A interdisciplinaridade no tratamento dos Autistas O autismo é um diagnóstico neuropsiquiátrico de um “transtorno invasivo do desenvolvimento”, nome dado por ser inerente ao indivíduo e comprometer sua evolução em três áreas: (1) social (2) comunicativa e (3) comportamental (Organização Mundial da Saúde, 1993). Seu conjunto de sintomas de base orgânica, com implicações neurológicas e genéticas inclui: comportamento estereotipado e repetitivo (ex: balançar as mãos ou o próprio corpo); não responder quando é chamado; ter interesses restritos e incomuns por objetos ou assuntos (exs:. brincar de girar a roda de um carrinho ao invés de fazê-lo andar ou só falar sobre dinossauros); não olhar nos olhos das pessoas e não ter iniciativa para contatos físicos ou demonstração de afeto (exs: beijo e abraço); não explorar o ambiente e as novidades; ficar restrito e prestar atenção em poucas coisas; ter dificuldades para interagir socialmente com adultos ou seus pares. Alguns sintomas já podem ser detectados em fases precoces (antes dos três anos de idade). A prática clínica revela que quanto antes iniciarmos as intervenções, menores serão os impactos nos contextos familiar e educacional, além de se observar melhor resposta ao tratamento quando comparado a crianças que foram diagnosticadas mais tarde. Este cenário, aumenta a responsabilidade do pediatra como profissional de “primeiro olhar” na condução desta investigação. A apresentação dos sintomas é variada e costuma determinar o grau de severidade do autismo. Além disso, há outros distúrbios do desenvolvimento que se enquadram no perfil de problemas autísticos, mas que não incluem todas as características que definem o diagnóstico. Tornou-se então mais apropriado falarmos dos Transtornos do Espectro Autístico (TEA), englobando desde os casos mais leves (com menor prejuízo intelectual e linguístico) até os mais graves onde há associação de retardo mental, mutismo e automutilação (ex.: morder as mãos e braços). O tratamento do autismo consiste em intervenção multidisciplinar e psicoeducacional para orientação familiar, desenvolvimento da linguagem e/ou comunicação e em melhorar o desenvolvimento da qualidade de vida das crianças autistas, tornando-as mais independentes. As intervenções indicadas ao tratamento levam em conta a fase de desenvolvimento em que o paciente se apresenta. Fazem parte deste “time” os terapeutas, a escolas e outros profissionais. A fonoaudiologia: um elo importante da equipe As alterações no desenvolvimento da fala são muitas vezes os sintomas que mais despertam a atenção dos pais. Observa-se desde a ausência de oralidade (mutismo total) até a manifestação de uma linguagem verbal bastante particular com alteração de entonação ou prosódia ; inversão pronominal (utilização do “você” para referir-se a si próprio) e repetição involuntária de palavras ou frases que ouviu (ecocalia). Quando a fala não dá conta de expressar o que desejam, estas crianças comunicam-se muitas vezes por gestos ou utilizam o adulto como “ferramentas” para conseguirem o objeto ou a ação (exs: puxar o adulto pelas mãos e abrir a geladeira no sentido de indicar estar com sede). As dificuldades na utilização de recursos comunicativos (falar, apontar, gesticular) refletem na qualidade da interação com outras pessoas, bem como na capacidade de expressar e compreender sentimentos, estados mentais e outras sentenças. O comportamento inadequado também pode ser motivado pela mesma dificuldade, um exemplo disso é quando a criança sente algum desconforto e não consegue expressar para o adulto, mostrando-se mais agitada ou isolada. Isto demonstra que a linguagem é a habilidade cognitiva que perpassa pelas três áreas prejudicadas (social, comunicativa e comportamental). Por esta razão, o fonoaudiólogo, especialista na área da linguagem, tem papel fundamental na avaliação e tratamento do autismo, sendo ele o responsável por “desvendar” o perfil comunicativo da criança e apresentá-lo à família e a escola, destacando quais são os recursos disponíveis para melhores condições de interação. Em fases posteriores, atuará ainda no acompanhamento do desenvolvimento da linguagem escrita junto à escola. Os pais são os principais parceiros São eles quem costumam ter maior tempo de convivência com a criança e é importante que estimulem seus filhos nas atividades do cotidiano, buscando inseri-los no ambiente social. Para que se sintam preparados e motivados à esta tarefa, a psicoeducação e as orientações familiares são essenciais. Algumas famílias podem precisar ainda de apoio psicológico em alguma fase deste processo. O tratamento medicamentoso Não existe medicamento para tratar o autismo e sim para minimizar os sintomas associados a este transtorno (ex. agressividade) para que as demais abordagens terapêuticas e neuropsicoeducativas possam ser adotadas e tenham resultados eficazes. As principais drogas utilizadas no tratamento são dos grupos dos neurolépticos, anfetaminas e anti-opióides.É preciso verificar se o benefício com o uso destas substâncias é maior do que aos problemas causados pelos seus efeitos colaterais, o que mais uma vez, reforça a importância do diálogo entre médicos, terapeutas e família. O tratamento não medicamentoso Consiste em atuações interdisciplinares entre os profissionais das áreas da saúde e da educação que buscam o estabelecimento de·vínculo com a criança para intervir na modificação de comportamentos, facilitar sua comunicação e promover melhor qualidade de vida. Psicologia / Terapia Cognitivo Comportamental: Atua na intervenção dos problemas comportamentais e emocionais apresentados pelo paciente tais como irritabilidade diante da interferência nos rituais e rotinas, alimentação em exagero, medos intensos ou fobias e outros aspectos de grande impacto social como a inabilidade para perceber estados mentais que interferem na qualidade de seus relacionamentos, promovendo um desenvolvimento mais apropriado. Terapia Ocupacional (TO): Contribui no tratamento, pois trabalha conjuntamente habilidades cognitivas, físicas e motoras. Ao buscar desenvolver as habilidades básicas para as atividades de vida diárias, ajuda a pessoa a se tornar funcional e independente (ex: saber se vestir, se alimentar, se arrumar e usar o banheiro de forma independente, melhorar as habilidades motoras finas e de percepção visual). Psicomotricidade: Visa tratar a falta de tônus muscular, equilíbrio e coordenação de forma lúdica e interativa. Crianças com autismo podem apresentar dificuldades para sentar, andar, correr e pular. O desenvolvimento do esquema e imagem corporal também contribui para a organização do seu comportamento motor. Nutricionista: A demanda deste atendimento pode ter relação tanto com a alteração da quantidade quanto da qualidade da alimentação. Há crianças que recusam alimentos ou são extremamente seletivas, escolhendo sempre a mesma comida ou ritual de alimentação, ou ainda recusam outras consistências. Dietas livres de glúten e caseína também são aplicadas a alguns casos. Estudos sobre a relação destas substâncias no neurometabolismo dos autistas têm sido realizados. Educador Físico: A prática esportiva e as atividades motoras se apresentam como forma de estimular o desenvolvimento e a socialização de crianças e adolescentes autistas. Por serem realizadas em um contexto não clínico, a família também se sente motivada e feliz em perceber o desempenho dos filhos aliados às novas possibilidades sociais de grande retorno emocional para todos. O autista e a escola A escolha por uma escola especial ou outra de ensino regular é decisão que divide opiniões entre famílias e profissionais. O primeiro passo da família deve ser conhecer a escola e contar com uma equipe de profissionais que acompanham a criança na clínica e que os apoiem, para que, juntos, avaliem se as necessidades daquela criança serão verdadeiramente atendidas. Não há um perfil de escola melhor ou pior e sim o mais ou menos indicado para cada caso, levando em conta a fase do desenvolvimento no qual a criança se encontra e suas demandas. Instituições educacionais bem estruturadas, em que professores têm experiência com autismo contribuem para a evolução da criança. Mesmo quando não se trata de uma escola especial, é a postura inclusiva de seus profissionais que faz a diferença na prática. Atualmente destaca-se o papel do mediador escolar, um profissional que acompanha o aluno dentro da escola atuando como um facilitador no processo de adaptação, integração social e aprendizagem, de forma a construir maior autonomia. Reuniões entre mediador, escola, psicólogo e fonoaudiólogo são fundamentais para alinhar as evoluções verificadas no contexto clínico e escolar, adaptando mudanças sempre que necessário. Acompanhamento psicopedagógico: Busca desenvolver recursos para a aprendizagem, instrumentalizando com técnicas que o facilitem a aprender, investindo no potencial e habilidades de cada indivíduo. Métodos e técnicas de intervenção para os tratamentos do autismo: Definição: técnica utilizada com o objetivo de construir um repertório comportamental que se sustente em diferentes ambientes, com diferentes Análise do Comportamento Aplicada (ABA) pessoas, gerando inclusão social, escolar e profissional para o autista. Alvo: ampliação e aquisição de comportamentos inexistentes no repertório; diminuição de comportamentos em excesso que são inadaptativos. Fornece técnicas de organização, estruturação, repetições e treinamento, considerando pré-requisitos importantes para a alfabetização. O ambiente TEACCH – Treinamento e Ensino físico e social é organizado com a utilização de recursos visuais, para que de Crianças com Autismo e a criança possa prever e compreender as atividades diárias com mais Outras Dificuldades de facilidade e ter reações apropriadas. Os pais trabalham com os Comunicação Relacionadas profissionais como co-terapeutas para que as técnicas possam ter continuidade em casa. É usado por psicólogos, professores de educação especial, fonoaudiólogos e profissionais devidamente treinados. Sistema de Comunicação por É um sistema de ensino que permite à criança com pouca ou nenhuma habilidade Troca de Figuras (PECS – Picture verbal comunicar-se usando figuras. Pode ser usado em casa, na sala de aula ou Exchange Communication em vários outros ambientes. Um terapeuta, professor, pai ou mãe ajuda a criança a System) construir vocabulário e articular os desejos, observações ou sentimentos usando as imagens sistematicamente Reconhecer a particularidade de cada criança, suas habilidades e limitações, é vital para traçarmos um planejamento de intervenção mais eficaz à realidade de cada caso. Por esta razão, é indispensável o diálogo entre os profissionais que o atendem. A prática interdisciplinar no tratamento resulta na melhora clínica e no desempenho escolar, proporcionando a criança mais adaptação e integração ao meio em que vive. Os pais e as escolas também aprendem a lidar com as dificuldades a partir das orientações da equipe. Assim, cada progresso no desenvolvimento do autista é uma conquista de todos nós. Sugestões de vídeos e leituras complementares: http://www.youtube.com/watch?v=3lqLNmlh3ZE&feature=related http://www.ama.org.br/ http://www.portaleducacao.com.br/psicologia/artigos/10487/autismo-infantilsintomas?_kt=8494173369&gclid=CI6Jn_7yr7ACFQiynQodtxFhTA http://www.crfa1.org.br/img/arq/dialogo/dialogo22.pdf http://falandodeautismo.com.br/site/artigos/94-dieta-livre-de-gluten-e-autismo-melhora-docomportamento-nao-demonstrada-em-pesquisa http://www.autismoerealidade.com.br/category/artigos/ http://www.psiquiatriainfantil.com.br/ Referências Bibliográficas: Assumpção Jr. F.B. - Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Infantil. Lemos Ed., São Paulo; 1997 Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID–10 (Organização Mundial de Saúde [OMS], 1993) Cleonice Alves Bosa. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(Supl I):S47-53 Roumen Nikolov, Jacob Jonker, Lawrence Scahill. Autismo: tratamentos psicofarmacológicos e áreas de interesse para desenvolvimentos futuros. Rev Bras.Psiquiatr.2006;28(SuplI):S39-46 http://www.scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a06v28s1.pdf Schwartzman, J. S.; Assumpção Jr. F.B. - Autismo Infantil. Mennon Eds.; São Paulo, 1995. Serra, D. Sobre a inclusão de alunos com autismo na escola regular.quando o campo é quem escolhe a teoria. Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 1 n. 2, p. 163-176, jul./dez. 2010. Autores Anna Carolina Miguel - Fonoaudióloga CREFONO 12435 Pós graduanda em Neurociencias aplicada à aprendizagem - IPUB/ UFRJ Especialista em Saúde Mental e Desenvolvimento Infanto Juvenil - Sta Casa de Misericórdia Fabrício Bruno Cardoso Mestre em Ciência da Motricidade Humana UCB/RJ; - Centro de Estudos em Neurociências e Educação (Neuroeduc), Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro, Brasil. Projeto DESPERTA! - Núcleo Transdisciplinar para Desenvolvimento da Saúde do Aprendiz - Centro de Estudos em Neurociências e Educação (Neuroeduc), Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro, Brasil. - Projeto DESPERTA! - Núcleo Transdisciplinar para Desenvolvimento da Saúde do Aprendiz