Costa, Fernando Nogueira da. “Governo regulado pelo mercado”. São Paulo: Folha de São Paulo: 03 de janeiro. Jel: Z Governo regulado pelo mercado Fernando Nogueira da Costa Recentemente, o grande hit entre os economistas ortodoxos é o estudo das distorções do mercado provocadas pelas "falhas de informação". Na verdade, de tempos em tempos, a corrente principal da teoria econômica reconsidera sua idealização das condições adequadas para o bom funcionamento do mercado. Está, atualmente, destacando os obstáculos à flexibilidade de preços em razão da carência de informações perfeitas para os agentes econômicos. Tal situação não permitiria o equilíbrio geral, uma situação idealizada em que todos os agentes econômicos têm confirmadas as suas expectativas, revelando a consistência do plano de cada indivíduo com seu contexto, tanto com os recursos quanto com os planos de outros agentes. A matéria-prima dos modelos de administração de risco são os dados do passado. A análise da evolução recente não revela, precisamente, quando irromperá a turbulência no futuro. A surpresa é endêmica, sobretudo, no mundo das finanças. Não se pode informar ao computador "dados sobre o futuro", porque eles são inacessíveis. Dado é do passado; não há dado do futuro. Os dados sobre o ocorrido na vida real registram uma sequência de eventos, e não um conjunto de observações independentes, que é o que as leis das probabilidades exigem. Por construção, a ciência da administração do risco não consegue um quadro futuro perfeito, calculando-o de modo probabilístico somente com base em um determinado número de eventos conhecidos. Um risco sistêmico, por exemplo, deriva do fato de que os diversos mercados estão correlacionados em seus movimentos. Se as oscilações dos mercados não são independentes, não se pode calcular suas probabilidades isoladamente. Então, qualquer que seja a diversificação da carteira de ativos, não se consegue evitar o risco sistêmico. A previsão dos economistas, geralmente, é baseada no cálculo da média dos dados do presente e do passado. Simploriamente, eles prevêem que, quando as variáveis estão em níveis historicamente baixos, elas subirão. Quando estão acima da média, deverão cair. Quando estão muito mais próximas da média, irão permanecer onde estão... O pressuposto é que, na ausência de choques exógenos (ou depois deles), se retornará, rapidamente, à tendência histórica. Em outras palavras, "o futuro será parecido com o passado". Os modelos de previsão econômica estabelecem relações entre variáveis-chave, baseadas em dados do passado, para prever as variações futuras. Assim, mudanças estruturais ou comportamentais, que quebram a regularidade histórica, constituem problemas para essa abordagem. Revelam que nem sempre o passado é um bom guia. O problema é que, diante dessas limitações, a "economia das informações" está chegando ao paroxismo. Como ela se deu conta de que com o passado não consegue informar, precisamente, sobre o futuro, então quer que o governo o sinalize com precisão! Diante da reconhecida incapacidade de prevê-lo, justifica que as ações extramercado tiram a economia da rota idealizada de equilíbrio geral. Ela quer domesticar tais ações, obrigando os governos a sinalizarem, previamente, seus comportamentos. Agora, macula a antiga análise das informações "ex-post", ou seja, com base em resultados constatados pelos dados estatísticos, especialmente os agregados macroeconômicos. Enaltece as informações "exante", isto é, as expectativas de o governo atingir as metas -de inflação, de crescimento, de balanço de pagamentos etc.- sinalizadas para o mercado funcionar adequadamente. As expectativas sobre o futuro incerto, resultante de uma pluralidade de decisões descentralizadas, descoordenadas, desinformadas, são vistas como racionais! Aí, então, entra-se no reinado das expectativas racionais com as decisões microeconômicas moldando o comportamento governamental, antes baseado em análise macroeconômica. Se o governo executar política não anunciada previamente, ai dele! Será responsabilizado pela turbulência, provocada pela reação do mercado à "surpresa". Se cumprir estritamente o script esperado pelo mercado, este antecipa seus atos, anulando-os na prática. Mantém o status quo favorável aos que têm mais poder de mercado. O Estado se tornou, assim, refém do mercado, isto é, do seu "comportamento de manada"... Trata de sinalizar cada passo, justificando tudo direitinho: assume a "transparência", anuncia as metas, revela os vieses, divulga as atas das reuniões do Comitê de Política Monetária, imagina até permitir o televisionamento delas! Um valor divulgado como meta econômica, na verdade, exibe apenas uma falsa precisão. Em que isso ajuda na mudança social? Em nada! Especialmente em um país caracterizado pela enorme desigualdade em sua sociedade, não contrariar interesses de mercado dos poderosos significa manter essa condição de atraso. A "economia das informações", condenando o Estado ao imobilismo, está sendo apenas um instrumento ideológico legitimador (e facilitador) desse processo de hegemonia econômica.