significa, portanto, criticar também, toda a filosofia existente até hoje, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. (GRAMSCI, 1978:12) Propomo-nos a estudar as tendências filosóficas como campo de reflexão dos problemas de sua época e como instâncias de contradições. Este estudo crítico nos permitirá reconhecer os conflitos e as lutas entre as diferentes concepções filosóficas no interior de uma época e no devir da história da humanidade. Pretendemos que nosso estudo ajude o educador a compreender, com maior clareza, a razão da existência de teorias contrastantes da educação e de práticas pedagógicas que se contrapõem, além de entender que a prática pedagógica está sempre determinada por uma teoria, que pressupõe uma específica concepção filosófica, embora muitas vezes esta relação não esteja totalmente explicitada. Quando os pressupostos teóricos e os fundamentos filosóficos das práticas ficam implícitos, o educador está se guiando por uma concepção que fica ao nível do senso comum. Ou seja, uma concepção não elaborada, constituída por aspectos heterogêneos de diferentes concepções que se agrupam de modo fragmentário, sedimentário e de modo acrítico. Esta prática que se orienta pelo senso comum é claramente inconsistente e incoerente. Portanto, almejamos contribuir para que o educador supere o senso comum e se eleve ao nível da consciência filosófica de sua própria prática, o que implica detectar e elaborar o bom senso que envolve as concepções sistematizadas da filosofia da educação. Deste modo, poderá explicitar os fundamentos de sua prática e superar suas inconsistências, tornando coerente seu agir no processo educativo. Consideramos a Educação como um Projeto que envolve a reflexão e a práxis, e nesse sentido cabe à filosofia da educação a construção de uma imagem do homem, enquanto sujeito fundamental da educação. Assim, a filosofia da educação constitui-se em antropologia filosófica, como tentativa de integração dos conteúdos das ciências humanas na busca de uma visão integrada do homem.(SEVERINO,1990) O objeto de estudo das ciências sociais não é estático, imutável ou repetível, constituíse em processos únicos, situações concretas nas quais interagem diferentes fatores, sendo o principal protagonista o ser humano que atua dentro de uma sociedade. Sendo assim, o homem constrói, transforma e conserva a sua história e sua cultura dentro de uma dada estrutura social materialmente determinada. Nesse sentido, defrontamo-nos com questões que são vitais para nosso fazer como pesquisadores da história: o historiador deve buscar a “verdade histórica” ou ele mesmo deve fabricá-la? Há tantas verdades quantos sujeitos que constróem a história? Podemos ser objetivos quando trabalhamos com objetos históricos? Chegar à “verdade” é uma questão de método ou de utilização de fontes históricas? Que utilidade tem então estudar a história das idéias filosóficas? As dúvidas aparecem na hora em que nos deparamos com as inúmeras mediações que existem entre os fatos tal como aconteceram e a reconstrução dos mesmos, posteriormente. Todo pensamento, obra literária, artística, científica ou religiosa é produto da história ;circunstâncias políticas, sociais, familiares, culturais e técnicas influenciam o pensamento e o fazer humano. Hegel afirmava que “... las filosofías son su propia época expresada en 88 pensamiento; pertenecen a su época y se hallan prisioneras de sus limitaciones: el individuo es hijo de su pueblo, de su mundo, y por mucho que quiera estriarse, mas podrá salirse de su piel.” Os filósofos e as próprias correntes filosóficas não são restos fósseis da cultura de uma sociedade, nem são relíquias do passado. As idéias são aspectos vivos do pensamento e do patrimônio intelectual da humanidade e de nosso próprio pensar e agir (ou pensamento e ação, você escolhe), embora nem sempre tenhamos consciência disto. Acreditamos que recuperar a memória dos clássicos da educação, não só nos permitirá entender o presente da educação, senão também nos permitirá compreender nossas próprias concepções e práticas pedagógicas, embora, na história da filosofia, muitas vezes parece que um pensamento derruba outro, que uma concepção filosófica é esquecida e refutada por novos paradigmas. Na verdade, eles não são destruídos, são superados: Aristóteles supera Platão, Kant supera as idéias de Hume, Marx deixa claro o limite do pensamento de Hegel, porém, ninguém parte do zero, todos eles constróem os novos modelos filosóficos partindo dos existentes. Muitas das idéias filosóficas permanecem, denotando uma atualidade extraordinária, entretanto, outras idéias são suplantadas e mudadas. Portanto, os autores não pensam isoladamente; constróem sob o que outros já fizeram e aportam novos fundamentos. Para Hegel, a filosofia tem uma unidade história: é uma caminhar em busca da verdade, não se trata de uma mera opinião, não é um pensar caprichoso, sem método e sem teoria. Cada filósofo depende de idéias, argumentos e estilo dos pensadores que o antecederam, e é sobre essa base que constróem novas argumentações. Portanto, estudar a história da filosofia não é uma mera exposição histórica/erudita de idéias, sistemas de pensamento e afirmações, trata-se de uma busca de novas argumentações e soluções aos problemas e questionamentos pranteados historicamente pelo homem – por exemplo o significado do conhecimento, da natureza, da estrutura do mundo, da liberdade e da ética, entre outros. Tanto na história como na filosofia, tudo é discutível; por princípio não se admitem verdades absolutas e muitos menos o falar em verdade sem prévia demonstração. O estudo da filosofia e da história deve suscitar uma confiança na razão, na capacidade do homem para aproximar-se da verdade e encontrar soluções, pelo menos provisórias, aos problemas. Deste modo, cada pensador, cada intelectual aponta uma nova peça ao quebra cabeça que poderíamos chamar de verdade. Como cada período histórico se constitui sob a base material e ideológica do anterior, também o pensamento filosófico é influenciado e marcado pelos pensamentos que o precedem. Assim, cada corrente de pensamento constitui uma visão parcial do real, nunca é absoluta nem completa Se a verdade só é possível de ser alcançada de modo gradual, encontrá-la requer um esforço de reflexão, análise e estudo, que nos obriga a estar num estado de alerta permanente. Temos a obrigação de ser críticos, com nós mesmos e com todas as informações que nos chegam externamente. Como seres humanos não devemos nos recusar a sermos filósofos, mas sim buscarmos a verdade com espírito crítico. Em vista disso, um dos aspetos que devemos levar em consideração na construção do conhecimento histórico são as fontes (escritas, orais, iconográficas, fílmicas, sonoras, etc.). No caso das fontes escritas, temos que observar se são escritos oficiais ou não; asso,o como a condição social do produtor destes documentos e o espaço e tempo no qual foram produzidos, entre outros. Porém o conceito de fonte histórica tem-se ampliado “do narrativo ao notarial, do escrito ao oral, até a inexistência de documentos. Também as ciências auxiliares têm-se ampliado, a informática está ocupando um espaço considerável junto às disciplinas tradicionais como Diplomacia, Numismática, Genealogia, e os aportes mais recentes da Geografia, Lingüística, Economia, Antropologia, Sociologia, entre outras. 89 Outro aspecto, que não devemos esquecer, é a subjetividade do próprio historiador, que é quem seleciona temas, documentos, métodos e interpreta a informação obtida, conforme sua concepção teórica, e sua própria condição de historiador e cidadão. Contudo, devemos reconhecer que não basta um estudo crítico e / ou quantitativo de fontes – que é necessário, mas não suficiente- para assegurar o resultado científico de uma pesquisa. A subjetividade do historiador também deve ser integrada no discurso histórico, sendo este um requisito prévio e científico para avaliar sua objetividade. Porém, o conhecimento do pesquisador não está apenas baseado nas fontes, é muito importante o conhecimento geral que o pesquisador tem (sentido comum, cultura, sistema de valores) e que direciona a busca de dados, a seleção e interpretação, assim comoconsiderar o conhecimento estritamente científico, ou seja o saber histórico, o saber científico referido às restantes ciências e o saber filosófico, teórico e metodológico (TOPOLSKY: 1982). Na verdade, os documentos históricos adquirem significação quando são escolhidos pelos pesquisadores, quando estes dados são organizados conforme esquemas prévios que o historiador elabora seguindo suas concepções, metodologias e perguntas que permitem arribar às conclusões, segundo o marco referencial que o sustenta. Deste modo, produz-se um diálogo permanente entre as fontes e o conhecimento do pesquisar, entre a sua experiência profissional e a teoria da história. Enfim, o presente do historiador está influenciando o passado. Nesse sentido, nosso interesse nesta pesquisa é olhar para história, procurando aquelas idéias que não envelhecem, elaboradas por sujeitos que enfrentaram problemas muitas vezes parecidos com os nossos. Se cada filósofo, ou cada sistema filosófico é produto de suas circunstância históricas, consideramos imprescindível buscar as conexões históricas tanto, na longa duração, quanto no temo recente. Sendo assim, os filósofos devem ser lidos diretamente, nas suas obras, a leitura de intermediários e livros interpretativos, nem sempre facilita o entendimento dos autores, porque corremos o risco de comprar uma “filosofia enlatada”, onde outros selecionam as idéias de interesse individuais e muitas vezes, corremos o perigo de comprar interpretações parciais ou erradas. Por conseguinte, após a leitura de um autor, devemos elaborar conclusões pessoais, procurando adquirir um pensamento próprio, consciente e racional, evitando o refúgio em tópicos, lugares comuns e afirmações superficiais. Tendo em vista uma concepção epistemológica da construção histórica do conhecimento que recusa o autoritarismo de uma única verdade absoluta, estamos convidando a uma leitura dos autores como se se tratasse de estudar diferentes propostas teórico-metodológicas. Para tanto, propomos a leitura, intelecção e elaboração de associações possíveis , dialogando com autores consagrados. Com efeito, ler é o passo inicial para pensar e promover um passeio da alma. (CHAUI, 1990) “Ler”, significa “aprender a pensar na esteira deixada pelo pensamento do outro. Ler é retomar a reflexão de outrem como matéria-prima para o trabalho de nossa própria reflexão.”(CHAUÍ, 1994:151) Esta postura perante os textos sugeridos supõe um esforço intelectual que nos leve a ultrapassar muitas práticas enviesadas, que não respeitam o pensamento do autor, tais como: ler de modo exterior, sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em si; ler pinçando o que interessa, segundo a conveniência do leitor; ler de modo fragmentado, sem recompor o encadeamento das idéias pelas quais um autor constrói seu pensar; ler um texto usando lentes e referenciais estranhos ao autor que o concebeu. No campo da filosofia, ler implica identificar os significados que o autor confere às questões estudadas. Segundo Alfredo Bosi (1988), a boa colheita na leitura consiste em distinguir e escolher adequadamente os sentidos originalmente propostos. Assim, o mesmo autor considera que “Ler é colher tudo quanto vem escrito. Mas, interpretar é eleger (ex- 90 legere: escolher), na messe de possibilidades semânticas, apenas aquelas que se movem no encalço da questão crucial: o texto quer dizer?” (BOSSI, 1988:274) Interpretar um texto respeitando aquilo que um autor quis realmente dizer, implica que o leitor deve decifrar o enigma do texto, ou seja, o que diz o autor, e que metodologia adota para fazê-lo . Portanto, isto significa dispor de paciência e perseverança, trata-se de um exercício que supõe uma atitude política e ética onde o sujeito leitor não só deve apreender as diferenças entre os diferentes autores, mas saber admirar um texto bem concebido, ainda e principalmente quando não concorde com a orientação teórico-metodológica do autor. Assim, consideramos de extrema relevância que o pesquisador adote uma atitude epistemológica na qual não prejulgue ou fuja à verdade inerente ao texto. É muito importante que, como investigadores, tenhamos o propósito de reconstruir, com nossa imaginação, o itinerário de construção do pensamento do outro, procurando não desfigurá-lo. Este deve ser um trabalho que respeite a integridade do todo e que relativize o pinçar fragmentando das partes e a compreensão apressada, ou ainda, a leitura exterior que exige de texto categorias e desenvolvimentos teóricos, que ele nunca poderá fazer. É preciso, também, que se tenha muito cuidado com as associações, que muitas vezes por comodidade, ingenuidade ou por posicionamentos não críticos e a-históricos, incorremos quando fazemos “colagem” de citações sem respeitar as concepções teóricas diferenciadas dos autores escolhidos. Para evitar confusões é recomendável fazer um acompanhamento exaustivo da construção teórico-metodológica do texto, mergulhando na sua dinâmica interior. Para tanto, devemos entrar no pensamento do autor e realizar um esforço para entender todas suas expressões, termos e teses. Uma vez entendida a lógica expressiva do autor poderemos realizar a crítica. A história da filosofia, deve nos ensinar a pensar sob o que dizem os autores, o que não significa memoriza-los, . porque quando o objetivo é compreender e esclarecer idéias, toda crítica contra argumentos, idéias e termos escuros ou imprecisos é pouca. Porém, devemos confiar em nosso próprio conhecimento e capacidade crítica, porque qualquer sujeito reconhece, ou pelo menos deveria reconhecer, se um argumento convence ou não. Ninguém deveria aceitar idéias de outros simplesmente porque se trata de uma autoridade ou porque essas idéias são compartilhadas por muitas pessoas. 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASBAUM, Leôncio. Sociologia do materialismo. São Paulo: Ed. Símbolo, BOSI, Alfredo. A interpretação da obra literária. In: ____ .Céu, inferno. Ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Atica, 1988. BRAUDEL. La historia y las ciencias sociales, Madrid: Alizanza Editorial, 1968. CHAUÍ, Marilena. Convite ã filosofia. São Paulo: Ática, 1994. CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. O discurso competente e outras falas.5a ed. São Paulo: Cortez, 1990, p.3-13 FAZEMDA, Ivani. Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez Editora. 1997. GHIRALDELLI, Paulo Jr. História da Educação. 2da Ed. São Paulo: Cortez Editora. 2001 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. GRAMSCI, Antonio. Quaderni Del cárcere. Torino: Einaudi, 1975, v.3. HEGEL, Lecciones de Historia de la Filosofia, I, 17-18. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1969 SAVIANI, Dermeval e outros: Pesquisa em História da Educação. Perspectivas de análise, objetos e fontes. Belo Horizonte: HG Edições. 1999. SAVIANI, Dermeval. Contribuições da Filosofia para a Educação. Em Aberto, ano 9. n. 45, jan. mar. 1990. SEVERINO, Antônio Joaquim. A contribuição da Filosofia para a Educação. Em Aberto, ano 9. n. 45, jan. mar. 1990. TOPOLSKY, Metodología de la Historia, Madrid, 1982 (copia mimeográfica)