Tratamento da Hepatite C: sintomas psicológicos e estratégias de

Propaganda
Tratamento da Hepatite C: sintomas
psicológicos e estratégias de
enfrentamento
Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki*
Neide Aparecida Micelli Domingos#
Nelson Iguimar Valério+
Ester Franco de SouzaD
Rita de Cássia Martins Alves da Silva\
Resumo
A hepatite C é uma das principais causas de doenças hepáticas crônicas no mundo e atinge principalmente uma população
jovem, entre 30 e 40 anos de idade. A medicação utilizada - interferon alfa (ou interferon alfa peguilado) e ribavirina - tem sido
associada a sintomas psicológicos e transtornos mentais, que podem ter um impacto negativo sobre o curso da doença e levar
à interrupção do tratamento. Depressão, ideação suicida e transtorno de estresse pós-traumático são alguns dos problemas
relatados durante o uso das drogas recomendadas. Assim, psicólogos têm sido solicitados a avaliar estes pacientes antes do
início e durante o tratamento, para monitorar sintomas psicológicos e intervir quando necessário. O objetivo deste estudo é
fornecer o exemplo de um protocolo de avaliação psicológica, bem como discutir estratégias de enfrentamento utilizadas por
pacientes que apresentam (ou não) sintomas psicológicos durante o tratamento com interferon alfa (ou interferon peguilado) e
ribavirina. Este protocolo tem se mostrado útil no acompanhamento de pacientes realizando o tratamento e é utilizado pelo
psicólogo que integra a equipe interdisciplinar da área.
Palavras chave: hepatite C; sintomas psicológicos; estratégias de enfrentamento.
Abstract
Hepatitis C is a major cause of chronic liver diseases, especially among young adults, between 30 and 40 years of age. The
treatment currently available is a combination of interferon alpha and ribavirin or peginterferon and ribavirin. It is associated
with psychological symptoms and mental disorders, which may have a negative impact on the course of the disease, including
treatment interruption. Depression, suicide ideation and post-traumatic stress disorder are some of the problems associated
with the treatment. Psychologists have assessed these patients before, and during treatment, monitoring psychological symptoms
and referring patients for psychological/psychiatric treatment whenever needed. A protocol used for psychological assessment
of hepatitis C patients during medical treatment is presented. Coping strategies used by patients with (or without) psychological
symptoms during medical treatment are also discussed.
Key-words: hepatitis C; psychological symptoms; coping strategies.
*
Doutora em Psicologia e Professora da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto.
Doutora em Psicologia e Professora da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto.
+
Doutor em Psicologia e Professor da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto.
D
Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto.
\
Doutora em medicina e Professora da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto.
Apoio financeiro: M.Cristina O.S. Miyazaki e Neide A. Micelli Domingos – bolsistas do CNPq;
Ester Franco de Souza – bolsista de iniciação cientifica PIBIC/CNPq
#
DOI: 10.5935/1808-5687.20050014
120
Maria Cristina Miyazaki, Neide Domingos, Nelson Valério, Ester Franco de Souza e Rita de Cássia da Silva
Hepatite C: sintomas
psicológicos e estratégias de
enfrentamento
O diagnóstico de uma doença crônica afeta todos os aspectos da vida de uma pessoa, acarretando
mudanças físicas, nas atividades da vida diária, sociais,
familiares e profissionais, que podem ser intermitentes
ou permanentes.
A hepatite C é hoje uma das principais causas
de doenças hepáticas crônicas e atinge
principalmente uma população jovem, entre os 30 e
40 anos de idade (Zdilar, Franco-Bronson, Buchler,
Locala & Younossi, 2000; Thomson & Finch, 2005).
O estreito contato com o sistema de saúde,
necessário para diagnóstico e tratamento do
problema, os custos, as mudanças no estilo de vida,
a preocupação com a evolução da doença e com o
futuro, têm importante impacto sobre a vida destes
pacientes. Além disso, os efeitos colaterais da
medicação atualmente utilizada no tratamento da
hepatite C pode reduzir de forma significativa a
qualidade de vida (Festi et al., 2004; Hilsabeck,
Hassanein, Carlson, Ziegler & Perry, 2003;
Miyazaki, 2004).
A presença de sintomas psicológicos
concomitantes ao tratamento, muitas vezes em número
suficiente para a realização do diagnóstico de um transtorno mental, pode ter um impacto negativo sobre o
curso da doença, prejudicando a adesão, exacerbando a
percepção dos sintomas, reduzindo ainda mais a
qualidade de vida e, em alguns casos, levando ao
suicídio. Além disso, pode haver aumento no número
de consultas, sobrecarregando o sistema de saúde e
aumentando os custos do tratamento, maior número de
queixas somáticas, maior dificuldade de adaptação aos
sintomas da doença e aos sintomas associados ao tratamento e um risco aumentado de mortalidade (Strader,
Wright, Thomas & Seef, 2004; Zdilar et al., 2000).
A preocupação com a possibilidade de transtornos mentais e a redução na qualidade de vida
associada ao tratamento da hepatite C têm levado
profissionais da área médica e equipes interdisciplinares a solicitarem, rotineiramente, uma avaliação psicológica anterior ao tratamento (Scalori,
Apale & Roffi, 2001; Zickmund, Ho, Masuda,
Ippolito & La Brecque, 2003). Entretanto, os
conhecimentos atualmente disponíveis nesta área
ainda são limitados, tornando necessário realizar
pesquisas que possam auxiliar na compreensão e
manejo adequados do problema por parte dos
psicólogos que atuam na saúde.
Hepatite C
A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) é
uma das principais causas de doenças hepáticas no
mundo e as complicações devem aumentar nos
próximos anos.
Considerada um problema mundial de saúde, a
hepatite C foi descoberta recentemente e ainda existem
controvérsias acerca de questões como vias de transmissão, prevalência, incidência, curso, manejo e custos
da doença (Strader et al., 2004).
O vírus VHC, responsável pela hepatite C, é
transmitido principalmente pelo sangue, embora
atualmente a infecção por transfusão seja rara e a
maioria dos pacientes contamine-se por uso de drogas endovenosas. A contaminação por contato sexual
ainda não está clara, embora cerca de 20% dos
pacientes contaminados pelo VHC nos Estados
Unidos relatem exposição sexual a parceiro ou
múltiplos parceiros sexuais infectados e ausência de
outros fatores de risco. Outros tipos de exposição,
como a exposição ocupacional, por hemodiálise e
perinatal, são responsáveis por cerca de 10% dos
indivíduos infectados. Atualmente, um fator potencial
de risco pode ser identificado em 90% dos casos
(Strader et al., 2004).
Estima-se que 170 milhões de pessoas no mundo
estejam provavelmente infectadas com o vírus da
hepatite C, causador de cerca de 20% dos casos de
hepatite aguda e 70% dos casos de hepatite crônica,
sendo esta última a principal responsável pelos casos
de cirrose (em muitos países a principal indicação de
transplante de fígado), que pode evoluir para
complicações como o carcinoma hepatocelular
(Marcelin, 1999; Thomson & Finch, 2005).
Como a fase aguda da doença é assintomática
em 80% dos casos, o diagnóstico raramente é realizado
neste estágio. A cronificação da hepatite aguda ocorre
em 50% a 90% dos casos, com estudos recentes
indicando taxas ainda maiores de cronificação
(Marcelin, 1999; Thomson & Finch, 2005).
Tratamento da Hepatite C: sintomas psicológicos e estratégias de enfrentamento
Mesmo na fase crônica, a ausência ou a
inespecificidade dos sintomas faz com que o diagnóstico
da hepatite C seja geralmente realizado por acaso,
habitualmente em estágio avançado da doença. As
doenças do fígado associadas ao VHC podem
manifestar-se alguns anos ou até mesmo décadas após
a infecção e sua evolução ocorre de forma dinâmica:
exposição, infecção, recuperação ou cronicidade, fibrose
progressiva do fígado, cirrose e complicações terminais, como carcinoma hepatocelular, morte por doenças
do fígado e transplante (Marcelin, 1999; Thomson &
Finch, 2005).
Atualmente, o interferon alfa (IFN alfa) é
considerado, isoladamente ou em associação com a
ribavirina, a estratégia terapêutica recomendada para a
maioria dos pacientes portadores de hepatite C (Strader
et al., 2004). O tratamento com interferon alfa e
ribavirina pode erradicar o vírus em 40% dos pacientes
e a combinação do interferon peguilado com ribavirina
em 54 a 56% dos pacientes (Thomson & Finch, 2005).
Sintomas psicológicos no
tratamento com o interferon alfa
Diversos estudos têm indicado que o IFN produz
efeitos colaterais graves, embora reversíveis, como depressão, ideação suicida, sintomas de transtorno de
estresse pós-traumático e transtorno bipolar (Rowan et
al., 2004; Zickmund et al., 2003; Miyazaki, 2004).
É interessante notar, entretanto, que nem todos
os pacientes tratados com IFN apresentam sintomas
psicológicos ou um diagnóstico de transtorno mental
associado ao uso da medicação. Pacientes com história
de transtorno psiquiátrico, como abuso de substância,
parecem ter um risco aumentado para depressão durante o tratamento com IFN, tornando possível pensar que
um transtorno mental anterior pode aumentar a
vulnerabilidade para depressão com a utilização da
medicação (Zdilar et al., 2000). Por outro lado, é
possível pensar também que características individuais
ou estratégias específicas de enfrentamento podem
proteger o paciente.
Estudos sobre depressão como transtorno
mental isolado e depressão associada a outras
doenças crônicas têm mostrado que algumas
estratégias de enfrentamento parecem associadas a
121
maiores dificuldades de ajustamento. Por outro lado,
outras estratégias parecem ter um efeito protetor e
podem ser ensinadas ao paciente (Cuijpers, 1998;
Rybarczyk, DeMarco, DeLaCruz & Lapidos, 1999;
Miyazaki, 2004).
Como especialista em comportamento e
membro de equipes interdisciplinares de saúde, o
psicólogo tem sido freqüentemente solicitado a
auxiliar no manejo de problemas associados a
doenças crônicas, como adesão a tratamento,
avaliação e preparo de pacientes que serão
submetidos a procedimentos invasivos e manejo de
transtornos mentais ou sintomas (ex: ansiedade, depressão) concomitantes ao diagnóstico médico
(Miyazaki, Domingos, Valerio, Santos & Rosa,
2002).
O trabalho do psicólogo requer uma análise
cuidadosa do problema, antes que estratégias de
intervenção possam ser delineadas. Assim, um
protocolo para avaliar pacientes encaminhados para
iniciar tratamento com IFN e ribavirina ou IFN
Peguilado e ribvirina no Ambulatório de Hepatites
Virais do Hospital de Base foi elaborado com base
na literatura. Este inclui diversos instrumentos
(Quadro1), utilizados antes do início do tratamento
e repetidos, mensalmente, durante o decorrer do
mesmo. Os dados obtidos permitem monitorar
sintomas psicológicos e necessidade de intervenção.
Além disso, permitem identificar os principais
problemas experimentados pelos pacientes durante
o tratamento, fornecendo assim subsídios para a
elaboração de programas compatíveis com as
necessidades identificadas.
Um dos principais problemas associados ao tratamento destes pacientes é a depressão. Quando
presente, a depressão parece ter um efeito adverso
sobre o curso da doença e seu tratamento. Pacientes
que têm uma doença crônica e depressão realizam
um maior número de consultas, aumentando
conseqüentemente os custos do tratamento; têm maior
nível de incapacidade para realizar atividades de vida
diária e redução significativa na qualidade de vida;
apresentam maior número de queixas somáticas e
maior dificuldade de adaptação aos sintomas
aversivos associados à doença; aderem menos ao tratamento prescrito e têm um risco aumentado de
mortalidade (Kraus, Schaefer, Csef, Scheurlen &
Faller, 2000).
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2005
Volume 1
Número 1 119-
122
Maria Cristina Miyazaki, Neide Domingos, Nelson Valério, Ester Franco de Souza e Rita de Cássia da Silva
Quadro 1. Protocolo de avaliação psicológica para pacientes em tratamento para hepatite C
Instrumento
Entrevista Clínica
Estruturada (CIS-R)
Botega, Zomignani,
Garcia, Bio & Pereira,
1994
Características
- Entrevista estruturada com 14 itens que investigam sintomas
somáticos, fadiga, concentração, alterações do sono,
irritabilidade, preocupações com o funcionamento corporal,
depressão, idéias depressivas, preocupações, ansiedade,
fobias, pânicos, compulsões e obsessões.
Inventário de Qualidade
de Vida SF-36
Ciconelli, Ferraz, Santos,
Meinão & Quaresma,
1999
- Instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida
composto por 36 itens que abrangem oito domínios:
capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da
saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e
saúde mental. O escore final do instrumento varia de 0 a 100
(zero: pior estado geral de saúde; 100: melhor estado de
saúde)
Inventário de
Enfrentamento
Savóia, Santana e Mejias,
1996
- Inventario com 67 itens que incluem estratégias como
confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação
da responsabilidade, fuga e esquiva, resolução de problemas e
reavaliação positiva. O paciente utiliza uma escala analógica
de quatro pontos para responder às questões
Inventário de Percepção
da Doença 1
Weinman, Petrie, MossMorris & Horne, 1996
- Inventário cujo objetivo é avaliar a representação cognitiva
da doença para o paciente. É composto por cinco escalas:
identidade (sintomas associados à doença), causa (idéias do
paciente acerca da etiologia da doença), tempo (percepção
acerca da duração da doença), conseqüências (efeitos
esperados e conseqüências da doença), e controle/cura (como
se obtém a recuperação ou controle da doença)
Inventário de Fadiga de - Inventário composto por 11 questões acerca de sintomas
físicos e mentais de fadiga, cuja gravidade é avaliada em uma
Chalder
Chalder e cols., 1993
escala contínua que vai de “menos que de costume” a “muito
mais que de costume”
Inventário de Depressão - Inventário composto por 21 itens e que mede presença e
intensidade de sintomas de depressão
de Beck
Cunha, 2001
Entrevista clínica
- Questões formuladas para obter dados relevantes da história
do paciente
Os procedimentos necessários para o diagnóstico
e tratamento de uma doença crônica, bem como seu
impacto sobre o funcionamento do paciente e familiares,
1
podem ser vistos como fontes potenciais de estresse
(Taylor, 2003; Straub, 2005).
Tradução para o português obtida em comunicação pessoal com M. J. Figueiras, 28/09/01
Tratamento da Hepatite C: sintomas psicológicos e estratégias de enfrentamento
Doença crônica, estresse e
enfrentamento
O termo estresse pode ser compreendido de três
formas: como estímulo (evento ambiental causador de
tensão, denominado estressor), como resposta ou reação
individual ao estressor (incluindo componentes
psicológicos e fisiológicos), e como processo, isto é,
como relação entre a pessoa e o ambiente. Quando o
estresse é visto como processo, o indivíduo “é um agente
ativo que pode influenciar o impacto do estressor através de estratégias comportamentais, cognitivas e
emocionais” (Sarafino, 1994, p.74).
A identificação de estressores e das estratégias
utilizadas pelas pessoas que conseguem, com o seu
comportamento, “amortecer” o impacto do estresse
sobre o organismo, fornece subsídios para o delineamento de programas preventivos. Estudos acerca de
estratégias comportamentais utilizadas para lidar com
situações difíceis, como doenças graves e perdas, têm
sido realizados por diversos autores. O termo
enfrentamento ou coping é utilizado na literatura para
identificar o processo de lidar com demandas, internas
ou externas, avaliadas pelo indivíduo como estando
além de seus recursos ou possibilidades (Taylor, 2003).
A definição mais conhecida de enfrentamento é
provavelmente a proposta por Lazarus e Folkman
(1984). Para estes autores, o termo enfrentamento ou
coping refere-se a esforços comportamentais e
cognitivos realizados por um indivíduo para lidar com
as demandas ambientais ou internas, ou com um conflito
existente entre ambas. Estes esforços influenciam, mas
são também influenciados pelo ambiente.
White (1974, citado por Gimenez, 1997) define
enfrentamento como a adaptação individual a situações
difíceis, como mudanças radicais no estilo de vida ou
presença de problemas, que exigem novo repertório
comportamental e provocam emoções negativas (ex:
ansiedade, culpa). É importante ressaltar que o
enfrentamento implica no desenvolvimento de novos
repertórios comportamentais, diferentes dos utilizados
anteriormente. Gimenez (1997) analisando as diversas
definições de enfrentamento, conclui que a maioria delas compartilha da noção de que “as pessoas ativamente
respondem às exigências impostas a elas” (Gimenez,
1997, p.116) e associam enfrentamento a estresse.
Enfrentamento será aqui compreendido não como uma
característica pessoal, mas como “esforços para lidar
123
com situações estressantes que mudam ao longo do
tempo (...) delineados a partir de contextos particulares
que exigem adaptação” (Gimenez, 1997, p. 117).
A forma como uma situação será enfrentada depende de uma avaliação individual da mesma. Esta
avaliação pode estar relacionada a dano (ou perdas),
ameaça (possibilidade de dano) ou desafio (perspectiva
de reforço sob condições difíceis). As respostas de
enfrentamento, por sua vez, podem ser de ação direta
ou solução do problema, reduzindo assim o estresse
sobre o organismo e regulando a emoção a ele associada.
Como alguns problemas não podem ser solucionados
através de uma ação direta, estratégias cognitivas podem
ser então utilizadas. Isto não significa, entretanto, que
“...ações e pensamentos são mutuamente exclusivos, ao
contrário, processos cognitivos estão presentes em ações
diretas particulares e estas, sem dúvida, também
presentes durante as avaliações das pessoas” (Gimenez,
1997, p.126).
A presença de uma doença crônica leva à
necessidade de adaptação a condições especiais, tanto
por parte do paciente como de seus familiares. Em
relação à doença ou tratamento, é preciso desenvolver
estratégias para enfrentar sintomas ou limitações, para
ajustar-se ao hospital ou contexto de saúde onde o tratamento é realizado e aos procedimentos médicos
necessários, bem como desenvolver e manter estratégias
adequadas de relacionamento com a equipe de saúde
(Kraus et al., 2000). Em relação ao funcionamento
psicossocial global, é preciso aprender a controlar os
sentimento negativos e desenvolver uma perspectiva
positiva em relação ao futuro, manter a auto-imagem e
a percepção da própria competência para lidar com as
novas condições associadas à doença, manter um
relacionamento adequado com familiares e amigos, que
são uma importante fonte de suporte social e prepararse para conviver com as incertezas associadas ao futuro.
Todas estas parecem tarefas difíceis, embora estudos
indiquem que as pessoas conseguem adaptar-se a
condições adversas, ajustando-se, de forma construtiva,
às circunstâncias presentes em determinados momentos
da vida (Miyazaki, 1997; Sarafino, 1994; Straub, 2005).
Além disso, o estilo de enfrentamento do paciente frente
a situações associadas à presença de uma doença crônica
e procedimentos necessários para o tratamento parece
relacionado à redução ou ao aumento de sintomas de
depressão (Christensen, Ehlers, Raichle, Bertolatus &
Lawton, 2000).
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2005
Volume 1
Número 1 119-
124
Maria Cristina Miyazaki, Neide Domingos, Nelson Valério, Ester Franco de Souza e Rita de Cássia da Silva
Um estudo realizado para identificar sintomas de
depressão e estratégias de enfrentamento, realizado com
30 pacientes com diagnóstico de hepatite C, indicou
que aqueles com escores mais baixos no Inventario Beck
de Depressão utilizavam principalmente estratégias
como resolução de problemas, reavaliação positiva da
situação e busca de suporte social. Por outro lado,
aqueles com escores mais altos, além de relatarem
menor numero de estratégias positivas de
enfrentamento, utilizavam estratégias como fuga e
afastamento (Quadro 2) (Souza, Miyazaki & Silva,
2004). Estes dados são compatíveis com a literatura,
que sugere que algumas estratégias de enfrentamento
podem auxiliar o paciente a enfrentar eventos negativos
com menor grau de sofrimento e maior eficiência
(Straub, 2005).
Identificar as dificuldades vivenciadas por
pacientes portadores de doenças crônicas, neste caso a
hepatite C e seu tratamento, bem como as estratégias
utilizadas por aqueles que se adaptam a estas condições
adversas, pode auxiliar no delineamento de programas
de intervenção para aqueles que têm dificuldades de
adaptação.
Um programa denominado “Intervenção
cognitivo-comportamental em grupo para pacientes em
tratamento para o vírus da hepatite C (VHC)” foi delineado com base nos dados obtidos com o protocolo de
avaliação psicológica descrito. Avaliar o impacto deste
programa é o próximo passo do trabalho dos psicólogos
que atuam na área.
Conclusões
O trabalho do psicólogo, em uma equipe
interdisciplinar que atende pacientes portadores de
hepatite C, exemplifica a vasta gama de contribuições
que este profissional pode dar com sua atuação na saúde.
Quadro 2. Classificação de sintomas de depressão de acordo com escore obtido no Inventário de Depressão de
Beck e estratégias de enfrentamento utilizadas por pacientes portadores de hepatite C em tratamento com IFN alfa
e ribavirina
Escore
BDI
Mínimo
leve
no Estratégias de
enfrentamento
utilizadas
e 1.Resolução de
problemas
2.Suporte social
3.Reavaliação
positiva da situação
Moderado e 4.Fuga/esquiva
grave
5.Afastamento
6.Aceitação
Comportamentos que exemplificam as estratégias
utilizadas
Obter informações sobre a doença e o tratamento;
Tirar dúvidas com a equipe de saúde;
Participar de grupo de orientação para pacientes
com hepatite C;
Discutir sobre dificuldades associadas à doença e
tratamento com pacientes que têm o mesmo
problema;
Conversar com a família;
Considerar benefícios da medicação, mesmo que
esta acarrete efeitos colaterais desagradáveis;
Reduzir sintomas de depressão com aumento de
atividades reforçadoras;
Participar ativamente de grupos para aprimorar
atendimento oferecido pelo SUS a pacientes com
hepatite C.
Distanciar-se de tudo que lembra a doença (ex.ir
embora do ambulatório assim que acaba a consulta
médica, sem participar do grupo de orientação;
jogar fora folhetos explicativos);
Evitar contato com outros pacientes;
Acreditar que a doença ocorreu por vontade de
Deus e não há nada que possa fazer para melhorar.
Tratamento da Hepatite C: sintomas psicológicos e estratégias de enfrentamento
Embora esta contribuição seja aparentemente relevante
do ponto de vista social, é imprescindível que seja
fundamentada em dados de pesquisas. O trabalho em
equipes interdisciplinares apresenta inúmeras dificuldades, que podem ser superadas com uma sólida
formação profissional e habilidades para o
relacionamento interpessoal. Além disso, a prática da
psicologia da saúde baseada em evidências, bem como
a preocupação em associar extensão de serviços à
comunidade com pesquisa, são elementos fundamentais
para o futuro da área. A utilidade deste protocolo está
bem estabelecida na prática, uma vez que fornece
subsídios para o delineamento de intervenções
psicológicas apropriadas para os pacientes, bem como
orientações para a equipe interdisciplinar. Uma análise
sistemática dos dados obtidos com a utilização deste
protocolo por dois anos consecutivos vem sendo
realizada e poderá fornecer importantes diretrizes para
a implementação de programas preventivos na área.
Referências Bibliográficas
Botega, N. J., Zomignani, M. A., Garcia Jr., C., Bio, M. R. &
Pereira, W. A. (1994). Morbidade psiquiátrica em hospital
geral: utilização da edição revisada da “Clinical Interview
Schedule – CIS-R”. Revista ABP-APAL, 16, 57-62.
Chalder, T., Berelowitz, G., Pawlikowska, T., Watts, L.,
Wessely, S., Wright, D. & Wallace, E.P. (1993).
Development of a fatigue scale. Journal of Psychosomatic
Research, 37, 147-153,
Christensen, A. J., Ehlers, S. L., Raichle, K. A., Bertolatus, J.
A. & Lawton, W. J. (2000). Predicting change in
depression following renal transplantation: Effect of
patient coping preferences. Health Psychology, 19, 348353.
Ciconelli, R. M., Ferraz, M. B., Santos, W., Meinão, I. &
Quaresma, M. R. (1999). Tradução para língua
portuguesa e validação do questionário genérico de
avaliação de qualidade de vida SF-36. Rev Bras
Reumatol, 39, 143-50.
Cuijpers, P. (1998). A psychoeducational approach to the
treatment of depression: A meta-analysis of Lewinsohn’s
“Coping with Depression” course. Behavior Therapy, 29,
521-533.
Cunha, J.A.(2001). Manual da versão em português das
Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.
125
Festi, D., Sandri, L., Mazzella, G., Roda, E., Sacco, T.,
Staniscia, T., Capodicasa, S., Vestito, A., Colecchia, A.
(2004). Safety of interferon b treatment for chronic HCV
hepatitis. World J Gastroenterol, 10, 12-16.
Gimenez, M. G. G. (1997). A teoria do enfrentamento e suas
implicações para sucessos e insucessos em psiconcologia.
Em: M. G. G. Gimenez (Org). A mulher e o câncer
(pp.111-147). Campinas: Psy II.
Hilsabeck, R. C., Hassanein, T. I., Carlson, M. D., Ziegler, E.
A. & Perry, W. (2003). Cognitive functioning and
psychiatric symptomatology in patients with chronic
hepatitis. C.J Int Neuropsychol, 9, 847-854.
Kraus, M. R., Schaefer, A., Csef, H., Scheurlen, M. & Faller,
H (2000). Emotional state, coping styles, and somatic
variables in patients with chronic hepatitis C.
Psychosomatics, 41, 377-384.
Lazarus, R. & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and
coping. New York: Springer.
Marcelin, P. (1999). The clinical spectrum of the disease. Em:
European Association for the Study of the Liver.
Proceedings of the International Consensus Conference
on Hepatitis C. França, 1, 1-6.
Miyazaki, M. C. O. S. (1997). Psicologia na formação
médica: subsídios para prevenção e trabalho clínico com
universitários. Tese de doutorado. USP, São Paulo.
Miyazaki, M. C. O. S. (2004). Sintomas psicológicos em
pacientes portadores de hepatite C tratados com interferon
alfa e ribavirina [Resumo]. Em: Associação Brasileira
de Psicoterapia e Medicina Comportamental e
Association for Behavior Analysis. Resumos de
comunicações científicas. XIII Reunião da ABPMC.
Campinas: ABPMC.
Miyazaki, M. C. O. S., Domingos, N. A. M., Valério, N. I.,
Santos, A. R. R. & Rosa, L. B. T. (2002). Psicologia da
Saúde: Extensão de serviços à comunidade, ensino e
pesquisa. Psicologia USP, 13 (1), 29-53.
Rybarczyk, B., DeMarco, G., DeLaCruz, M. & Lapidos, S.
(1999). Comparing mind-body wellness interventions for
older adults with chronic illness: Classroom versus home
instruction. Behavioral Medicine, 24, 181-190.
Sarafino, E. P. (1994). Health Psychology. Biopsychosocial
interactions. New York: John Wiley & Sons.
Savóia, M. G., Santana, P. & Mejias, N. P. (1996). Adaptação
do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman &
Lazarus para o português. Rev. Psicol. USP, 7, 183-201.
Scalori, A., Apale, P. & Roffi, L. (2001). Psychological screening
before interferon therapy Hepatology Online, 33, 480
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2005
Volume 1
Número 1 119-
126
Maria Cristina Miyazaki, Neide Domingos, Nelson Valério, Ester Franco de Souza e Rita de Cássia da Silva
Souza, E. F., Miyazaki, M. C. O. S., Silva, R. C. M. A. (2004).
Depressão e enfrentamento em pacientes portadores de
hepatite C. Relatório Final do PIBIC. São Jose do Rio
Preto: FAMERP.
Strader D. B., Wright T., Thomas D. L. & Seef L. B. (2004).
American Association for the Study of Liver Diseases.
Diagnosis, management, and treatment of hepatitis C.
Hepatology, 39, 1147-1171
Straub, R. O. (2005). Psicologia da Saúde. Porto Alegre:
ArtMed.
Taylor, S. E. (2003). Health Psychology. New York: McGrawHill.
Thomson, B. J. & Finch, R. G. (2005). Hepatitis C virus
infection. Clin Microbiol Infect, 11 (2), 86-94.
Weinman, J., Petrie, K. J., Moss-Morris, R. & Horne, R.
(1996). The Illness Perception Questionnaire: a new
method for assessing the cognitive representation of
illness. Psychology and Health, 11, 431-445.
Zdilar, D., Franco-Bronson, K., Buchler, N., Locala, J. A. &
Younossi, Z. M. (2000). Hepatitis C, interferon alfa, and
depression. Hepatology, 31, 1207-1211.
Zickmund, S, Ho, Y. E., Masuda, M., Ippolito, L. &
LaBrecque, D. R. (2003). They treated me like a leper:
stigmatization and the quality of life of patients with
hepatitis C. JGIM, 18, 835-844.
Recebido em: 09/04/2005
Aceito em: 23/06/2005
Endereço do autor principal: Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki, FAMERP – Laboratório de Psicologia e Saúde,
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5416 CEP 15090-000, São Jose do Rio Preto – SP. E-mail: [email protected]
Download