O PAPEL DA AVALIAÇÃO NO AMBIENTE DA EDUCAÇÃO INFANTIL1 Vanessa L. M Carrion2; Arnaldo Nogaro3 (URI) RESUMO O texto “O papel da avaliação no ambiente da educação infantil”, visa conhecer, discutir e analisar diferentes concepções que cercam a avaliação da aprendizagem, reconhecendo sua importância como um instrumento de suporte no desenvolvimento cognitivo da criança. Esta reflexão ganha espaço por conceber a importância do processo avaliativo na construção do conhecimento, bem como sua articulação na relação ensino-aprendizagem no cotidiano escolar. Busca-se demonstrar a conexão entre a avaliação e suas implicações no processo de aprendizagem, considerando como base de trabalho o diálogo, a mediação e o diagnóstico. Ressalva-se o desenvolvimento da ação avaliativa na Educação Infantil como forma de acompanhamento do desenvolvimento na primeira infância, através da observação da criança, a fim de registrar situações peculiares do cotidiano para qualificar a intervenção do professor e melhorar os processos de aprendizagem do educando. PALAVRAS-CHAVE: Avaliação. Aprendizagem. Educação Infantil. THE ROLE OF EVALUATION IN INFANTILE EDUCATION The text “the role of evaluation in infantile education”, aims to know, to discuss and to analyse different conceptions about the evaluation of learning, recognizing its importance as a support instrument on the child's cognitive development. This reflection conceives the importance of the evaluation process in the construction of knowledge, as well as its articulation regarding teaching-learning in schools. It aims to demonstrate the connection between evaluation and its implications in the teaching process, considering the dialog, the mediation and the diagnosis as the base of the work. It highlights the development of the Infantile Education evaluation as a way to follow up the development in the first childhood, through the child's observation, in order to register peculiar situations of the quotidian ti qualify the teacher's intervention and to improve the processes of the student's learning. KEY WORDS: Evaluation. Learning. Infantile Education. SITUANDO O TEXTO A presente elaboração é fruto de pesquisa bibliográfica, envolvendo considerações e pressupostos de renomados autores como Esteban, Luckesi e Hoffmann, entre outros, que possuem inúmeros estudos sobre esse tema. Está 1 Este texto é parte do artigo publicado na Revista Perspectiva, v. 30, dezembro/ 2006, com o título de “A articulação do processo avaliativo na educação infantil.” 2 Licenciada em Pedagogia. Especialista em Orientação Educacional e Supervisão Escolar - URI- Campus de Erechim. 3 Doutor em Educação – UFRGS. Professor da URI – Campus de Erechim. estruturada com o intuito, de inicialmente, apresentar algumas considerações sobre a compreensão e definição de avaliação, bem como, reflexões teóricas sobre a avaliação e suas implicações no processo de aprendizagem e da vida escolar. Seguindo, ressalta a avaliação no contexto da Educação Infantil, apontando o relatório, o acompanhamento e a observação como formas de conceber e direcionar a ação pedagógica de maneira consciente e promotora da criança. Por fim, procura resgatar as idéias mais relevantes do texto, expressando as reflexões obtidas frente à consolidação dos objetivos propostos com o mesmo, a fim de provocar um repensar sobre a articulação da avaliação no cotidiano escolar. AVALIAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR: ALGUMAS DEFINIÇÕES A avaliação é uma palavra que faz parte do cotidiano de cada um, seja de maneira espontânea, seja de maneira formal. Com grande intensidade e com significados particulares, está incorporada ao cotidiano de professores e estudantes de forma tão intensa que é, geralmente, considerada um patrimônio das instituições educativas. O campo conceitual da avaliação está construído e constituído historicamente e como tal se transforma de acordo com os movimentos e as mudanças dos fenômenos sociais. Sua conjuntura, bem como formulação afeta as possibilidades e as necessidades de escolha, ultrapassando propósitos educativos de ensinoaprendizagem, pois faz parte do foro íntimo individual de cada sujeito, sendo inerente às dimensões político-sociais. A avaliação, como atividade indagadora e reflexiva, acontece em todo momento e em várias atividades da vida. Está-se sempre fazendo apreciações sobre o que se vê, o que se faz, o que se ouve, o que interessa e o que não agrada. Avalia-se tudo e a todos. Na escola isso também acontece, porém nela a avaliação é institucional e sistemática, pois os julgamentos que ali são feitos têm conseqüências, algumas vezes positivas, outras negativas. Mesmo antes de a criança chegar à escola, até no momento de sua matrícula, a avaliação pode começar. As informações registradas sobre o lugar onde mora, sua família e sua historicidade, muitas vezes, possibilitam construir um julgamento sobre a criança. Isso parece extremamente perverso e irregular, pois muitas vezes, antes mesmo de conhecer a criança, a escola já possui uma idéia sobre sua conduta. A avaliação acontece na escola de várias formas. Entre tantas as mais conhecidas se dão por meio de provas, atividades, registros, pesquisas, questionários, ou seja, o que Freitas (1996) aponta como avaliação formal. Também existe aquela que se dá pela relação professor aluno, contemplando as interações e os espaços do trabalho pedagógico. Tal processo, conhecido como avaliação informal, procura conhecer os interesses e as necessidades dos alunos. Entretanto, sabe-se há tempo que a avaliação da aprendizagem na escola vem sendo tratada de maneira impessoal e obsoleta, tornando-se um tema amplamente discutido por diversos teóricos ligados a educação. Trata-se de um debate que busca alternativas no sentido de romper com práticas tradicionais e conservadoras, que desenvolvem uma pedagogia voltada ao exame e a classificação do sujeito. Nesse sentido, a avaliação assume uma função seletiva, rotulando os “menos capazes” de forma discriminatória e excludente. De acordo com Luckesi (2002), a avaliação que se pratica na escola é a avaliação da culpa. Aponta, ainda, que as notas são usadas para fundamentar necessidades de classificação de alunos, onde são comparados desempenhos e não objetivos que se deseja atingir. Segundo Perrenoud (2002), normalmente, define-se o fracasso escolar como conseqüência de dificuldades de aprendizagem e como a expressão de uma “falta objetiva” de conhecimentos e de competências. Esta visão que “naturaliza” o fracasso impede a compreensão de que ele resulta de formas e de normas de excelência que foram instituídas pela escola, cuja execução revela algumas arbitrariedades, entre as quais a definição do nível de exigência do qual depende o limiar que separa aqueles que têm êxito daqueles que não têm. Todavia, avaliar exige que se estabeleçam os critérios, para, em seguida, escolheram-se os procedimentos, inclusive aqueles referentes à coleta de dados, comparados e postos em cheque com o contexto e a forma em que foram produzidos. Nessa perspectiva, a prática da avaliação escolar não pode ser feita simplesmente de forma medida, calculada, impressa por um valor numérico. Ela precisa estar perpassada por valores construídos pelos homens, buscando um projeto maior de sociedade que atende os interesses de toda a população. A função nuclear da avaliação é ajudar o aluno a aprender e ao educador, ensinar, determinando também quanto e em que nível os objetivos estão sendo atingidos. Para isso é necessário o uso de instrumentos e procedimentos de avaliação adequados. Para Luckesi (2002), o valor da avaliação encontra-se no fato do aluno poder tornar conhecimento de seus avanços e dificuldades. A avaliação deve ser um processo contínuo que dialogue com o todo estudado e com os demais conhecimentos adquiridos fora da sala de aula, que não se resuma ao resultado produzido pela aplicação de um instrumento, seja teste ou prova. Nesse sentido, o aluno precisa perceber que ela não é um fim, como já foi dito, mas um meio, devendo o professor informar os alunos sobre os seus objetivos e analisar com eles os resultados alcançados. Fica claro que a avaliação com base no diálogo pode promover o desenvolvimento do educando e incentivá-lo a avançar e procurar formas de transformar o meio em que vive, desmistificando, portanto, a avaliação dita tradicional. O educador, nesse caso, deve contribuir sendo mediador, incentivando a todos e à própria comunidade escolar a essa integração e participação em favor da aprendizagem escolar. A esse respeito Hoffmann (1993), contempla o significado e a importância de uma avaliação mediadora, capaz de promover uma interação entre educador e educando. O educador deve contribuir para a emancipação do educando, promovendo sua autonomia bem como a construção do conhecimento. Nesse sentido, referindose ao processo educativo e ao aluno, Hoffmann (2001, p.68), assim esclarece: [...] o processo avaliativo não deve estar centrado no entendimento imediato pelo aluno das noções em estudo, ou no entendimento de todos em tempos equivalentes. Essencialmente, porque não há paradas ou retrocessos nos caminhos da aprendizagem. Todos os aprendizes estarão sempre evoluindo, mas em diferentes ritmos e por caminhos singulares e únicos. O olhar do professor precisará abranger a diversidade de traçados, provocando-os a prosseguir sempre. Sobre os caminhos da aprendizagem, é preciso exigir dos educadores, cuidado no lidar com o espaço da escola, fazendo com que o educando assuma um compromisso pedagógico pessoal, ao mesmo tempo em que se sinta bem. Conforme Fernándes (2001), a tarefa do professor, para além de ensinar, é a de abrir espaços para aprender, onde se dêem, simultaneamente, a construção de conhecimentos e a construção de sim mesmo, como sujeito criativo e pensante. Nessa perspectiva, essa construção de si mesmo como sujeito pensante, parte das interações educador-educando, fazendo com que o processo avaliativo se tornasse um ato humanizador de troca e aquisição de conhecimentos. Sendo assim, faz-se necessário utilizar as palavras de Hoffmann (2001, p.40): A avaliação educacional, ao lidar com a complexidade do ser humano, deve orientar-se, portanto, por valore morais e paradigmas científicos. Os processos avaliativos não podem estar fundamentados, apenas, em princípios, critérios e regras da investigação científica e considerações metodológicas. Torna-se necessário, essencialmente, recorrer a princípios de interação e relação social, numa análise ético-política das práticas e metodologias da avaliação. Os novos paradigmas em educação devem contemplar o qualitativo, descobrindo a essência e a totalidade do processo educativo, pois esta sociedade reserva às instituições escolares o poder de conferir notas e certificados que supostamente atestam o conhecimento ou capacidade do indivíduo, o que torna imensa a responsabilidade de quem avalia. Pensando a avaliação apenas como aprovação ou reprovação, a nota torna-se um fim em sim mesma, ficando distanciada da relação com as situações reais de aprendizagem. Logo, o educador, ao lidar com a avaliação da aprendizagem escolar, deve ter em mente a necessidade de colocar em sua prática diária novas propostas que visem a aprendizagem efetiva, pois a avaliação é parte de um processo, e não um fim em si e deve ser utilizada como um instrumento para a formação dos educandos. A AVALIAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO EDUCATIVO Na vida humana a aprendizagem é essencial para responder às necessidades de sobrevivência. A aprendizagem acontece sempre, e em todo lugar. Sendo essa uma atividade curiosa não se deixa limitar aos locais que lhe são atribuídos formalmente. Ela capacita o indivíduo a ajustar-se adequadamente ao seu ambiente físico e social, pois quem aprende desenvolve comportamentos que lhe possibilitam viver de acordo com aquilo que concebe enquanto relação com o saber. Nesse sentido, a educação é necessária para a sobrevivência da aprendizagem na vida do ser humano. Este, por sua vez, necessita apropriar-se da cultura já existente, conscientizando-se de sua função como ser social. Sendo assim, na ótica de Gadotti (2005, p. 47): “Educar é também aproximar o ser humano do que a humanidade já produziu [..]. Para ele tal fato é de suma importância, na medida que o conhecimento torna-se cada vez mais decisivo na sociedade atual.” A avaliação faz parte de todo e qualquer aprendizado, pois retrata a visão que adquirimos sobre algo ou alguém. Ela é imprescindível uma vez que todo processo educativo deve realizar-se em um constante trabalho de ação-reflexão-ação. Tal afirmação reflete-se nas palavras de Gadotti (2000, p.42), que por sua vez afirma: “[...] que o educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar as contradições, comprometendo-se com esse mundo recriá-lo constantemente.” É preciso conceber a avaliação como um instrumento balizador no processo de ensino-aprendizagem, utilizando a prática educacional de forma consciente e preocupada com a promoção dos sujeitos, capacitando-os para a o desenvolvimento de habilidades e competências. Antunes (2002, p.33) sinaliza dizendo: [...] a avaliação jamais pode ser realizada separada da aprendizagem. Deve ajudar os alunos a conquista das necessidades dos alunos, percebendo o ensino como um processo ativo de construção de significados e atribuição de sentidos. [...] o professor deve preocupar-se com o valor instrumental e prático da aprendizagem construída pelo aluno. Assim a investigação, assim como o questionamento, deve fazer parte do processo, construindo uma relação de troca de saberes e experiências. É preciso diferenciar avaliação da aprendizagem com a prática de exames. A avaliação da aprendizagem, enquanto uma forma de avaliação, precisa ser amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que são classificatórios, seletivos, excludentes; usados de forma equivocada. Conforme Luckesi (2005), os exames e as conseqüentes reprovações, que se manifestam como fracasso escolar, servem de álibe para a má qualidade de ensino, como já se tem sinalizado, na medida em que o educando, em última instância, torna-se o único responsável por esse fenômeno. Nesta situação, todos os outros fatores intervenientes nos resultados negativos da aprendizagem são obscurecidos, tais como políticas públicas educacionais insatisfatórias, más condições de ensino, baixos salários dos educadores, entre outros. A verdadeira prática da avaliação da aprendizagem opõe-se a tudo isso, devido estar assentada sobre a busca da melhor eficácia dos resultados, o que por decorrência, exige investimentos em muitas áreas da educação, desde recursos materiais, didáticos e pessoais, até a construção e manutenção de infra-estrutura física. A avaliação serve, antes de tudo, para identificar como o aprendiz está se movimentando frente às novas aprendizagens, o que já é de seu domínio, os objetivos que ele ainda não alcançou e quais são as suas dificuldades. Com essas informações, o professor pode refletir sobre o processo desenvolvido na busca da compreensão sobre o que poderia ser melhorado ou que outras atividades podem ser propostas para uma maior aprendizagem. O ato de avaliar deve estar a serviço da obtenção do melhor resultado possível, antes de tudo, implica a disposição de acolher a realidade como ela é. Isso significa a possibilidade de tomar a situação da forma como se apresenta, seja ela satisfatória ou não. O ato de avaliar, para Luckesi (2005), implica em dois processos articulados e indissociáveis: diagnosticar e decidir. A função decisiva está intrinsecamente ligada à diagnóstica e vice-versa. Busca-se com o processo avaliativo, constatar, qualificar e auxiliar o aluno em prol de seu crescimento cognitivo, psicológico e social. Todavia, é preciso que o educador conceba o ato de avaliar como uma ação dialógica, amorosa e construtiva. Isso porque grande parte das pessoas, quando estão sendo avaliadas, necessitam e devem participar da sua própria qualificação, frente aos critérios que estão postos e que também podem ser partilhados. Dessa forma, sabe-se que a avaliação é essencial à educação. Inerente e indissociável enquanto concebida como problematizarão, questionamento, reflexão sobre a ação. Educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que se vive para superar as contradições, comprometendo-se com esse mundo para recriá-lo constantemente (GADOTTI, 2000). Sendo assim, percebe-se que avaliar não é tarefa descomprometida. A avaliação, na perspectiva de construção do conhecimento, parte de duas premissas básicas: confiança na possibilidade dos educandos construírem suas próprias verdades e valorização de suas manifestações e interesses. Deixa de ser um momento terminal do processo educativo para se transformar na busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento. Uma prática avaliativa coerente com essa perspectiva exige do professor o aprofundamento em teorias do conhecimento. Fundamentos teóricos que lhe permitam estabelecer conexões entre as hipóteses formuladas pelo aluno e a base científica do conhecimento. Visão essa que lhe permita vislumbra novas questões e possibilidades de investigação a serem sugeridas para o educando e a partir das quais se dará a continuidade e o aprofundamento de cada área do conhecimento. Segundo Hoffmann (2005, p.55), mediar a [...] experiência educativa é acompanhar o aluno em processos simultâneos de apropriar-se de informações e de aprender a buscar novos conhecimentos, em ambientes interativos, de respeito e convívio humanos, refletindo e intervindo criticamente sobre sua postura de colega, de aluno e de aprendiz. O que exige uma organização do ensino sociointeracionista e uma avaliação participativa. Uma avaliação mediadora, batizada pelo diálogo e pela permanente construção e reconstrução do conhecimento desenvolve a análise de hipóteses formuladas pelos educandos de suas ações e manifestações, visando essencialmente o entendimento. É tempo de redefinir o papel do educador como mediador que dinamiza as trocas de ação entre o educando e o objeto do conhecimento com vistas à apropriação do saber pelo sujeito e do mediador entre a criança e o seu grupo de iguais, viabilizando as trocas necessárias ao exercício das cooperações que sustentam o desenvolvimento das personalidades autônomas no domínio cognitivo-moral, social e afetivo. (RANGEL, 1992, p.83). Nessa tarefa, conseqüentemente da de reconstrução prática do avaliativa, processo torna-se de aprendizagem fundamental a e, postura questionadora e dinâmica do professor. A avaliação é a reflexão transformada em ação. Prática essa, que impulsiona a novas reflexões. Um processo interativo, através do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a realidade escolar no ato próprio da avaliação. Martins (1980) diz que o que deveria estar presente no paradigma de avaliação do aluno e do professor, como seres humanos, é que a essência do relacionamento fosse sempre um encontro em que ambos os participantes se modificassem. Todavia, a avaliação, compreendida como julgamento, considera apenas as modificações que se produzem do lado do aluno. Segundo Hoffmann (2001) as situações de aprendizagens são evoluídas e singulares. Não se corrigem, nem se somam, mas se interpretam, exigindo, portanto, reflexão séria, com base em conjunto sólido de observações e dados, à luz do domínio epistemológico de cada área de conhecimento e assegurando uma visão positiva e confiante sobre o aluno. Toda a relação de saber se dá a partir da interação do sujeito com os objetos de conhecimento, da relação com os outros e da relação consigo próprio (CHARLOT, 2000). Significa que o aluno, interativamente, descobre o mundo à sua própria maneira, diferente e único. Portanto, o olhar avaliativo do educador frente ao educando, deve priorizar não apenas aquilo que o aluno conseguiu alcançar, mas sim aquilo que ainda poderá conquistar, incentivando-o para o desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades. O PAPEL DA AVALIAÇÃO NO AMBIENTE DA EDUCAÇÃO INFANTIL A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, possui em seu caráter formativo a função de constituir inúmeros elementos para o desenvolvimento bio-psico-social da criança de zero a cinco anos. Isso significa que tanto o educador, como as diferentes instituições educativas que oferecem serviços a essa faixa etária, devem, sobretudo, conhecer e compreender os diferentes fatores que contribuem para o pleno desenvolvimento dessas crianças. A construção da aprendizagem constitui-se por meio das diversas atividades cotidianas, que por sua vez possuem uma intencionalidade educativa promovendo assim a interação e a descoberta da criança frente ao mundo e as coisas que estão ao seu redor. Nessa perspectiva, a avaliação deve surgir como um subsídio para o professor compreender melhor o desenvolvimento da criança a fim de mapear, gradativamente seu crescimento cognitivo, social e afetivo, observando e registrando as etapas percorridas. Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidado, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com outros numa atitude básica de aceitação, respeito e confiança, assim como o acesso, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. Portanto, a prática educativa na Educação Infantil necessita, essencialmente, da observação e do olhar do educador frente à realidade cotidiana das relações entre adulto/criança e criança/criança. O educador precisa mapear o desenvolvimento da criança através de registros e acompanhamentos diários. Surge então, a importância da avaliação como instrumento de reflexão pedagógica, sem a intenção de promover ou classificar o aluno para as etapas subseqüentes. O registro da história da criança em seu processo de desenvolvimento é um importante meio na elaboração da ação avaliativa. Há que se pensar no significado desse registro para além de uma simples coleta de dados, numa análise construtiva da criança a cada momento. Todavia, o relato escrito da criança, precisa não apenas constatar fatos, mas sim apontar caminhos que levem à conquista de novas aprendizagens. São várias as maneiras pelas quais a observação pode ser registrada pelos professores. A escrita é, sem dúvida, a mais comum e acessível. O registro diário de suas observações, impressões, idéias etc. pode compor um rico material de reflexão e ajuda para o planejamento educativo. O relatório de acompanhamento da criança, ao mesmo tempo em que refaz e registra a história do seu processo dinâmico de construção de conhecimento, sugere, encaminha, aponta possibilidades da ação educativa para pais, educadores e para a própria criança. É capaz de demonstrar caminhos possíveis e necessários para trabalho pedagógico, sendo essencial para o desenvolvimento da aprendizagem infantil. Os relatórios de avaliação representam a análise e a reconstituição da situação vivida pela criança na interação com o professor. Ao mesmo tempo, eles representam o reflexo e a abertura a novos possíveis. Ao objetivar, através do relatório, o seu entendimento sobre o processo vivido pela criança, o educador se reconhece como partícipe desse processo, co-responsável pela história construída por ela. Elaborar o relatório de acompanhamento da criança equivale, assim, ao educador assumir conscientemente seu compromisso com ela, e abrir-se à colaboração da própria criança, dos pais e outros educadores no processo avaliativo. Contudo, para os professores, relatórios de avaliação devem constituir-se na síntese organizadora do processo vivido por eles e pelas crianças e sobre como foi construído. A partir de tais reflexões, o professor opera transformações no seu próprio modo de pensar sobre elas, refletindo sobre os caminhos que percorreram os obstáculos que encontraram e como os superaram, quais conhecimentos foram envolvidos. É a sua ação transformadora em reflexão, que o impulsiona a novas e diferentes ações. Possibilita-lhe a construção de novos significados sobre suas experiências de aprendizagem, re-significando o seu pensar e o agir a partir do processo avaliativo. Para as crianças, significa um acompanhamento dinâmico do seu processo de desenvolvimento, através de registros que permitam aos educadores, que a acompanhem, o estabelecimento de relações entre o que já conquistou e o novo a aprender e conquistar, o reconhecimento de seus avanços, suas dificuldades, suas possibilidades. A incessante busca por melhorias no trabalho pedagógico, bem como, no cuidado da criança em seu processo de constituição, fazem com que a avaliação se torne um importante meio de mediar e acompanhar suas aprendizagens. A observação e o registro, constituem-se em elementos significativos para o educador apoiar sua prática. Por meio deles o professor pode registrar os processos de aprendizagem das crianças; a qualidade das interações estabelecidas com outras crianças, funcionários e com o professor e acompanhar os processos de desenvolvimento obtendo informações sobre as experiências das crianças na instituição. Esta observação e seu registro fornecem aos professores uma visão integral das crianças, ao mesmo tempo em que revelam suas particularidades. Segundo Hoffmann (2003, p.30) “[...] o cotidiano é planejado pelo professor a partir do conhecimento que ele adquire sobre as crianças articulado à sua proposta educativa.” Entretanto, esse planejamento se reconstrói com base nos interesses, necessidades e reações das crianças a cada momento observadas pelo professor. O tempo e o espaço do cotidiano estão sempre atrelados ao possível e ao necessário de cada grupo de crianças, reestruturando-se, reconstituindo-se a partir do acompanhamento de sua ação pelo professor. A ação mediadora do educador resulta, igualmente, num trabalho pedagógico que valoriza as experiências de vida da cada criança, suas vivências culturais, raciais, religiosas, entre outras, como elementos constitutivos do espaço institucional, ao mesmo tempo em que percebe a criança sofrendo as influências desse meio e constituindo-se como sujeito a partir dessa interação. Dessa forma, um processo avaliativo mediador não entra em sintonia com um planejamento rígido de atividades por um professor, com rotinas inflexíveis, com temas previamente definidos para unidades de estudo, onde os conhecimentos já construídos pelas crianças não são levados em conta. Isso porque nesse caso, elas não encontram um espaço encorajador para se manifestar e se concretiza um enorme distanciamento entre as necessidades delas e o trabalho desenvolvido pelo professor. Todavia, para que a avaliação se efetive como mediação, constituindo um elo significativo entre as ações cotidianas, é imprescindível ao educador refletir permanentemente sobre as ações e pensamentos das crianças. De acordo com Gonçalves (apud OLIVEIRA, 1995, p.159): A relação professor-aluno, como qualquer relação entre pessoas, não é unidirecional, nem mesmo quando se trata de crianças pequenas como em uma pré-escola. A relação supõe participação ativa de ambas as partes, o que envolve acordos e desacordos. É através do embate entre parceiros que a criança vai construindo sua visão de mundo, conforme os significados que ela já vem elaborando, desde que nasceu (sentimentos, interpretações, valores) e que são confrontados com os significados que circulam pela escola. Dentre as práticas que produzem significados uma delas merece atenção especial: a avaliação. Na Educação Infantil ela precisa resgatar urgentemente o sentido essencial de acompanhamento do desenvolvimento da primeira infância, de reflexão permanente sobre as crianças em seu cotidiano como elo da continuidade da ação pedagógica. O conhecimento de uma criança é construído lentamente, pela sua própria ação e por suas próprias idéias que se desenvolvem numa direção: para maior coerência, maior riqueza e maior precisão. Portanto, mediar a ação educativa, significa para o educador a abertura de entendimento a essas permanentes possibilidades, consciente de que suas expectativas podem não corresponder às formas peculiares e próprias da criança responder às situações com que se depara. Em concordância a isso, o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (1998, vol.1) entende a avaliação como: Um conjunto de ações que auxiliam o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e ajustar sua prática às necessidades colocadas pelas crianças. É um elemento indissociável do processo educativo que possibilita ao professor definir critérios para planejar as atividades e criar situações que gerem avanços na aprendizagem das crianças. Tem como função acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse processo como um todo. O processo avaliativo no dia-a-dia da criança e do professor, assim como os registros de avaliação, ao longo de um período de trabalho e ao final deste, serão coerentes aos princípios apontados enquanto respeitarem a própria dinâmica da construção do conhecimento, no sentido de projetar no futuro, aquilo que a criança está e ainda irá alcançar. Isso significa, entretanto, que a avaliação tenha por fundamento uma concepção de educação que respeite cada momento de vida da criança, no seu tempo de ser e se desenvolver, ao contrário de parâmetros de julgamento de atitudes que a rotulam, estigmatizam comportamentos, julgam-na, precocemente, incapaz. Apontar aquilo que a criança não consegue realizar ou não sabe, só faz sentido numa perspectiva de possível superação, quando o professor detém conhecimento sobre as reais possibilidades de avanço da criança e sobre as possibilidades que ele tem para ajudá-la. Do contrário, ao invés de potencializar a ação das crianças e fortalecer a sua auto-estima, a avaliação pode provocar-lhes um sentimento de impotência e fracasso. Outro ponto importante a ressaltar refere-se à representação que a criança constrói sobre a avaliação. O professor deve ter consciência de que a forma como a avaliação é compreendida, na instituição e por ele próprio, será de fundamental importância para que a criança possa construir uma representação positiva da mesma. Nesse sentido Hoffmann (2005, p.44) contribui dizendo: Cada etapa da vida de uma criança é altamente significativa e precedente as próximas conquistas. Assim, ela estará sempre no seu “melhor” momento, enquanto ser inacabado, buscando respostas próprias ou alternativas de solução para os conflitos de natureza intelectual ou moral. Cada etapa precisa ser analisada como um projeto de futuro, como um “ainda” que não se realizou, mas que é sempre possível se lhe forem oferecidas oportunidades. Por isso a avaliação não tem sentido ao apontar resultados atingidos, pontos de chegada definitivos a cada idade ou etapa, mas precisa se voltar à investigação séria dos processos evolutivos de pensamento. Tal postura avaliativa mediadora parte do princípio de que cada momento de sua vida representa uma etapa altamente significativa e precedente as próximas conquistas, devendo ser analisada no seu significado próprio e individual em termos de estágio evolutivo de pensamento, de suas relações interpessoais. Percebe-se, então, a necessidade do educador abandonar listagens de comportamentos uniformes, padronizados, e buscar estratégias de acompanhamento do desenvolvimento construtivo da criança. CONSIDERAÇÕES FINAIS O esforço reflexivo realizado buscou abordar as diferentes concepções que cercam a questão avaliação da aprendizagem, considerando sua importância na constituição de conhecimentos, bem como na relação professor/aluno. Pelos autores estarem envolvidos com formação e atuação em Educação Infantil, tornou-se pertinente contextualizar a avaliação frente a essa realidade, apontando caminhos para o a construção de uma prática pedagógica cada vez melhor. Nessa perspectiva, o educador precisa necessariamente compreender esse processo, direcionado seu olhar especificamente à criança como um ser em constante formação. Convém salientar que a avaliação pode ser um instrumento dialógico, capaz de atender as necessidades de cada um, buscando a superação das dificuldades encontradas, bem como o desenvolvimento do educando através de suas potencialidades e capacidades. Para tanto, conceber a avaliação como um recurso na construção da aprendizagem infantil, requer uma atitude educativa que enriqueça e aponte novos desafios em face à conjuntura educacional. Pode-se dizer que o momento atual é de prenúncio de novas idéias, novas descobertas, novos jeitos de ensinar e aprender. O educador precisa cada vez mais, aprimorar sua forma de educar, utilizando a avaliação como um meio de mediação entre o aluno e o conhecimento. Sobretudo, pode-se afirmar que o texto elaborado proporcionou uma reflexão em torno da temática, com vistas a contribuir com o debate, que é de suma importância para a mudança das diversas concepções e práticas tidas como tradicionais e conservadoras. Logo, torna-se pertinente ressaltar que a problematização e pesquisas sobre a avaliação contribuem para redimensionar cada vez mais a prática pedagógica, buscando alternativas, propostas efetivas, que possam auxiliar o trabalho dos docentes no cotidiano escolar. REFERÊNCIAS ANTUNES, C. A avaliação da aprendizagem escolar. 2002. Rio de Janeiro: Vozes, BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. V. 1. Brasília: MEC/SEF, 1998. __________ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. São Paulo: EDIPRO, 2001. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber. Porto Alegre: Artmed, 2000. FERNANDES, A. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed, 2001. FREIRE, Madalena. Observação, registro e reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1995. FREITAS, H. C. O Trabalho como princípio articulador na Prática de Ensino e nos Estágios. Campinas: Papirus, 1996. GADOTTI, Moacir. 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