Patrística e Escolástica

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FILOSOFIA – PROFESSOR: RONALDO
Patrística e Escolástica
FILOSOFIA PATRÍSTICA
(do século I ao século VII)
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a
Filosofia Medieval.
A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja
para conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal
conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia patrística liga-se,
portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que
recebia dos antigos.
Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e seus nomes
mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São
Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.
A patrística foi obrigada a introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de pecado original,
de Deus como trindade una, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos
mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é
pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Boécio, a idéia de "homem interior", isto é,
da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo.
Para impor as idéias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da Bíblia e
dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma
distinção, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, isto é,
entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por
uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia
patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:
1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: "Creio porque absurdo").
2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam eles: "Creio para compreender").
3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo próprio de
conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo;
a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida eterna futura).
SANTO AGOSTINHO
Aurélio Agostinho destaca-se entre os Padres como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como
Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspirase em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio compreensivo,
fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com o caráter prático da patrística latina, ainda que os
problemas que fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a
graça, a predestinação.
Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano
354. Seu pai, Patrício, era pagão, tendo recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era
uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus
estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo ele, é uma
das maiores conseqüências do pecado original; dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que
aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo
maniqueu a solução do problema do mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos,
abriu uma escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino
em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.
Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica
que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no
começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma
fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia
inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em
companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do
ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio,
cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade.
Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu
todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa das suas propriedades alienadas.
Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o
assédio da cidade pelos vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.
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Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da teologia revelada,
e à redação de suas obras, entre as quais têm lugar de destaque as filosóficas. As obras de Agostinho que apresentam
interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos: Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios, Sobre a
imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre a música . Interessam também à
filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem
.
Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que
interessam à filosofia também as obras teológicas e religiosas, especialmente: Da Verdadeira Religião, As Confissões, A
Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira.
O Pensamento: A Gnosiologia
Agostinho considera a filosofia praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual
só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central está portanto, circunscrito aos problemas de
Deus e da alma, visto serem os mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da vida.
O problema gnosiológico é profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo
acadêmico mediante o iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da própria existência
espiritual; daí tira uma verdade superior, imutável, condição e origem de toda verdade particular. Embora desvalorizando,
platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos,
como o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz
física, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus, é a
Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platônicas. No Verbo de Deus existem as
verdades eternas, as idéias, as espécies, os princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e
conhecemos as verdades eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de
Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido teísta e cristão. Permanece,
porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a
gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais
do espírito, mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.
A Metafísica
Em relação com esta gnosiologia, e dependente dela, a existência de Deus é provada, fundamentalmente, a
priori , enquanto no espírito humano haveria uma presença particular de Deus. Ao lado desta prova a priori , não nega
Agostinho as provas a posteriori da existência de Deus, em especial a que se afirma sobre a mudança e a imperfeição de
todas as coisas. Quanto à natureza de Deus, Agostinho possui uma noção exata, ortodoxa, cristã: Deus é poder racional
infinito, eterno, imutável, simples, espírito, pesso
a, consciência, o que era excluído pelo platonismo. Deus é ainda
ser, saber, amor. Quanto, enfim, às relações com o mundo, Deus é concebido exatamente como livre criador. No
pensamento clássico grego, tínhamos um dualismo metafísico; no pensamento cristão - agostiniano - temos ainda um
dualismo, porém moral, pelo pecado dos espíritos livres,
insurgidos orgulhosamente contra Deus e, portanto, preferindo o mundo a Deus. No cristianismo, o mal é,
metafisicamente, negação, privação; moralmente, porém, tem uma realidade na vontade má, aberrante de Deus. O
problema que Agostinho tratou, em especial, é o das relações entre Deus e o tempo. Deus não é no tempo, o qual é uma
criatura de Deus: o tempo começa com a criação. Antes da criação não há tempo, dependendo o tempo da existência de
coisas que vem-a-ser e são, portanto, criadas.
Também a psicologia agostiniana harmonizou-se com o seu platonismo cristão. Por certo, o corpo não é mau por
natureza, porquanto a matéria não pode ser essencialmente má, sendo criada por Deus, que fez boas todas as coisas.
Mas a união do corpo com a alma é, de certo modo, extrínseca, acidental: alma e corpo não formam aquela unidade
metafísica, substancial, como na concepção aristotélico-tomista, em virtude da doutrina da forma e da matéria. A alma
nasce com o indivíduo humano e, absolutamente, é uma específica criatura divina, como todas as demais. Entretanto,
Agostinho fica indeciso entre o criacionismo e o traducionismo, isto é, se a alma é criada diretamente por Deus, ou
provém da alma dos pais. Certo é que a alma é imortal, pela sua simplicidade. Agostinho, pois, distingue, platonicamente,
a alma em vegetativa, sensitiva e intelectiva, mas afirma que elas são fundidas em uma substância humana. A
inteligência é divina em intelecto intuitivo e razão discursiva; e é atribuída a primazia à vontade. No homem a vontade é
amor, no animal é instinto, nos seres inferiores cego apetite.
Quanto à cosmologia, pouco temos a dizer. Como já mais acima se salientou, a natureza não entra nos
interesses filosóficos de Agostinho, preso pelos problemas éticos, religiosos, Deus e a alma. Mencionaremos a sua
famosa doutrina dos germes específicos dos seres - rationes seminales . Deus, a princípio, criou alguns seres já
completamente realizados; de outros criou as causas que, mais tarde, desenvolvendo-se, deram origem às existências
dos seres específicos. Esta concepção nada tem que ver com o moderno evolucionismo , como alguns erroneamente
pensaram, porquanto Agostinho admite a imutabilidade das espécies, negada pelo moderno evolucionismo.
A Moral
Evidentemente, a moral agostiniana é teísta e cristã e, logo, transcendente e ascética. Nota característica da sua
moral é o voluntarismo, a saber, a primazia do prático, da ação - própria do pensamento latino - , contrariamente ao
primado do teorético, do conhecimento - próprio do pensamento grego. A vontade não é determinada pelo intelecto, mas
precede-o. Não obstante, Agostinho tem também atitudes teoréticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim
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último das criaturas, é possuído por um ato de inteligência. A virtude não é uma ordem de razão, hábito conforme à razão,
como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor.
Entretanto a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser limitado, podendo agir desordenadamente,
imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se considerar não causa eficiente, mas deficiente da sua ação viciosa,
porquanto o mal não tem realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem,
porquanto a criatura, não podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a dilaceração da sua natureza. A
fórmula agostiniana em torno da liberdade em Adão - antes do pecado original - é: poder não pecar ; depois do pecado
original é: não poder não pecar ; nos bem-aventurados será: não poder pecar . A vontade humana, portanto, já é
impotente sem a graça. O problema da graça - que tanto preocupa Agostinho - tem, além de um interesse teológico,
também um interesse filosófico, porquanto se trata de conciliar a causalidade absoluta de Deus com o livre arbítrio do
homem. Como é sabido, Agostinho, para salvar o primeiro elemento, tende a descurar o segundo.
Quanto à família , Agostinho, como Paulo apóstolo, considera o celibato superior ao matrimônio; se o mundo
terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da passagem do tempo para a eternidade. Quanto à política ,
ele tem uma concepção negativa da função estatal; se não houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado
seria inútil. Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e não natural. Nem a escravidão é de direito
natural, mas conseqüência do pecado original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela não pode ser
superada naturalmente, racionalmente, porquanto a natureza humana já é corrompida; pode ser superada
sobrenaturalmente, asceticamente, mediante a conformação cristã de quem é escravo e a caridade de quem é amo.
O Mal
Agostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal - de que dá uma vasta e viva fenomenologia.
Foi também longamente desviado pela solução dualista dos maniqueus, que lhe impediu o conhecimento do justo
conceito de Deus e da possibilidade da vida moral. A solução deste problema por ele achada foi a sua libertação e a sua
grande descoberta filosófico-teológica, e marca uma diferença fundamental entre o pensamento grego e o pensamento
cristão. Antes de tudo, nega a realidade metafísica do mal. O mal não é ser, mas privação de ser, como a obscuridade é
ausência de luz. Tal privação é imprescindível em todo ser que não seja Deus, enquanto criado, limitado. Destarte é
explicado o assim chamado mal metafísico , que não é verdadeiro mal, porquanto não tira aos seres o lhes é devido por
natureza. Quanto ao mal físico , que atinge também a perfeição natural dos seres, Agostinho procura justificá-lo mediante
um velho argumento, digamos assim, estético: o contraste dos seres contribuiria para a harmonia do conjunto. Mas é esta
a parte menos afortunada da doutrina agostiniana do mal.
Quanto ao mal moral, finalmente existe realmente a má vontade que livremente faz o mal; ela, porém, não é
causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal não-ser. Este não-ser pode unicamente provir do homem, livre e limitado, e
não de Deus, que é puro ser e produz unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo pecado original e
atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além de o ter sido com a perda dos dons
gratuitos de Deus. Como se vê, o mal físico tem, deste modo, uma outra explicação mais profunda. Remediou este mal
moral a redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à humanidade os dons sobrenaturais e a possibilidade do bem
moral; mas deixou permanecer o sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e expiação. E a
explicação última de tudo isso - do mal moral e de suas conseqüências - estaria no fato de que é mais glorioso para Deus
tirar o bem do mal, do que não permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o mal é,
fundamentalmente, privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e
moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal; a solução deste problema é
estética para o mal físico, moral (pecado original e Redenção) para o mal moral (e físico).
A História
Como é notório, Agostinho trata do problema da história na Cidade de Deus , e resolve-o ainda com os conceitos
de criação, de pecado original e de Redenção. A Cidade de Deus representa, talvez, o maior monumento da antigüidade
cristã e, certamente, a obra prima de Agostinho. Nesta obra é contida a metafísica original do cristianismo, que é uma
visão orgânica e inteligível da história humana. O conceito de criação é indispensável para o conceito de providência, que
é o governo divino do mundo; este conceito de providência é, por sua vez, necessário, a fim de que a história seja
suscetível de racionalidade. O conceito de providência era impossível no pensamento clássico, por causa do basilar
dualismo metafísico. Entretanto, para entender realmente, plenamente, o plano da história, é mister a Redenção, graças
aos quais é explicado o enigma da existência do mal no mundo e a sua função. Cristo tornara-se o centro sobrenatural da
história: o seu reino, a cidade de Deus , é representada pelo povo de Israel antes da sua vinda sobre a terra, e pela Igreja
depois de seu advento. Contra este cidade se ergue a cidade terrena , mundana, satânica, que será absolutamente
separada e eternamente punida nos fins dos tempos.
Agostinho distingue em três grandes seções a história antes de Cristo. A primeira concerne à história das duas
cidades , após o pecado original, até que ficaram confundidas em um único caos humano, e chega até a Abraão, época
em que começou a separação. Na Segunda descreve Agostinho a história da cidade de Deus , recolhida e configurada
em Israel, de Abraão até Cristo. A terceira retoma, em separado, a narrativa do ponto em que começa a história da
Cidade de Deus separada, isto é, desde Abraão, para tratar paralela e separadamente da Cidade do mundo, que culmina
no império romano. Esta história, pois, fragmentária e dividida, onde parece que Satanás e o mal têm o seu reino,
representa, no fundo, uma unidade e um progresso. É o progresso para Cristo, sempre mais claramente,
conscientemente e divinamente esperado e profetizado em Israel; e profetizado também, a seu modo, pelos povos
pagãos, que, consciente ou inconscientemente, lhe preparavam diretamente o caminho. Depois de Cristo cessa a divisão
política entre as duas cidades ; elas se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a diferença, porém,
de que já não é mais união caótica, mas configurada na unidade da Igreja. Esta não é limitada por nenhuma divisão
política, mas supera todas as sociedades políticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens com
Deus. A Igreja, pois, é acessível, invisivelmente, também às almas de boa vontade que, exteriormente, dela não podem
participar. A Igreja transcende, ainda, os confins do mundo terreno, além do qual está a pátria verdadeira. Entretanto,
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visto que todos, predestinados e ímpios, se encontram empiricamente confundidos na Igreja - ainda que só na unidade
dialética das duas cidades , para o triunfo da Cidade de Deus - a divisão definitiva, eterna, absoluta, justíssima, realizarse-á nos fins dos tempos, depois da morte, depois do juízo universal, no paraíso e no inferno. É uma grande visão unitária
da história, não é uma visão filosófica, mas teológica: é uma teologia, não uma filosofia da história.
FILOSOFIA ESCOLÁSTICA
(do século VIII ao século XIV)
Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e
coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou
escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com
o nome de Escolástica.
Os teólogos medievais mais importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo
Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado árabe:
Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.
A Filosofia medieval teve como influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais
conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que
conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis.
Conservando e discutindo os mesmos problemas que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros particularmente um, conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além de Platão e Aristóteles, sofreu uma
grande influência das idéias de Santo Agostinho. Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é, na
verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da existência de Deus e da alma, isto é,
demonstrações racionais da existência do infinito criador e do espírito humano imortal.
O maior e mais importante filósofo e teólogo desse período foi São Tomás de Aquino, que viveu de 1225 a 1274 e foi
depois santificado. Aquino se dedicou à ordem dominicana, e foi professor na Universidade de Paris. É possível dizer
que ele cristianizou Aristóteles, assim como São Agostinho cristianizara Platão, séculos antes.
A filosofia de Tomás de Aquino situava-se em um ambiente cultural que tinha olhos apenas para o cristianismo, todo o
resto sendo considerado irrelevante. Ele sustentava que não haveria conflito entre aquilo que a filosofia, ou a razão,
ensina e aquilo que a revelação cristã, ou a fé, ensina. Cristianismo e filosofia falariam, em geral, da mesma
coisa.
Aquino acreditava na existência de várias “verdades teológicas naturais”, com o que ele se referia às verdades que
poderiam ser alcançadas ou pela fé cristã ou por nossa razão inata, natural.
Aquino acreditava em dois caminhos que levariam a Deus. Um caminho passa pela fé e pela revelação cristã; o outro,
pela razão e pelos sentidos. Desses dois, o caminho da fé e da revelação seria o mais seguro, pois seria mais fácil se
perder quando se confia apenas na razão.
Aquino acreditava que haveria dois caminhos que conduziriam à vida moral. A Bíblia ensinaria como Deus quereria
que o ser humano vivesse. Mas Deus também teria dotado o ser humano de uma consciência que permitiria distinguir
entre o certo e o errado com uma base “natural”. Não é preciso ler a Bíblia (ou qualquer livro sagrado de qualquer
religião) para saber que é errado prejudicar o próximo, e que devemos “tratar os outros da mesma forma como
queremos ser tratados”.
São Tomás de Aquino - A Vida e as Obras
Após uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de
Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão, e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma filosofia.
Assim, converge para Tomás de Aquino não apenas o pensamento escolástico, mas também o pensamento patrístico,
que culminou com Agostinho, rico de elementos helenistas e neoplatônicos, além do patrimônio de revelação judaicocristã, bem mais importante.
Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o pensamento helênico, na sistematização imponente de
Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, pois, chega a Tomás de Aquino enriquecido com os comentários
pormenorizados, especialmente árabes.
Nasceu Tomás em 1225, no castelo de Roccasecca, na Campânia, da família feudal dos condes de Aquino. Era
unido pelos laços de sangue à família imperial e às famílias reais de França, Sicília e Aragão. Recebeu a primeira
educação no grande mosteiro de Montecassino, passando a mocidade em Nápoles como aluno daquela universidade.
Depois de ter estudado as artes liberais, entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência. Tal
acontecimento determinou uma forte reação por parte de sua família; entretanto, Tomás triunfou da oposição e se dedicou
ao estudo assíduo da teologia, tendo como mestre Alberto Magno, primeiro na universidade de Paris (1245-1248) e
depois em Colônia.
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Também Alberto , filho da nobre família de duques de Bollstädt (1207-1280), abandonou o mundo e entrou na
ordem dominicana. Ensinou em Colônia, Friburgo, Estrasburgo, lecionou teologia na universidade de Paris, onde teve
entre os seus discípulos também Tomás de Aquino, que o acompanhou a Colônia, aonde Alberto foi chamado para
lecionar no estudo geral de sua ordem. A atividade científica de Alberto Magno é vastíssima: trinta e oito volumes tratando
dos assuntos mais variados - ciências naturais, filosofia, teologia, exegese, ascética.
Em 1252 Tomás voltou para a universidade de Paris, onde ensinou até 1269, quando regressou à Itália,
chamado à corte papal. Em 1269 foi de novo à universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de
Brabante; em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274, viajando para tomar parte no
Concílio de Lião, por ordem de Gregório X, faleceu no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma. Tinha apenas
quarenta e nove anos de idade.
As obras de Aquino podem-se dividir em quatro grupos:
1. Comentários: à lógica, à física, à metafísica, à ética de Aristóteles; à Sagrada Escritura; a Dionísio pseudo-areopagita;
aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo.
2. Sumas: Suma Contra os Gentios , baseada substancialmente em demonstrações racionais; Suma Teológica ,
começada em 1265, ficando inacabada devido à morte prematura do autor.
3. Questões: Questões Disputadas (Da verdade , Da alma , Do mal , etc.); Questões várias .
4. Opúsculos: Da Unidade do Intelecto Contra os Averroístas ; Da Eternidade do Mundo , etc.
O Pensamento: A Gnosiologia
Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia
como uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o problema do mundo. Considera também a filosofia como
absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia
evidente e racional.
A gnosiologia tomista - diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotélica - é empírica e racional,
sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo
pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a assim chamada
espécie sensível . Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto material na alma, isto é, o objeto sem a matéria:
como a impressão do sinete na cera, sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho, sem a
materialidade do ouro.
O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, mas transcende-o. O intelecto vê em a natureza
das coisas - intus legit - mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie
sensível - que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem a matéria
- o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida apenas implicitamente, potencialmente. Para que tal inteligível
se torne explícito, atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-se, deste
modo, a espécie inteligível , representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas.
Pelo fato de que o inteligível é contido apenas potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente que
abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível do fantasma ou representação sensível. Este intelecto agente é
como que uma luz espiritual da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no entanto, é
absolutamente desprovido de conteúdo ideal, sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano.
E, ademais, é uma faculdade da alma individual, e não noa advém de fora, como pretendiam ainda i iluminismo
agostiniano e o panteísmo averroísta. O intelecto que propriamente entende o inteligível, a essência, a idéia, feita
explícita, desindividualizada pelo intelecto agente, é o intelecto passivo , a que pertencem as operações racionais
humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as ciências até à filosofia.
Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie
sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie
inteligível, entre o objeto conhecido e o sujeito que conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna todas as
coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes todas as coisas, compreendendo-lhes as essências, as formas.
É preciso claramente salientar que, na filosofia de Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é a coisa
entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod intelligitur) , pois, neste caso, conheceríamos não as coisas, mas
os conhecimentos das coisas, acabando, destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o meio pelo qual a mente
entende as coisas extramentais (é, logo, id quo intelligitur ). E isto corresponde perfeitamente aos dados do
conhecimento, que nos garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas podem ser conhecidas apenas através
das espécies e das imagens, e não podem entrar fisicamente no nosso cérebro.
O conceito tomista de verdade é perfeitamente harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é
justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade lógica não está nas coisas e nem sequer no mero intelecto,
mas na adequação entre a coisa e o intelecto: veritas est adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequação é
possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que contêm um elemento inteligível, a essência, a forma, a idéia.
O sinal pelo qual a verdade se manifesta à nossa mente, é a evidência; e, visto que muitos conhecimentos nossos não
são evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros quando levados à evidência mediante a demonstração.
Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes, intuitivos, e, por conseqüência, todos os conhecimentos
sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos nada mais são que falsas interpretações dos dados
sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo contrário, no campo intelectual, poucos são os nossos conhecimentos evidentes.
São certamente evidentes os princípios primeiros (identidade, contradição, etc.). Os conhecimentos não evidentes são
reconduzidos à evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É neste processo demonstrativo que se pode
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insinuar o erro, consistindo em uma falsa passagem na demonstração, e levando, destarte, à discrepância entre o
intelecto e as coisas.
A demonstração é um processo dedutivo, isto é, uma passagem necessária do universal para o particular. No
entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são inatas na mente humana, como pretendia o agostinianismo, e nem
sequer são inatas suas relações lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência, mediante a indução, que colhe
a essência das coisas. A ciência tem como objeto esta essência das coisas, universal e necessária.
A Metafísica
A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafísica geral - ou ontologia - tem como objeto o
ser em geral e as atribuições e leis relativas. A metafísica especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o
espírito, o mundo. Daí temos a teologia racional - assim chamada, para distingui-la da teologia revelada; a psicologia
racional (racional, porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica, que é ciência experimental);
a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza em suas causas primeiras, ao passo que a ciência
experimental estuda a natureza em suas causas segundas).
O princípio básico da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato. Ato significa realidade,
perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição. Não significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição
relativa de mente e capacidade de conseguir uma determinada perfeição, capacidade de concretizar-se. Tal passagem da
potência ao ato é o vir-a-ser , que depende do ser que é ato puro; este não muda e faz com que tudo exista e venha-aser. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as
coisas, e chama-se matéria.
A Natureza
Uma determinação, especificação do princípio de potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio da
matéria e de forma. Este princípio vale unicamente para a realidade material, para o mundo físico, e interessa portanto
especialmente à cosmologia tomista. A matéria não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, pela qual é
determinada, como a potência é determinada, como a potência é determinada pelo ato. É necessária para a forma, a fim
de que possa existir um ser completo e real (substância ). A forma é a essência das coisas (água, ouro, vidro) e é
universal. A individuação, a concretização da forma, essência, em vários indivíduos, que só realmente existem (esta água,
este ouro, este vidro), depende da matéria, que portanto representa o princípio de individuação no mundo físico. Resume
claramente Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda
substância corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma
absolutamente indeterminada ( a matéria ), outra ativa e determinante ( a forma )" .
Além destas duas causas constitutivas (matéria e forma), os seres materiais têm outras duas causas: a causa
eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o sínolo , a
saber, a síntese daquela determinada matéria com a forma que a especifica. A causa final é o fim para que opera a causa
eficiente; é esta causa final que determina a ordem observada no universo. Em conclusão: todo ser material existe pelo
concurso de quatro causas - material , formal , eficiente , final ; estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem
com os demais seres do universo físico.
O Espírito
Quando a forma é princípio da vida, que é uma atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma .
Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma
sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se move). Entretanto, a psicologia racional , que diz respeito ao
homem, interessa apenas a alma racional. Além de desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a alma
racional entende e quer, pois segundo Tomás de Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma alma só em cada
indivíduo; e a alma superior cumpre as funções da alma inferior, como a mais contém o menos.
No homem existe uma alma espiritual - unida com o corpo, mas transcendendo-o - porquanto além das
atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se manifestam nele também atividades espirituais, como o ato do
intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva é orientada para entidades imateriais, como os conceitos; e, por
conseqüência, esta atividade tem que depender de um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a alma racional.
Assim, a vontade humana é livre, indeterminada - ao passo que o mundo material é regido por leis necessárias. E,
portanto, a vontade não pode ser senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional, que
pelo fato de ser imaterial, isto é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte, é imortal.
Como a alma espiritual transcende a vida do corpo depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a
origem material do corpo e é criada imediatamente por Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a
individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônico-agostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual embora, é
unida substancialmente ao corpo material, de que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a alma, nem
viver, e também a alma, por sua vez, ainda que imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu instrumento
indispensável.
Deus
Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a
doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional tomista depende - e mais intimamente ainda - da doutrina da
potência e do ato. Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição,
Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração; entretanto
esta demonstração é sólida e racional, não recorre a argumentações a priori , mas unicamente a posteriori , partindo da
experiência, que sem Deus seria contraditória.
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As provas tomistas da experiência de Deus são cinco: mas todas têm em comum a característica de se firmar em
evidência (sensível e racional), para proceder à demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas provas - que é
fundamental e como que norma para as outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato. "Cada uma
delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que
pode ser a constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas ou da ordem que
entre elas reina; e uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas
à causa primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à inteligência ordenadora".
Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o
conhecimento que temos da essência divina, como sendo a que transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o
Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus não é (teologia negativa), entretanto conhecemos também algo de positivo
em torno da natureza de Deus, graças precisamente à famosa doutrina da analogia. Esta doutrina é solidamente baseada
no fato de que o conhecimento certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve Ter
semelhança com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a Deus as perfeições criadas
positivas, tirando, porém, as imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. O que conhecemos a respeito de
Deus é, portanto, um conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas apenas incompleto.
Quanto ao problemas das relações entre Deus e o mundo, é resolvido com base no conceito de criação, que
consiste numa produção do mundo por parte de Deus, total, livre e do nada.
Guilherme de Ockham
William de Ockham ou Guilherme de Occam (1285 em Ockham, Inglaterra
— 9 de abril de 1347, Munique), provavelmente o criador da teoria da
Navalha de Occam, foi um filósofo da lógica e um teólogo escolástico Inglês, considerado como o representante mais
eminente da escola nominalista, principal corrente das escolas tomista e escotista.
• É um filósofo que deixa transparecer sua intensa luta pela liberdade e que ao longo de sua vida jamais permitiu que a
tirassem e, mais, buscou através de suas obras orientar para que os homens de sua época também não o permitissem.
O conceito de liberdade em Ockam
Para a ética, a liberdade é o assunto por excelência. A liberdade é muito importante para a ética, porque se ocupa do agir
humano, da finalidade de nossa vida e existência.
Para Ockham, a liberdade apresenta-se como a possibilidade que se tem de escolher entre o sim ou o não, de poder
escolher entre o que me convém ou não e decidir e dar conta da decisão tomada ou de simplesmente deixar
acontecer.A preocupação de Guilherme de Ockham é com o fato de que o poder tirânico é contrário à natureza e à
liberdade a nós concedida por Deus. Isto não é admitido como verdade por todos os filósofos, mas para o pensamento
medieval do qual Ockham é um representante, mesmo que tenha sido rejeitado ao romper com algumas questões
medievais, isso é uma verdade, pois o filósofo medieval aceita a verdade revelada como verdade e a fé como critério de
conhecimento.
O confronto de duas teorias
Este é um princípio filosófico que reza o seguinte: existindo diversas teorias e não havendo evidências que comprovem
se é mais verdadeira alguma em relação a outras, vale a mais simples, ou se existirem dois caminhos que levem ao
mesmo resultado, usa-se o mais curto, e que pode ser provado sensorialmente. Em outras palavras, não se deve aplicar
a um fenômeno nenhuma causa que não seja logicamente dedutível da experiência sensorial. A regra, inspirada na
economia medieval, foi usada pelo filósofo para eliminar muitas das entidades com que os pensadores escolásticos
explicavam a realidade .Ockham denuncia aqueles que em nome da religião, passaram a usurpar a liberdade. E que tais
usurpadores entendem, assim como ele, a liberdade como um dom de Deus e da natureza.
O princípio de Occam
Occam escreveu sua obra cognominada Ordinatio, esta discorria que todo conhecimento racional tem base na lógica, de
acordo com os dados proporcionados pelos sentidos.
Uma vez que nós só conhecemos entidades palpáveis, concretas, os nossos conceitos não passam de meios lingüísticos
para expressar uma idéia, portanto, precisam da realidade física, para as comprovações.
Criou a máxima pluralidades não devem ser postas sem necessidade (em latim: pluralitas non est ponenda sine
neccesitate), chamado de a Navalha de Occam, no inglês, Occam's Razor.
A Navalha de Occam
Conceito bastante revolucionário para a época, a Navalha de Occam defende a intuição como ponto de partida para o
conhecimento do universo. Occam com destreza conseguiu demonstrar que o "Duns Scotus", princípio da economia,
conhecido como a "navalha de Occam", estabelece que "as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário,
a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão".
Filosofia Árabe.
Tal como os filósofos cristãos, também os árabes tentaram conciliar o conteúdo da revelação com a filosofia, ou melhor,
esforçaram-se por explicar racionalmente a verdade revelada através da filosofia. Pretendiam perpassar a obscuridade
da fé com a luz da razão natural. Trata-se de conciliar a fé com a razão, síntese que muitas vezes culmina em modos
originais de pensar.
O pensamento rígido do Corão e dos tradicionalistas chocou muitas vezes com a cosmovisão platônica e aristotélica,
sobretudo nas concepções da criação e da ação divina sobre o mundo.
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Os árabes tiveram contato com a filosofia grega através dos territórios conquistados onde predominava a cultura
helênica e assim conheceram obras gregas no campo da medicina, matemática e filosofia. Através das traduções feitas
pelos judeus de Espanha dos comentadores de Aristóteles, os europeus puderam conhecer a maior parte do corpus
aristotelicum, que era desconhecido até então. O que mais se conhecia de Aristóteles era somente a lógica, depois,
através dos comentadores árabes, juntou-se a metafísica, a física, a ética e a psicologia.
Filosofia Moderna
Os primeiros pontos de luz nas trevas do pensar livre, provocados pela rendição da razão à soberania da fé durante a
chamada idade média, são percebidos nas obras de pensadores como Copérnico que, em sua defesa e interpretação da
teoria heliocêntrica provocou uma verdadeira revolução. O deslocamento da terra, obra prima do Deus criador, do centro
do universo significou que o homem, tido como o supremo ato da criação, deixou também de ocupar seu lugar de criatura
sujeito aos caprichos desse Deus .Da mesma forma que Sócrates, Platão e Aristóteles antes deles os filósofos da
modernidade chamaram para o âmbito da inteligência e capacidade humana a tarefa de pensar o mundo!
Os historiadores afirmam que o renascimento nos séculos XIV e XV marcado pela redescoberta da arte e literatura grega,
o humanismo com sua ênfase no temporal e o consequente colocação do homem no centro da realidade, o repensar da
política e estilo de governo marcado pelas obras do Maquiavel, o estudo científico e a Filosofia Moderna com sua ênfase
do poder racional do homem, sinalizaram um retorno às raízes do pensamento racional e a morte do poder de controle do
astrólogo, do mago e da igreja sobre o conhecimento. A sabedoria (o conhecimento) não é mais visto como algo sagrada
e mística além da compreensão do homem comum; através do pensar, do raciocinar o homem é capaz de traçar seu
próprio destino e caminhar rumo ao conhecimento, serão apresentadas características dessa época da jornada humana,
será que é de fato uma viagem das trevas à luz ou pode ser considerado o curso natural das coisas à luz do crescer do
conhecimento humano?
Características gerais da filosofia moderna.
A filosofia da idade moderna nasceu graças aos trabalhos dos protagonistas do renascimento cultural e científico dos
séculos XIV e XV entre eles Nicolau Copérnico, Leonardo da Vinci, e dos esforços de cientistas e pensadores como
Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes e Emanuel Kant nos séculos seguintes e tem entre suas características:a) O Racionalismo
A filosofia moderna propriamente falando iniciou-se com a teoria do conhecimento do René Descartes. Conhecido como
pai da filosofia moderna, parece que ele levou muito a sério as palavras do Leonardo Da Vinci que diz "Quem pouca
pensa, muito erra."! Na Idade Média, na sociedade e na política a Palavra de Deus, considerada fonte única do
conhecimento absoluto, foi interpretada pela igreja que dominava todos os aspectos da vida. O renascimento trouxe uma
ênfase renovada no desenvolvimento científico e na capacidade humana e a necessidade de uma nova definição do ser
humano e seu lugar no mundo. Na modernidade a chamada Idade da Razão então, surgiu à necessidade de redefinir os
paradigmas, Descartes na declaração, "penso logo existo", descrito pelo Prof. Wesley Dourado na palestra "Aspectos
Gerais da Filosofia Moderna" sobre as como um "ponto arquemédico [...] a verdade inicial da qual se poderá constituir
outras verdades" iniciou esse processo. Ele declara que o homem, ser racional por natureza, tem a capacidade de
alcançar o conhecimento e mais que isso, sua existência é definida pelo ato de pensar.
Por entender ser possível chegar ao pleno conhecimento através do processo de pensamento racional, Descartes,
idealizou um processo de dúvida metódica pelo qual através da rejeição (eliminação) de pensamentos ou ideias em que
resida a menor dúvida o homem seria capaz de alcançar o conhecimento. As obras do Descartes formaram a base sobre
qual os racionalistas desenvolveram seus processos.
b) O Empirismo
Quando Leonardo Da Vinci afirma que "A sabedoria é filha da experiência" (ABBAGNANO, §388) ele de fato resume em
poucas palavras a crença dos empiristas ingleses cujo trabalho antecedeu por quase um século. Francis Bacon, John
Locke, David Hume e outros pensadores contra posição aos racionalistas do continente europeu desenvolveram e
propagavam o raciocínio experimental, ou seja, a teoria de que o único caminho pelo qual o homem pode chegar ao
conhecimento é através da experiência sensível (empírica). Marlene Chauí explica que Francis Bacon "propõe a
instauração de um método, definido como modo seguro de 'aplicar a razão à experiência', isto é, de aplicar o pensamento
lógico aos dados oferecidos pelo conhecimento sensível". (2006 p.126)
Marlene Chauí afirma que para os empiristas o contato com o mundo externo através de um conjunto de sensações
(através dos sentidos) leva a um processo de dedução que possibilita o conhecimento, "O conhecimento é obtido por
soma e associação das sensações na percepção e tal soma e associação dependem da freqüência, da repetição e da
sucessão dos estímulos externos e de nossos hábitos". (2006 p.133) Um fator marcante da modernidade é a separação
entre a Filosofia e a Ciência empírica. A ciência moderna, dependente nas experiências desenvolvidas em situações
controladas, é empírica por natureza, contrastando-se com o pensamento do Aristóteles que percebia a Metafísica como
ciência primeira.
c) A perfectibilidade.
Os precursores da filosofia moderna entre eles Leonardo da Vinci, Copérnico e Galileu acreditaram na perfectibilidade da
natureza e defenderam a teoria da perfectibilidade da razão humana. Iniciou-se uma "busca por expressar, entender,
explicar pela razão perfeita a natureza perfeita" A ciência renascentista entendeu que pelo fato que Deus criou a natureza
é possível conhecer Deus através da natureza e, portanto, produzir conhecimento.
Em sua epistemologia Immanuel Kant sintetizou as teorias de Descartes e os racionalistas continentais , Hume e os
empiristas ingleses.
O processo de racionalização, característico da Modernidade, que começara com os renascentistas e com os cientistas, e
passara por Descartes e pelos empiristas, podia agora, ser compreendido por Kant como um processo que representava
o curso natural da evolução da sociedade. Finalmente o ser o humano estava apto para raciocinar sobre a própria razão.
(UMESP 2009 p.11)
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Leonardo da Vinci via nas formas perfeitas da matemática uma maneira de ilustrar a perfeição do corpo humano (o
homem vitruviano) e assim tomou o curso da teoria da perfectibilidade. Kant, por sua vez, via na possibilidade do homem
chegar à perfeição um processo natural de desenvolvimento rumo ao esclarecimento (Aufklãrung), um processo evolução
pela qual o homem atinge sua maioridade, processo que depende não de condições externas, mas, na vontade do
homem, só não tem condições de alcançar essa independência os preguiçosos que escolhem permanecer na minoridade
sob a tutela intelectual de terceiros.
Embora enfatizando e dando destaque alto à razão e a perfectibilidade humana, Kant e outros filósofos modernos não
fizeram nenhuma ruptura dramática dos valores religiosos da idade média. Essa ruptura veio com os Iluministas franceses
como Voltaire e Diderot que produziram obras laicas e seculares e, por vezes extremamente críticas da ação de igreja e
sua influência opressiva na sociedade e interferência no governo.
Características gerais do iluminismo
Danilo Marcondes em sua Introdução à História da Filosofia oferece a seguinte síntese do Iluminismo , ou Século das
Luzes um movimento do pensamento europeu (mais forte na França) concentrado principalmente nos últimas cinco
décadas do século XVIII - "O Iluminismo valorizou o conhecimento como instrumento de libertação e progresso da
humanidade, levando o homem à sua autonomia e a sociedade à democracia, ou seja, ao fim da opressão." (2007.
p.210). Tomando de base suas palavras, o iluminismo como movimento dentro da modernidade, mantendo a ênfase na
racionalidade, tem características próprias tais como:
a) Liberdade e o fim da opressão.
"a liberdade é condição para que a sociedade siga seu curso natural rumo ao Esclarecimento" (UMESP, 2009 p.11). A
liberdade no pensamento iluminista é a liberdade da qual Kant escreveu em sua resposta a pergunta O que é o
Esclarecimento?
Esse esclarecimento não exige todavia nada mais que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades,
isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios [...] Em toda parte só se vê limitação da liberdade
[...] o uso público da nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os
homens (KANT - p.3).
O pensamento iluminista influenciou os grupos responsáveis por movimentos de libertação no século XVIII, seu efeito foi
sentido de maneira muito particular na França e foi um dos fatores catalisadores da Revolução Francesa. A burguesia,
educado e gerador de riqueza se via presa sobre o jugo da aristocracia, da monarquia absolutista e da igreja dominantes
desde a Idade Média, obrigada a pagar impostos para manter o luxo de poucos ansiava por uma sociedade livre. Achou
aliados prontos lutar entre as massas paupérrimas de Paris se levantou em revolta contra a opressão pelo direito de ter
liberdade de escolha sobre o curso da própria vida e uma voz no governo do país que ajudou a enriquecer. Voltaire que
criticou o absolutismo da monarquia, o poder da igreja e sua interferência no sistema político e influenciou muito o
movimento da revolução acreditava que sem liberdade de pensamentos não existe liberdade.
b) Vulgarização da Filosofia e a literatura clandestina.
Autores do Iluminismo francês como Voltaire e Diderot, entenderam a vulgarização (popularização) da filosofia e do
conhecimento essenciais para o desenvolvimento do homem e, portanto, da sociedade. O conhecimento e principalmente
o pensamento iluminista permeavam a sociedade na forma de contos, poesias e ensaios. Os membros da burguesia
(novo classe media) francesa que tinha acesso à educação se interessavam em se esclarecer e questionavam a o poder
da aristocracia foram os principais leitores desse material.
As publicações, muitas escritas na clandestinidade sob pseudônimos, que espalhavam críticas à igreja, à aristocracia e
incentivava o questionamento do absolutismo, foram consideradas subversivas condenadas e, os autores caçados.
Voltaire pertencia a uma família nobre fato que lhe dava acesso à aristocracia que criticava, mas, diferentemente a muitos
de sua época ele acreditava que o esclarecimento levaria a própria aristocracia a desejar uma sociedade mais justa.
Escritor popular, Voltaire escreveu um grande número de contos e usava bem esse recurso literário na divulgação de seu
pensamento filosófico, o uso de tom irônico e polêmico atraiu os leitores e irritou as autoridades, a fim de evitar prisão (em
comum com os filósofos clandestinos da época) publicou vários de suas obras anonimamente ou sob outros
pseudônimos.
c) O Projeto dos Enciclopedistas
Como parte do processo de esclarecimento, os iluministas buscaram disponibilizar a população o conhecimento por tanto
tempo controlado exclusivamente pelos doutores. Com o alvo de reunir todo o conhecimento disponível e apresentar à
sociedade uma versão perfeito e final, Diderot e d'Alembert publicaram as obras dos melhores autores na "Enciclopédia
ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios", nesse projeto ambicioso "Todo esforço fora realizado sem se perder de
vista o objetivo de vulgarização do conhecimento" (UMESP p.15).
A compreensão de ser humano e de sociedade no Iluminismo.
A disponibilização do conhecimento é indicativa do fato de que, no Iluminismo, o progresso (do ser humano e da
sociedade) é determinado pela razão através da qual o homem caminha rumo ao conhecimento e os descobertos
científicos alcançados tanto pela aplicação da razão como pela experiência empírica. Esses fatos são resultados de, e
exercem influencia sobre os conceitos do ser humano e da sociedade mantidos pelos filósofos modernos do Iluminismo.
Nas obras dos iluministas há um retorno aos conceitos da antiguidade e o renovo e repensar desses. Filósofos como
Rousseau, por exemplo, reformularam os conceitos platônicos e aristotélicos da pólis grega, da participação de todos os
cidadãos na política para criar a base da nova sociedade. Em sua obra principal, Do Contrato Social, Rousseau "Afirma
[...] que a sociedade funciona como um pacto social, onde os indivíduos, organizados em sociedade, concedem alguns
direitos ao Estado em troca de proteção e organização." Tomando como base a afirmação do filosofo alguns das
características principais da compreensão do ser humano e da sociedade nessa época são:
a) No homem a perfeição, a autonomia racional e a liberdade natural. .
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Uma das características fundamentais da filosofia do Iluminismo em relação ao homem é "o individualismo que se baseia
na existência do indivíduo livre e autônomo, consistente e capaz de se autodeterminar" . O homem que de acordo com
Rousseau nasce bom é visto no como livre, autônomo, dono de si e capaz de se traçar seu próprio destino.
No primeiro capítulo Do Contrato Social, Rousseau declara "O homem nasce bom, a sociedade corrompe". A ideia da
perfeição natural do homem apresenta um contraste ao conceito da perfectibilidade do homem de outros filósofos
modernos que viam a humanidade num caminhar rumo (um progresso racional) à perfeição e um contraste maior aos
iluministas franceses que na maioria afirmaram que o homem, embora, nasceu imperfeito, alcançou a perfeição com o
advento das ciências e a abertura do conhecimento.
Em seguida Rousseau declara que "o homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentada". A liberdade natural
do homem no pensamento do Rousseau, embora negada historicamente pela ação opressiva da igreja ou do estado, não
pode ser retirada, as condições na qual o homem vive podem o acorrentar, mas não muda o fato que nasceu livre!
Nesse tema Marcondes escreve "O grande instrumento do Iluminismo é a consciência individual, autônoma em sua
capacidade de conhecer o real" ele percebe em todo o processo do iluminismo a atribuição ao "conhecimento a
capacidade de, precisamente, libertar o homem dos grilhões que lhe são impostos pela ignorância e pela superstição,
tornando-as facilmente domináveis" afirmando que "O pressuposto básico do Iluminismo afirma, portanto, que todos os
homens são dotados de uma espécie de luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural de aprender, capaz
de permitir que conheçam o real e ajam livre e adequadamente para a realização de seus fins." (2007 p.207)
Kant no prefácio à 1ª Edição da Critica da razão pura dá sua resposta a pergunta: O que impede o homem de obter o
conhecimento que necessita?
Nossa época é propriamente a época da crítica, à qual tudo tem de submeter-se. A religião por sua santidade, e a
legislação, por sua majestade, querem comumente esquivar-se dela. Mas desse modo suscitam justa suspeita contra si e
não podem ter pretensões àquele respeito sem disfarce que a razão outorga àquilo que foi capaz de sustentar seu exame
livre e público. (Kant CRP - Apud. Marcondes 2007 p.207-208).
É justamente o "exame livre e público" do conhecimento disponível proposta pelos iluministas francesas que é garantem a
liberdade e autonomia do homem rumo à perfeição e, portanto, a construção de uma sociedade baseada na liberdade e
na igualdade.
b) Na sociedade, a moral, a igualdade, a liberdade e a autonomia individual.
Para Kant a sociedade composta de homens esclarecidos abre a possibilidade da criação de uma sociedade moral
baseada no livre e irrestrito uso da razão na esfera publica "o uso público da nossa razão deve a todo momento ser livre,
e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os homens" (Kant p3). Para Kant, não pagar impostos para não
concordar com os mesmos, ou agir de qualquer forma contra a ordem da sociedade pode ser considerada crime e, até
sujeitar o homem a uma punição, mas, não lhe tire o direito de uma opinião particular (o uso da razão privada), mas isso
deve ser restrita a manifestações eruditas em momento oportuno e não ser motivo de escândalo público. Da mesma
forma um soldado pode não concordar com as razões que provocaram a batalha na qual esteja lutando, mas, no
momento da batalha ele deve suspender temporariamente sua razão pessoal e obedecer a seu comandante em nome da
razão pública (coletiva).
Enquanto Kant respondia que a humanidade vivia num a época de esclarecimento.
Quando se pergunta, portanto; vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de
esclarecimento. Muito falta ainda para que os homens, no estado atual das coisas, tomados conjuntamente, estejam já
num ponto em que possam estar em condições de se servir, em matéria de religião, com segurança e êxito, de seu
próprio entendimento sem a tutela de outrem. Mas que desde já, o campo lhes esteja aberto para mover-se livremente, e
que os obstáculos à generalização do Esclarecimento e à saída da minoridade que lhes é auto-imputável sejam cada vez
menos numerosos, é o que temos signos evidentes para crer (Kant p.7).
Rousseau e os iluministas franceses eram da opinião que a humanidade já possuía todo o conhecimento necessário para
a constituição de uma sociedade perfeita. Junto com a noção da perfectibilidade do homem chegava à certeza do
sucesso do desenvolvimento social e científico da sociedade. Embora partindo de pontos diferentes os iluministas
franceses e Rousseau, visavam o mesmo resultado o homem livre vivendo numa sociedade livre da opressão.
Enquanto a maioria dos pensadores iluministas afirmou o homem esclarecido através da filosofia, da ciência, e da
educação que foram dadas a tarefa de remover os obstáculos (fato confirmado nas obras de Voltaire e Diderot), pronto
para transformar a sociedade, Kant falava de um processo de esclarecimento e Rousseau afirmava que a criança nasce
boa, mas é corrompida pela sociedade, para ele a resposta para o aperfeiçoamento da sociedade, proposta no livro
Emílio, é coisa do futuro é também um processo. A resposta é o isolamento das crianças para educação e a reinserção
delas na sociedade na fase adulto, somente elas terão alcançado a perfeição necessária para mudar a sociedade.
Conclusão:
A filosofia moderna coloca a razão, sujeito a exigências da fé na idade média, em liberdade e por fim à dependência do
ser humano possibilitando seu esclarecimento, colocando o conhecimento ao seu alcance. Representa (na Europa
ocidental) uma retomada do pensamento da antiguidade e libertação do conhecimento do controle da igreja poderosa
dispensadora da graça divina na idade média.
Embora represente um retorno do pensamento racional à supremacia, e, em particular um novo olhar ao pensamento
platônico, a filosofia moderna em declarar que o conhecimento é acessível e alcançável a todos e não faz separação
entre o mundo sensível das coisas e o mundo intangível das ideias. Na antiguidade Platão e Aristóteles visaram à
formação de uma sociedade perfeita e feliz através da ação conjunta em prol do bem comum (ação política) na polis. Os
habitantes da pólis foram considerados homens esclarecidos, esse esclarecimento foi reservado apenas os cidadãos
gregos, não foram incluídos as mulheres, as classes trabalhadoras e muito menos os escravos. A filosofia moderna e o
iluminismo não restringiam o conhecimento a uma elite social, religiosa ou intelectual, o colocaram ao alcance de todos
que desejavam sair da minoridade, da dependência do tutelar de outros. A sociedade moderna (perfeita) seria o resultado
do esclarecimento de todos.
Finalizei a introdução desse texto perguntando se essa época da jornada humana pode ser considerada de fato, como
interpretada posteriormente pelos historiadores, uma viagem das trevas à luz ou deve ser interpretado como curso natural
das coisas à luz do crescer do conhecimento humano? Estou da opinião que a interpretação retrospectiva é falível,
porque sempre apresenta a coloração da opinião pessoal do interprete e a própria história nos mostra que, mesmo com
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todo o esclarecimento da idade moderna a sociedade está longe de romper todas as trevas da ignorância e da opressão.
Mesmo não considerando a passagem um rompimento radical, é claro que os efeitos na caminhada do ser humano rumo
ao conhecimento pleno foram grandes. Para mim, os pensadores modernos, os radicais iluministas fizeram sua parte da
caminhada da humanidade, são responsáveis em grande parte pelo despertar política na Europa, o desenvolvimento
científico e principalmente por disponibilizar a população em geral, conhecimento ora restrito aos eruditos.
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