Arquivo - Martins Fontes

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História da
economia mundial
Roger E. Backhouse
História da
economia mundial
Tradução
Celso Mauro Paciornik
Título original:The Penguin History of Economics
Copyright © Roger Backhouse, 2002. Penguin Books Ltd, Reino
Unido, 2002
Copyright © Editora Estação Liberdade, 2007, para esta tradução
Revisão
Assistência editorial
Edição final de texto
Projeto gráfico
Composição
Capa
Ilustração da capa
Graziela Costa Pinto, Ricardo Jensen
André Reinach, Tomoe Moroizumi
Angel Bojadsen
Edilberto Fernando Verza
Johannes C. Bergmann / Estação Liberdade
Nuno Bittencourt / Letra & Imagem
Antonio Canaletto. Il Campo di Rialto
© BPK, Berlim, Dist RMN / © Jörg P. Anders
Alemanha, Berlim. Gemäldegalerie
A editora agradece a Claudia Pavani pela consultoria técnica.
CIP-BRASIL – CATALOGAÇÃO NA FONTE
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
B122h
Backhouse, Roger, 1951 História da economia mundial / Roger E. Backhouse ;
tradução Celso Mauro Paciornik. – São Paulo : Estação
Liberdade, 2007
432 p.
Tradução de: The Penguin history of economics
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7448-127-2
1. História econômica I. Título.
07-2611.
CDD 330.09
CDU 330(091)
Todos os direitos reservados à
Editora Estação Liberdade Ltda.
Rua Dona Elisa, 116 | 01155-030 | São Paulo-SP
Tel.: (11) 3661 2881 | Fax: (11) 3825 4239
www.estacaoliberdade.com.br
sumário
agradecimentos
13
prólogo
15
A história da economia
O que é economia?
Observando o passado pela ótica do presente
A história contada aqui
15
17
21
23
1 o mundo antigo
25
Homero e Hesíodo
Administração patrimonial — Oikonomikos
(O econômico) de Xenofonte
O Estado ideal de Platão
Aristóteles sobre justiça e troca
Aristóteles e a aquisição da riqueza
Roma
Conclusões
25
27
32
34
38
40
43
2 a idade média
45
A decadência de Roma
O judaísmo
O cristianismo primitivo
O islamismo
De Carlos Martel à peste negra
45
47
49
51
56
O Renascimento do século XII e a economia
nas universidades
Nicole Oresme e a teoria do dinheiro
Conclusões
58
65
68
3 o surgimento da visão de mundo
moderno — o século xvi
71
O Renascimento e o surgimento da
ciência moderna
A Reforma
A ascensão do Estado-nação europeu
O mercantilismo
Maquiavel
A Escola de Salamanca e o tesouro americano
A Inglaterra dos Tudor
A economia no século XVI
71
74
76
78
80
81
84
86
4 ciência, política e comércio na
Inglaterra do século xvii
87
Antecedentes
Ciência e cientistas na Royal Society
Fermento político
Problemas econômicos — o poderio
comercial holandês e a crise dos anos 1620
A doutrina da balança comercial
A taxa de juro e o caso do livre-comércio
A crise das moedas recunhadas dos
anos 1690
A economia na Inglaterra do século XVII
87
87
94
98
100
102
107
111
5 absolutismo e iluminismo na frança
do século xviii
113
Problemas do Estado absolutista
113
Críticos do mercantilismo no início
do século XVIII
Cantillon sobre a natureza
do comércio em geral
O Iluminismo
A fisiocracia
Turgot
O pensamento econômico no Ancien Régime
115
118
124
125
130
135
6 o iluminismo escocês do século xviii 137
Antecedentes
Hutcheson
Hume
Sir James Steuart
Adam Smith
Divisão de trabalho e mercado
Acumulação de capital
Smith e o laissez-faire
O pensamento econômico no
fim do século XVIII
137
139
141
144
149
152
155
157
159
7 A economia política clássica,
1790-1870
161
Da filosofia moral à economia política
O utilitarismo e os radicais filosóficos
A economia ricardiana
Alternativas à economia ricardiana
Política governamental e o papel do Estado
Dinheiro
John Stuart Mill
Karl Marx
Conclusões
161
165
167
171
179
182
185
189
198
8 a separação entre história e teoria
na Europa, 1870-1914
A profissionalização da economia
Jevons, Walras e a economia matemática
A economia na Alemanha e na Áustria
A economia histórica e a escola marshalliana
na Grã-Bretanha
A teoria econômica européia, 1900-1914
9 a ascensão da economia
norte-americana, 1870-1939
A economia norte-americana no
fim do século XIX
John Bates Clark
A economia matemática
Thorstein Veblen
John R. Commons
Pluralismo no entre-guerras
Estudos sobre competição no entre-guerras
A migração de acadêmicos europeus
A economia norte-americana em
meados do século XX
10 dinheiro e ciclo econômico,
1898-1939
O processo acumulativo de Wicksell
O ambiente econômico modificado
As teorias austríacas e suecas
do ciclo econômico
Grã-Bretanha: de Marshall a Keynes
A tradição norte-americana
A Teoria geral de Keynes
A revolução keynesiana
A transição da macroeconomia do entre-guerras
para a do pós-Segunda Guerra Mundial
10
201
201
203
208
214
219
223
223
226
229
234
238
240
242
247
250
251
251
254
257
260
266
271
274
278
11 econometria e economia matemática,
de 1930 até o presente
281
A matematização da economia
A revolução na contabilidade da renda
nacional
A Sociedade Econométrica e as origens da
econometria moderna
Frisch, Tinbergen e a Comissão Cowles
A Segunda Guerra Mundial
Teoria do equilíbrio geral
Teoria dos jogos
A matematização da economia (de novo)
281
284
290
293
298
301
309
313
12 economia do bem-estar e socialismo,
317
de 1870 até o presente
Socialismo e marginalismo
O Estado e o bem-estar social
A Escola de Lausanne
O debate do cálculo socialista
Economia do bem-estar, 1930-1960
Fracasso do mercado e fracasso do governo
Conclusões
317
319
322
324
328
332
334
13 os economistas e a política, de 1939
até o presente
339
O papel crescente da profissão de economista
Economia keynesiana e planejamento
macroeconômico
Inflação e monetarismo
A nova macroeconomia clássica
Economia do desenvolvimento
Conclusões
11
339
341
346
350
354
360
14 expandindo a disciplina, de 1960
até o presente
363
Economia aplicada
Imperialismo econômico
A economia heterodoxa
Novos conceitos e novas técnicas
Os estudos econômicos no século XX
363
365
368
371
377
epílogo: os economistas e
sua história
381
nota sobre a literatura
385
referências
403
índice remissivo
411
12
agradecimentos
Boa parte deste livro foi escrita durante meu período de
Leitorado de Pesquisa na British Academy de 1998 a 2000. Sou
grato à British Academy por seu apoio e aos muitos colegas que
leram vários esboços e cujos comentários detalhados ajudaramme a eliminar muitos erros e melhorar a argumentação. São eles
Mark Blaug, Anthony Brewer, Bob Coats, Mary Morgan, Denis
O’Brien, Mark Perlman, Geert Reuten e Robert Swanson.
Gostaria de agradecer também aos assinantes da lista de email da History of Economics Society que atenderam a meus
pedidos de pequenas informações (geralmente datas) que não
consegui descobrir por conta própria (Bob Dimand revelou-se
uma mina de informações). Sou muito grato também a Fátima
Brandão e António Amoldovar por me convidarem a ministrar
um curso na Universidade do Porto que me ajudou a selecionar
idéias sobre como organizar o material na segunda metade do
livro. Stefan McGrath, da Penguin Books, encorajou-me a embarcar neste projeto e foi paciente quando estourei em muito
o prazo inicial. Ele também me forneceu sugestões preciosas,
assim como Bob Davenport, cuja edição de texto no esboço
final foi exemplar e me poupou muitos erros. Nenhuma dessas
pessoas, é claro, tem responsabilidade por algum erro que possa
persistir. Por último, mas seguramente não menos importante,
gostaria de agradecer a minha família: Alison, Robert e Ann.
13
prólogo
A história da economia
Este livro aborda a história das tentativas de compreender fenômenos econômicos. Ele trata do que foi distintamente descrito
como a história do pensamento econômico, a história das idéias
econômicas, a história da análise econômica e a história das doutrinas econômicas. Ele não se interessa, senão incidentalmente,
pelos fenômenos econômicos em si, mas sim pela maneira como
as pessoas tentaram entendê-los. Tal como a história da filosofia
ou a história da ciência, esta é um ramo da história intelectual.
Para ilustrar esse ponto, o assunto do livro não é a Revolução
Industrial, a ascensão da grande empresa ou a Grande Depressão
— é como pessoas como Adam Smith, Karl Marx, John Maynard
Keynes e muitas figuras menos conhecidas perceberam e analisaram
o mundo econômico.
Escrever a história das idéias econômicas demanda a tessitura de muitas histórias diferentes. Exige, evidentemente, narrar
a história das pessoas que estavam produzindo as idéias — os
próprios economistas. Exige também cobrir a história econômica. Os cientistas naturais podem imaginar, por exemplo, que a
estrutura do átomo e a estrutura molecular do DNA são hoje as
mesmas que no tempo de Aristóteles. Economistas não podem
fazer suposições comparáveis. O mundo que se lhes apresenta
mudou radicalmente, mesmo ao longo do último século. (Talvez
haja algum sentido em que a “natureza humana” tenha sido sempre
a mesma, mas a importância e o significado precisos disso não são
claros.) A história política também é importante, pois os acontecimentos políticos e econômicos estão inextricavelmente ligados
15
história da economia mundial
e os economistas têm-se envolvido ou não, com igual freqüência,
direta ou indiretamente, na política. Eles tentaram influenciar a
política, e as preocupações políticas os influenciaram. Por fim, é
preciso considerar as transformações em disciplinas afins e no clima
intelectual subjacente. Os preconceitos e os modos de pensar dos
economistas são inevitavelmente formados pela cultura em que eles
produzem. A história da economia precisa, portanto, mencionar
as histórias da religião, da teologia, da filosofia, da matemática e
da ciência, além da economia e da política.
Dificulta a questão o fato de que as relações entre essas várias
histórias não são simples. Não se justifica alegar, por exemplo, que
as conexões se fazem exclusivamente da história econômica ou
política para as idéias econômicas. As idéias econômicas se alimentam da política e influenciam o que acontece em economia (não
necessariamente do modo como seus inventores pretendiam); os
três tipos de história são interdependentes. O mesmo vale para a
relação entre a história da economia e a história intelectual em
geral. Os economistas tentaram aplicar em sua própria disciplina
as lições aprendidas da ciência — fosse ela a ciência de Aristóteles,
de Newton ou de Darwin. Eles são influenciados por movimentos
filosóficos como o Iluminismo, o positivismo ou o pós-modernismo, e por influências de que não temos a menor consciência.
Mas as conexões também se fazem na direção oposta. A teoria
de seleção natural de Darwin, por exemplo, foi fortemente influenciada pelas idéias econô­micas de Malthus. Em suma, as idéias
econômicas são um elemento integrante da cultura.
Um fator que contribui para a interdependência da econo­mia
e outras disciplinas e a vida intelectual em geral é que, ao menos
até recentemente, a economia não era uma atividade exercida por
um grupo de especialistas chamados “economistas”. As fronteiras
dis­ciplinares modernas simplesmente não existiam; além disso, o
papel das universidades na sociedade mudou de maneira radical.
Entre os responsáveis pelo desenvolvimento de idéias econômicas
estavam teólogos, advogados, filósofos, empre­sá­rios e funcionários
públicos. Alguns tinham cargos acadêmicos, mas muitos outros
não. Adam Smith, por exemplo, era um filóso­fo moral, e suas
16
prólogo
idéias econômicas integravam um sistema de ciên­cia social muito mais amplo radicado na filosofia moral. Além disso, as pessoas
que escreveram o cânone convencional da litera­tura econômica
ocuparam diversas posições nas sociedades em que viveram, razão
por que as comparações entre tempos diferentes devem ser muito
cautelosas. Quando o autor do século XIII Tomás de Chobham
escreveu sobre comércio e finanças, ele estava oferecendo um
guia para padres confessores. O equivalente atual de sua obra
talvez devesse ser buscado não na moderna economia acadêmica,
mas nas encíclicas pontifícias. Gerard Malynes e Thomas Mun,
que escreveram na Inglaterra do século XVII e são considerados
contribuintes para a nossa compreensão das taxas de câmbio e do
comércio exterior, eram, respectivamente, funcionário público e
mercador.Talvez de­vessem ser considerados precursores de pessoas
como Jacques Polak, do Fundo Monetário Internacional, ou o
financista James Goldsmith.
Ao escrevermos uma história da economia cobrindo qual­quer
período mais extenso que o século passado, não temos outra escolha
senão selecionar uma grande variedade de literatura escrita por
pessoas diferentes para fins diferentes em circunstâncias diferentes.
Aliás, uma das coisas mais interessantes em história é observar o
que aconteceu com as idéias quando elas foram consideradas por
diferentes autores e usadas para diferentes fins. Isso significa que é
preciso ter o cuidado de não tratar escritores do passado como se
fossem economistas acadêmicos modernos.
O que é economia?
Até aqui, a discussão se apoiou no pressuposto de sabermos o
que são economia e fenômenos econômicos, mas é fato sabido
que economia é um termo difícil de definir. A definição mais
amplamente usada do tema talvez seja a de Lionel Robins:
“Economia é a ciência que estuda o comportamento humano
como relação entre fins e meios escassos que têm usos alterna­
tivos.”1 Os fenômenos que associamos à economia (preço, dinheiro,
17
história da economia mundial
produção, mercado, barganha) podem ser vistos ora como conse­
qüências da escassez, ora como maneiras pelas quais as pessoas
tentam superar o problema da escassez. A definição de Robbins
percorre um longo caminho para captar as características comuns
a todos os problemas econômicos, mas ela representa uma visão
muito específica e limitada da natureza desses problemas. Por que,
por exemplo, as operações de empresas multinacionais em países em
desenvolvimento ou o planejamento de uma política para reduzir o
desemprego em massa deveriam ser vistos como algo que envolve
escolhas sobre o uso de recursos limitados? É irônico, talvez, que
a definição de Robbins seja de 1932, nas profundezas da Grande
Depressão, quando o principal problema econômico mundial era
a ociosidade de recursos imensos de capital e trabalho.
Uma definição mais natural é a do grande economista vitoriano Alfred Marshall, que definiu economia como o estudo
da humanidade nos negócios ordinários da vida.2 Sabemos o que
ele quer dizer com isso, e é difícil discordar, embora sua definição
seja muito imprecisa. Ela poderia ser precisada dizendo-se que a
economia trata de produção, distribuição e consumo da riqueza
ou, com mais precisão ainda, trata de como a produção é organizada para satisfazer necessidades humanas. Outras definições
incluem as que definem economia como lógica da escolha ou
como estudo de mercados.
Talvez seja tão importante o que essas definições dizem
quanto o que não dizem. O tema da economia não é defi­nido
como a compra e venda de bens, os mercados, a organização de
empresas, a bolsa de valores ou mesmo o dinheiro. Todos esses
são fenômenos econômicos, mas em algumas sociedades eles não
ocorrem. Por exemplo, pode haver sociedades em que o dinhei­ro
não exista (ou cumpra uma função apenas cerimonial), em que a
produção não seja realizada por empresas, ou em que as transações
sejam realizadas sem mercados. Essas sociedades enfrentam problemas econômicos — como produzir bens, como distribuí-los, etc.
— apesar de os fenômenos que normalmente associamos à vida
econômica estarem ausentes. Fenômenos como empresas, bolsa de
valores, dinheiro, etc. são mais bem apreciados como instituições
18
prólogo
que surgiram para solucionar problemas econômicos mais fundamentais, comuns a todas as sociedades. É preferível definir a economia, portanto, em relação a esses problemas mais fundamentais do
que em relação a instituições que existem em algumas sociedades,
mas não em outras.
Quem quiser escrever uma obra sistemática sobre “princípios de economia” terá de se decidir por uma definição específica
do tema e trabalhar dentro dela, mas o historiador não precisa
agir assim. Ele pode partir das idéias que compõem a economia
contemporânea — idéias que são encontradas no ensino de eco­
nomia e estão sendo desenvolvidas por pessoas reconhecidas como
economistas. Estas, porém, não oferecem uma definição exata
porque as fronteiras da disciplina são imprecisas. Acadêmicos, jor­
na­listas, autoridades públicas, políticos e outros autores (inclu­sive
roman­cistas) desenvolvem e trabalham com idéias econômicas.
As fronteiras do que constitui a economia são ainda mais confun­
didas porque as questões econômicas são analisadas não só por
“economistas”, mas também por historiadores, geógrafos, ecologistas, cientistas de gestão e engenheiros. (Esses textos podem não
ser o que economistas profissionais considerariam uma economia
“boa” ou “séria”, e podem estar eivados de argumentos falaciosos,
mas essa é outra questão — ainda tratam de economia.) Abordar o
tema com esse viés pragmático pode parecer menos desejável do
que definir economia em termos do seu assunto. Na prática, porém,
é uma abordagem operável e, provavelmente, corresponde ao que
a maioria dos historiadores realmente faz, ainda que professem
trabalhar dentro de uma definição analítica estrita do tema.
Uma vez decidido o que constitui a economia contemporânea, pode-se trabalhar da frente para trás, investigando as raízes
das idéias encontradas até onde se estiver decidido a chegar. Al­
gu­mas dessas raízes claramente levarão para fora do tema (por
exemplo, para a mecânica newtoniana ou a Reforma), e o historiador da economia não irá além. Outras conduzirão a idéias que
o historiador decidirá se ainda contam como economia, apesar
de sua apresentação e de seu conteúdo poderem ser diferentes
dos encontrados na moderna economia, e essas serão incluídas
19
história da economia mundial
na história. O resultado dessa escolha é que, quanto mais longe
retrocedermos na história, mais discutível será se algumas idéias
são “econômicas” ou não. Quando as pessoas declaram, como
fazem, que determinado indivíduo ou grupo é o “fundador” da
economia, elas estão declarando que autores mais antigos não
devem ser considerados economistas.
Isso suscita duas questões importantes sobre a escritura da
história da economia. Onde ela deve começar? E a nossa perspectiva do passado não estará distorcida por ter sido obtida na ótica
da economia atual?
Alguns historiadores defenderam que a economia pro­
pria­mente dita só começou depois de ingressarmos no mundo
moderno (digamos, no século XV ou XVI), ou até mesmo no
século XVIII, quando Adam Smith sistematizou uma parte
conside­rável do trabalho de seus predecessores. A economia,
prossegue o raciocínio, trata de analisar o comportamento hu­
mano e a maneira como as pessoas interagem por intermédio dos
mercados e reagem às mudanças no seu ambiente econômico.
Os primeiros autores, afirma, tinham preocupações muito diferentes, como as questões morais e teológicas, sobre a justiça do
mercado ou sobre emprestar com juros, e sua obra não deveria
ser classificada de economia.
Há um grande problema nesse raciocínio, porém: simples­
mente não é possível traçar uma clara linha divisória entre o que
constitui análise econômica e o que não, ou entre o que constitui
economia “real” ou “propriamente dita” e o que não. Por exemplo,
os argumentos teológicos e morais sobre a justiça de ativi­dades comerciais pressupõem uma compreensão de como opera a economia.
O conteúdo econômico dessa escrita pode estar meio oculto ou
obscuro, mas está lá. A visão subjacente neste livro é que as idéias
econômicas estão presentes também na Antigüidade, e que essas
idéias antigas são relevantes na tentativa de identificar as origens
da economia moderna. Mais ainda, até mesmo no século presente,
a economia trata de questões normativas (questões sobre o que
deve ser feito), algumas delas paralelas às tratadas pelos antigos.
Os economistas discutem eternamente se esta ou aquela política
20
prólogo
melhorará o bem-estar da sociedade. Pode estar fora de moda pensar
que isso envolve ética ou moralidade, mas os pressupostos éticos
subjazem à economia moderna tal como acontecia no pensamento
de Aristóteles sobre o mercado. O Velho Testamento contém muitas
idéias econômicas, bem como a poesia de Ho­mero. Numa história
geral da economia, talvez não seja preciso se debruçar sobre esses
textos, mas eles fazem parte da história.
Minha argumentação pode ser resumida dizendo que a economia não tem um começo ou um “fundador”; as pes­soas sempre
pensaram em questões que hoje consideramos parte da economia.
Neste livro, começa-se com a Grécia antiga e o mundo do Velho
Testamento, pois é preciso começar em algum lugar, mas eles não
representam o começo dos estudos econômicos.
Observando o passado pela ótica do presente
A abordagem esboçada acima, centrada no que tem sido cha­mado
de “filiação de idéias econômicas”, hoje está fora de moda. Numa
sociedade pós-moderna, a moda é destacar a re­latividade histórica
das idéias e desacreditar qualquer tentativa de ver idéias passadas
da perspectiva do presente. Mas quem escrever uma história do
pensamento econômico necessaria­mente verá o passado, até certo
ponto, da perspectiva do presente. O simples focar em idéias “econômicas” implica selecionar idéias passadas segundo uma categoria
moderna. Por mais que tentemos, jamais conseguiremos escapar
por completo de nossos conceitos prévios associados às perguntas a
que estamos tentando responder. É melhor declarar esses conceitos
o mais explicitamente possível do que fingir que eles não existem.
O objetivo deste livro é explicar como a economia chegou ao
que ela é hoje, neste início de século XXI.
Uma abordagem comum é escrever uma história cobrindo
o cânone aceito de textos “importantes” sobre economia. Mas isso
significa apenas apoiar-se nos juízos que outros fizeram no passado.
Não evita o problema da escolha pessoal de materiais influenciada
pelos próprios interesses. O que geralmente acontece é que os
21
história da economia mundial
historiadores principiam com um cânone convencional — uma
lista de obras, personagens ou movimentos que são considerados
representantes da economia do passado. Eles, então, modificam
isso, aumentando a ênfase em alguns lugares, reduzindo em outros,
em resposta às questões que lhes interessam e às evidências que
encontram. Se a economia mudou, o mesmo aconteceu com as
visões sobre o que constitui o cânone apropriado.
Abordar o passado na perspectiva do presente pode resultar,
porém, em relatos que formam histórias muito pouco convincentes. Quando o caso relatado é de progresso dos primórdios
toscos à “verdade” alcançada pelos amigos, contemporâneos
ou outros heróis do historiador, o resultado é o que veio a ser
chamado de “história whig”, conforme os whigs do século XIX
que contaram a história da Grã-Bretanha dessa maneira, e os
leitores estão certos em sua desconfiança. Mas a atitude whig é
partilhada por muitos economistas, alguns dos quais escreveram
histórias da economia. Eles acham difícil aceitar que as teorias
e as técnicas de sua própria geração (para as quais eles próprios
contribuíram) possam não ser superiores às de gerações ante­
riores. Os críticos de tal obra estão certos quando argumentam que essa abordagem não compreende questões históricas
importantes e resulta, muitas vezes, numa caricatura do que real­
mente aconteceu.
Analisar o passado para compreender o presente não precisa
significar, porém, contar a história como se ela fosse de pro­gresso.
As razões por que as idéias evoluíram do jeito que evoluíram
incluirão acidentes históricos, interesses adquiridos, preconceitos,
incompreensões, erros e toda sorte de coisas que não se encaixam
em causas do progresso. O relato pode envolver algumas linhas de
investigação desaparecendo ou se afastando do que hoje se con­si­
dera economia. Pode-se descobrir, olhando para trás, que gerações
anteriores estavam fazendo perguntas diferentes — talvez, até
Membros do partido liberal-conservador que surgiu depois da revolução
de 1688 e que pretendia subordinar o poder da Coroa ao Parlamento inglês. [N. T.]
22
prólogo
mesmo, perguntas que achamos difíceis de entender —, resultando
em uma noção problemática de progresso.
A história contada aqui
A história relatada neste livro reflete claramente algumas visões convencionais sobre o que constitui economia — alguns
tópicos são incluídos porque é “óbvio” que deveriam estar lá.
O editor (para não mencionar muitos leitores) ficaria chateado
se o texto não trouxesse nada sobre Adam Smith, David Ricardo,
Karl Marx ou John Maynard Keynes. Ele é perceptivelmente uma
história da economia, tal como o termo é normalmente enten­dido.
Contudo, ele parte do cânone convencional tanto na importância
relativa que atribuí a figuras diferentes como em muitos dos tópicos
que contém. Ele também procura situar as pessoas num contexto
histórico apropriado — um que elas poderiam ter reconhecido.
O livro não está organizado em torno das “grandes fi­guras”
do passado, como já foi comum. Os capítulos começam tipi­
camente com uma discussão do contexto histórico e seguem
dali para as idéias econômicas que surgiram. A ênfase na história
econô­mica, na política e na intelectual varia ao longo do livro,
mas em geral é menos destacada à medida que a história avança.
A razão principal disso é que, quando se discutem períodos em que
a economia se distinguia menos claramente de outras disciplinas,
é mais importante discutir as idéias fora da economia. À medida
que a economia foi-se desenvolvendo numa matéria acadêmica
ao longo do século XIX, os problemas que os economistas enfrentavam passaram a ser, cada vez mais, os que surgiam dentro da
disciplina. Por todo o livro, também, a ênfase é dada às comunidades
e circunstâncias das quais surgiram idéias econômicas, em vez de
centrá-la em indivíduos: no que poderia ser frouxamente chamado
de sociologia da profissão econômica. A posição dos economistas
(ou, mais precisamente, a posição de pessoas que refletem sobre
assuntos econômicos) na sociedade mudou, e isso influenciou a
maneira como as idéias se desenvolveram. Os capítulos que tratam
23
história da economia mundial
de materiais antigos, portanto, contêm muita história geral. À
medida que a história se desenvolve, porém, as idéias econômicas
tornam-se muito mais proeminentes e a história geral passa a desempenhar um papel menor. No século XX, quando a economia
havia-se tornado uma disciplina predominantemente acadêmica,
as idéias econômicas estavam-se transformando por razões substancialmente internas à disciplina.
O livro cobre o cânone convencional, mas este é questio­
nado de muitas maneiras. O mundo islâmico penetra a história
medieval. A filosofia política e o desafio hobbesiano são elementos importantes no capítulo sobre a Inglaterra do século XVII.
Smith é visto como um filósofo moral e colocado no contexto
do Iluminismo escocês. Malthus é retratado não só como economista puro ou demógrafo, mas como alguém que contribui para
debates políticos contemporâneos. As contribuições teóricas de
autores franceses e alemães do começo do século XIX são colocadas ao lado das de suas contrapartes inglesas. Chamberlin é
discutido no contexto da economia industrial norte-americana,
e não no da polêmica britânica sobre custo. A lista poderia continuar. A mudança mais significativa, porém, é que o século XX
constitui uma parte primordial do relato (quase metade do livro).
Ao cobri-lo, procurei dar um quadro o mais amplo possível do
assunto. Com o objetivo central de explicar como a disciplina
chegou ao seu estado presente, destaquei claramente os desdobramentos no interior de seu “núcleo” teórico. No entanto, não
são a história toda.
Ao contar essa história, apoiei-me inevitavelmente em
histórias escritas por especialistas nos vários períodos cobertos
pelo livro. As “inovações” mencionadas no parágrafo anterior são
todas extraídas dessas obras. O número de pontos em que pude
me afastar da história convencional reflete, ao menos em parte, o
acervo de obras recentes sobre a história do pensamento econômico — e isso é particularmente verdadeiro para o século XX.
Minhas dívidas principais foram levadas em conta nas sugestões
de leitura no final do volume.
24
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