Partes de 1 a 4 - Professores da UFF

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Parte 1
Conjuntos finitos, enumeráveis e
não-enumeráveis
Georg Ferdinand Ludwig
Philipp Cantor
(1845-1818) Rússia.
Para saber mais sobre os núme-
A descoberta de que há diversos tipos de infinito deve-se a Georg
ros cardinais, consulte:
Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, será necessário distinguir os conjuntos, quanto ao número de elementos, apenas em três categorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeráveis e os conjuntos
Halmos, Paul R., Teoria Ingénua
dos Conjuntos, Editora Polı́gono,
São Paulo, 1970.
não-enumeráveis.
A noção de conjunto enumerável, como veremos, está estritamente
ligada ao conjunto N dos números naturais. Por isso iniciamos o curso
com uma breve apresentação da teoria dos números naturais a partir dos
axiomas de Peano, que exibem os números naturais como números ordinais, isto é, objetos que ocupam lugares determinados numa sequência
ordenada. Depois, empregaremos os números naturais para a contagem
dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como
Giuseppe Peano
(1858-1932) Itália.
números cardinais.
Dedekind definiu o conjunto N dos números naturais a partir da teoria
dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos.
É apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem
e tudo o mais decorre daı́. Não interessa o que os números são, mas
apenas as suas propriedades.
Julius Wihelm
Richard Dedekind
(1831-1916) Braunschweig,
hoje Alemanha.
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J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais
1. Os números naturais
Toda a teoria dos números naturais pode ser deduzida dos três axiomas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.
São dados, como objetos não-definidos, um conjunto, que se designa pela letra N, cujos elementos são chamados números naturais, e
uma função s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o número natural s(n) é
chamado o sucessor de n.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
(I) s : N −→ N é injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), então m = n.
(II) N − s(N) consiste de um único elemento, ou seja, existe um
único número natural que não é sucessor de outro número natural. Este
número, chamado um, é representado pelo sı́mbolo 1.
Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um único m ∈ N
tal que s(m) = n.
(III) (Princı́pio de Indução) Se X ⊂ N é tal que 1 ∈ X e, para todo
n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, então X = N.
Uma demonstração na qual o axioma (III) é empregado, chama-se
uma demonstração por indução.
Ver exemplo 1.1.
Exemplo 1.1 Demonstrar por indução que s(n) 6= n para todo n ∈ N.
Solução: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .
(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular
s(1) 6= 1.
(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.
Como s é injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto é, s(n) ∈ X.
Então, pelo princı́pio de indução, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n
para todo n ∈ N. As definições por indução baseiam-se na possibilidade de se iterar
uma função f : X −→ X um número arbitrário, n, de vezes.
Não menos importante do que demonstrar proposições usando o
princı́pio de indução é saber definir objetos por indução.
Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma função.
A cada n ∈ N podemos associar, de modo único, uma função fn : X −→ X
tal que:
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Análise na Reta
Numa exposição sistemática da
teoria dos números naturais, a
existência do n−ésimo iterado fn
de uma função f : X −→ X é
um teorema, chamado Teorema
da Definição por Indução.
f1 = f
e
fs(n) = f ◦ fn .
Usando as iteradas da função s : N −→ N vamos definir por indução
a adição de números naturais.
Definição 1.1 Sejam m, n ∈ N. O número natural sn (m) é chamado a
A operação de adição de
números naturais é uma função
que a cada par de números
naturais (m, n) ∈ N × N faz
corresponder o número natural sn (m) designado m + n e
chamado a soma de m e n.
soma de m e n e é designado por m + n. Isto é,
m + n = sn (m) .
A operação que consiste em somar números naturais é denominada adição,
e é designada pelo sı́mbolo +.
Isto é,
+:N×N
−→
N
(m, n)
7−→
m + n = sn (m)
Assim,
• m + 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).
• m + s(n) = ss(n) (m) = s(sn (m)) = s(m + n),
ou seja,
m + (n + 1) = (m + n) + 1 .
Proposição 1.1 A adição de números naturais possui as seguintes propriedades:
(a) Associatividade: m + (n + p) = (m + n) + p .
(b) Comutatividade: m + n = n + m .
(c) Tricotomia: dados m, n ∈ N, exatamente uma das seguintes três alternativas ocorre: ou m = n ,
ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe
q ∈ N tal que n = m + q.
(d) Lei de cancelamento: m + n = m + p =⇒ n = p .
Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N números naturais arbitrários e seja
X = {p ∈ N | m + (n + p) = (m + n) + p} .
Então 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que
m + (n + s(p)) = m + s(n + p) = s(m + (n + p)) = s((m + n) + p)
= (m + n) + s(p) .
Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,
quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.
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J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais
(b) • Seja X = {m ∈ N | m + 1 = 1 + m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se
1 + s(m) = s(1 + m) = s(m + 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,
ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto é, m + 1 = 1 + m, qualquer que seja
m ∈ N.
• Seja Y = {m ∈ N | m + n = n + m}, onde n ∈ N.
Então, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que
n + s(m) = s(n + m) = s(m + n) = m + s(n)
= m + (n + 1) = m + (1 + n) = (m + 1) + n
= s(m) + n ,
ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, m + n = n + m quaisquer que
sejam m, n ∈ N.
(c) Seja m ∈ N e seja
X = {n ∈ N | n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .
(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m é o sucessor de
algum número n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que
1 + n0 = n0 + 1 = s(n0 ) = m .
(2) Seja n ∈ X. Então, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou
existe q ∈ N tal que m = n + q.
Vamos provar que s(n) ∈ X.
De fato,
• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m + 1 .
• se n = m + p =⇒ s(n) = s(m + p) = (m + p) + 1 = m + (p + 1) .
• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,
s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.
Logo,
m = n + q = n + (q0 + 1) = n + (1 + q0 ) = (n + 1) + q0 = s(n) + q0 .
Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que
s(n) = m + r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `.
Logo, X = N, ou seja, dados m, n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe
Exercı́cio 1: Para provar que vale
exatamente uma das três alternativas ao lado, verifique antes que
n + p 6= n quaisquer que sejam
n, p ∈ N.
p ∈ N tal que m = n + p, ou existe q ∈ N tal que n = m + q.
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Análise na Reta
(d) Sejam m, n, p ∈ N tais que m + n = m + p.
Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal
que n = p + q, ou existe ` ∈ N tal que p = n + `.
Então, se p 6= n, temos que:
• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que é
uma contradição (ver o exercı́cio 1 acima).
ou
• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que é também uma
contradição.
Logo, p = n. A relação de ordem no conjunto dos números naturais é definida em
termos da adição.
Definição 1.2 Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor do que n (ou
A notação m ≤ n significa que m
é menor do que ou igual a n.
que n é maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir
p ∈ N tal que n = m + p.
Proposição 1.2 A relação < possui as seguintes propriedades:
(a) Transitividade: se m < n e n < p, então m < p.
(b) Tricotomia: dados m, n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas
seguintes:
m = n,
ou
m < n,
ou
n < m.
(c) Monotonicidade: se m < n então m + p < n + p para todo p ∈ N.
Prova.
(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1
e p = n + q2 .
Logo,
p = n + q2 = (m + q1 ) + q2 = m + (q1 + q2 ).
Então, m < p.
(b) Sejam m, n ∈ N. Então, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
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J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais
• ou m = n;
• ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou seja n < m;
• ou existe q ∈ N tal que n = m + q, ou seja m < n.
(c) Sejam m, n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m + q.
Logo,
n + p = (m + q) + p = m + (q + p) = m + (p + q) = (m + p) + q ,
ou seja, m + p < n + p. Definiremos, agora, a multiplicação de números naturais.
Definição 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a função definida por
fm : N −→ N
p 7−→ fm (p) = p + m .
A operação de multiplicação é
a função que a cada par de
números naturais associa o seu
produto:
O produto de dois números naturais é definido por:
·:N×N
−→
N
(m, n)
7−→
m·n
Multiplicar dois números naturais
significa calcular o produto entre
eles.
• m · 1 = m,
• m · (n + 1) = (fm )n (m) .
O produto de m e n é designado
por m · n ou por m n.
Assim, multiplicar um número m por 1 não o altera, e multiplicar m
por um número maior que 1, ou seja, por um número da forma n + 1, é
iterar n−vezes a operação de somar m, começando com m.
Por exemplo:
m · 2 = fm (m) = m + m;
m · 3 = (fm )2 (m) = fm (fm (m)) = fm (m + m) = m + m + m.
Observação 1.1 Pela definição acima, temos que
m · (n + 1) = m · n + m ,
∀ m, n ∈ N
De fato, se n = 1, então
m · n + m = m · 1 + m = m + m = (fm )1 (m) = m · (1 + 1) .
Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0 ) = n. Logo,
m · n + m = m · (n0 + 1) + m = (fm )n0 (m) + m
= fm ((fm )n0 )(m) = (fm )s(n0 ) (m)
= (fm )n (m) = m · (n + 1) .
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Análise na Reta
Proposição 1.3 A multiplicação de números naturais satisfaz as seguintes propriedades:
(a) Distributividade: m · (n + p) = m · n + m · p e (m + n) · p = m · p + n · p.
(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.
(c) Comutatividade: m · n = n · m.
(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.
(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.
Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n + p) = m · n + m · p} .
Já vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Então,
m · (n + (p + 1) = m · ((n + p) + 1) = m · (n + p) + m · 1
= (m · n + m · p) + m = m · n + (m · p + m)
= m · n + m · (p + 1) ,
ou seja,
p + 1 ∈ X.
Logo, X = N. Isto é, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam
m, n, p ∈ N.
Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m + n) · p = m · p + n · p} . Então,
• 1 ∈ Y, pois (m + n) · 1 = m + n = m · 1 + n · 1.
• Se p ∈ Y, temos:
(m + n) · (p + 1) = (m + n) · p + (m + n) = m · p + n · p + m + n
= m · p + m + n · p + n = m · (p + 1) + n · (p + 1) ,
ou seja, p + 1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, (m + n) · p = m · p + n · p quaisquer
que sejam m, n, p ∈ N.
(b) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n · p) = (m · n) · p} . Então,
• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.
• Se p ∈ X, temos
m · (n · (p + 1)) = m · (n · p + n) = m · (n · p) + m · n
= (m · n) · p + m · n = (m · n) · (p + 1) ,
ou seja, p + 1 ∈ X .
Logo, X = N, isto é, m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.
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J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais
(c) Seja X = {m ∈ N | m · 1 = 1 · m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que
(m + 1) · 1 = m · 1 + 1 · 1 = 1 · m + 1 · 1 = 1 · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ X.
Logo, X = N, isto é, m · 1 = 1 · m, ∀ m ∈ N.
Seja, agora, Y = {m ∈ N | m · n = n · m} , onde n ∈ N. Então, pelo que
acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.
Se m ∈ Y, temos
(m + 1) · n = m · n + 1 · n = n · m + 1 · n = n · m + n = n · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ Y.
Logo, Y = N, ou seja, m · n = n · m quaisquer que sejam m, n ∈ N.
(d) Sejam m, n ∈ N tais que m < n. Então, existe q ∈ N tal que n = m+q.
Logo,
n · p = (m + q) · p = m · p + q · p ,
ou seja, m · p < n · p.
(e) Sejam m, n, p ∈ N tais que m · p = n · p.
Então, m = n, pois, caso contrário, terı́amos que:
• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),
ou
• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . Definição 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o menor elemento de
X, ou o elemento mı́nimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.
Observação 1.2 • 1 é o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe
n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Então, n > 1.
• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, então 1 é o menor elemento de X.
• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, é único. De fato, se
p e q são menores elementos de X, então p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.
Existe X ⊂ N sem menor elemento?
Definição 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o maior elemento de
X, ou o elemento máximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.
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Análise na Reta
Observação 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior elemento. Por exemplo, N não tem um maior elemento, pois se n ∈ N, então
n + 1 = s(n) ∈ N e n + 1 > n.
• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele é único.
Teorema 1.1 (Princı́pio da Boa Ordenação)
Todo subconjunto não-vazio A ⊂ N possui um elemento mı́nimo.
Prova.
Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N − A} .
Se 1 ∈ A, então 1 é o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, então 1 ∈ X.
Como A 6= ∅ e X ⊂ N − A, temos que X 6= N.
Logo, pelo princı́pio de indução, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,
1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.
Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.
Outra demonstração.
Suponha, por absurdo, que A não tem um menor elemento. Seja
X = {p ∈ N | p ≤ n , ∀ n ∈ A} .
Então:
(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀ n ∈ N.
(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀ n ∈ A.
Como A não tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para
todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p + qn .
Então, p < p + qn =⇒ p + 1 ≤ p + qn = n , ∀ n ∈ A =⇒ p + 1 ∈ X.
Pelo princı́pio de indução, temos que X = N, o que é um absurdo, pois,
como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,
n0 + 1 ≤ n0 . Teorema 1.2 (Segundo Princı́pio de Indução)
Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se
X contém todos os números naturais m tais que m < n, então n ∈ X.
Nestas condições, X = N.
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J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais
Prova.
É obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrário, existiria algum número natural
n 6∈ X tal que n < 1.
Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n + 1 ∈ X.
De fato, se n + 1 6∈ X, existe p0 < n + 1 tal que p0 6∈ X.
Seja A = {q ∈ N | q < n + 1 e q 6∈ X}.
Então, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,
q0 < n + 1 e q0 6∈ X.
Se p < q0 , temos que p ∈ X, já que p < q0 < n + 1 e q0 é o menor
elemento não pertencente a X com esta propriedade.
Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipótese, que q0 ∈ X,
o que é uma contradição.
Assim, se n ∈ X, temos que n + 1 ∈ X.
Então, pelo Primeiro Princı́pio de Indução, X = N.
Outra demonstração.
Seja A = N − X. Se X 6= N, então A 6= ∅.
Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo
n ∈ A.
Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipótese, p ∈ X, o
que é uma contradição. Logo, X = N. Exemplo 1.2 Um número natural p é chamado primo quando p 6= 1 e
não pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.
O Teorema Fundamental da Aritmética diz que todo número natural maior
do que 1 se decompõe, de modo único, como um produto de fatores primos.
Podemos provar a existência desta decomposição utilizando o Segundo
Princı́pio de Indução.
De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo número natural m < n pode
ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.
Se n é primo, não há nada a provar.
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Análise na Reta
Se n não é primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.
Pela hipótese de indução, p e q são produtos de fatores primos. Logo,
n = pq é também um produto de fatores primos.
Pelo Segundo Princı́pio de Indução, obtemos que todo número natural,
n > 1, é produto de números primos. Teorema 1.3 (Definição por Indução)
Para ver uma prova do Teorema
de Definição por Indução, consulte Fundamentals of Abstract
Analysis de A.M. Gleason, p. 145.
Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor
f(1) e seja dada também uma regra que nos permite obter f(n) a partir do
conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Então, existe uma, e
somente uma função f : N −→ X que toma esses valores.
Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma função f : N −→ N por
indução, pondo f(1) = a e f(n + 1) = a · f(n).
Então, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.
Logo, f(n) = an . Definimos, assim, por indução, a n−ésima potência do
número natural a. Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a função definida indutivamente por
f(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) · (n + 1).
Então, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.
Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! é o fatorial de n. A multiplicação de uma n−úpla
de números naturais pode ser definida, também, por indução como
fazemos para a adição no exemplo ao lado.
Exemplo 1.5 Definir por indução a soma de uma n−úpla de números
naturais.
Solução: Seja X o conjunto das funções tomando valores em N e seja
f : N −→ X a função definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que
f(1)(a) = a, e f(n + 1) : Nn+1 −→ N tal que
f(n + 1)(a1 , . . . , an+1 ) = f(n)(a1 , . . . , an ) + an+1 .
Então, f(1)(a) = a, f(2)(a1 , a2 ) = f(1)(a1 )+a2 = a1 +a2 , f(3)(a1 , a2 , a3 ) =
f(2)(a1 , a2 ) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.
Assim, f(n)(a1 , . . . , an ) = f(n−1)(a1 , . . . , an−1 )+an = a1 +. . .+an−1 +an .
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Conjuntos finitos e infinitos
2. Conjuntos finitos e infinitos
Definição 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.
Um conjunto X chama-se finito quando é vazio ou quando existe uma
bijeção ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.
No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,
dizemos que X tem n elementos.
Observação 2.1 Intuitivamente, uma bijeção ϕ : In −→ X significa uma
contagem dos elementos de X.
Pondo ϕ(1) = x1 , ϕ(2) = x2 ,. . . ,ϕ(n) = xn , temos X = {x1 , x2 , . . . , xn } .
Observação 2.2
• Cada conjunto In é finito e possui n elementos.
• Se f : X −→ Y é uma bijeção, então X é finito se, e só se, Y é finito.
Para verificar que o número de elementos de um conjunto está bem
definido, devemos provar que se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e
ψ : Im −→ X, então n = m.
Considerando a função f = ψ−1 ◦ ϕ : In −→ Im , basta provar que se
existe uma bijeção f : In −→ Im , então m = n. Podemos supor, também,
que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In .
Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto não vazio. Se existe uma
bijeção f : In −→ A, então A = In .
Prova.
Provaremos o resultado por indução em n.
Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.
Logo A = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para n e consideremos uma bijeção
f : In+1 −→ A.
A restrição de f a In fornece uma bijeção f 0 : In −→ A − {f(n + 1)}. Se
A−{f(n+1)} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A−{f(n+1)} = In .
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Análise na Reta
Então, f(n + 1) = n + 1 e A = In+1 .
Se, porém, A − {f(n + 1)} 6⊂ In , então n + 1 ∈ A − {f(n + 1)}. Neste caso,
existe p ∈ In tal que f(p) = n + 1, e f(n + 1) = q ∈ In .
Definimos, então, uma nova bijeção g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se
x 6= p e x 6= n + 1, g(p) = q e g(n + 1) = n + 1.
Agora, a restrição de g a In nos dá uma bijeção g 0 : In −→ A − {n + 1}.
Como A − {n + 1} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A − {n + 1} =
In , ou seja A = In+1 . Corolário 2.1 Se existir uma bijeção f : Im −→ In então m = n. Conseqüentemente, se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X
então m = n.
Prova.
Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im .
Logo, m = n, pelo teorema anterior.
Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im é uma bijeção tal que Im ⊂ In .
Portanto, Im = In . Corolário 2.2 Não existe uma bijeção f : X −→ Y de um conjunto finito
X sobre uma parte própria Y ⊂ X.
Prova.
Sendo X finito, existe uma bijeção ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.
Seja A = ϕ−1 (Y).
Então, A é uma parte própria de In e a restrição de ϕ a A fornece uma
bijeção f 0 : A −→ Y.
X −−−→
f
x

ϕ
Y
x
 0
ϕ
In −−−→ A
g
A composta g = (ϕ 0 )−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria então uma bijeção de In
sobre sua parte própria A, o que é uma contradição pelo teorema anterior.
Logo, não existe a bijeção f : X −→ Y. 14
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos
Teorema 2.2 Se X é um conjunto finito então todo subconjunto Y ⊂ X é
finito. Além disso, o número de elementos de Y é menor do que ou igual
a o número de elementos de X e é igual se, e somente se, Y = X.
Prova.
Seja f : In −→ X uma bijeção e seja f 0 : A −→ Y a restrição de f a
Designaremos por #(A) o número
de elementos de um conjunto A.
A = f−1 (Y) ⊂ In .
Se provarmos que A é finito, que #(A) é menor do que ou igual a n e é
igual a n se, e somente se, A = In , teremos que Y é finito, que #(Y) = #(A)
é menor do que ou igual a #(In ) = #(X), e é igual se, e somente se A = In ,
ou seja, se, e somente se, Y = X.
Basta, então, provar o teorema no caso em que X = In .
Se n = 1, então Y = ∅ ou Y = {1}.
Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e só se, Y = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para In e consideremos um subconjunto Y ⊂ In+1 .
Se n + 1 6∈ Y, então Y ⊂ In . Logo, pela hipótese de indução, Y é um
conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n + 1.
Se, porém, n + 1 ∈ Y, temos que Y − {n + 1} ⊂ In . Logo, Y − {n + 1} é um
conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.
Se Y − {n + 1} 6= ∅, existe uma bijeção ψ : Ip −→ Y − {n + 1}.
Definimos, então, a bijeção ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ip
e ϕ(p + 1) = n + 1.
Segue-se que Y é finito e que #(Y) = p + 1 ≤ n + 1.
Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos então Y = In .
Se #(Y) = n, existe uma bijeção f : In −→ Y.
Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In . Corolário 2.3 Seja f : X −→ Y uma função injetiva. Se Y é finito, então
X também é finito, e o número de elementos de X não excede o de Y.
Prova.
Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) é uma bijeção.
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15
Análise na Reta
Como f(X) ⊂ Y e Y é finito, temos que f(X) é finito e #(f(X)) ≤ #(Y).
Logo, o conjunto X é finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). Corolário 2.4 Seja g : X −→ Y uma função sobrejetiva. Se X é finito,
então Y é finito e o seu número de elementos não excede o de X.
Designamos por IA : A −→ A a
função identidade do conjunto A.
Prova.
Como g : X −→ Y é sobrejetiva, existe uma função f : Y −→ X tal que
g ◦ f = IY , ou seja, g possui uma inversa à direita.
Exercı́cio 2: Prove que dada uma
função f : X −→ Y injetiva, existe
uma função g : Y −→ X tal que
g ◦ f = IX , ou seja, f possui
uma inversa à esquerda. Verifique, também, que se g ◦ f = IX ,
então g é sobrejetiva.
De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, então,
f(y) = x.
Além disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y 0 )
então y = y 0 , ou seja, f é injetiva.
Então, pelo corolário anterior, Y é um conjunto finito e o seu número de
elementos não excede o de X. Definição 2.2 Um conjunto X é infinito quando não é finito. Ou seja,
X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, não existe uma bijeção ϕ : In −→ X.
Exemplo 2.1 O conjunto dos números naturais é infinito.
De fato, dada qualquer função ϕ : In −→ N, n > 1, tome
p = ϕ(1) + . . . + ϕ(n) .
Então, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In ), ou seja,
ϕ não é sobrejetiva.
Outra maneira de verificar que N é infinito é considerar o conjunto dos
números naturais pares
P = {2 n = n + n | n ∈ N}
e a bijeção ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2 n.
Como P é um subconjunto próprio de N, temos, pelo corolário 2.2, que N
é infinito. Observação 2.3 Como consequência dos fatos provados acima para
conjuntos finitos, segue que:
• se X é infinito e f : X −→ Y é injetiva, então Y é infinito.
16
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos
• se Y é infinito e f : X −→ Y é sobrejetiva, então X é infinito.
• se X admite uma bijeção sobre uma de suas partes próprias, então X é
infinito.
Segue da observação ao lado
que os conjuntos Z e Q, dos
números inteiros e dos números
racionais, respectivamente, são
infinitos, pois ambos contêm N.
Definição 2.3 Um conjunto X ⊂ N é limitado se existe p ∈ N tal que
n ≤ p para todo n ∈ X.
Teorema 2.3 Seja X ⊂ N não-vazio. As seguintes afirmações são equivalentes:
(a) X é finito;
(b) X é limitado;
(c) X possui um maior elemento.
Prova.
(a)=⇒(b) Seja X = {x1 , . . . , xn } e seja a = x1 + . . . + xn . Então a > xi
para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X é limitado.
(b)=⇒(c) Como X é limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.
Então, o conjunto
A = {p ∈ N | p ≥ n ∀ n ∈ X}
é não-vazio. Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p0 ∈ A que é o
menor elemento de A.
Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀ n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.
Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1 + q0 .
Assim, p0 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X. Então q0 ≥ n
∀ n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que é absurdo, pois q0 < p0 e p0 é o menor
elemento de A.
Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀ n ∈ X, ou seja, p0 é o maior elemento de X.
(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Então, p ∈ X e p ≥ n ∀ n ∈ X.
Logo, X ⊂ Ip e é, portanto, finito. Observação 2.4 Um conjunto X ⊂ N é ilimitado quando não é limitado,
ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p.
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Note que: pelo teorema 2.3, anterior, X é infinito se, e somente
se, X é ilimitado.
17
Análise na Reta
Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n elementos respectivamente. Então, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos.
Prova.
Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijeções.
Definamos a função f : Im+n −→ X ∪ Y pondo
f(x) = f1 (x)
se 1 ≤ x ≤ m
f(m + x) = f2 (x)
se 1 ≤ x ≤ n .
Como X ∩ Y = ∅, é fácil verificar que f é uma bijeção.
Logo, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos. Exercı́cio 3: Use o teorema 2.4 e
o Princı́pio de Indução para provar o corolário 2.5, ao lado.
Corolário 2.5 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,
com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente. Então X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e
possui n1 + . . . + nk elementos.
Corolário 2.6 Sejam Y1 , . . . , Yk conjuntos finitos (não necessariamente
disjuntos) com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente.
Então Y1 ∪ . . . ∪ Yk é finito e possui no máximo n1 + . . . + nk elementos.
Prova.
Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi } e seja ϕi : Yi −→ Xi
a função definida por ϕi (x) = (x, i).
Como ϕi é uma bijeção, temos que Xi é finito e possui ni elementos,
i = 1, . . . , k. Além disso, os conjuntos finitos X1 , . . . , Xk são disjuntos dois
a dois.
Logo, pelo corolário anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e possui n1 + . . . + nk
elementos.
Seja
f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk
a função definida por f(x, i) = x.
Como f é sobrejetiva, X1 ∪ . . . ∪ Xk finito e possui n1 + . . . + nk elementos,
temos que Y1 ∪. . .∪Yk é finito e possui no máximo n1 +. . .+nk elementos.
18
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos
Corolário 2.7 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos com n1 , . . . , nk elementos respectivamente. Então o produto cartesiano X1 × . . . × Xk é finito e
possui n1 · . . . · nk elementos.
Prova.
Basta provar o corolário para k = 2, pois o caso geral segue por indução
em k.
Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.
Se Y = {y1 , . . . , yn }, então X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn , onde Xi = X × {yi },
i = 1, . . . , n.
Como X1 , . . . , Xn são disjuntos dois a dois e todos possuem m elementos,
temos que X × Y é finito e possui m · n elementos. Corolário 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos respectivamente. Então o conjunto F(X; Y) de todas as funções de X em Y é
finito e possui nm elementos.
Prova.
Seja ϕ : Im −→ X uma bijeção. Então, a função
H : F(X; Y) −→ F(Im ; Y)
f 7−→ f ◦ ϕ
é uma bijeção. De fato, a função
L : F(Im ; Y) −→ F(X; Y)
g 7−→ g ◦ ϕ−1
é a inversa da função H.
Logo, basta provar que F(Im ; Y) é um conjunto finito e que possui nm
elementos.
Seja a função
F : F(Im ; Y) −→ Y × . . . × Y (m fatores)
definida por
F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .
Como F é uma bijeção e Y × . . . × Y (m fatores) possui nm elementos pelo
corolário anterior, temos que F(Im ; Y) é finito e possui nm elementos. Instituto de Matemática - UFF
19
Análise na Reta
3.
Conjuntos enumeráveis
Definição 3.1 Um conjunto X é enumerável quando é finito ou quando
existe uma bijeção f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumerável e
pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeração de X:
X = {x1 , . . . , xn , . . .} .
Exemplo 3.1 O conjunto P dos números naturais pares e o conjunto
I = N − P dos números naturais ı́mpares são conjuntos infinitos enumeráveis.
De fato, as funções
ϕ1 : N −→ P
n 7−→ ϕ1 (n) = 2 n
e
ϕ2 : N −→ I
n 7−→ ϕ2 (n) = 2 n − 1
são bijeções. Exemplo 3.2 O conjunto Z dos números inteiros é infinito enumerável.
De fato, a função ϕ : Z −→ N definida por

2 n
se n ≥ 1
ϕ(n) =
−2n + 1 se n ≤ 0
é uma bijeção. Logo, ϕ−1 : N −→ Z é uma enumeração de Z. Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contém um subconjunto infinito
enumerável.
Prova.
Basta provar que existe uma função f : N −→ X injetiva, pois, assim,
f : N −→ f(N) é uma bijeção, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infinito enumerável de X.
Para cada subconjunto A não-vazio de X podemos escolher um elemento
xA ∈ A.
Vamos definir por indução uma função f : N −→ X.
Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) já foram definidos.
Seja An = X − {f(1), . . . , f(n)}.
20
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos enumeráveis
Como X não é finito, An não é vazio.
Defina, então f(n + 1) = xAn .
A função f : N −→ X é injetiva.
Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, então f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n − 1)} e
f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n − 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). Corolário 3.1 Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma
bijeção f : X −→ Y de X sobre uma parte própria Y ⊂ X.
Prova.
Se uma tal bijeção existir, pelo corolário 2.2, X não é finito.
Reciprocamente, se X é infinito, X contém um subconjunto infinito enumerável A = {a1 , . . . , an , . . .}.
Seja Y = (X − A) ∪ {a2 , a4 , . . . , a2n , . . .}.
Então Y é uma parte própria de X, pois
X − Y = {a1 , a3 , . . . , a2n−1 , . . .}.
Além disso, a função f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e
f(an ) = a2n , n ∈ N, é uma bijeção de X sobre Y. Observação 3.1 Como consequência do teorema anterior, temos que:
Um conjunto é finito se, e somente se, não admite uma bijeção sobre uma
parte sua própria.
Obtém-se, assim, uma caracterização dos conjuntos finitos que independe
do conjunto N.
Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N é enumerável.
Prova.
Se X é finito, então X é enumerável, por definição.
Suponhamos que X é infinito.
Vamos definir por indução uma bijeção f : N −→ X.
Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram
definidos satisfazendo as seguintes condições:
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21
Análise na Reta
(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;
(b) Se Bn = X − {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn .
Como Bn 6= ∅, pois X é infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de
Bn . Então, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =
X − {f(1), . . . , f(n + 1)}.
Como f : N −→ X é crescente, f é injetiva.
Além disso, f é sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X − f(N), terı́amos
que
x ∈ X − f(N) ⊂ X − {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,
para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ N
seria infinito e limitado, o que é absurdo. Exemplo 3.3 O conjunto dos números primos é infinito (fato conhecido)
e enumerável. Corolário 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijeção
crescente ϕ : N −→ X.
Corolário 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.
Corolário 3.4 Se f : X −→ Y é uma função injetiva e Y é enumerável,
então X é enumerável.
Prova.
Como f(X) ⊂ Y é enumerável e f : X −→ f(X) é uma bijeção, temos
que X é enumerável. Corolário 3.5 Se f : X −→ Y é uma função sobrejetiva e X é enumerável, então Y é enumerável.
Prova.
Como f : X −→ Y é sobrejetiva, f possui uma inversa à direita, ou seja,
existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY . Então, g é injetiva. Logo, Y é
enumerável. Teorema 3.3 Se X e Y são conjuntos enumeráveis, então o produto
cartesiano X × Y é enumerável.
22
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis
Prova.
Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeráveis, existem funções f : X −→ N
e g : Y −→ N injetivas.
Seja f × g : X × Y −→ N × N definida por f × g(x, y) = (f(x), g(y)). Como
f e g são injetivas, f × g também é injetiva.
Basta, então, provar que N × N é enumerável. Para isso, definimos a
função h : N × N −→ N, pondo h(m, n) = 2m · 3n . Pela unicidade da
decomposição em fatores primos, f é injetiva e, portanto, N × N é enumerável. Corolário 3.6 O conjunto Q dos números racionais é enumerável.
Prova.
Sabemos que Q =
p p ∈ Z e q ∈ Z? , e que Z × Z? é enumerável.
q
Como a função f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) =
Designamos Z? = Z − {0} .
p
é sobrejetiva,
q
segue-se do corolário 3.5 que Q é enumerável. Corolário 3.7 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos enumeráveis. Então a
reunião X =
∞
[
Xn é enumerável. Ou seja, uma reunião enumerável de
n=1
conjuntos enumeráveis é enumerável.
Prova.
Tomemos, para cada m ∈ N, uma função fm : N −→ Xm sobrejetiva, e
definamos a função f : N × N −→ X pondo f(m, n) = fm (n). Como f é
sobrejetiva e N × N é enumerável, tem-se que X é enumerável. Observação 3.2 Uma reunião finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos
enumeráveis é enumerável.
Observação 3.3 Se X1 , . . . , Xk são conjuntos enumeráveis, seu produto cartesiano X1 × . . . × Xk é enumerável.
Porém, nem sempre, o produto cartesiano X =
∞
Y
Xn de uma seqüência
n=1
de conjuntos enumeráveis é enumerável.
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23
Análise na Reta
4.
Conjuntos não-enumeráveis
Veremos, agora, que existem conjuntos não-enumeráveis. Mais ge-
Ao lado, estamos designando
card(X) o número cardinal do
conjunto X. Quando X é um conjunto finito, card(X) é o número
de elementos de X, que anteriormente designamos #(X).
ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um
conjunto cujo número cardinal é maior do que o de X.
• Não vamos definir o que é o número cardinal de um conjunto. Diremos,
apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijeção
f : X −→ Y.
• Assim, dois conjuntos finitos têm o mesmo número cardinal, se, e somente se, têm o mesmo número de elementos. E se X é infinito enumerável, então card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,
Y é infinito enumerável.
• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir
uma função injetiva f : X −→ Y, mas não existir uma função sobrejetiva
g : X −→ Y.
• Como todo conjunto X infinito contém um subconjunto enumerável, temse que card(N) ≤ card(X), ou seja, o número cardinal de um conjunto
infinito enumerável é o menor dos números cardinais dos conjuntos infinitos.
• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das
Para ver as demonstrações dos
fatos citados ao lado e obter mais
informações sobre números cardinais de conjuntos, veja o livro:
Teoria Ingênua dos Conjuntos de
Paul Halmos.
seguintes alternativas:
card(A) = card(B) ,
card(A) < card(B) ,
ou
card(B) < card(A) .
• Se existirem uma função injetiva f : A −→ B e uma função injetiva
g : B −→ A, existirá também uma bijeção h : A −→ B.
Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)
Sejam X um conjunto arbitrário e Y um conjunto contendo pelo menos dois
elementos. Então, nenhuma função ϕ : X −→ F(X; Y) é sobrejetiva.
Prova.
Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma função e seja ϕx : X −→ Y o valor da função
ϕ no ponto x ∈ X.
Construiremos uma função f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.
24
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis
Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx (x), o que é possı́vel, pois
Y tem pelo menos dois elementos.
Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx (x) para todo x ∈ X.
Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ não é sobrejetiva. Observação 4.1 Sejam y1 , y2 ∈ Y tais que y1 6= y2 , e seja ψ : X −→
F(X; Y) a função definida por ψx (x) = y1 e ψx (z) = y2 se z 6= x.
Então ψ é injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).
Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um conjunto cujo número cardinal é maior do que o de X
Corolário 4.1 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos infinitos enumeráveis.
Então, o produto cartesiano
∞
Y
Xi não é enumerável.
i=1
Prova.
Basta considerar o caso em que todos os Xn são iguais a N. De fato,
para cada n ∈ N, existe uma bijeção fn : N −→ Xn . Então, a função
∞
∞
Y
Y
F:
Ni −→
Xi
i=1
i=1
(x1 , x2 , . . . , xn , . . .) 7−→ (f1 (x1 ), f2 (x2 ), . . . , fn (xn ), . . .) ,
é uma bijeção, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a função
∞
Y
H:
Ni −→ F(N; N)
i=1
x = (x1 , . . . , xn , . . .) 7−→
hx : N −→ N
i 7−→ xi
é uma bijeção e F(N; N) não é enumerável pelo teorema anterior, o conjunto
∞
Y
Ni não é enumerável. i=1
• O argumento usado na demonstração do teorema acima, chama-se
método da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.
Os elementos de F(N; Y) são as seqüências de elementos de Y.
Para provar que nenhuma função ϕ : N −→ F(N; Y) é sobrejetiva, escre-
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25
Análise na Reta
vemos ϕ(1) = s1 , ϕ(2) = s2 , . . . etc., onde s1 , s2 , . . . são seqüências de
elementos de Y, ou seja,
s1 = (y11 , y12 , y13 , . . .)
s2 = (y21 , y22 , y23 , . . .)
s3 = (y31 , y32 , y33 , . . .)
..
..
.
.
Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn , onde
ynn é o n−ésimo termo ynn da diagonal.
Então a seqüência s = (y1 , y2 , y3 , . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois
o n−ésimo termo yn da seqüência s é diferente do n−ésimo termo da
seqüência sn .
Assim, nenhuma lista enumerável pode esgotar todas as funções em
F(N; Y).
Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Então, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das
seqüências cujos termos são 0 ou 1 não é enumerável. • Seja P(A) o conjunto cujos elementos são todos os subconjuntos do
conjunto A.
Vamos mostrar que existe uma bijeção
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .
Para cada X ⊂ A, consideremos a função caracterı́stica de X:
ξX : A −→ {0, 1}

1,
x −
7 → ξX (x) =
0,
se x ∈ X
se x 6∈ X
A função
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})
X 7−→ ξX
é uma bijeção, cuja inversa associa a cada função f : A −→ {0, 1} o conjunto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.
Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que nenhuma função ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) é sobrejetiva. Logo, nenhuma
26
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis
função ψ : A −→ P(A) é sobrejetiva. Mas existe uma função injetiva
f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.
Então, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.
No caso particular em que A = N, temos que
card(N) < card(P(N))
ou seja, P(N) não é enumerável.
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28
J. Delgado - K. Frensel
Parte 2
O conjunto dos números reais
Neste capı́tulo, adotaremos o método axiomático para apresentar os
números reais. Isto é, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o
conjunto R dos números reais como um corpo ordenado completo.
Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado
completo? Ou melhor: partindo dos números naturais, seria possı́vel, por
meio de extensões sucessivas do conceito de número, chegar à construção
dos números reais? A resposta é afirmativa e a passagem crucial é dos
racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos
números reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos são
coleções de números racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado completo cujos elementos são as classes de equivalência de seqüências de
Cauchy de números racionais.
Provada a existência, surge uma outra pergunta relevante: será que
existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?
A resposta é negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem
apenas pela natureza de seus elementos, mas não pela maneira como os
elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questão
da unicidade é a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,
existe um único isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma única bijeção
f : K −→ L tal que f(x + y) = f(x) + f(y) e f(x · y) = f(x) · f(y). Como, além
disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),
K e L são indistinguı́veis no que diz respeito as propriedades de corpos
ordenados completos (ver exercı́cios 55 e 56).
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29
30
J. Delgado - K. Frensel
Corpos
1. Corpos
Um corpo é um conjunto K munido de duas operações:
Adição + : K × K −→
K
Multiplicação · : K × K −→ K
(x, y) 7−→ x + y
(x, y) 7−→ x · y ,
que satisfazem as seguintes condições, chamadas axiomas de corpo:
Axiomas de corpo para a adição:
(1) Associatividade: (x + y) + z = x + (y + z) , para todos x, y, z ∈ K.
(2) Comutatividade: x + y = y + x , para todos x, y ∈ K.
(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado
zero, tal que x + 0 = x, para todo x ∈ K.
(4) Simétrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e
chamado o simétrico de x, tal que x + (−x) = 0.
A soma x + (−y) será indicada
apenas por x − y e chamada
a diferença entre x e y.
A
operação (x, y) 7−→ x−y chamase subtração.
Observação 1.1
•0+x=x
e
(−x) + x = 0 ,
para todo x ∈ K.
• x − y = z se, e só se, x = y + z. De fato,
x − y = z ⇐⇒ x + (−y) = z ⇐⇒ x + (−y) + y = z + y
⇐⇒ x + 0 = y + z ⇐⇒ x = y + z .
• O zero é único, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, então θ = 0. De
fato,
x + θ = x ⇐⇒ θ = x − x = 0 .
• Todo x ∈ K possui apenas um simétrico. De fato,
x + y = 0 =⇒ y = 0 + (−x) = −x .
• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .
• Lei de cancelamento: x + z = y + z =⇒ x = y. De fato,
x + z + (−z) = y + z + (−z) =⇒ x + 0 = y + 0 =⇒ x = y .
Axiomas de corpo para a multiplicação:
(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.
(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.
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31
Análise na Reta
(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e chamado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.
(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento
designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.
Observação 1.2
• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.
• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.
x
. A operação
y
x
x
(x, y) −
7 → , x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisão e o número
é o
y
y
• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 =
A multiplicação de x por y
será designada, também, pela
justaposição xy.
quociente de x por y.
• Se y 6= 0,
x
= z ⇐⇒ x = yz. De fato,
y
x
= z ⇐⇒ (xy−1 )y = zy ⇐⇒ x(y−1 y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .
y
• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, então x = y.
• Se xy = x para todo x ∈ K, então, tomando x = 1, temos y = 1. Isto
prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.
• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.
Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos
depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.
• se xy = 1, então, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,
xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1 (xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .
Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.
Por fim, as operações de adição e multiplicação num corpo K achamse relacionadas pelo axioma:
(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.
Observação 1.3
• (x + y) · z = x · z + y · z para todos x, y, z ∈ K.
• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,
x · 0 + x = x · 0 + x · 1 = x · (0 + 1) = x · 1 = x ,
32
J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos
logo, x · 0 = 0.
• se x · y = 0 então x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, então x−1 · (x · y) =
x−1 · 0. Logo, y = 0.
Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, então x · y 6= 0.
• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .
De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,
(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).
Logo,
(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .
Em particular, (−1) · (−1) = 1.
2.
Exemplos de corpos
Exemplo 2.1 O conjunto Q dos números racionais, com as operações
p
p0
pq 0 + p 0 q p p 0
p · p0
+ 0 =
e
·
=
, é um corpo.
q
q
qq 0
q q0
q · q0
De fato, lembrando que
p
p0
= 0 ⇐⇒ pq 0 = p 0 q, vamos provar primeiro
q
q
que a soma e a multiplicação de números racionais estão bem definidas.
Sejam
•
p0
p
p
p0
= 1 e 0 = 10 . Então
q
q1 q
q1
p1 q10 + p10 q1
p10
p
p0
pq 0 + p 0 q
p1
+ 0 =
=
=
+
, pois, como pq1 = p1 q e
q
q
qq 0
q1 q10
q1
q10
p 0 q10 = p10 q 0 , segue-se que
(pq 0 + p 0 q)(q1 q10 ) = pq 0 q1 q10 + p 0 qq1 q10
= (pq1 )(q 0 q10 ) + (p 0 q10 )(qq1 )
= p1 qq 0 q10 + p10 q 0 qq1
= (p1 q10 + p10 q1 )(qq 0 ) .
•
p1 p10
p p0
pp 0
p1 p10
·
· 0 =
=
=
, pois
q q
qq 0
q1 q10
q1 q10
(pp 0 )(q1 q10 ) = p1 qp10 q 0 = (p1 p10 )(qq 0 ) .
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33
Análise na Reta
• O elemento neutro da adição é
0
, para todo p 0 6= 0, pois
p0
p
0
pp 0 + 0q 0
pp 0
p
+ 0 =
=
= .
0
0
q
p
qp
qp
q
• O elemento neutro da multiplicação é
1
p0
= 0 , p 0 ∈ Z? , pois
1
p
p 1
p·1
p
· =
= .
q 1
q·1
q
• seja
p
−p
p
∈ Q. Então
é o simétrico de , pois
q
q
q
−p
p · q + (−p) · q
0
p
+
=
=
= 0.
q
q
q·q
q·q
Exercı́cio 1: Verificar as propriedades comutativa, associativa e
a distributividade das operações
definidas no exemplo 2.1 sobre os
números racionais.
• Seja
p
q
p
∈ Q, com p 6= 0. Então é inverso de , pois
q
p
q
p·q
p q
· =
= 1.
q p
q·p
Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operações de adição e
multiplicação definidas nas tabuadas abaixo é um corpo.
+ 0 1
0 0 1
1 1 0
· 0 1
0 0 0
1 0 1
Exercı́cio 2: Verificar a associatividade e a distributividade das
Pela definição, a adição e a multiplicação são comutativas; o elemento
operações definidas no exemplo
2.2 sobre Z2 .
neutro da adição é o 0; o elemento neutro da multiplicação é o 1; o
simétrico do 0 é o 0 e do 1 é 1; o inverso do 1 é 1. Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} é um corpo com as
operações de adição e multiplicação definidas por
(x, y) + (x 0 , y 0 ) = (x + x 0 , y + y 0 )
(x, y) · (x 0 , y 0 ) = (xx 0 − yy 0 , xy 0 + x 0 y) ,
De fato, a comutatividade e a associatividade da adição seguem-se direto
do fato que Q é um corpo.
O elemento neutro da adição é (0, 0) e o simétrico de (x, y) é (−x, −y).
A comutatividade da multiplicação sai direto da definição e da comutatividade da multiplicação de números racionais.
34
J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos
O elemento neutro da multiplicação é (1, 0), pois
(x, y) · (1, 0) = (x · 1 − y · 0, x · 0 + 1 · y) = (x, y) .
−y
x
, 2
, pois
O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) é
2
2
2
x +y
x2 + y2 6= 0 e
x
(x, y) ·
2
−y
,
x + y2 x2 + y2
x2
y2
−xy
xy
+
,
+ 2
x2 + y2
x2 + y2 x2 + y2
x + y2
0
x2 + y2
, 2
2
2
x +y
x + y2
=
=
x +y
Exercı́cio 3: Verificar a propriedade associativa da multiplicação
e propriedade distributiva das
operações definidas no exemplo
2.2 sobre Q(i).
= (1, 0)
• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que
◦
iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;
◦
ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0 − 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;
◦
(x, y) = (x, 0) + (0, y) = x + iy .
O corpo Q(i) chama-se o corpo dos números complexos racionais. Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funções racionais r(t) =
p(t)
, onde
q(t)
p e q são polinômios com coeficientes racionais, sendo q(t) não identicamente nulo, com as operações de adição e multiplicação definidas abaixo
é um corpo.
p 0 (t)
p(t) · q 0 (t) + p 0 (t) · q(t)
p(t)
+ 0
=
q(t)
q (t)
q(t) · q 0 (t)
p(t) p 0 (t)
p(t) · p 0 (t)
· 0
=
.
q(t) q (t)
q(t) · q 0 (t)
Observação 2.1 Num corpo K tem-se:
x2 = y2 =⇒ x = ±y .
Com efeito,
x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0
=⇒ (x − y)(x + y) = 0
=⇒ x − y = 0 ou x + y = 0
=⇒ x = y ou x = −y
=⇒ x = ±y .
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35
Análise na Reta
3.
Corpos ordenados
Um corpo ordenado é um corpo K no qual existe um subconjunto
P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as seguintes propriedades:
(1) A soma e o produto de elementos positivos são elementos positivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x + y ∈ P e x · y ∈ P.
(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das três alternativas seguintes
ocorre:
ou x = 0 ;
ou x ∈ P ;
ou −x ∈ P .
• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos
K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,
onde P, −P e {0} são subconjuntos de K disjuntos dois a dois.
Os elementos de −P chamam-se negativos.
• Num corpo ordenado, se a 6= 0 então a2 ∈ P.
De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,
a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.
Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 é sempre positivo e,
portanto, −1 ∈ −P.
Logo, num corpo ordenado, −1 não é quadrado de elemento algum.
Exemplo 3.1 Q é um corpo ordenado no qual P =
• De fato, se
◦
p pq ∈ N .
q
p p0
∈ P, então pq, p 0 q 0 ∈ N e, portanto,
,
q q0
p
p0
pq 0 + p 0 q
+ 0 =
∈ P, pois
q
q
qq 0
(pq 0 + p 0 q)(qq 0 ) = (pq)q 02 + (p 0 q 0 )q2 ∈ N .
◦
p p0
pp 0
· 0 =
∈ P, pois pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) ∈ N.
q q
qq 0
p
0
p
∈ Q. Então, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja, = = 0
q
q
q
p
−p
p
ou ∈ P ou
= − ∈ P. q
q
q
• Seja
36
J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados
Exemplo 3.2 Q(t) é um corpo ordenado no qual
P=
p(t) pq é um polinômio cujo coeficiente lider é positivo .
q(t) Lembre que o coeficiente lı́der de
um polinômio é o coeficiente do
seu termo de maior grau.
De fato:
p(t) p 0 (t)
,
∈ P, então os coeficientes an e bm dos termos de maior
q(t) q 0 (t)
• Se
grau de pq e p 0 q 0 , respectivamente, são positivos.
Logo,
◦
o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq 0 + p 0 q)qq 0 =
pqq 02 + p 0 q 0 q2 é positivo, pois cj = an q 0 2i + bm q2i ou cj = an q 0 2i ou
cj = bm q2i , onde qi e qi0 são os coeficientes dos termos de maior grau
de q e q 0 , respectivamente.
◦
o coeficiente do termo de maior grau de pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) é
an bm > 0.
• Se
p(t)
∈ Q(t), então ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente
q(t)
do termo de maior grau de pq é positivo ou o coeficiente do termo de
maior grau de pq é negativo. Logo, ou
p(t)
p(t)
p(t)
= 0 ou
∈ P ou −
∈P
q(t)
q(t)
q(t)
Exemplo 3.3 O corpo Z2 não é ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo
ordenado 1 é positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos é um
elemento positivo. Exemplo 3.4 O corpo Q(i) não é ordenado, pois i2 = −1, e num corpo
ordenado −1 é negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de
zero é positivo. Definição 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x é menor do que
y, e escrevemos x < y, se y − x ∈ P, ou seja, y = x + z, z ∈ P. Podemos,
também, dizer que y é maior do que x e escrever y > x.
Observação 3.1
• Em particular, x > 0 se, e só se, x ∈ P e x < 0 se, e só se, −x ∈ P, ou
seja, x ∈ −P.
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37
Análise na Reta
• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x + (−y) ∈ P.
Proposição 3.1 A relação de ordem x < y num corpo ordenado satisfaz as seguintes propriedades:
(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;
(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes
alternativas:
ou x = y ,
ou x < y ,
ou y < x .
(3) Monotonicidade da adição: Se x < y, então x + z < y + z para todo
z ∈ K.
(4) Monotonicidade da multiplicação: Se x < y, então xz < yz para
todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.
Prova.
(1) Se x < y e y < z, então y − x ∈ P e z − y ∈ P. Logo, (y − x) + (z − y) =
z − x ∈ P, ou seja, x < z.
(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
ou y − x = 0 ,
ou y − x ∈ P ,
ou y − x ∈ −P ,
ou seja,
ou x = y ,
ou x < y ,
ou y < x .
(3) Se x < y então y − x ∈ P. Logo, (y + z) − (x + z) = y − x ∈ P, ou seja
x + z < y + z, para todo z ∈ K.
(4) Se x < y e z > 0, então y − x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y − x)z = yz − xz ∈ P,
ou seja xz < yz. Se, porém, x < y e z < 0, então y − x ∈ P e −z ∈ P,
donde (y − x)(−z) = xz − yz ∈ P, ou seja, xz > yz.
• Em particular, x < y é equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou
seja, −x > −y, já que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.
• Se x < x 0 e y < y 0 então x + y < x 0 + y 0 .
De fato, por (3), se x < x 0 , então x + y < x 0 + y, e se y < y 0 , então
x 0 + y < x 0 + y 0 . Logo, por (1), x + y < x 0 + y 0 .
• Se 0 < x < x 0 e 0 < y < y 0 , então xy < x 0 y 0 .
De fato, por (4), x · y < x 0 y e x 0 y < x 0 y 0 , e por (1), xy < x 0 y 0 .
38
J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados
• se x > 0 e y < 0, então xy < 0.
De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.
• Se x > 0 então x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.
• Se x > 0 e y > 0, então
x
x
> 0, pois = xy−1 e y−1 > 0.
y
y
• Se x < y, x > 0 e y > 0, então
1
1
< .
y
x
De fato, como y − x > 0 e xy > 0, então x−1 − y−1 =
1
y−x
1
− =
> 0,
x
y
xy
ou seja, x−1 > y−1 . Definição 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x é menor ou igual a
y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os
elementos do conjunto P ∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se não-negativos.
• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e só se, x ≤ y e y ≤ x.
• Com exceção da tricotomia, que é substituı́da pelas propriedades:
Reflexiva: x ≤ x,
Anti-simétrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,
todas as outras propriedades acima demonstradas para a relação x < y
são válidas, também, para a relação x ≤ y.
• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o
subconjunto de K formado por estes elementos é infinito, e se identifica
de maneira natural ao conjunto N dos números naturais.
Indiquemos por 1 0 o elemento neutro da multiplicação de K e definamos por indução a função f : N −→ K, pondo
f(1) = 1 0
e
f(n + 1) = f(n) + 1 0 .
Por indução, podemos verificar que f(m + n) = f(m) + f(n) e que se
m < n então f(m) < f(n). De fato:
• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m + n) = f(m) + f(n)}.
Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, então
f(m + (n + 1)) = f((m + n) + 1) = f(m + n) + 1 0
= f(m) + f(n) + 1 0 = f(m) + f(n + 1) .
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39
Análise na Reta
ou seja, n + 1 ∈ X. Logo, X = N.
• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Então:
◦
1 ∈ Y, pois f(1) = 1 0 ∈ P ,
◦
se n ∈ Y, então n + 1 ∈ Y, pois f(n + 1) = f(n) + 1 0 ∈ P.
Logo, Y = N.
Temos, assim, que se m < n então f(m) < f(n), pois, como existe
Exercı́cio 4: Verifique que
f(mn) = f(m)f(n) , ∀ m, n ∈ N .
p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,
f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.
Portanto, f : N −→ f(N) = N 0 ⊂ K é uma bijeção, onde N 0 é o
subconjunto de K formado pelos elementos 1 0 , 1 0 + 1 0 , 1 0 + 1 0 + 1 0 , . . . que
preserva a soma, o produto e a relação de ordem. Podemos, então, identificar N 0 com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em
vez de 1 0 .
Em particular, um corpo ordenado K é infinito e tem caracterı́stica
zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o número de
parcelas 1.
Considere o conjunto Z 0 = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n | n ∈ N}.
Então, Z 0 é um subgrupo abeliano de K com respeito à operação de
adição.
De fato, 0 ∈ Z 0 e se x ∈ Z 0 então −x ∈ Z 0 . Resta verificar que se
x, y ∈ Z 0 então x + y ∈ Z 0 .
• Se x, y ∈ N então x + y ∈ N ⊂ Z 0 .
• Se x, y ∈ −N então (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z 0 .
• Se x ∈ N e y ∈ −N então, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou
Exercı́cio 5: Verifique que se
m, n ∈ N 0 e m − n > 0 então
m − n ∈ N0 .
Exercı́cio 6: Verifique que xy ∈
Z 0 quaisquer que sejam x, y ∈
Z0 .
x + y = x − z = 0 ∈ Z 0 , ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou
x + y = x − z < 0 e, portanto, x + y ∈ −N.
• Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 então x + y = x ∈ Z 0 .
Podemos, assim, identificar Z 0 com o grupo Z dos números inteiros.
m Seja, agora, Q 0 =
m ∈ Z e n ∈ Z? . Então, Q 0 é um subcorpo
n
de K, pois:
40
J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados
◦
0, 1 ∈ Q 0 ,
◦
se
m
m
−m
∈ Q 0 então − =
∈ Q 0.
n
n
n
◦
se
m
n
∈ Q 0 ? então
∈ Q 0.
n
m
◦
se
m m0
m
m0
, 0 ∈ Q 0 então
+ 0 ∈ Q 0 . De fato, como
n n
n
n
nn
0
m
m0
+ 0
n
n
=
mnn 0
m 0 nn 0
= mn 0 + m 0 n ,
+
n
n0
temos que
mn 0 + m 0 n
m
m0
∈ Q0 ,
+ 0 =
n
n
nn 0
pois, como já vimos, mn 0 + m 0 n ∈ Z e nn 0 ∈ Z? .
• Q 0 é o menor subcorpo de K.
Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por
adições sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os
simétricos, deve conter Z e por divisões em Z, deve conter o conjunto das
frações
m
, m ∈ Z e n ∈ Z? .
n
Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o
corpo Q dos números racionais.
Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo
natural, as inclusões
N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K.
Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contém todas as frações do tipo
p
, onde p e q são polinômios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,
q
Q ⊂ Q(t). Proposição 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)
Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 então
(1 + x)n ≥ 1 + nx
Prova.
Faremos a demonstração por indução em n.
Johann Bernoulli
(1667-1748) Suı́ça.
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41
Análise na Reta
Para n = 1 a desigualdade é óbvia.
Se (1 + x)n ≥ 1 + nx, então
Exercı́cio 7: Mostre que se n ∈
N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, então
a desigualdade de Bernoulli é estrita, isto é,
(1 + x)n > 1 + nx .
(1 + x)n+1 = (1 + x)n (1 + x) ≥ (1 + nx)(1 + x)
= 1 + nx + x + nx2 = 1 + (n + 1)x + nx2
≥ 1 + (n + 1)x .
Observação 3.2 (Sobre a Boa Ordenação)
Existem conjuntos não-vazios de números inteiros que não possuem um
menor elemento.
Exemplo 3.6 O conjunto Z não possui um menor elemento.
De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0 , pois n0 − (n0 −
1) = 1 > 0. Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n | n ∈ Z} dos inteiros pares não possui
um menor elemento.
De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0 . Exemplo 3.8 Se X ⊂ N é um conjunto infinito de números naturais,
então −X = {−n | n ∈ X} é um conjunto não-vazio de números inteiros
que não possui um menor elemento.
Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.
Então, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que é absurdo, pois, como X é infinito,
X não é limitado superiormente. Mas, se um conjunto não-vazio X ⊂ Z é limitado inferiormente, então
X possui um menor elemento.
Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Então, x − a > 0 para todo
x ∈ X, ou seja x − a ∈ N para todo x ∈ X.
Seja A = {(x − a) | x ∈ X}.
Como A ⊂ N, temos, pelo Princı́pio da Boa Ordenação, que existe
n0 ∈ A tal que n0 ≤ x − a para todo x ∈ X.
42
J. Delgado - K. Frensel
Intervalos
Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Então, x0 − a ≤ x − a para todo
x ∈ X.
Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.
4.
Intervalos
Num corpo ordenado, existe a importante noção de intervalo.
• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos
limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:
◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K | a ≤ x ≤ b} ;
◦ Intervalo fechado à esquerda: [a, b) = {x ∈ K | a ≤ x < b} ;
◦ Intervalo fechado à direita: (a, b] = {x ∈ K | a < x ≤ b} ;
◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K | a < x < b} ;
• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados
de origem a como sendo os conjuntos:
◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;
◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;
◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a, +∞) = {x ∈ K | a ≤ x} ;
◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a, +∞) = {x ∈ K | a < x} ;
◦ (−∞, +∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.
Observação 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] é conveniente
admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do único
ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.
Observação 4.2 Todo intervalo não-degenerado é um conjunto infinito.
a+b
< b, pois
2
a+b
b−a
b−
=
> 0.
2
2
Com efeito, se a, b ∈ K e a < b então a <
a+b
b−a
−a=
> 0,
2
2
Faça x1 =
e
a+b
a + xn
, e defina por indução, xn+1 =
.
2
2
Instituto de Matemática - UFF
43
Análise na Reta
Então, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.
Como a função ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , é uma bijeção,
ϕ(N) é um conjunto infinito enumerável.
Fig. 1: Construção da sequência x1 , x2 , . . . , xn , . . ..
Definição 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou
módulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e
−x, se x < 0. Assim,


x ,


|x| = 0 ,



−x ,
se x > 0
se x = 0
se x < 0
Observação 4.3 Tem-se
|x| = max{x, −x} ,
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.
Proposição 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes
afirmações são equivalentes:
(1) −a ≤ x ≤ a ;
(2) x ≤ a e −x ≤ a ;
(3) |x| ≤ a.
Prova.
Temos que
−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x
e
x≤a
⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x
⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .
Corolário 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se
|x − a| ≤ b se, e só se, a − b ≤ x ≤ a + b .
44
J. Delgado - K. Frensel
Intervalos
Prova.
De fato, |x − a| ≤ b se, e só se, −b ≤ x − a ≤ b, ou seja, a − b ≤ x ≤ a + b
(somando a). Observação 4.4 Todas as afirmações da proposição e do seu corolário
são verdadeiras com < em vez de ≤.
Em particular,
x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ a − ε < x < a + ε ⇐⇒ |x − a| < ε .
Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, é formado
pelos pontos x ∈ K cuja distância, |x − a|, de a é menor do que ε.
Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.
Na figura ao lado, representamos os elementos do conjunto em
questão, no caso, a, x ∈ (a −
ε, a + ε), por um ponto cheio. Os
pontos sem preenchimento representam pontos que não pertencem ao conjunto em questão.
Proposição 4.2 Para elementos arbitrários de um corpo ordenado K,
valem as relações:
(1) |x + y| ≤ |x| + |y| ;
(2) |x · y| = |x| · |y| ;
(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x − y| ;
(4) |x − y| ≤ |x − z| + |z − y| .
Prova.
(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que
−(|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
Logo, |x + y| ≤ |x| + y|.
(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2 , pois se |x| = x, então |x|2 = x2 , e se
|x| = −x, também |x|2 = (−x)2 = x2 . Logo,
|xy|2 = (xy)2 = x2 y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .
Então, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.
(3) Por (1), |x| = |x − y + y| ≤ |x − y| + |y|, ou seja, |x − y| ≥ |x| − |y|.
De modo análogo, |y − x| ≥ |y| − |x|.
Como |y − x| = |x − y|, temos que −|x − y| ≤ |x| − |y|.
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45
Análise na Reta
Assim,
−|x − y| ≤ |x| − |y| ≤ |x − y| .
Logo, pela proposição 4.1,
| |x| − |y| | ≤ |x − y| .
A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definição de valor
absoluto.
(4) Por (1), |x − y| = |x − z + z − y| ≤ |x − z| + |z − y| . Definição 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.
• X é limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo
x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade é uma cota
superior de X.
• X é limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo
x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a, +∞). Cada a com esta propriedade é uma cota
inferior de X.
• X é limitado quando é limitado superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Exemplo 4.1 No corpo Q dos números racionais, o conjunto N dos
números naturais é limitado inferiormente, pois N ⊂ [1, +∞), mas não
é limitado superiormente.
De fato, se
p
p
∈ Q, então |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 > , pois
q
q
|p| + 1 −
p
|p|q + q − p
=
q
q
e
(|p|q + q − p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq
≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .
Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das frações racionais, o conjunto N dos
números naturais é limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0, +∞) e
n < t para todo n ∈ N, já que o coeficiente do termo de maior grau de
t − n é 1 > 0 46
J. Delgado - K. Frensel
Números reais
Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equivalentes:
(a) N ⊂ K é ilimitado superiormente;
(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.
(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 <
1
< a.
n
Prova.
(a)=⇒(b) Como N é ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,
existe n ∈ N tal que n >
b
b
. Logo, na > a · = b.
a
a
(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Então
0<
1
< a.
n
(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, então b < 1 e, portanto, b não é cota
superior de N.
Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 <
1
1
< . Logo, b < n e não é,
n
b
portanto, uma cota superior de N. Definição 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K é arquimediano se
N ⊂ K é ilimitado superiormente.
Exemplo 4.3 O corpo Q dos números racionais é arquimediano, mas o
corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, não é arquimediano.
5.
Números reais
Definição 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto
limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X
quando b é a menor das cotas superiores de X em K.
Assim, b ∈ K é o supremo de X se, e só se, b satisfaz as duas
condições abaixo:
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47
Análise na Reta
S1: b ≥ x para todo x ∈ X.
S2: Se c ∈ K é tal que c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b.
A condição S2 é equivalente à condição:
S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.
Observação 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, é único.
De fato, se b e b 0 em K cumprem as condições S1 e S2, então, b ≤ b 0 e
b 0 ≤ b, ou seja, b 0 = b.
O supremo de um conjunto X será denotado por sup X.
Observação 5.2 O conjunto vazio ∅ não possui supremo em K, pois
todo elemento de K é uma cota superior do conjunto vazio e K não possui
um menor elemento.
Definição 5.2 Um elemento a ∈ K é o ı́nfimo de um subconjunto Y ⊂ K
limitado inferiormente quando a é a maior das cotas inferiores de Y.
Assim, a ∈ K é o ı́nfimo de Y se, e só se, a satisfaz as duas
condições abaixo:
I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.
I2: Se c ∈ K é tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, então c ≤ a.
A condição I2 é equivalente à condição:
I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.
Observação 5.3 O ı́nfimo de um conjunto X, quando existe, é único, e
será denotado por inf X
Observação 5.4 O conjunto ∅ não possui ı́nfimo em K, pois todo elemento de K é uma cota inferior do conjunto vazio e K não possui um maior
elemento.
Exemplo 5.1
• Se X ⊂ K possui um elemento máximo b ∈ X, então b = sup X. De fato:
(1) b ≥ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b, pois a ∈ X.
48
J. Delgado - K. Frensel
Números reais
• Se X ⊂ K possui um elemento mı́nimo a ∈ X, então a = inf X. De fato:
(1) a ≤ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, então c ≤ a, pois a ∈ X.
• Se b = sup X ∈ X, então sup X é o maior elemento de X, pois b ≥ x para
todo x ∈ X e b ∈ X.
• Se a = inf X ∈ X, então inf X é o menor elemento de X, pois a ≤ x para
todo x ∈ X e a ∈ X.
Em particular, se
◦
X é finito, então o sup X e o inf X existem e pertencem a X.
◦
X = [a, b], então sup X = b e inf X = a.
◦
X = (−∞, b], então sup X = b.
◦
X = [a, +∞), então inf X = a. Exemplo 5.2 Se X = (a, b), então inf X = a e sup X = b.
Com efeito, b é uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,
a+b
a+b
∈ X, por exemplo, tal que c <
. Se a < c < b, então
2
2
c+b
c+b
∈Xec<
. Assim, b = sup X.
2
2
existe x =
De modo análogo, podemos provar que a = inf X.
Observe que, neste exemplo, sup X 6∈ X e inf X 6∈ X. Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das frações do tipo
Então, sup Y =
• Como
1
, n ∈ N.
2n
1
e inf Y = 0.
2
1
1
1
1
∈ Y e n < para todo n > 1, n ∈ N, temos que é o maior
2
2
2
2
elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.
• Sendo
1
≥ 0 para todo n ∈ N, 0 é cota inferior de Y.
2n
Seja b > 0 em Q. Como Q é um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal
que n0 >
1
1
− 1. Logo, n0 + 1 > .
b
b
Pela desigualdade de Bernoulli, temos que
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49
Análise na Reta
2n0 = (1 + 1)n0 ≥ 1 + n0 >
ou seja, b >
1
,
b
1
. Assim, 0 = inf X. 2n0
Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de números racionais não possuem ı́nfimo ou supremo em Q.
Lema 5.1 (Pitágoras)
Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2.
Prova.
Suponhamos, por absurdo, que existe
p
∈ Q tal que
q
2
p
q
= 2,
ou seja p2 = 2q2 .
O fator 2 aparece um número par de vezes na decomposição de p2 e de
q2 em fatores primos.
Como p2 possui um número par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um
número ı́mpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradição. Exemplo 5.4 Sejam
X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y = x ∈ Q | y > 0 e y2 > 2 .
Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X é um subconjunto
limitado.
Sendo Y ⊂ [0, +∞), Y é limitado inferiormente.
Mostraremos que X não possui um supremo em Q e que Y não possui um
ı́nfimo em Q.
(1) O conjunto X não possui elemento máximo.
Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como
existe n ∈ N tal que
Faça r =
50
1
2 − b2
<
.
n
1 + 2b
1
. Então 0 < r < 1 e
n
J. Delgado - K. Frensel
2 − b2
> 0 e Q é arquimediano,
1 + 2b
Números reais
(b + r)2 = b2 + 2rb + r2 < b2 + 2rb + r
= b2 + (2b + 1)r < b2 + (2b + 1)
2 − b2
2b + 1
= b2 + 2 − b2 = 2 .
Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que
b + r > b.Logo, X não possui maior elemento.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,
existe n ∈ N tal que
0<r=
1
b2 − 2
<
.
n
2b
Logo,
(b − r)2 = b2 − 2br + r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2
e
b−r>b−
b2 − 2
b
1
b
1
= b − + = + > 0,
2b
2
b
2
b
ou seja, b − r ∈ Y e b − r < b. Assim, X não possui menor elemento.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, então x < y.
De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >
0 =⇒ y − x > 0, ou seja, y > x, pois y + x > 0.
• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que não existem sup X e inf Y em Q.
◦
Suponhamos, primeiro, que existe a = sup X, a ∈ Q. Então, a > 0
e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.
Se a2 > 2, então a ∈ Y. Como a não é o menor elemento de Y, existe
b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz
ser a = sup X.
Assim, se existir a = sup X, a2 = 2 e a ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema
de Pitágoras.
◦
Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Então, b > 0,
pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.
Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que é absurdo
por (2).
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51
Análise na Reta
Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, então b ∈ X. Como b não é o maior elemento de
X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que
contradiz ser b = inf Y.
Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema de Pitágoras. Observação 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo
ordenado K no qual todo subconjunto não-vazio limitado superiormente
possui supremo, existirá neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.
De fato, K, sendo ordenado, contém Q e, portanto, contém o conjunto
X, que é limitado superiormente. Então, existirá a = sup X em K, cujo
quadrado deverá ser igual a 2.
Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado não arquimediano.
Então, N ⊂ K é limitado superiormente, mas não possui supremo.
De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Então, n + 1 ≤ b para todo
n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 é uma cota superior
de N menor do que b. Definição 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo
subconjunto de K não-vazio e limitado superiormente possui supremo em
K.
Observação 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto
Y ⊂ K não-vazio limitado inferiormente possui ı́nfimo em K.
De fato, considere X = −Y = {−y | y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de
Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Então, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou
seja, −b é uma cota superior de X e, portanto, X é limitado superiormente.
Sendo K completo, existe a = sup X.
Vamos mostrar que −a = inf Y:
◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.
◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, então −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,
a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.
Observação 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado
completo é arquimediano.
52
J. Delgado - K. Frensel
Números reais
Exemplo 5.6
• Q não é completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q não-vazio
e limitado superiormente não possui supremo em Q.
• Q(t) não é completo, pois Q(t) não é arquimediano. Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Análise Matemática.
Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo
dos números reais.
Observação 5.8 Existe em R um número positivo a tal que a2 = 2, que
é representado pelo sı́mbolo
√
2, e é único.
De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, então
a2 − b2 = 0 =⇒ (a − b)(a + b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.
Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.
Além disto, a ∈ R − Q.
Definição 5.4 O conjunto I = R − Q é o conjunto dos números irracionais.
Exemplo 5.7
√
2 ∈ I .
Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um único
número real b > 0 tal que bn = a. O número b chama-se raiz n−ésima
√
de a e é representado pelo sı́mbolo n a.
Consideremos os conjuntos:
X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a}
e
Y = {y ∈ R | y > 0 e yn > a}
O conjunto Y é limitado inferiormente pelo zero.
O conjunto X não é vazio, pois 0 ∈ X, e é limitado superiormente. De fato:
• se a ≤ 1, então 1 é cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que
zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].
• se a > 1, então an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se
zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).
Como R é completo, existe b = sup X. Vamos provar que bn = a.
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53
Análise na Reta
(1) X não possui elemento máximo.
Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,
x + d ∈ X e x + d > x.
Afirmação: Dado x > 0 existe, para cada n, um número real positivo An ,
que depende de x, tal que (x + d)n ≤ xn + An d seja qual for 0 < d < 1.
Vamos provar esta afirmação por indução em n.
Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que
(x + d)n+1 = (x + d)n (x + d) ≤ (xn + an d)(x + d)
= xn+1 + An dx + dxn + An d2
= xn+1 + (An x + xn + An d)d
< xn+1 + (An x + xn + An )d ,
já que 0 < d < 1. Tomando An+1 = An x + xn + An , temos que
(x + d)n+1 ≤ xn+1 + An+1 d.
Dado x ∈ X, isto é, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que
a − xn
0 < d < min 1,
.
An
Então,
(x + d)n ≤ xn + An d < xn +
An (a − xn )
= a,
An
ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X não possui elemento
máximo.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y − d)n > a,
ou seja, y − d ∈ Y e y − d < y.
Seja 0 < d < y. Então, 0 <
d
d
< 1, ou seja, −1 < − < 0.
y
y
Pela desigualdade de Bernoulli, temos
n
d
d
n
n
n
≥y 1−n
= yn − ndyn−1 .
(y − d) = y 1 −
y
Se tomarmos 0 < d < min
y
yn − a
y, n−1 , teremos que
ny
(y − d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1
54
J. Delgado - K. Frensel
(yn − a)
= yn − yn + a = a ,
nyn−1
Números reais
ou seja, y − d > 0 e (y − d)n > a.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y então x < y.
De fato, como xn < a < yn , x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn
e, portanto,
yn − xn = (y − x)(yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 ) > 0 .
Como
yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 > 0,
Exercı́cio 8: Prove que
`
yn − xn = (y − x) yn−1 + yn−2 x
´
+ . . . + yxn−2 + xn−1 ,
temos que y − x > 0, ou seja, x < y.
Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = sup X, então
quaisquer que sejam x, y ∈ R e
n ∈ N.
bn = a.
Se bn
<
a,
temos que b
∈
X,
o que é absurdo,
pois
b = sup X e, portanto, o elemento máximo de X, o que contradiz (1).
Se bn > a, então b ∈ Y, pois b > 0.
Como, por (2), Y não possui um elemento mı́nimo, existe c ∈ Y tal que
c < b.
Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c é uma cota superior de X
Exercı́cio 9: Mostrar que Y 6= ∅
e bn = a, onde b = inf Y .
Exercı́cio 10: Mostrar que existe
um único b > 0 em R tal que
bn = a (ver observação 5.9).
menor do que b = sup X, o que é absurdo. Logo, bn = a. Observação 5.9 Dado n ∈ N, a função f : [0, +∞) −→ [0, +∞) definida
por f(x) = xn é sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo
a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e é injetiva, pois se 0 < x < y, então,
pela monotonicidade da multiplicação, 0 < xn < yn .
Logo, f é uma bijeção de [0, +∞) sobre si mesmo, e sua inversa
√
f−1 : [0, +∞) −→ [0, +∞) é dada por y −→ n y, a única raiz n−ésima
não-negativa de y.
Observação 5.10 (Generalização do Lema de Pitágoras)
Dado n ∈ N. Se um número natural m não possui uma raiz n−ésima
natural, também não possui uma raiz n−ésima racional.
n
De fato, sejam p, q números naturais primos entre si tais que
p
q
= m.
Então, pn = m qn .
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55
Análise na Reta
Como pn e qn são primos entre si e qn divide pn , temos que q = 1, ou
seja,
p
∈ N, o que é absurdo.
q
Então, dados m, n ∈ N, se
√
n
m 6∈ N então
√
n
m ∈ I = R − Q, ou seja,
√
n
m
é um número irracional.
Exemplo 5.9
√
2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja, 2 6∈ N.
√
√
• 3 3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3 3 6∈ N.
√
√
• 3 6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3 6 ∈
6 N. •
√
Mostraremos, agora, que os números irracionais se acham espalhados por toda parte entre os números reais e que há mais números
irracionais do que racionais.
Definição 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo
intervalo aberto (a, b) contém algum ponto de X.
Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z é denso em R.
De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Então, existe n0 ∈ Z
tal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,
(a, b) ∩ Z ⊂ {n0 , . . . , n0 + (m0 − n0 )} ,
que é um conjunto finito.
Como já provamos que (a, b) é um conjunto infinito, temos que o conjunto
(a, b) ∩ (R − Z) é, também, infinito e, em particular, é não-vazio. Teorema 5.1 O conjunto Q dos números racionais e o conjunto R − Q
dos números irracionais são densos em R.
Prova.
Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.
Afirmativa 1: Existe um número racional em (a, b).
Como b − a > 0, existe p ∈ N tal que
Seja A = m ∈ Z
56
J. Delgado - K. Frensel
m
≥b .
p
1
< b − a.
p
Números reais
Como R é arquimediano, A é um conjunto não-vazio de números inteiros,
limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por
um número inteiro.
Então, pelo Princı́pio de Boa Ordenação (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal
que m0 ≤ m para todo m ∈ A.
Logo, como m0 − 1 < m0 , temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja,
Temos, também, que a <
m0 − 1
< b.
p
m0 − 1
< b, pois, caso contrário,
p
m
m0 − 1
≤a<b≤ 0,
p
p
o que acarretaria b − a ≤
Logo, a <
m0
m −1
1
− 0
= , uma contradição.
p
p
p
m −1
m0 − 1
< b, ou seja, 0
∈ (a, b) ∩ Q.
p
p
Afirmativa 2: Existe um número irracional em (a, b).
Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b
ou a < b < 0.
√
b−a
1
2
Seja p ∈ N tal que < √ , ou seja,
< b − a.
p
p
2
√
2m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p
Como R é arquimediano, A é não-vazio, limitado inferiormente por
bp
√ ∈ R. Então, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo
2
√
2 (m0 − 1)
m0 − 1 < m0 , m0 − 1 6∈ A, ou seja,
< b.
p
√
2 (m0 − 1)
Além disso,
> a, pois, caso contrário,
p
√
√
2 (m0 − 1)
2 m0
≤a<b≤
.
p
p
√
√
2
2 (m0 − 1)
Então, b − a ≤
, o que é absurdo. Assim a <
< b e
p
p
m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).
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57
Análise na Reta
√
Logo,
2(m0 − 1)
∈ (R − Q) ∩ (a, b).
p
• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal
√
1
2
b
que < √ , ou seja,
< b.
p
p
2
√
√
2
2
< b, temos que
∈ (R − Q) ∩ (a, b). Como a < 0 <
p
p
Teorema 5.2 (Princı́pio dos Intervalos Encaixados)
Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma seqüência decrescente de intervalos
In = [an , bn ] limitados e fechados.
\
Então a interseção
In não é vazia. Mais precisamente,
n∈N
\
In = [a, b] ,
n∈N
onde a = sup an e b = inf bn .
Prova.
Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn , pois In+1 = [an+1 , bn+1 ] ⊂
[an , bn ] = In . Segue-se, então, que
a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,
pois an ≤ bm quaisquer que sejam m, n ∈ N.
De fato, se m = n, an ≤ bn . Se n < m, an ≤ am ≤ bm , e se n > m,
an ≤ bn ≤ bm .
Sejam A = {an | n ∈ N} e B = {bn | n ∈ N}. Então A e B são subconjuntos
limitados de R, já que: a1 é uma cota inferior e bm é uma cota superior de
A, para todo m ∈ N; e b1 é uma cota superior e am é uma cota inferior de
B, para todo m ∈ N.
Sejam a = sup A e b = inf B.
Como, para todo m ∈ N, bm é uma cota superior de A e am é uma cota
inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am .
Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.
Então, [a, b] ⊂ In , pois an ≤ a ≤ b ≤ bn , para todo n ∈ N.
58
J. Delgado - K. Frensel
Números reais
Portanto, [a, b] ⊂
\
In .
n∈N
Precisamos ainda provar que
\
In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe
n∈N
x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.
Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x é cota superior de A e, portanto, x ≥ a,
o que é uma contradição.
De modo análogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo
n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y é uma cota inferior de B. Logo,
b ≥ y, o qual é absurdo.
Temos, então, que [a, b] =
\
In . n∈N
Teorema 5.3 O conjunto R dos números reais não é enumerável.
Prova.
Precisamos, antes, provar a seguinte:
Afirmação: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um
número real x0 , existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal
que J ⊂ I e x0 6∈ J.
De fato:
• se x0 6∈ I, tome J = I.
• suponha que x0 ∈ I. Se
ha + b i
◦ x0 = a, tome J =
,b ;
2
◦
a+b
x0 = b, tome J = a,
;
2
◦
h a+x i
0
a < x0 < b, tome J = a,
.
h
i
2
• Seja X = {x1 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de R.
Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.
Seja I1 um intervalo limitado, fechado e não-degenerado tal que x1 6∈ I1 .
Supondo que é possı́vel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,
fechados e não-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos
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59
Análise na Reta
obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e não-degenerado tal que In+1 ⊂
In e xn+1 6∈ In+1 .
Isto nos fornece uma seqüência decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de
intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para
todo n ∈ N.
Como xn 6∈ In , para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.
Logo x ∈ R − X, ou seja, R não é enumerável. Corolário 5.1 Todo intervalo não-degenerado de números reais é nãoenumerável.
Prova.
• Primeiro vamos provar que R =
[
(n, n + 1], isto é, dado x ∈ R existe
n∈N
n ∈ N tal que n < x ≤ n + 1.
Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A é um subconjunto não-vazio de Z
limitado inferiormente, A possui um elemento mı́nimo n0 .
Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.
• Precisamos, também, verificar que a função f : (0, 1) −→ R definida por
f(x) = (b − a)x + a é uma bijeção sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:
◦ se 0 < x < 1, então a < (b − a)x + a < b .
◦ se f(x) = f(y), então (b − a)x + a = (b − a)y + a, donde (b − a)x =
(b − a)y, ou seja, x = y.
◦ se y ∈ (a, b), então x =
y−a
∈ (0, 1) e f(x) = y.
b−a
• Portanto, se provarmos que (0, 1) não é enumerável, então todo intervalo
não-degenerado é não-enumerável.
Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) é enumerável.
Então, o intervalo (n, n + 1] também seria enumerável, pois a função fn :
(0, 1] −→ (n, n + 1] definida por f(x) = x + n é uma bijeção para todo
n ∈ N.
Mas, assim, R =
[
n∈N
60
J. Delgado - K. Frensel
(n, n + 1] seria enumerável por ser uma reunião
enumerável dos conjuntos enumeráveis (n, n + 1]. Corolário 5.2 O conjunto dos números irracionais não é enumerável.
Prova.
Como Q é enumerável e R = Q ∪ (R − Q), então R − Q não é enumerável, pois, caso contrário, R seria enumerável por ser reunião de dois
conjuntos enumeráveis. Instituto de Matemática - UFF
61
62
J. Delgado - K. Frensel
Parte 3
Sequências e séries de números
reais
A noção de limite tem um papel central no estudo da Análise Matemática, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a
limites direta ou indiretamente.
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63
64
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências
1. Seqüências
Definição 1.1 Uma seqüência de números reais é uma função definida
no conjunto N dos números naturais e tomando valores no conjunto R dos
números reais.
Se x : N −→ R é uma seqüência de números reais, o valor x(n) será
representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−ésimo termo
da seqüência x.
Escreveremos (x1 , x2 , . . . , xn , . . .) ou (xn )n∈N ou (xn ) para indicar a
seqüência x.
Observação 1.1
• Não se deve confundir a seqüência x com o conjunto de seus termos:
x(N) = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} ,
que pode ser finito, pois a seqüência x : N −→ R não é necessariamente
injetiva.
Definição 1.2 Quando a seqüência a : N −→ R for injetiva, ou seja,
xn 6= xm , se n 6= m, diremos que x é uma seqüência de termos dois a
dois distintos.
Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência (xn )n∈N é
• limitada superiormente quando existe um número real b tal que xn ≤ b
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.
• limitada inferiormente quando existe um número real a tal que a ≤ xn
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a, +∞) para todo n ∈ N.
• limitada quando é limitada superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.
• ilimitada quando não é limitada.
Observação 1.2
• Todo intervalo [a, b] está contido num intervalo centrado em 0 da forma
[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤
c, já que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.
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65
Análise na Reta
• Assim, uma seqüência é limitada se, e só se, existe c ∈ R?+ tal que
|xn | ≤ c para todo n ∈ N.
• Então, (xn )n∈N é uma seqüência limitada se, e só se, (|xn |)n∈N é uma
seqüência limitada.
Definição 1.4 Uma subseqüência da seqüência x = (xn )n∈N é a restrição
da função x : N −→ R a um subconjunto infinito N 0 = {n1 < n2 <
. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se
x 0 = (xn )n∈N 0
ou
(xnk )k∈N
ou
0
(xn1 , xn2 , . . . , xnk ) para indicar a subseqüência x = x|N 0 .
Observação 1.3 Lembremos que um subconjunto N 0 ⊂ N é infinito
se, e só se, é ilimitado, isto é, para todo m ∈ N existe n ∈ N 0 tal que
m < n. Neste caso, dizemos que N 0 contém números naturais arbitrariamente grandes.
Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N 0 , então
N − N 0 é finito e, portanto, N 0 é infinito. Dizemos, neste caso, que N 0
contém todos os números naturais suficientemente grandes.
Observação 1.4 Toda subseqüência de uma seqüência limitada é limitada
Note que: Uma seqüência crescente ou não-decrescente é limitada inferiormente pelo seu primeiro termo.
Definição 1.5
• Uma seqüência (xn )n∈N é crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,
ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a
seqüência é não-decrescente.
Note que: Uma seqüência decrescente ou não-crescente é li-
• Uma seqüência (xn )n∈N é decrescente quando xn > xn+1 para todo
mitada superiormente pelo seu
primeiro termo.
n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a
seqüência é não-crescente.
• As seqüências crescentes, não-decrescentes, decrescentes e não-crescentes
são chamadas seqüências monótonas.
Observação 1.5 Uma seqüência monótona (xn )n∈N é limitada se, e só
se, possui uma subseqüência limitada.
Com efeito, vamos supor que x = (xn )n∈N é não-decrescente e (xn )n∈N 0
é uma subseqüência limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b
66
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências
para todo n ∈ N 0 . Como N 0 é ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N 0 tal que
m > n.
Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.
Analisaremos agora alguns exemplos de seqüências.
Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é uma seqüência
constante. Então, ela é limitada não-decrescente e não-crescente. Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a seqüência (xn )n∈N é limitada inferiormente, ilimitada superiormente e monótona crescente. Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ı́mpar. Essa
seqüência é limitada e não é monótona. Observe que a seqüência se
nπ 1 + (−1)n
ou xn = sen2
.
define, também, pelas fórmulas xn =
2
2 Exemplo 1.4 Se xn =
1
para todo n ∈ N, então x =
n
1
1
1, , . . . , , . . .
2
n
é uma seqüência limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para
todo n ∈ N.
Exemplo 1.5 Seja x = (xn )n∈N , onde xn =
n(1 + (−1)n+1 )
para todo
2
n ∈ N. Então xn = 0 para n par e xn = n para n ı́mpar, ou seja, x =
(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela é ilimitada superiormente, limitada inferiormente e
não é monótona, mas seus termos de ı́ndice ı́mpar x2n−1 = 2n − 1 formam
uma subseqüência monótona crescente ilimitada superiormente e seus
termos de ı́ndice par x2n = 0 formam uma subseqüência constante. Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a seqüência xn = an , n ∈ N.
• se a = 0 ou a = 1, então xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo
n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn )n∈N é constante.
• Se 0 < a < 1, então an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,
(xn )n∈N é decrescente e limitada.
• Se −1 < a < 0, então a seqüência não é monótona, pois seus termos
são alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,
pois |an | = |a|n , com 0 < |a| < 1.
Instituto de Matemática - UFF
67
Análise na Reta
• Se a = −1, então a seqüência (an )n∈N é (−1, 1, −1, 1, . . .) e é, portanto,
limitada, mas não é monótona.
• Se a > 1, então a seqüência (an )n∈N é monótona crescente e ilimitada
superiormente.
De fato:
◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a·an > 1·an , ou seja, an+1 > an
para todo n ∈ N.
◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Então, pela desigualdade de Bernoulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n >
b−1
.
h
Logo, an ≥ 1 + nh > b.
• se a < −1, a seqüência não é monótona, pois seus termos são alternadamente positivos e negativos, e não é limitada superiormente nem
inferiormente.
De fato:
◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2 )n formam uma subseqüência monótona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.
◦ Os termos de ordem ı́mpar x2n−1 = a2n−1 =
a2n
formam uma
a
subseqüência decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n )n∈N
é uma seqüência crescente ilimitada superiormente. Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja
x n = 1 + a + . . . + an =
1 − an+1
1−a
para todo n ∈ N.
Então, (xn )n∈N é uma seqüência crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn
para todo n ∈ N; e é limitada, pois 1 < xn <
1
para todo n ∈ N.
1−a
1
1 − n+1
1
1
1
1
2
Em particular, se a = , temos que 1+ +. . .+ n =
<
=2
1
1
2
2
2
1−
1−
2
2
para todo n ∈ N. 68
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências
Exemplo 1.8 Seja an = 1 +
1
1
1
+
+ . . . + , n ∈ N. A seqüência
1!
2!
n!
(an )n∈N é crescente e é limitada, pois
an < 1 + 1 +
1
1
1
+
+ . . . + n−1 < 1 + 2 = 3 ,
2
2·2
2
para todo n ∈ N. Exemplo 1.9 Seja bn = 1 +
1
n
n
, n ∈ N. A fórmula do binômio de
Newton (que pode ser provada por indução) nos dá
bn =
1
1+
n
= 1+n·
+... +
n
1
n(n − 1) 1
n(n − 1)(n − 2) 1
+
· 2+
· 3
n
2!
n
3!
n
n(n − 1) . . . 2 · 1 1
· n,
n!
n
ou seja,
bn
1
1
= 1+1+
1−
2!
n
+
Como 1 −
1
1
1−
n!
n
1−
1
1
+
1−
3!
n
2
1−
n
2
n−1
... 1 −
n
n
+ ...
.
j
> 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn é uma
n
soma de parcelas positivas. Além disso,cada parcela cresce com n, pois
j
j
1−
> 1−
, 1 ≤ j ≤ n − 1, e, também, o número de parcelas
n+1
n
cresce com n.
Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn )n∈N é uma seqüência
crescente.
Observe ainda que (bn )n∈N é uma seqüência limitada, pois
0 < bn < 1 + 1 +
1
1
1
+ + ... +
< 3,
2!
3!
n!
para todo n ∈ N. Importante: Provaremos depois
que as seqüências (an )n∈N e
(bn )n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9
convergem para o número e.
Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,
1
Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 = (xn + xn+1 ), para todo
2
1 3 5 11
n ∈ N. A seqüência que se obtém é 0 , 1 , , , ,
, ... .
2 4 8 16
Instituto de Matemática - UFF
sua média aritmética
a+b
2
é ob-
tida somando-se ao número a a
metade da distância b−a
de a a
2
b, ou subtraindo-se
b−a
2
69
de b.
Análise na Reta
Segue-se que os termos desta seqüência são:
x1 = 0 ,
x2 = 1 ,
1
2
1
= 1−
2
1
= 1−
2
1
= 1−
2
x3 = 1 −
x4
x5
x6
1
,
2
1
1
+ =1− ,
4
4
1
1
1
1
1
1
1+
,
+ − = + =
4
8
2
8
2
4
1
1
1
1
1
1
1
+ − +
=1− −
=1−
+ 2 ,
4
8
16
4
16
4
4
=
etc
Provaremos alguns fatos para obter a fórmula geral dos termos de ordem
par e de ordem ı́mpar.
Afirmação 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 ·
1
, para todo n ∈ N.
2n−1
De fato:
◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1 − 0 = 1 = (−1)2 ·
1
.
20
◦ Suponhamos que a afirmação seja válida para n. Então
1
1
(xn + xn+1 ) − xn+1 = (xn − xn+1 )
2
2
1
1
1
= − (xn+1 − xn ) = − (−1)n+1 · n−1
2
2
2
1
1
= (−1)n+2 · n = (−1)(n+1)+1 (n+1)−1 .
2
2
xn+2 − xn+1 =
Note que:
• Se n é par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn , pois
xn+1 − xn = (−1)n+1 ·
1
2n−1
< 0.
• Se n é ı́mpar, xn < xn+1 , e, portanto, xn < xn+2 < xn+1 , pois
xn+1 − xn = (−1)n+1
1
2n−1
> 0.
Fig. 1: Posicionamento dos pontos da seqüência (xn )n∈N .
70
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências
1
1
1
1 + + . . . + n−1
2
4
4
Afirmação 2: x2n+1 =
para todo n ∈ N.
De fato:
0+1
1
1
= = · 1.
2
2
2
◦
Se n = 1, x3 =
◦
Suponhamos a afirmação verdadeira para n.
Então, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2 , temos que
1
x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 + (x2n+2 − x2n+1 )
2
1 (−1)2n+2
1
1
1
=
1 + + . . . + n−1 + ·
2
4
4
2
22n
1
1
1
1 1
=
1 + + . . . + n−1 + · n
2
4
4
2 4
1
1
1
1
1 + + . . . + n−1 + n .
=
2
Afirmação 3: x2n = 1 −
4
1
4
+ ... +
4
1
4n−1
4
para todo n ∈ N, n ≥ 2.
De fato:
1
.
4
◦
Se n = 2, x4 = 1 −
◦
Suponhamos que a igualdade seja válida para n.
Então, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n , temos que
1
1
x2n+2 = x2n − (x2n − x2n+1 ) = x2n + (x2n+1 − x2n )
2
2
1
1
(−1)2n+1
1
1
1
= 1−
+ . . . + n−1 +
=
1
−
+
.
.
.
+
− n
2n−1
n−1
4
4
2·2
4
4
4
1
1
1
= 1−
+ . . . + n−1 + n .
4
4
4
• Assim, como
1
1 − n+1
1
1
1
1
4
4
1 + + . . . + n−1 + n =
<
= ,
1
1
4
4
4
3
1−
1−
4
4
para todo n ∈ N, temos que
0 ≤ x2n+1 <
1 4
4
· = < 1,
2 3
6
para todo n ≥ 0, e
1 ≥ x2n
4
>1+ 1−
3
=
2
, para todo n ≥ 1.
3
Instituto de Matemática - UFF
71
Análise na Reta
Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn )n∈N é limitada, sendo (x2n+1 )n∈N uma subseqüência crescente e (x2n )n ∈ N uma
subseqüência decrescente. Exemplo 1.11 Seja xn =
√
n
n para todo n ∈ N.
A seqüência (xn )n∈N é decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,
1 n
1 n
como 1 +
< 3 para todo n ∈ N, 1 +
< n para todo n ≥ 3.
n
Logo,
n
(n + 1)n
< n, ou seja, (n + 1)n < nn+1 .
nn
√
√
n + 1 < n n para todo n ≥ 3.
√
√
√
Como 1 = x1 < 2 = x2 < 3 3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 = 3 3 para todo n ∈ N,
n+1
Assim,
concluı́mos também que (xn )n∈N é limitada. 2.
Limite de uma seqüência
Definição 2.1 Dizemos que o número real a é limite da seqüência (xn )n∈N
de números reais, e escrevemos
a = lim xn ,
n→∞
quando para cada número real ε > 0 é possı́vel obter um número natural
n0 tal que
|xn − a| < ε ,
para todo n > n0 .
Simbolicamente, temos que
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀ n > n0
n→∞
ou seja,
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a − ε, a + ε) , ∀ n > n0
n→∞
Assim, a = lim xn se, e só se, todo intervalo aberto de centro a
n→∞
contém todos os termos xn da seqüência, salvo, talvez, para um número
finito de ı́ndices n.
72
J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência
Observação 2.1
• Quando lim xn = a, dizemos que a seqüência (xn )n∈N converge para a
n→∞
ou tende para a e escrevemos, também, xn −→ a.
• Uma seqüência que possui limite chama-se convergente. Caso contrário,
chama-se divergente, ou seja, uma seqüência (xn )n∈N é divergente se,
para nenhum número real a, é verdade que lim xn = a.
n→∞
• lim xn 6= a se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe
n→∞
n1 > n0 com |xn1 − a| ≥ ε0 .
Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)
Se a = lim xn e b = lim xn , então a = b.
n→∞
n→∞
Prova.
Suponhamos a 6= b e seja ε =
1
|b − a| > 0. Temos que:
2
• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩
(b − ε, b + ε), terı́amos que:
|b − a| = |b − x + x − a| ≤ |b − x| + |x − a| < ε + ε = 2ε = |b − a| .
• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n > n0 .
Logo, xn 6∈ (b − ε, b + ε) para todo n > n0 . Então lim xn 6= b. n→∞
Teorema 2.2 Se n→∞
lim xn = a então toda subseqüência de (xn )n∈N converge para a.
Prova.
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn )n∈N . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N
tal que |xn − a| < ε para todo n > n0 .
Como o conjunto N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é ilimitado, existe k0 ∈ N
tal que nk0 > n0 .
Logo, nk > nk0 > n0 e |xnk − a| < ε para todo k > k0 . Corolário 2.1 Se lim xn = a então, para todo k ∈ N, lim xn+k = a.
n→∞
n→∞
Instituto de Matemática - UFF
73
Análise na Reta
Prova.
De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) é uma subseqüência de (xn )n∈N e,
portanto, converge para a.
Observação 2.2
• O limite de uma seqüência não se altera quando dela se omite um
número finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantém
Exercı́cio 12: Se (xn+k )n∈N
converge para a, para algum k ∈
N, então xn −→ a.
quando se omite um número infinito de termos desde que reste ainda um
número infinito de ı́ndices.
• Se (xn )n∈N possui duas subseqüências com limites distintos então (xn )n∈N
é divergente.
• Se (xn )n∈N converge e a subseqüência (xnk )k∈N converge para a, então
xn −→ a.
Teorema 2.3 Toda seqüência convergente é limitada.
Prova.
Seja a = lim xn e tome ε = 1. Então, existe n0 ∈ N tal que xn ∈
n→∞
(a − 1, a + 1) para todo n > n0 .
Sejam A = {a − 1, a + 1, x1 , . . . , xn0 }, M = max A e m = min A. Então
m ≤ xn ≤ M para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é limitada.
Observação 2.3 A recı́proca do teorema anterior não é verdadeira. Por
exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) é limitada, mas não é convergente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn )n∈N possui
duas subseqüências que convergem para limites diferentes.
Observação 2.4 Se uma seqüência não é limitada, ela não é convergente.
Teorema 2.4 Toda seqüência monótona limitada é convergente.
Prova.
Suponhamos que (xn )n∈N é não-decrescente, isto é, xn ≤ xn+1 para todo
n ∈ N.
Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn | n ∈ N}.
74
J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência
Vamos mostrar que a = lim xn .
n→∞
Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε não é cota superior do conjunto dos
termos da seqüência. Logo, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn0 ≤ a. Como
xn ≥ xn0 , para todo n ≥ n0 , temos
a − ε < xn0 ≤ xn ≤ a < a + ε para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a.
n→∞
De modo análogo, podemos provar que se (xn )n∈N é não-crescente, então
lim xn = inf{xn | n ∈ N}.
n→∞
Corolário 2.2 Se uma seqüência monótona (xn )n∈N possui uma subseqüência convergente, então (xn )n∈N é convergente.
Prova.
Pela observação 1.5, temos que a seqüência monótona (xn )n∈N é limitada porque possui uma subseqüência convergente e, portanto limitada.
Então, pelo teorema anterior, (xn )n∈N é convergente.
Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto à convergência.
Exemplo 2.1 Toda seqüência constante, xn = a, n ∈ N, é convergente
e tem limite a.
Exemplo 2.2 A seqüência de termo geral xn = n, n ∈ N, não é convergente porque não é limitada.
Exemplo 2.3 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn =
1 + (−1)n+1
, n ∈ N,
2
é divergente porque possui duas subseqüências (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N que
convergem para limites diferentes.
Exemplo 2.4 A seqüência
1
n
tem limite zero.
n∈N
De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que
Então, −ε <
1
< ε.
n0
1
1
<
< ε, para todo n > n0 . n
n0
Instituto de Matemática - UFF
75
Análise na Reta
Exemplo 2.5 A seqüência (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) não é
convergente porque possui uma subseqüência, (x2n−1 )n∈N , ilimitada.
Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a seqüência (an )n∈N . Então:
• Se a = 1 ou a = 0, a seqüência constante (an )n∈N converge e tem limite
1 e 0, respectivamente.
• Se a = −1, a seqüência (−1, 1, −1, 1, . . .) é divergente, pois possui duas
subseqüências, (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N , que convergem para limites diferentes.
• Se a > 1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois é crescente e ilimitada
superiormente.
• Se a < −1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois não é limitada superiormente nem inferiormente.
• Se 0 < a < 1, a seqüência (an )n∈N é decrescente e limitada, logo,
convergente. Além disso, lim an = 0.
n→∞
1
1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > para todo n ≥ n0 ,
a
ε
n 1
pois a seqüência
é crescente e ilimitada superiormente, já
a
que
n∈N
1
> 1. Logo, −ε < an < ε ∀ n ≥ n0 .
a
• Se −1 < a < 0, lim an = 0, pois lim |an | = lim |a|n = 0, já que
n→∞
n→∞
n→∞
0 < |a| < 1.
Observação 2.5 n→∞
lim xn = 0 ⇐⇒ lim |xn | = 0.
n→∞
Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a seqüência (xn )n∈N , onde
x n = 1 + a + . . . + an =
1 − an+1
,
1−a
é convergente porque é crescente e limitada superiormente. Além disso,
lim xn =
n→∞
1
.
1−a
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an | < ε(1 − a) para todo n > n0 .
1 |an+1 |
Logo, xn −
< ε para todo n ≥ n0 .
=
1−a
76
J. Delgado - K. Frensel
|1 − a|
Limite de uma seqüência
O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, lim xn =
n→∞
1
, apesar
1−a
de (xn )n∈N não ser monótona para −1 < a < 0. 1
1
1
1
Sejam an = 1 + + + . . . +
+ . . . e bn = 1 +
1!
2!
n!
n
Exemplo 2.8
n
,
para todo n ∈ N.
Como as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes e limitadas, elas
são convergentes.
Mostraremos depois que lim an = lim bn = e, onde e é a base dos
n→∞
n→∞
logaritmos naturais.
Exemplo 2.9 Seja (xn )n∈N a seqüência dada por
x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 =
xn + xn+1
, n ∈ N.
2
Já vimos que:
n 
1
1 1 −
 2 1
1
1
1
4
=
1 + + . . . + n−1 = 
1
−
=
,
1 
2
4
4
2 
3
4n
1−
4

x2n+1
e
x2n = 1 −
1
4
1
+ . . . + n−1
4
1
1
= 2 − 1 + + . . . + n−1
4
4
1
2 4 1
4
1
 1 − 4n 
=
2
−
1
−
= + · n.
= 2−
n
1 
1−
3
4
3
3
4
4
Então a subseqüência (x2n−1 )n∈N é crescente limitada superiormente e a
subseqüência (x2n )n∈N é decrescente limitada inferiormente.
Afirmação 1: lim x2n−1 =
n→∞
2
.
3
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
pois lim
n→∞
1
< ε, para todo n > n0 ,
4n
1
1
= 0, já que 0 < < 1 .
4n
4
1
2
2
Logo, x2n+1 − =
< ε para todo n > n0 .
n
3
3
4
Afirmação 2: lim x2n =
n→∞
2
.
3
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77
Análise na Reta
Dado ε > 0 , ∃ n0 ∈ N tal que
1
3
< ε para todo n ≥ n0 .
n
4
4
2
4 1
Assim, x2n − = · n < ε para todo n ≥ n0 .
3
3
4
Afirmação 3: Se lim x2n+1 = lim x2n = a então lim xn = a.
n→∞
n→∞
n→∞
De fato, dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1 , n
par, e |xn − a| < ε se n > n2 , n ı́mpar.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então, |xn − a| < ε para todo n > n0 , pois n >
n0 ≥ n1 e n > n 0 ≥ n2 .
Pelas 3 afirmações acima, temos que a seqüência (xn )n∈N é convergente
2
e lim xn = . n→∞
3
√
Exemplo 2.10 Como a seqüência ( n n)n∈N é decrescente a partir do
√
terceiro termo e é limitada inferiormente por 0, temos que ( n n)n∈N é con√
vergente. Mostraremos depois que lim n n = 1 .
n→∞
3.
Propriedades aritméticas dos limites
Teorema 3.1 Se n→∞
lim xn = 0 e (yn )n∈N é uma seqüência limitada, então
lim (xn yn ) = 0.
n→∞
Prova.
Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn | < c para todo n ∈ N.
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn | <
|xn yn | < c ·
ε
para todo n > n0 . Logo,
c
ε
= ε para todo n > n0 .
c
Isso mostra que lim (xn yn ) = 0. n→∞
sen(nx)
= 0, pois a seqüência
n
1
é limitada já que | sen(nx)| ≤ 1, e a seqüência
conn n∈N
Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, n→∞
lim
(sen(nx))n∈N
verge para zero. 78
J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites
Observação 3.1 Se n→∞
lim yn = b e b 6= 0, então existe n0 ∈ N tal que
yn 6= 0 para todo n > n0 .
De fato, seja ε = |b| > 0. Então existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b − |b|, b + |b|)
para todo n > n0 , ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0 . Logo,
yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0 , se b > 0, ou yn < b + |b| =
b − b = 0 para todo n > n0 , se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0 , se
b 6= 0.
No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a seqüência
xn
yn
n∈N
a partir de seu n0 −ésimo termo, onde n0 ∈ N é tal que yn 6= 0 se n ≥ n0 .
Teorema 3.2 Se n→∞
lim xn = a e lim yn = b, então:
n→∞
(1) lim (xn + yn ) = a + b ; lim (xn − yn ) = a − b ;
n→∞
n→∞
(2) lim (xn · yn ) = a · b ;
n→∞
(3) lim
xn
a
= , se b 6= 0.
yn
b
Prova.
(1) Dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que
ε
2
ε
|yn − b| <
2
|xn − a| <
para n > n1 ,
para n > n2 .
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,
|(xn + yn ) − (a + b)| = |(xn − a) + (yn − b)|
≤ |xn − a| + |yn − b|
<
ε
ε
+ =ε
2
2
para todo n > n0 .
Se prova, de modo análogo, que (xn − yn ) −→ (a − b) .
(2) Como xn yn − ab = xn yn − xn b + xn b − ab = xn (yn − b) + (xn − a)b,
lim (xn − a) = lim (yn − b) = 0 e (xn )n∈N é limitada, por ser convergente,
n→∞
n→∞
temos que lim xn (yn − b) = lim (xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.
n→∞
n→∞
Instituto de Matemática - UFF
79
Análise na Reta
Logo, pelo item (1),
lim (xn yn − ab) = lim xn (yn − b) + lim (xn − a)b = 0 .
n→∞
n→∞
n→∞
Assim, lim xn yn = ab .
n→∞
(3) Pelo item (2), lim yn b = b2 . Então, dado ε =
n→∞
yn b > b2 −
b2
, existe n0 ∈ N tal que
2
b2
b2
=
> 0 para todo n > n0 .
2
2
Segue-se que 0 <
1
<
yn b
Logo, a seqüência
2
para todo n > n0 .
b2
1
é limitada.
yn b
n∈N
Assim,
lim
n→∞
xn
a
−
yn
b
xn b − yn a
=0
n→∞
yn b
= lim
pelo teorema 3.1, pois lim (xn b − yn a) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e
n→∞
1
(2), e
é limitada.
yn b
n≥n0
Logo, lim xn yn =
n→∞
a
.
b Observação 3.2 Resultados análogos aos itens (1) e (2) do teorema
anterior valem, também, para um número finito qualquer de seqüências.
Mas, o resultado não se aplica para somas, ou produtos, em que o número
de parcelas, ou fatores, é variável e cresce acima de qualquer limite.
Por exemplo, seja sn =
1
1
+ . . . + (n parcelas).
n
n
Então, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, lim sn = 1.
n→∞
1
1
+ . . . + lim
= 0 + . . . + 0 = 0.
n→∞ n
n→∞ n
Assim, lim sn 6= lim
n→∞
Exemplo 3.2 Seja a seqüência (xn )n∈N , onde xn =
• Se a = 1,
Sejam b =
80
√
n
a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim
n→∞
√
n+1
J. Delgado - K. Frensel
aec=
√
n
√
n
√
n
a = 1.
a, ou seja, bn+1 = cn = a .
a , a > 0.
Propriedades aritméticas dos limites
√
• Se a > 1, então n a é decrescente e limitada.
√
De fato, b = n+1 a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bn b = bn+1 = cn .
√
√
√
Logo, b < c, ou seja, n+1 a < n a, e n a > 1 para todo n ∈ N.
√
• Se 0 < a < 1, então n a é crescente e limitada.
√
De fato, b = n+1 a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bn b = bn+1 = cn .
√
√
√
Logo, b > c, ou seja, n+1 a > n a e n a < 1 para todo n ∈ N.
√
Como, para todo a > 0, a seqüência ( n a)n∈N é monótona e limitada,
√
temos, pelo teorema 2.4, que existe lim n a = `.
n→∞
Afirmação: lim
√
n
n→∞
Se a > 1, lim
√
n
n→∞
a = ` > 0.
√
√
a = inf{ n a | n ∈ N} ≥ 1, pois ( n a)n∈N é decrescente e 1
é uma cota inferior.
√
√
√
Se 0 < a < 1, lim n a = sup{ n a | n ∈ N} ≥ a, pois ( n a)n∈N é crescente
n→∞
√
e n a ≥ a para todo n ∈ N.
√
Afirmação: lim n a = 1.
n→∞
1
1
1
Consideremos a subseqüência (a n(n+1) )n∈N = (a n − n+1 )n∈N . Pelo teorema
2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:
1
` = lim a
1
n(n+1)
= lim a
1
− 1
n n+1
n→∞
n→∞
= lim
n→∞
an
a
1
n+1
=
`
= 1.
`
√
Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que n→∞
lim n n = 1.
√
Como ( n n)n∈N é uma seqüência decrescente a partir de seu terceiro
√
termo e n n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que
√
√
` = limn→∞ n n = inf{ n n | n ≥ 3} ≥ 1 .
1
Tomando a subseqüência ((2n) 2n )n∈N , obtemos que
i2
i
h
h 1
1
1
1
`2 = lim (2n) 2n = lim (2n) n = lim 2 n · n n
n→∞
=
n→∞
1
n
n→∞
1
n
lim 2 · lim n = 1 · ` = ` .
n→∞
n→∞
Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. Instituto de Matemática - UFF
81
Análise na Reta
Exemplo 3.4 Seja n→∞
lim yn = 0.
• Se a seqüência
xn
yn
é convergente ou, pelo menos, limitada, então
n∈N
lim xn = 0, pois
n→∞
lim xn = lim
n→∞
n→∞
x
yn n
yn
= 0.
Portanto, se lim yn = 0 e a seqüência (xn )n∈N diverge ou converge para
n→∞
xn
um limite diferente de zero, então a seqüência
é divergente e
yn
n∈N
ilimitada.
• Suponhamos agora que lim xn = lim yn = 0. Neste caso, a seqüência
n→∞
n→∞
xn
pode ser convergente ou não. Por exemplo:
yn
n∈N
◦ se xn =
◦ se xn
gente, pois
◦
pois
1
1
x
e yn =
, a 6= 0, então n = a −→ a.
n
an
yn
(−1)n
1
=
e yn = , então a seqüência
n
n
xn
yn
é divern∈N
xn
= (−1)n .
yn
1
1
se xn = e yn = 2 , então a seqüência
n
n
xn
yn
não converge,
n∈N
xn
= n. yn
Teorema 3.3 (Permanência do sinal)
Se lim xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0 .
n−→∞
Prova.
a
a
a
> 0, existe n0 ∈ N tal que a − < xn < a + para todo
2
2
2
a
a
n ≥ n0 . Logo, xn > a − = > 0 para todo n ≥ n0 . 2
2
Dado ε =
Observação 3.3 De modo análogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal
que xn < 0 para todo n ≥ 0.
82
J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites
Corolário 3.1 Sejam (xn )n∈N e (yn )n∈N seqüências convergentes. Se
xn ≤ yn para todo n ∈ N, então lim xn ≤ lim yn
n→∞
n→∞
Prova.
Suponhamos, por absurdo, que lim xn > lim yn .
n→∞
n→∞
Então, lim (xn − yn ) = lim xn − lim yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal
n→∞
n→∞
n→∞
que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0 . o que contradiz a
hipótese.
Observação 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, não se pode garantir que lim xn < lim yn .
n→∞
n→∞
Por exemplo, tome xn = 0 e yn =
1
1
1
, ou xn = 2 e yn = .
n
n
n
Corolário 3.2 Se (xn )n→∞ uma seqüência convergente. Se xn ≥ a para
todo n ∈ N, então lim xn ≥ a .
n→∞
Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)
Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e
lim xn = lim yn = a , então
n→∞
n→∞
lim zn = a.
n→∞
Prova.
Dado ε > 0, existem n1 , n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo
n ≥ n1 e a − ε < yn < a + ε para todo n ≥ n2 .
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo
n ≥ n0 .
Logo, lim zn = a. n→∞
Exemplo 3.5
1
1
1
1
Sejam an = 1 + + + . . . + e bn = 1 +
1! 2!
n!
n
n
, n ∈ N.
Já provamos antes que as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes
e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.
Então, lim bn ≤ lim an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para
n→∞
n→∞
todo n > p,
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83
Análise na Reta
bn
1
1
1
1
= 1+1+
1−
+
1−
1−
2!
n
3!
n
1
2
n−1
1
1−
1−
... 1 −
+
n!
n
n
n
1
1
1
1
≥ 1+1+
1−
+
1−
1−
2!
n
3!
n
1
p−1
1
1−
... 1 −
.
+
p!
n
n
2
n
+ ...
2
n
+ ...
Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima
tende para ap .
Logo, lim bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim bn ≥ lim ap .
n→∞
Notação: no seguinte, escreveremos as seqüências na forma (xn )
mais simples do que (xn )n∈N e
os limites lim xn , também, na
n→∞
p→∞
Obtemos, então, que
1 n
1
1
1
lim 1 +
= lim 1 + + + . . . +
= e.
n
n→∞
n→∞
1!
2!
n!
n→∞
forma mais simples lim xn , desde
que não surjam ambigüidades.
4.
Subseqüências
O número real a é o limite da seqüência x = (xn ) se, e só se, para
todo ε > 0 o conjunto
x−1 (a − ε, a + ε) = { n ∈ N | xn ∈ (a − ε, a + ε) }
tem complementar finito em N.
Para subseqüências, temos o seguinte resultado:
Teorema 4.1 Um número real a é o limite de uma subseqüência de
(xn ) se, e só se, para todo ε > 0, o conjunto dos ı́ndices n tais que xn ∈
(a − ε, a + ε) é infinito.
Prova.
(=⇒) Seja a = lim0 xn , onde N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Então,
n∈N
para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk ∈ (a − ε, a + ε) para todo k > k0 .
Como o conjunto {nk | k > k0 } é infinito, existem infinitos n ∈ N tais que
xn ∈ (a − ε, a + ε).
(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1 ∈ (a − 1, a + 1).
84
J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências
Suponhamos, por indução, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de
1
1
modo que xni ∈ a − , a + , para i = 1, . . . , k.
i
Seja ε =
i
1
> 0. Como o conjunto
k+1
1
1
n ∈ N | xn ∈ a −
,a +
k+1
k+1
1
1
> nk e xnk ∈ a −
.
,a +
é infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1
k+1
k+1
Então, N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é infinito e como |xnk − a| <
1
k
para todo k ∈ N , temos que lim xnk = a, ou seja, a é o limite de uma
k→∞
subseqüência de (xn )n∈N . Definição 4.1 Um número real a é valor de aderência da seqüência
(xn ) quando a é o limite de uma subseqüência de (xn ).
Observação 4.1 Como um subconjunto de N é infinito se, e só se, é
Terminologia:
na literatura,
ponto de acumulação, valor de
acumulação, valor limite, ponto
limite e ponto aderente são
sinônimos de valor de aderência.
ilimitado, temos que as seguintes afirmações são equivalentes:
• a ∈ R é valor de aderência da seqüência (xn ) ;
• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e
xn ∈ (a − ε, a + ε) ;
• todo intervalo de centro a contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente
grandes.
Observação 4.2 Se lim xn = a, então a é o único valor de aderência
de (xn ). Mas a recı́proca não é verdadeira.
Por exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) só possui o zero como valor
de aderência, mas é divergente, já que é ilimitada.
Exemplo 4.1 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como
valores de aderência. Exemplo 4.2 Seja {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos números racionais de termos dois a dois distintos.
Como todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), a ∈ R e ε > 0, contém uma infinidade de números racionais, pois Q é denso em R, temos que o conjunto
{n ∈ N | rn ∈ (a − ε, a + ε)}
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85
Análise na Reta
é infinito e, portanto, a é valor de aderência de (rn ). Ou seja, todo número
real a é valor de aderência da seqüência (rn ). Exemplo 4.3 A seqüência (xn ), xn = n, não possui valor de aderência,
pois toda subseqüência de (xn ) é ilimitada.
• Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais, onde γ ≤ xn ≤ β
para todo n ∈ N.
Seja Xn = {xn , xn+1 , . . .}. Então,
[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .
Sendo an = inf Xn e bn = sup Xn , temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn ,
pois, como Xn+1 ⊂ Xn , temos
an = inf Xn ≤ xj
e
bn = sup Xn ≥ xj ,
para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n + 1.
Ou seja, an é cota inferior de Xn+1 e bn é cota superior de Xn+1 .
Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn .
Além disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer
que sejam n, m ∈ N, pois:
◦
se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,
◦
se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .
Logo,
γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .
Existem, portanto, os limites
a = lim an = sup an = sup inf Xn ,
n∈N
n∈N
e
b = lim bn = inf bn = inf sup Xn .
n∈N
n∈N
Dizemos que a é o limite inferior e b é limite superior da seqüência
Notação: em alguns livros de
Análise, pode ser encontrada
a notação lim xn em vez de
lim sup xn e lim xn em vez de
lim inf xn .
limitada (xn ), e escrevemos
a = lim inf xn
e
b = lim sup xn .
Temos, também, que sup an ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup an
n∈N
é uma cota inferior do conjunto {bm | m ∈ N}.
86
J. Delgado - K. Frensel
n∈N
Subseqüências
Logo, sup an ≤ inf bn , ou seja,
n
n
a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .
1
n
1
n
Exemplo 4.4 Seja a seqüência (xn ), onde x2n−1 = − e x2n = 1 + ,
n ∈ N. Então,
X2n−2
= 1+
◦
X2n−1
1
1
1
= − ,1 + ,−
,1 +
◦
1
1
X2n = 1 + , −
,1 +
◦
1
1
1
1
,− ,1 + ,−
,... ,
n−1
n
n
n+1
n
n
n
n+1
n+1
Assim, inf X2n−2 = inf X2n−1 = −
1
,... ,
n+1
1
1
,−
,... ,
n+1
n+2
1
1
e sup X2n−1 = sup X2n =
.
n
1+n
Logo, a = lim inf xn = sup inf Xn = 0 e b = lim sup xn = inf sup Xn = 1.
n
n
Como (x2n−1 ) e (x2n ) são subseqüências convergentes de (xn ), e
lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n , segue-se que 0 e 1 são seus únicos valores de aderência. Teorema 4.2 Seja (xn ) uma seqüência limitada. Então, a = lim inf xn é
o menor valor de aderência de (xn ) e b = lim sup xn é o maior valor de
aderência de (xn ).
Prova.
Vamos provar primeiro que a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ).
Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = lim an , existe n1 > n0 tal que
an1 ∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1 = inf Xn1 e a + ε > an1 , existe n ≥ n1 tal
que a − ε < an1 ≤ xn < a + ε.
Provamos, então, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε). Logo, pelo teorema 4.1, a é valor de aderência de
(xn ).
Vamos, agora, provar que a é o menor valor de aderência de (xn ).
Seja c < a. Como a = lim an , existe n0 ∈ N, tal que c < an0 ≤ a. Ou seja,
c < an0 ≤ xn , para todo n ≥ n0 ,
pois an0 = inf{xn0 , xn0 +1 , . . .}.
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87
Análise na Reta
Tomando ε = an0 − c, temos que c + ε = an0 . Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,
xn 6∈ (c − ε, c + ε) para todo n ≥ n0 .
Assim, c não é valor de aderência de (xn ).
A demonstração de que b = lim sup xn é o maior valor de aderência de
(xn ) se faz de modo análogo. Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma
subseqüência convergente.
Prova.
Como a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ), (xn ) possui uma subseqüência que converge para a. Corolário 4.2 Uma seqüência limitada de números reais (xn ) é convergente se, e só se, lim inf xn = lim sup xn , isto é, se, e só se, (xn ) possui
um único valor de aderência.
Prova.
(=⇒) Se (xn ) é convergente e lim xn = c, então c é o único valor de
aderência de (xn ).
Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .
(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn .
Como lim an = lim bn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
a − ε < an0 ≤ a ≤ bn0 < a + ε.
Mas, an0 ≤ xn ≤ bn0 para todo n ≥ n0 . Logo,
a − ε < an0 ≤ xn ≤ bn0 < a + ε ,
para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a . Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn , onde (xn ) é uma
seqüência limitada.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para
todo n > n0 . Além disto, a é o maior e b é o menor número com esta
propriedade.
88
J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências
Prova.
Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais que
xn < a − ε. Estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N infinito.
Então, a subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≤ a − ε,
pois xn < a − ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c < a e a é o
menor valor de aderência de (xn ).
Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε para todo n > n2 .
De modo análogo, suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais
que xn > b + ε. Então estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N
infinito. A subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≥ b + ε,
já que xn > b + ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c ≥ b + ε > b
e b é o maior valor de aderência de (xn ). Logo, existe n2 ∈ N tal que
xn < b + ε para todo n > 1.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então a − ε < xn < b + ε para todo n > n0 .
1
2
• Seja a < a 0 e tome ε = (a 0 − a). Então, a + ε = a 0 − ε.
Sendo a um valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices
n tais que a − ε < xn < a + ε = a 0 − ε. Logo, nenhum número real a 0 > a
goza da propriedade acima.
1
2
• Seja b 0 < b e tome ε = b − b 0 . Então, b 0 + ε = b − ε.
Como b é valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices n
tais que b 0 + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum número real b 0 < b
goza da propriedade. Corolário 4.3 Se c < lim inf xn , então existe n1 ∈ N tal que c < xn para
todo n > n1 . Analogamente, se d > lim sup xn , então existe n2 ∈ N tal
que xn < d para todo n > n2 .
Prova.
Se c < a = lim inf xn , então c = a − ε, com ε = a − c > 0. Então,
pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε = c para todo n > n1 .
De modo análogo, podemos provar a afirmação com respeito ao
lim sup xn = b, tomando ε = d − b > 0. Instituto de Matemática - UFF
89
Análise na Reta
Corolário 4.4 Dada uma seqüência limitada (xn ), sejam a e b números
reais com as seguintes propriedades:
◦
se c < a, então existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1 ;
◦
se b < d, então existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.
Nestas condições a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.
Os corolários acima apenas repetem, com outras palavras, as afirmações do teorema 4.3.
• Sem usar as noções de limites inferior e superior de uma seqüência
limitada vamos provar que:
Veja, também, o exercı́cio 15.
Toda seqüência limitada de números reais possui uma subseqüência convergente.
Prova.
Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja
A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ı́ndices n} .
Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento
de A pode ser maior do que b.
Assim, A 6= ∅ e é limitado superiormente por b.
Portanto, existe c = sup A.
Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c é valor de aderência da
seqüência (xn ).
Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c − ε < t ≤ c. Logo, há uma infinidade de
ı́ndices n tais que c − ε < xn .
Por outro lado, como c + ε 6∈ A, existe apenas um número finito de ı́ndices
n tais que xn ≥ c + ε.
Assim, existe um número infinito de ı́ndices n tais que c − ε < xn < c + ε.
Observação 4.3 c = lim sup xn .
• Sejam Xn = {xn , xn+1 , . . .} e bn = sup Xn , n ∈ N . Por definição,
lim sup xn = inf bn .
Afirmação: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c é uma cota inferior do
conjunto {bn | n ∈ N}.
90
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy
Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn , então
t ≥ xm para todo m ≥ n.
Logo, A ⊂ (−∞, bn ), ou seja, c = sup A ≤ bn .
• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = inf bn , temos que
n∈N
c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.
Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1 .
Então, α ≥ bn para todo n ≥ n1 . Mas, α = inf bn , ou seja, α ≤ bn para
n∈N
todo n ∈ N.
Assim, α = bn = sup Xn para todo n ≥ n1 .
1
(α − c) . Então, para todo n ≥ n1 , existe m > n tal que
2
1
α − ε < xm , ou seja, xm > (α + c) > c .
2
Tome ε =
Portanto, o conjunto dos ı́ndices n tais que
1
(α + c) < xn é ilimitado,
2
logo, infinito.
1
1
(α + c) ∈ A e (α + c) > c = sup A , o que é uma contradição.
2
2
Então
Logo, c = sup A = α = lim sup xn .
5.
Seqüências de Cauchy
Definição 5.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) é de Cauchy quando
para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn | < ε quaisquer que
sejam m, n > n0 .
Teorema 5.1 Toda seqüência convergente é de Cauchy.
Prova.
Seja a = lim xn . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| <
|xn − a| <
ε
e
2
ε
, quaisquer que sejam m, n > n0 .
2
Logo, |xm − xn | ≤ |xm − a| + |xn − a| <
ε
ε
+ = ε para todos m, n > n0 . 2
2
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91
Análise na Reta
Antes de provarmos a recı́proca do teorema acima, vamos demonstrar dois lemas importantes.
Lema 5.1 Toda seqüência de Cauchy é limitada.
Prova.
Seja ε = 1 > 0. Então, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | < 1, quaisquer
que sejam m, n ≥ n0 .
Em particular, |xm − xn0 | < 1, ou seja, xn0 − 1 < xn < xn0 + 1 para todo
n ≥ n0 .
Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto
{xn0 − 1, xn0 + 1, xn1 , . . . , xn0 −1 } .
Então, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn ) é limitada.
Lema 5.2 Se uma seqüência de Cauchy (xn ) possui uma subseqüência
convergindo para a ∈ R, então lim xn = a.
Prova.
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | ≤
ε
quaisquer que sejam
2
m, n > n0 .
Como a é limite de uma subseqüência de (xn ), existe, pelo teorema 4.1,
ε
2
n1 ∈ N, n1 > n0 , tal que |xn1 − a| < .
Logo,
|xn − a| ≤ |xn − xn1 | + |xn1 − a| <
ε
ε
+ = ε,
2
2
para todo n > n0 .
Com isto, provamos que a = lim xn .
Teorema 5.2 Toda seqüência de Cauchy de números reais converge.
Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de Cauchy.
Pelo lema 5.1, (xn ) é limitada e, portanto, pelo corolário 4.1, (xn ) possui
uma subseqüência convergente. Então, pelo lema 5.2, (xn ) é convergente.
92
J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy
Observação 5.1 (Método das aproximações sucessivas)
Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a seqüência (xn ) satisfaz a seguinte
condição:
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | , para todo n ∈ N.
Então, |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 | , para todo n ∈ N .
De fato, se n = 1, a desigualdade é válida, e se |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 |,
então
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | ≤ λn |x2 − x1 | .
Assim, para m, p ∈ N arbitrários, temos:
|xn+p − xn | ≤ |xn+p − xn+p−1 | + . . . + |xn+1 − xn |
≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . . + λn−1 ) |x2 − x1 |
= λn−1 (λp−1 + λp−2 + . . . + λ + 1) |x2 − x1 |
= λn−1
Como
0≤
1 − λp
λn−1
|x2 − x1 | ≤
|x2 − x1 | .
1−λ
1−λ
λn−1
|x2 − x1 | = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 1 − λ
lim
λn−1
|x2 − x1 | < ε para todo n > n0 .
1−λ
Logo, |xn+p − xn | < ε para todo p ∈ N e todo n > n0 , ou seja, |xm − xn | < ε
quaisquer que sejam m, n > n0 .
Então, (xn ) é de Cauchy e, portanto, converge.
Aplicação: Aproximações sucessivas da raiz quadrada
Seja a > 0 e seja a seqüência definida por x1 = c, onde c é um
1
a
número real positivo arbitrário, e xn+1 =
xn +
, para todo n ∈ N.
2
xn
Se provarmos que a seqüência é convergente e lim xn = b > 0,
então teremos que
b = lim xn+1
Logo, b =
1
= lim
2
a
xn +
xn
=
1
2
b+
a
.
b
a
, ou seja, b2 = a.
b
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93
Análise na Reta
Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:
Lema 5.3
a
1
x+
Para todo x > 0, tem-se
2
x
r
>
a
.
2
Prova.
r
√
1
a
a
a
2 a
a2
x+
>
⇐⇒ x + > √ ⇐⇒ x2 + 2a + 2 > 2a, o que é
2
x
2
x
verdadeiro, pois x2 ≥ 0 e
a2
≥ 0.
x2
r
• Pelo lema, temos que xn >
ou seja,
x
2
a
a
, para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 > ,
2
2
a
< 1 para todo n > 1 .
2 xn xn+1
Afirmação: |xn+2 − xn+1 | ≤
1
|xn+1 − xn | para todo n > 1.
2
De fato, como
1
a
xn+1 +
2
xn+1
1
(xn+1 − xn ) +
2
1
(xn+1 − xn ) +
2
xn+2 − xn+1 =
=
=
1
−
2
a
xn +
xn
a
1
1
−
2 xn+1
xn
a xn − xn+1
,
2
xn+1 xn
temos que
1
1
a
|xn+2 − xn+2 |
≤ ,
= −
|xn+1 − xn |
2
2 xn xn+1 2
pois 0 <
a
< 1.
2 xn xn+1
• Pela observação 5.1, (xn ) é de Cauchy e, portanto, convergente, e
r
a
lim xn = b > 0, pois xn >
, para todo n > 1.
2
6.
Limites infinitos
Definição 6.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para mais infinito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo número real A > 0
dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0 .
94
J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos
Exemplo 6.1 Se xn = n, então lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0 .
Exemplo 6.2 Seja a seqüência (an ), onde a > 1.
Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1 + h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal
que n0 >
A−1
. Logo, pela desigualdade de Bernoulli,
h
an = (1 + h)n ≥ 1 + nh > 1 + n0 h > A ,
para todo n > n0 .
Logo, lim an = +∞ se a > 1. • Mais geralmente, uma seqüência não-decrescente (xn ) ou é convergente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.
De fato, se (xn ) é não-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que xn0 > A. Logo, xn ≥ xn0 > A para todo n ≥ n0 .
Observação 6.1 Se lim xn = +∞, então (xn ) é ilimitada superiormente,
mas é limitada inferiormente.
Observação 6.2 Se lim xn = +∞, então toda subseqüência de (xn )
também tende para +∞.
Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, n→∞
lim np = +∞, pois (1p , 2p , . . . , np , . . .)
é uma subseqüência da seqüência (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .
√
Exemplo 6.4 A seqüência ( p n)n∈N , para todo p ∈ N, tende para +∞,
√
pois é crescente e ilimitada superiormente, já que ( p np )n∈N = (n)n∈N é
√
uma subseqüência ilimitada superiormente da seqüência ( p n)n∈N .
Exemplo 6.5 A seqüência (nn )n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para
todo n ∈ N e a seqüência (n) tende para +∞.
Definição 6.2 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para −∞, e escrevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que
xn < −A para todo n > n0 .
Observação 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn ) = −∞ .
Instituto de Matemática - UFF
95
Análise na Reta
Observação 6.4 Se lim xn = −∞ então (xn ) é ilimitada inferiormente,
mas é limitada superiormente.
Exemplo 6.6 A seqüência ((−1)n n)n∈N não tende para +∞ nem para
−∞, pois ela é ilimitada superiormente e inferiormente.
Exemplo 6.7 A seqüência (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) é ilimitada superiormente
e limitada inferiormente, mas não tende para +∞, pois possui uma subseqüência (x2n−1 = 0) que não tende para +∞ por ser constante.
Teorema 6.1 (Operações aritméticas com limites infinitos)
(1) Se lim xn = +∞ e a seqüência (yn ) é limitada inferiormente, então
lim(xn + yn ) = +∞ .
(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, então
lim(xn yn ) = +∞ .
(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Então lim xn = 0 ⇐⇒ lim
1
= +∞ .
xn
(4) Sejam (xn ) e (yn ) seqüências de números positivos. Então:
(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se lim yn = 0,
então lim
xn
= +∞ .
yn
(b) se (xn ) é limitada e lim yn = +∞, então lim
xn
= 0.
yn
Prova.
(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos
que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0 .
Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0
e, portanto
lim(xn + yn ) = +∞ .
(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn >
xn yn >
A
para todo n > n0 . Logo,
c
A
c = A para todo n > n0 . Portanto, lim xn yn = +∞ .
c
(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
0 < xn <
lim
96
1
1
para todo n > n0 . Logo,
> A para todo n > n0 . Assim,
A
xn
1
= +∞.
xn
J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos
Suponhamos, agora, que lim
1
= +∞ .
xn
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que
1
1
> para todo n > n0 .
xn
ε
Então −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0 .
Logo, lim xn = 0.
(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn <
Então,
c
.
A
c
xn
>
= A para todo n > n0 .
yn
c/A
Logo, lim
xn
= +∞ .
yn
(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe
n0 ∈ N tal que yn >
Então, 0 <
b
para todo n > n0 .
ε
xn
x
b
= ε para todo n > n0 e, portanto, lim n = 0 .
<
yn
b/ε
yn
Observação 6.5 ∞ − ∞ é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn ).
Pode ser que a seqüência (xn + yn ) seja convergente, tenda para +∞,
tenda para −∞ ou não tenha limite algum.
Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , então lim xn = +∞ ,
lim yn = −∞ e lim(xn + yn ) = a.
Exemplo 6.9 Se xn =
√
√
n + 1 e yn = − n, então lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, mas
lim (xn + yn ) =
n→∞
√
√ √
√
√
√
( n + 1 − n)( n + 1 + n)
√
lim ( n + 1 − n) = lim
√
n→∞
n→∞
n+1+
n
1
= lim √
√ = 0.
n→∞
n+1+ n
Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, então lim xn = +∞, lim yn = −∞
e lim(xn + yn ) = lim(n2 − n) = +∞ , pois n2 − n = n(n − 1) > n se n ≥ 2.
E, portanto, lim(n − n2 ) = −∞ .
Instituto de Matemática - UFF
97
Análise na Reta
Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, então lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, mas a seqüência (xn + yn ) = ((−1)n ) não possui limite
algum.
∞
∞
Observação 6.6
é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e
xn
.
lim yn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da seqüência
yn
Pode ser que essa seqüência convirja, que tenha limite +∞ ou que não
tenha limite algum.
Exemplo 6.12 Se xn = n + 1 e yn = n − 1, então lim xn = lim yn = +∞,
e
lim
xn
n+1
1 + 1/n
= lim
= lim
= 1.
yn
n−1
1 − 1/n
Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, então lim xn = lim yn = +∞ e
lim
xn
= lim n = +∞ .
yn
Exemplo 6.14 Se xn = (2 + (−1)n )n e yn = n , então, lim xn = +∞ ,
lim yn = +∞ , mas a seqüência
xn
yn
= (2 + (−1)n ) não possui limite.
Exemplo 6.15 Se xn = a n , a > 0 e yn = n , então lim xn = +∞
lim yn = +∞ e lim
xn
= lim a = a .
yn
Exemplo 6.16 Se a > 1 , então lim
an
= +∞ , para todo p ∈ N .
np
Como a > 1, a = 1 + h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,
p+1 n X
n n−j j X n j
n
n
a = (1 + h) =
1 h ≥
h
j
j
j=0
j=0
= 1 + nh +
n(n − 1) . . . (n − p) p
n(n − 1) 2
h + ... +
h .
2!
p!
Daı́,
an
np
≥
+
98
1
h
1
1
h2
+
+
1
−
+ ...
np
np−1
2
n np−2
1
1
p−1
n
1
p
p−1
1−
... 1 −
h
+
1−
... 1 −
hp .
(p − 1)!
n
n
p!
n
n
J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas
Como
2
1
h
1
p−1
1
h
1
1
1−
1−
... 1 −
hp−1
lim
+ p−1 +
+ ... +
n→∞ np
n
2
n np−2
(p − 1)!
n
n
n
1
p p
+
1−
... 1 −
h
= +∞ ,
p!
n
n
an
= +∞ , qualquer que seja p ∈ N.
n→∞ np
temos que lim
Isto significa que as potências an , a > 1, crescem com n mais rapidamente do que qualquer potência de n de expoente fixo. Exemplo 6.17 Mas, n→∞
lim
an
= 0, a > 0.
nn
De fato, seja n0 ∈ N tal que
an
Então, 0 < n =
n
Logo, 0 ≤ lim
a n
n
≤
a
n0
a
1
< .
n0
2
n
<
1
; para todo n ≥ n0 .
2n
1
an
an
≤
lim
=
0
,
ou
seja,
lim
= 0.
nn
2n
nn
Exemplo 6.18 Para todo número real a > 0, tem-se lim
n!
= +∞ .
an
n0
> 2. Logo, para todo n > n0 , temos que
a
n!
n ! n +1
n + (n − n0 )
n !
= n00 0
... 0
> 0n 2n−n0 ,
n
a
a
a
a
a0
De fato, seja n0 ∈ N tal que
ou seja,
n!
n0 !
n!
n
n
>
2
.
Como
lim
2
=
+∞,
temos
que
lim
= +∞ .
n
n
a
(2a) 0
an
Isso significa que n! cresce mais rápido do que an , para a > 0 fixo.
7. Séries numéricas
• A partir de uma seqüência de números reais (an ) formamos uma nova
seqüência (sn ), cujos termos são as somas:
sn = a1 + . . . + an ,
que chamamos as reduzidas da série
∞
X
n ∈ N,
an .
n=1
Instituto de Matemática - UFF
99
Análise na Reta
A parcela an é chamada o n−ésimo termo ou termo geral da série.
Se existe o limite
s = lim sn = lim (a1 + . . . + an ) ,
n→∞
n→∞
dizemos que a série é convergente e que s é a soma da série. Escrevemos, então,
s=
∞
X
an = a 1 + a2 + . . . + an + . . . .
n=1
Notação: Usaremos também a
P
notação
an para designar a
série
∞
X
P
Se a seqüência das reduzidas não converge, dizemos que a série
an é divergente ou que diverge.
an .
n=1
Observação 7.1 Toda seqüência (xn ) pode ser considerada como a
seqüência das reduzidas de uma série.
De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,
assim, teremos:
s1 = x1 ,
s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,
..
..
.
.
sn = x1 + (x2 − x1 ) + . . . + (xn − xn−1 ) = xn .
Assim, a série x1 +
∞
X
(xn+1 − xn ) converge se, e só se, a seqüência (xn )
n=1
converge. E, neste caso, a soma da série é igual a lim xn .
Teorema 7.1 Se
P
an é uma série convergente, então, lim an = 0.
Prova.
Seja s = lim sn , onde sn = a1 + . . . + an .
Então, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1 , temos que
lim an = lim(sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = 0.
Exemplo 7.1 A recı́proca do teorema acima é falsa.
De fato, basta considerar a série harmônica
∞
X
1
n=1
tende para zero, mas a série diverge.
100
J. Delgado - K. Frensel
n
. Seu termo geral
1
n
Séries numéricas
Com efeito, para todo n ≥ 1, temos
1 1 1 1 1 1
1
+
+ ... +
s2n = 1 + +
+
+ + +
2
3
4
5
6
7
8
n−1
1
1
2
4
2
> 1 + + + + ... + n = 1 + n ,
2
4
8
2
2
1
2n−1 + 1
+ ... +
1
2n
Logo, a subseqüência (s2n ) tende a +∞. Como a seqüência (sn ) é crescente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a série
∞
X
diverge. harmônica
n=1
• Como consequência, para 0 < r < 1, a série
∞
X
1
n=1
nr
diverge, pois
1
1
>
r
n
n
Lembre que: nr = er log n <
para todo n > 1.
elog n = n .
Exemplo 7.2 A série geométrica
∞
X
an é
n=0
◦
divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an não
tende para zero.
◦
convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a seqüência das reduzi-
das é
sn = 1 + a + . . . + an =
1 − an+1
,
1−a
∞
X
1
1
que tende para
. Isto é,
an =
, se |a| < 1.
1−a
1−a
n=0
Observação 7.2 Das propriedades aritméticas dos limites de seqüências,
resulta que:
P
P
P
• se
an e
bn são séries convergentes, então a série (an + bn ) é
P
P
P
convergente e (an + bn ) =
an + bn .
P
P
P
• se an é convergente, então a série (ran ) é convergente e (ran ) =
P
r an , para todo r ∈ R.
P
P
P
• se as séries
an e
bn convergem, então a série
cn cujo termo
geral é cn =
n
X
i=1
ai bn +
n−1
X
an bj converge e
P
P
P
cn = ( an ) ( bn ).
j=1
Instituto de Matemática - UFF
101
Análise na Reta
De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das
P
P
séries
an e
bn .
Como sn −→ s e tn −→ t, temos que
n
X
P
P
( an ) ( bn ) = s · t = lim sn tn = lim
ai bj .
n→∞
Afirmação:
n
X
c` =
`=1
◦
n
X
i,j=1
ai bj , para todo n ∈ N.
i,j=1
Se n = 1,
1
X
c` = c1 = a1 b1 =
`=1
◦
n→∞
1
X
ai bj .
i,j=1
Suponhamos, por indução, que
!
n
n
X
X
c` =
ai
n
X
`=1
j=1
i=1
!
bj
.
Então,
n+1
X
c` =
n
X
`=1
c` + cn+1 =
`=1
=
n
X
=
n
X
ai
=
ai
=
n
X
!
bj
+
n
X
!
ai
n+1
X
bj
+
ai
i=1
n+1
X
!
bj
+ cn+1
j=1
n+1
X
ai bn+1 +
n
X
n
X
an+1 bj
j=1
ai bn+1 + an+1 bn+1 +
i=1
!
bj
+
j=1
!
n
X
i=1
!
j=1
i=1
n+1
X
ai
j=1
!
i=1
n
X
!
i=1
!
i=1
◦
n
X
n+1
X
n
X
an+1 bj
j=1
an+1 bj
j=1
!
bj
.
j=1
Veremos depois que, em casos especiais,
P
P
P
( an ) ( bn ) =
pn ,
onde pn =
n
X
ai bn+1−i = a1 bn + a2 bn−1 + . . . + an b1 .
i=1
Exemplo 7.3 A série
∞
X
n=1
102
J. Delgado - K. Frensel
1
é convergente e sua soma é 1.
n(n + 1)
Séries numéricas
De fato, como
1
1
1
= −
, a reduzida de ordem n da série é
n(n + 1)
n
n+1
1 1
1
1
sn = 1 −
+
+ ... +
−
−
2
Logo,
P
2
3
n
1
n+1
=1−
1
.
n+1
1
= lim sn = 1.
n(n + 1)
Exemplo 7.4 A série
P
(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + . . . é divergente, pois
seu termo geral não tende para zero. Suas reduzidas de ordem par são
iguais a zero e as de ordem ı́mpar são iguais a um.
Observação 7.3 A série
∞
X
an converge se, e somente se,
∞
X
an
n=n0
n=1
converge, onde n0 ∈ N é fixo.
De fato, as reduzidas da primeira série são sn = a1 + . . . + an e as da
segunda série são tn = an0 + an0 +1 . . . + an0 +n−1 , ou seja, tn+1 = sn0 +n −
sn0 −1 . Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.
• Isto significa que a convergência de uma série se mantém quando dela
retiramos ou acrescentamos um número finito de termos.
Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A série
P
an converge se, e
somente se, a seqüência das reduzidas é limitada, ou seja, se, e somente
se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . . + an < k para todo n ∈ N.
Prova.
Como an ≥ 0 para todo n, a seqüência (sn ) é monótona não-decrescente.
Logo, (sn ) converte se, e somente se, (sn ) é limitada.
Corolário 7.1 (Critério de comparação)
Sejam
P
an e
P
bn séries de termos não-negativos. Se existem c > 0
e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0 , então a convergência de
P
P
P
bn implica a convergência de
an , enquanto a divergência de
an
P
acarreta a de
bn .
Prova.
Sejam sn0 = an0 + . . . + an e tn0 = bn0 + . . . + bn para todo n ≥ n0 .
Instituto de Matemática - UFF
103
Análise na Reta
◦
Se a série
P
bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k
para todo n ∈ N. Logo, a seqüência crescente (sn0 ) converge, pois sn0 < k
para todo n ≥ n0 .
Assim, a série
X
an converge, e, portanto,
n≥n0
∞
X
an é uma série conver-
n=1
gente.
◦
Se a série
P
an diverge, a seqüência (sn ) de suas reduzidas,
tende a ∞. Como sn0 = sn − sn0 −1 , temos que a seqüência (sn0 ) tende a ∞.
Então a série
P
1
c
bn diverge, pois tn ≥ tn0 ≥ sn0 , para todo n ≥ n0 , já que
bn ≥ an c para todo n ≥ n0 .
Exemplo 7.5 Se r > 1, a série
∞
X
1
n=1
Como os termos
nr
é convergente.
1
da série são positivos, a seqüência (sn ) de suas renr
duzidas é crescente.
Então, para provar que (sn ) converge, basta mostrar que (sn ) possui uma
subseqüência limitada.
Para m = 2n − 1,
1
1
1
1
1
1
s2n −1 = 1 + r + r + r + r + r + r + . . .
2
3
4
5
6
7
1
1
+
+ ... + n
n−1 r
r
(2
< 1+
=
(2n
(2 − 1)
2
4
2n−1
+
+
.
.
.
+
2r
4r
(2n−1 )r
n−1 X
2 i
i=0
pois
)
2r
,
1
1
= n−1
.
r
− 1)
(2
+ 2n−1 − 1)r
X 2
2
Como r > 1, temos r < 1. Logo, a série
2
2r
∞
n
converge e é, portanto,
n=0
limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subseqüência
(s2n −1 )n∈N é limitada.
104
J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas
Teorema 7.3 (Critério de Cauchy para séries)
Uma série
P
an é convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,
existe n0 ∈ N tal que
|an+1 + . . . + an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.
Prova.
Seja (sn ) a seqüência das reduzidas da série
P
an .
Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p , basta aplicar à seqüência (sn ) o
critério de Cauchy para seqüências.
Definição 7.1 Uma série
quando a série
P
P
an chama-se absolutamente convergente
|an | é convergente.
Exemplo 7.6 Toda série convergente cujos termos não mudam de sinal
é absolutamente convergente.
Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a série geométrica
P
an é absolutamente
convergente.
Mas nem toda série convergente é absolutamente convergente.
Exemplo 7.8 A série
∞
X
(−1)n+1
n=1
n
é convergente, mas não é absoluta-
mente convergente.
Já provamos que a série
∞ ∞
X
(−1)n+1 X
1
=
,
n n
n=1
n=1
é divergente. Vamos mostrar agora que a série
◦
P (−1)n+1
n
é convergente.
Suas reduzidas de ordem par são:
1 1
1
1
s2 = 1 − ;
s4 = 1 −
+
−
;...;
2
2
3
4
1 1
1
1
1
s2n = 1 −
+
−
+ ... +
−
;...
2
3
4
2n − 1
2n
Instituto de Matemática - UFF
105
Análise na Reta
Como
1
1
−
j−1
j
> 0, para todo j > 1, temos que a subseqüência (s2n )
é crescente.
Além disso, (s2n ) é limitada superiormente.
Com efeito, existe c > 0 tal que
s2n =
1
1
1
+
+ ... +
2×1
3×4
(2n − 1) × (2n)
< 1+
1
1
+ ... +
< c,
2
3
(2n − 1)2
para todo n ∈ N, pois a série
P 1
n2
é convergente e, portanto, limitada.
Logo, existe lim s2n = s 0 .
◦ Suas reduzidas de ordem ı́mpar são:
1 1
s1 = 1 ;
s3 = 1 −
−
;...;
2
1 1
3 1
s2n−1 = 1 −
−
+ ... +
−
2
3
2n − 2
1
2n − 1
;...
Então a subseqüência (s2n−1 ) é decrescente.
Além disso, como, para todo n ∈ N,
s2n−1 = 1 −
> 1−
1
1
1
−
− ... −
2×3
4×5
(2n − 2)(2n − 1)
1
1
1
− 2 − ... −
2
2
4
(2n − 1)2
> 1−
e a série
P 1
n2
1
1
1
1 + 2 + 2 + ... +
2
3
(2n − 1)2
.
é convergente, temos que a subseqüência (s2n−1 ) con-
verge, pois (s2n−1 ) é limitada inferiormente.
Seja s 00 = lim s2n−1 .
Como s2n+1 − s2n =
1
−→ 0, temos que s 0 = s 00 . Logo, a seqüência
2n + 1
(sn ) converge, e s = s 0 = s 00 =
∞
X
(−1)n
n=1
Definição 7.2 Se a série
divergente, dizemos que
106
J. Delgado - K. Frensel
P
P
n
.
an é convergente, mas a série
an é condicionalmente convergente.
P
|an | é
Séries numéricas
Teorema 7.4 Toda série absolutamente convergente é convergente.
Prova.
Se a série
P
|an | converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
|an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como
|an+1 + . . . + an+p | ≤ |an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
P
temos, pelo critério de Cauchy para séries, que a série
an converge.
Corolário 7.2 Seja
P
bn uma série convergente com bm ≥ 0 para todo
n ∈ N.
Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an | ≤ kbn para todo n > n0 , então a
P
série
an é absolutamente convergente.
Prova.
Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que
|bn+1 + . . . + bn+p | = bn+1 + . . . + bn+p <
ε
,
k
quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.
Tome n2 = max{n1 , n0 }. Então,
|an+1 | + . . . + |an+p | ≤ k (bn+1 + . . . + bn+p ) < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.
Corolário 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an | ≤ kcn , onde 0 < c < 1
e k > 0, então a série
P
an é absolutamente convergente.
Prova.
Basta aplicar o corolário anterior, já que a série geométrica
P
cn con-
verge se 0 < c < 1.
Observação 7.4 Tomando k = 1 no corolário anterior, temos que
p
|an | ≤ cn se, e somente se, n |an | ≤ c.
p
p
Mas, se n |an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então sup{ n |an | | n ≥ n1 } ≤ c
para todo n1 > n0 .
p
Logo, lim sup n |an | ≤ c < 1.
Instituto de Matemática - UFF
107
Análise na Reta
p
E reciprocamente, se lim sup n |an | < 1, então existe n0 ∈ N e 0 < d < 1
p
tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .
De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Então, pelo corolário 4.3,
p
existe n0 ∈ N tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .
Corolário 7.4 (Teste da raiz)
p
P
n
|an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então a série
an é
p
absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup n |an | < 1, então a série
P
an é absolutamente convergente.
Se existe c tal que
Corolário 7.5 Se lim
p
n
|an | < 1, então a série
P
an é absolutamente
convergente.
Observação 7.5 Se existe uma infinidade de ı́ndices n para os quais
p
P
n
|an | ≥ 1, então a série
an é divergente, pois seu termo geral não
p
tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n |an | > 1 ou
p
lim inf n |an | > 1.
Observação 7.6 Se lim
p
n
|an | = 1 e lim an = 0, a série
P
an pode
convergir ou não.
Por exemplo, para ambas as séries
P1
P 1
temos que lim an = 0 e
r
2
p
1
1
1
n
n
lim |an | = 1, pois lim √
= 1 e, portanto, lim
= lim √
= 1.
n
n
2
n
e
n2
n
n
No entanto, a série
P1
n
diverge e a série
Exemplo 7.9 Consideremos a série
P 1
∞
X
n2
n
converge.
nr an , onde a, r ∈ R. Temos
n=1
p
lim n |nr an | = lim
n→∞
n→∞
r
√
√ r
n
n |a| = |a| lim n n = |a|.
Logo, a série converge se |a| < 1 e r ∈ R é arbitrário.
Como |nr an | ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da
série não tende para zero.
P r n
Logo, a série
n a diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.
108
J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas
an
Se |a| > 1 e r < 0, temos que lim −r = +∞. Logo, neste caso, a série
n→∞ n
P r n
n a também diverge.
• Se a = 1 e r < −1. a série
P 1
• se a = 1 e −1 ≤ r < 0, a série
• se a = −1 e r < −1, a série
P 1
n−r
converge, pois −r > 1.
n−r
P 1
n−r
P (−1)n
n−r
diverge, pois 0 < −r ≤ 1.
é absolutamente convergente, pois
converge.
• Se a = −1 e −1 ≤ r < 0, a série
P (−1)n
n−r
é condicionalmente con-
vergente, como veremos depois, usando o critério de Leibniz (corolário
7.9).
Exemplo 7.10 Seja a série 1+2a+a2 +2a3 +a4 +. . .+2a2n−1 +a2n +. . .,
cujos termos de ordem par são b2n = 2a2n−1 e os de ordem ı́mpar são
b2n−1 = a2n−2 .
• Se |a| = 1, temos que lim |bn | 6= 0, pois, neste caso, |b2n | = 2 e |b2n−1 | =
1. Assim, a série diverge quando |a| = 1.
• Como lim
lim
p
2n
|b2n | = lim
√
2n
p
|b2n−1 | = lim
2n−1
|a|
p
2 2n
= |a| , e
|a|
|a|2n−2 = lim
|a|
p
p
2n−1
2n−1
|a|
= |a| ,
temos que a série converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.
Portanto, a série converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.
Teorema 7.5 (Teste da razão)
Sejam
P
an uma série de termos não nulos e
P
bn uma série conver|a
|
b
gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que n+1 ≤ n+1
|an |
bn
P
para todo n > n0 , então
an é absolutamente convergente.
Prova.
Seja n > n0 . Então,
Instituto de Matemática - UFF
109
Análise na Reta
|an0 +2 |
b
≤ n0 +2 ,
|an0 +1 |
bn0 +1
|an0 +3 |
b
|an |
b
≤ n0 +3 , . . . ,
≤ n .
|an0 +2 |
bn0 +2
|an−1 |
bn−1
Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos
bn
|an |
≤
,
|an0 +1 |
bn0 +1
|a
|
ou seja, |an | ≤ k bn , onde k = n0 +1 . Então, pelo corolário 7.2, a série
bn0 +1
P
an é absolutamente convergente.
Corolário 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e
para todo n ≥ n0 , então a série
Ou seja, se lim sup
P
|an+1 |
≤c
|an |
an é absolutamente convergente.
P
|an+1 |
< 1, a série
an converge absolutamente.
|an |
Prova.
Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a série geométrica
P
cn
converge se 0 < c < 1.
Corolário 7.7 Se lim
P
|an+1 |
< 1 então a série
an é absolutamente
|an |
convergente.
Exemplo 7.11 Seja a série
P
nan . Como
n + 1
|(n + 1)an+1 |
lim
=
lim
|a|
= |a| ,
n
temos que a série
P
|na |
n
an converge se |a| < 1.
Neste caso, o teste da raiz e da razão levam ao mesmo resultado, pois,
p
como já vimos, lim n n |a|n = |a| .
Exemplo 7.12 Considere a série
1 + 2a + a2 + 2a3 + a4 + . . . + 2a2n−1 + a2n + . . .
Para n par,
|an+1 |
|a|
|a
|
=
, e, para n ı́mpar n+1 = 2|a|.
|an |
2
|an |
Logo, lim sup
1
2
|a| < .
110
J. Delgado - K. Frensel
|an+1 |
= 2|a| e, pelo teste da razão, a série converge se
|an |
Séries numéricas
Mas, como vimos antes, lim
p
n
|bn | = |a|, onde bn é o termo geral da série.
Logo, pelo teste da raiz, a série converge se |a| < 1.
Veremos, depois, que o teste da raiz sempre é mais eficaz do que o
da razão, pois
p
|a
|
n
|an | ≤ lim sup n+1
lim sup
e, se existe lim
|an |
p
|an+1 |
, então existe também lim n |an | e, mais ainda,
|an |
esses limites coincidem.
Exemplo 7.13 Seja a série
∞
X
xn
n=0
n!
, onde x ∈ R.
∞
X
|x|n+1
n!
|x|
xn
Como
· n =
−→ 0, temos que a série
é absoluta(n + 1)! |x|
n+1
n!
n=0
mente convergente para todo x ∈ R.
Observação 7.7 Quando lim
a série
P
an pode convergir ou divergir. Por exemplo,
• a série harmônica
• a série
|an+1 |
= 1 nada se pode afirmar, ou seja,
|an |
P 1
n2
P1
n
diverge e lim
converge e lim
Observação 7.8 Quando
|an+1 |
n+1
= lim
= 1;
|an |
n
|an+1 |
n+1
= lim
|an |
n
2
= 1.
P
|an+1 |
≥ 1 para todo n ≥ n0 , a série
an
|an |
diverge, pois seu termo geral não tende para zero.
Mas, ao contrário do teste da raiz, não se pode concluir que a série
diverge apenas pelo fato de se ter
P
an
|an+1 |
≥ 1 para “uma infinidade de
|an |
valores de n”.
Com efeito, se
P
an é uma série convergente qualquer e an > 0 para todo
n ∈ N, a série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . . também é convergente,
0
0
pois s2n
= 2sn e s2n−1
= 2sn − an e, portanto,
0
0
lim s2n
= lim s2n−1
= 2s = 2
P
an ,
Instituto de Matemática - UFF
111
Análise na Reta
onde sn0 e sn são as reduzidas de ordem n das séries a1 + a1 + a2 + a2 +
P
. . . + an + an + . . . e
an , respectivamente.
Mas, se bn é o termo geral da série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . .,
temos que
bn+1
= 1 para todo n ı́mpar.
bn
Teorema 7.6 Seja (an ) uma seqüência limitada de números reais positivos. Então,
lim inf
√
√
an+1
a
≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup n+1 .
an
an
Em particular, se existir lim
√
an+1
, existirá, também, lim n an e os dois limian
tes serão iguais.
Prova.
Vamos provar que
lim inf
√
an+1
≤ lim inf n an .
an
Suponhamos, por absurdo, que
a = lim inf an+1 an > lim inf
√
n
an = b .
Então, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,
√
a
b = lim inf n an < c < lim inf n+1 = a .
an
an+1
> c para todo n ≥ p. Assim,
an
a
> c ,... , n > c ,
an−1
Pelo corolário 4.3, existe p ∈ N tal que
ap+1
>c,
ap
ap+2
ap+1
para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,
√
√
a
n
obtemos que n > cn−p , ou seja, n an > c k para todo n > p, onde
ap
k=
ap
. Logo,
cp
inf {
pois,
√
n
an ,
√
n+1
an+1 , . . . } ≥ inf
√
√
n
n+1
c k, c
k, . . .
√
√
√
√
n
n+1
m
k, . . . ≤ c k < m am ,
inf c k, c
√
√
n
n+1
para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf c k, c
k, . . . é uma cota
112
J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas
inferior do conjunto {
√
n
an ,
√
n+1
an+1 , . . . } , para todo n > p.
Assim, temos que
√
√
n
n
an ≥ lim inf c k = lim c k = c ,
√
o que é absurdo, pois estamos supondo que lim inf n an < c.
lim inf
√
n
A desigualdade
lim sup
√
n
an ≤ lim sup
an+1
an
prova-se de modo análogo.
Exemplo 7.14 Consideremos a seqüência (xn ), onde
x2n−1 = an bn−1 e x2n = an bn ,
n ∈ N,
ou seja, x = (a, ab, a2 b, a2 b2 , a3 b2 , . . .), onde a, b ∈ R − {0} , a 6= b.
xn+1
x
= b, se n é ı́mpar, e n+1 = a, se n é par, temos que não
xn
xn
x
6 b.
existe lim n+1 , pois a =
xn
Como
Mas,
• lim
√
2n−1
1
x2n−1 = lim(an bn−1 ) 2n−1
n
n−1
= lim a 2n−1 b 2n−1
1
1
1
1
= lim a 2 + 2(2n−1) b 2 − 2(2n−1)
√ 1
1
√ =
a lim a 2(2n−1)
b lim b− 2(2n−1)
=
• lim
Logo, lim
√
n
√
2n
√
xn =
√
ab
x2n = lim
√
2n
√
√
an bn = lim a b = a b
a b .
Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista
o limite da razão.
Exemplo 7.15 Seja xn =
√
1
1
√
. Tome yn = . Então, xn = n yn .
n
n!
n!
Como
lim
yn+1
1
1
= lim
n! = lim
= 0,
yn
(n + 1)!
n+1
Instituto de Matemática - UFF
113
Análise na Reta
temos que lim
√
n
yn também existe e
√
y
lim n yn = lim n+1 = 0 .
yn
Logo, lim xn = lim
√
n
yn = 0.
Exemplo 7.16 Seja xn =
√
n
nn
√
e
considere
y
=
. Então, n yn = xn .
n
n
n!
n!
Como
yn+1
(n + 1)n+1 n!
(n + 1)(n + 1)n n!
1
=
= 1+
· n =
yn
(n + 1)!
n
n!(n + 1)nn
n
temos que existe lim
√
n
n
−→ e ,
yn e
lim xn = lim
√
n
yn = lim
yn+1
= e.
yn
Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)
Seja
P
an uma série cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma
seqüência limitada. Seja (bn ) uma seqüência não-crescente de números
P
positivos com lim bn = 0. Então a série
an bn é convergente.
Prova.
Vamos mostrar, primeiro, por indução, que, para todo n ≥ 2,
a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + . . . + an bn =
n
X
si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn ,
i=2
ou seja,
a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )(b2 − b3 )
+ (a1 + a2 + a3 )(b3 − b4 )
+ . . . + (a1 + . . . + an ) bn .
De fato
• Se n = 2, a1 b1 + a2 b2 = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )b2 .
• Suponhamos que a igualdade é verdadeira para n. Então,
114
J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas
a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn + an+1 bn+1
n
X
=
i=2
n
X
=
i=2
n+1
X
=
si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn + an+1 bn+1
si−1 (bi−1 − bi ) + sn (bn − bn+1 ) + sn bn+1 + an+1 bn+1
si−1 (bi−1 − bi ) + sn+1 bn+1 .
i=2
Como a seqüência (sn ) é limitada, existe k > 0 tal que |sn | ≤ k para todo
n ∈ N.
Temos também que a reduzida de ordem n da série de termos não∞
X
negativos
(bn−1 − bn ) é b1 − bn+1 , que converge para b1 .
n=2
Logo, a série
∞
X
sn−1 (bn−1 −bn ) é convergente, pois a série
n=2
∞
X
(bn−1 −bn )
n=2
converge e
|sn−1 (bn−1 − bn )| ≤ k(bn−1 − bn ) , para todo n ≥ 2.
Então a série
∞
X
an bn é convergente, pois lim sn bn = 0, ou seja, a redu-
n=1
zida
n
X
si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn de ordem n da série
P
an bn converge.
i=2
Corolário 7.8 (Critério de Abel)
Se a série
P
an é convergente e (bn ) é uma seqüência não-crescente e
P
limitada inferiormente, então a série
an bn é convergente.
Prova.
Como a seqüência (bn ) é não-crescente e limitada inferiormente, existe
lim bn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.
Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) é uma seqüência não-crescente.
P
Então, pelo teorema de Dirichlet, a série
an (bn − b) é convergente e,
P
P
portanto, a série
an bn também é convergente, já que a série
b an
converge.
Instituto de Matemática - UFF
115
Análise na Reta
Corolário 7.9 (Critério de Leibniz)
Se a seqüência (bn ) é não-crescente e lim bn = 0, então a série
P
(−1)n bn
é convergente.
Prova.
P
Pelo teorema de Dirichlet, a série (−1)n bn converge, pois as reduzidas
P
da série (−1)n são limitadas por 1.
Exemplo 7.17 A série
seqüência
P (−1)n
nr
é convergente para todo r > 0, pois a
1
é decrescente e tende para zero.
nr
Logo, a série
P (−1)n
nr
é condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,
pois já provamos que a série
P 1
nr
não converge quando r ≤ 1.
Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as séries
∞
X
cos(nx)
n=1
n
e
X sen(nx)
n
,
são convergentes.
Como a seqüência
1
n
é decrescente e tende para zero, basta mostrar
que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +
P
P
sen(2x) + . . . + sen(nx) das séries cos(nx) e sen(nx) são limitadas.
Temos que 1 + sn e tn são, respectivamente, a parte real e imaginária do
número complexo
1 + eix + . . . + einx =
1 − (eix )n+1
.
1 − eix
Logo, como eix =
6 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que
1 − eix n+1 2
, para todo n ∈ N.
≤
ix
1−e
|1 − eix |
Ou seja, a seqüência 1 + eix + . . . + einx
n∈N
é limitada e, portanto, as
seqüências de suas partes reais e imaginárias são, também, limitadas.
Observação 7.9 Dada uma série
116
J. Delgado - K. Frensel
P
an , definimos
Séries numéricas

an
pn =
0
se an > 0
se an ≤ 0 .
O número pn é chamado parte positiva de an .
Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o número

0
se an ≥ 0
qn =
−a
se a < 0 .
n
n
Então, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e
an = pn − qn ; |an | = pn + qn ; |an | = an + 2qn ; |an | = 2pn − an .
P
• Se
an é absolutamente convergente então, para todo k ∈ N, temos:
∞
X
|an | ≥
n=1
Logo, as séries
P
k
X
|an | =
n=1
pn e
P
k
X
pn +
n=1
k
X
qn .
n=1
qn são convergentes, pois suas reduzidas for-
mam seqüências não-decrescentes limitadas superiormente por
∞
X
|an |.
n=1
P
P
E, reciprocamente, se as séries
pn e
qn são convergentes, então a
P
série
an é absolutamente convergente.
P
• Mas, se a série
an é condicionalmente convergente, então as séries
P
P
pn e
qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas séries conP
verge, a série
an também converge.
P
Suponha, por exemplo, que a série
qn converge.
P
Então, a série
|an | converge, pois
k
X
n=1
|an | =
k
X
an + 2
n=1
O caso em que a série
P
k
X
qn −→
n=1
∞
X
an + 2
n=1
∞
X
qn .
n=1
pn converge, prova-se que a série
P
|an | con-
verge de modo análogo usando a relação |an | = 2pn − an , para todo
n ∈ N.
Exemplo 7.19 Já sabemos que a série
∞
X
(−1)n+1
n=1
n
= 1−
1
1
1
+ − +
2
3
4
. . . é condicionalmente convergente. Então, a série das partes positivas
Instituto de Matemática - UFF
117
Análise na Reta
P
pn = 1 + 0 +
0+
8.
P
1
1
+ 0 + . . . e a série das partes negativas qn = 0 + +
3
2
1
+ . . . divergem.
4
Aritmética de séries
Vamos investigar, agora, se as propriedades aritméticas, tais como
associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as
séries.
• Associatividade: Dada uma série
P
an convergente, ao inserirmos
parênteses entre seus termos, formamos uma nova série cuja seqüência
(tn ) das reduzidas é uma subseqüência da seqüência (sn ) das reduzidas
P
da série
an .
Como (sn ) é uma seqüência convergente, (tn ) também o é, ou seja,
a nova série é convergente e sua soma é igual a s =
∞
X
an .
n=1
Por exemplo, a reduzida tn da série
(a1 + a2 ) + (a3 + a4 ) + (a5 + a6 ) + . . .
é igual a s2n .
• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma série convergente, obtemos uma nova série, em relação à qual a série original pode
ser obtida por associação de seus termos. Assim, a seqüência das reduzidas (sn ) da série original é uma subseqüência das reduzidas (tn ) da
nova série. Então, (sn ) pode convergir sem que (tn ) convirja.
P
Por exemplo, dada a série
an convergente, podemos dissociar
seus termos da forma an = an + 1 − 1. Então, a nova série
a 1 + 1 − 1 + a2 + 1 − 1 + a3 + 1 − 1 + . . .
diverge, pois seu termo geral não converge para zero.
P
Mas, quando a série an é absolutamente convergente e dissociamos seus termos como somas finitas an = a1n + . . . + akn de parcelas com
o mesmo sinal, a nova série obtida converge e converge para a mesma
soma.
118
J. Delgado - K. Frensel
Aritmética de séries
Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escrevermos cada an como uma soma finita de números não-negativos, obteP
mos uma nova série
bn , com bn ≥ 0, cuja seqüência das reduzidas
(tn ) é uma seqüência não-decrescente, que possui como subseqüência a
P
seqüência (sn ) das reduzidas da série
an .
Como a subseqüência (sn ) é limitada superiormente, por ser convergente, então (tn ) é, também, limitada superiormente. Logo, (tn ) converge
e converge para o mesmo limite da subseqüência (sn ). Ou seja, a nova
P
P
P
série
bn converge e tem soma
bn =
an .
P
Seja, agora, uma série
an absolutamente convergente.
Se pn e qn são, respectivamente, a parte positiva e a parte negaP
P
tiva de an , temos que as séries
pn e
qn têm todos os termos nãonegativos, são convergentes, e
P
P
P
an =
pn − qn .
Como toda dissociação dos an em somas finitas de parcelas com
P
P
o mesmo sinal determina uma dissociação em
pn e outra em
qn ,
temos, pelo visto acima, que esta dissociação mantêm a convergência e
P
P
o valor da soma das séries
pn e
qn .
P
Logo, a nova série é convergente e tem a mesma soma que
an .
Exemplo 8.1 Sejam
P
an e
P
bn séries convergentes com somas s e
P
t, respectivamente. Já sabemos que a série (an + bn ) = (a1 + b1 ) +
(a2 + b2 ) + . . . converge para s + t.
Vamos provar que a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociação
P
dos termos da série (an + bn ) converge e sua soma é s + t.
Observamos, primeiro, que esta afirmação não decorre do provado acima,
P
P
pois não estamos supondo que
an e
bn sejam absolutamente convergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo sinal.
P
P
Sejam sn e tn as reduzidas das séries
an e
bn respectivamente.
Então, a série a1 +b1 +a2 +b2 +a3 +b3 +. . . tem como reduzidas de ordem
par r2n = sn +tn e como reduzidas de ordem ı́mpar r2n−1 = sn−1 +tn−1 +an .
Como lim an = 0 , segue-se que lim r2n = lim r2n−1 = s + t . Logo, lim rn =
s + t , ou seja, a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . . converge e tem soma s + t.
Instituto de Matemática - UFF
119
Análise na Reta
• Comutatividade: Dada uma série
P
an , mudar a ordem de seus termos
significa considerar uma bijeção ϕ : N −→ N para formar uma nova série
P
bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) , para todo n ∈ N.
Definição 8.1 Uma série
P
an é comutativamente convergente quando,
P
para toda bijeção ϕ : N −→ N, a série bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) ,
P
P
é convergente e
an =
bn .
Exemplo 8.2 A série
Provaremos depois que a soma s
da série do exemplo 8.2 é igual a
log 2 , usando a série de Taylor da
função logaritmo.
∞
X
(−1)n+1
n=1
n
= 1−
1
1
1
+ − + . . . é convergente,
2
3
4
mas não é absolutamente convergente.
Seja s =
∞
X
(−1)n+1
n=1
n
1
2
. Multiplicando os termos da série por , obtemos
∞
X
s
(−1)n+1
1
1
1
1
1
=
= − + − +
...
2
2n
2
4
6
8
10
n=1
Então,
s
1
1
1
1
1
=0+ +0− +0+ +0− +0+
...,
2
2
4
6
8
10
pois, quando incluimos zeros entre os termos de uma série, não alteramos
a sua convergência e nem a sua soma.
• De fato, se sn e tn são as reduzidas da série
P
an e da série
P
bn ,
obtida acrescentando zeros entre os termos an , temos que, dado n0 ∈ N,
existe m0 ∈ N, m0 ≥ n0 , tal que tm0 = sn0 .
Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0 , então |tn − s| < ε para todo
m ≥ m0 , pois para todo m ≥ m0 existe n ≥ n0 tal que t m = s n.
Então, somando termo a termo as séries
s
1
1
1
1
1
=0+ +0− +0+ +0− +0+
... ,
2
2
4
6
8
10
e
s=1−
1
1
1
1
1
1
1
1
1
+ − + − + − + −
+ ...,
2
3
4
5
6
7
8
9
10
obtemos a série
3s
1
1
1
1
1
1
1
1
=1+0+ − + +0+ − + +
− + ...
2
3
2
5
7
4
9
11
6
Pela propriedade associativa, podemos retirar os termos zeros de uma
120
J. Delgado - K. Frensel
Aritmética de séries
série sem alterar sua convergência nem a sua soma. Logo,
1
1
1
1
1
1
1
1
3s
=1+ − + + − + +
− + ...
2
3
2
5
7
4
9
11
6
P
• Precisamos ainda provar que os termos da série (an + bn ), onde
P
1
1
1
an = 0 + + 0 − + 0 + + . . .
2
e
P
bn = 1 −
são os termos da série
P
4
6
1
1
1
1
1
+ − + − + ...
2
3
4
5
6
bn , depois de eliminarmos os zeros, só que
numa ordem diferente!
◦
De fato, como a2n−1 = 0, a2n =
(−1)n+1
(−1)n+1
e bn =
, temos:
2n
n
a2n−1 + b2n−1 = b2n−1
e
a2n + b2n =
Logo, a2n + b2n =
(−1)2n+1
(−1)n+1 + (−1)2n+1
(−1)n+1
+
=
.
2n
2n
2n
(−1)n+1
−2
=
se n é par, e a2n + b2n = 0 se n é ı́mpar.
2n
n
• Provamos, assim, que os termos da série
1+
cuja soma é
1
1
1
1
1
1
1
1
− + + − + +
− + ...
3
2
5
7
4
9
11
6
3s
, são os mesmos da série original, cuja soma é s, apenas
2
com uma mudança de ordem.
Assim, uma reordenação dos termos de uma série convergente pode alterar o valor da sua soma!
Teorema 8.1 Toda série absolutamente convergente é comutativamente
convergente.
Prova.
• Suponhamos, primeiro, que
P
an é uma série convergente com an ≥ 0
para todo n.
Seja ϕ : N −→ N uma bijeção e tomemos bn = aϕ(n) .
P
P
P
Vamos provar que a série
bn é convergente e que
bn =
an .
Instituto de Matemática - UFF
121
Análise na Reta
Sejam sn = a1 + . . . + an e tn = aϕ(1) + . . . + aϕ(n) as reduzidas de ordem
P
P
n das séries
an e
bn , respectivamente.
Afirmação 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm .
De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Então
{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . , m} .
Logo,
tn =
n
X
aϕ(i) ≤
n=1
m
X
aj = sm .
i=1
Afirmação 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn .
De fato, dado m ∈ N, temos que sm =
m
X
ai =
i=1
m
X
bϕ−1 (i) .
i=1
Seja n = max ϕ−1 (1), . . . , ϕ−1 (m) . Então,
−1
ϕ (1), . . . , ϕ−1 (n) ⊂ {1, 2, . . . , n} .
Logo,
sm =
m
X
bϕ−1 (i) ≤
i=1
n
X
bj = tn .
j=1
Afirmação 3: lim sn = lim tn = s , ou seja,
P
bn =
P
P
bn é convergente e
an .
De fato, como s = lim sm = sup sm e t = lim tn = sup tn , temos que
m∈N
n∈N
sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.
Assim, pelas afirmações (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para
todo m ∈ N.
Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.
P
• No caso em que a série an é absolutamente convergente, temos que
P
P
P
an =
pn − qn , onde pn e qn são a parte positiva e a parte negativa
de an , respectivamente.
Afirmação 4: Toda reordenação (bn ) dos termos an da série original dá
lugar a uma reordenação (un ) para os pn e uma reordenação (vn ) para
os qn , de tal modo que cada un é a parte positiva e cada vn é a parte
negativa de bn .
122
J. Delgado - K. Frensel
Aritmética de séries
De fato, se bn = aϕ(n) , sendo ϕ : N −→ N uma bijeção, temos que:

un = pϕ(n) = aϕ(n) = bn , se aϕn = bn > 0
u = p
= 0,
se a = b ≤ 0 .
n
e
ϕ(n)
ϕn
n

vn = 0 = qϕ(n) = −aϕ(n) = −bn , se aϕ(n) = bn < 0
v = 0 = q
n
ϕ(n) = 0 , se aϕ(n) = bn ≥ 0 .
P
P
• Pelo provado anteriormente, as séries
un e
vn convergem, sendo
P
P
P
P
un =
pn e
vn =
qn .
P
P
P
P
Logo, a série bn é absolutamente convergente e bn =
un − vn .
P
P
P
P
P
P
Além disso,
an =
pn − qn =
un − vn =
bn .
Teorema 8.2 Seja
P
an uma série condicionalmente convergente. Dado
P
qualquer número real c, existe uma reordenação (bn ) dos termos de an ,
P
de modo que
bn = c.
Prova.
Sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an . Como a série
P
an é condicionalmente convergente, temos que lim an = 0, e, portanto,
P
P
lim pn = lim qn = 0, mas
pn = +∞ e
qn = +∞.
P
Vamos reordenar os termos da série
an da seguinte maneira:
Sejam
◦
n1 ∈ N o menor ı́ndice tal que p1 + . . . + pn1 > c .
◦
n2 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 < c .
◦
n3 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 > c .
◦
n4 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 − qn2 +1 − . . . − qn4 < c .
P
P
Esses ı́ndices existem, pois
pn = +∞ e
qn = +∞.
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série tal que
as reduzidas tn da nova série tendem para c.
Instituto de Matemática - UFF
123
Análise na Reta
De fato, para todo i ≥ 3 ı́mpar, temos
tni +ni+1 =
ni
X
X
ni+1
pj −
q` < c <
`=1
j=1
e
pois ni é o menor inteiro tal que
inteiro tal que
j=1
pj −
pj −
q` = tni−1 +ni ,
`=1
0 < c − tni +ni+1 < qni+1 ,
ni
X
j=1
n
i +1
X
X
ni−1
j=1
0 < tni−1 +ni − c < pni ,
ni
X
ni
X
X
ni−1
pn −
q` > c e ni+1 é o menor
`=1
q` < c.
`=1
Sendo lim pni = lim qni+1 = 0 , temos que lim tni +ni+1 = lim tni−1 +ni = 0 .
Além disso, dado n ∈ N, existe i ı́mpar, tal que
◦
ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni−1 +ni ,
◦
ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni+1 +ni+2 .
ou
Logo, lim tn = c, ou seja, a nova série tem soma c.
Observação 8.1 Podemos reordenar uma série
P
an condicionalmente
convergente de modo que a série reordenada tenha soma +∞ ou −∞.
De fato, sejam
◦
n1 ∈ N tal que p1 + . . . + pn1 > 1 + q1 ,
◦
n2 ∈ N tal que n2 > n1 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 > 2 + q2 ,
◦
n3 ∈ N tal que n3 > n2 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 − q2 + pn2 +1 + . . . + pn3 > 3 + q3 .
P
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série
an ,
de modo que as reduzidas tn da nova série satisfazem:
tni +(i−1) > i + qi ≥ i
e
tni +i > i , para todo i ∈ N .
Além disso, se n ≥ ni + (i − 1) , existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou
n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j .
Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1 +j = tnj +j + pnj +1 + . . . + pnj+1 .
Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A
124
J. Delgado - K. Frensel
Aritmética de séries
para todo n ≥ ni0 +(i0 −1) .
Portanto, as reduzidas da nova série tendem para +∞.
Para provar que existe uma reordenação dos termos da série
P
an de
modo que a nova série tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argumento acima.
P
Corolário 8.1 Uma série
an é absolutamente convergente se, e so-
mente se, é comutativamente convergente.
Teorema 8.3 Se
X
an e
n≥0
X
bn são séries absolutamente convergen-
n≥0
tes, então
P
P
P
( an ) ( bn ) =
cn ,
onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 para todo n ≥ 0.
Prova.
Já sabemos que, para todo n ≥ 0,
!
!
n
n
n
X
X
X
ai
bj =
ai bj = x0 + x1 + . . . + xn ,
i=0
j=0
i,j=0
onde
xn =
n
X
ai bn +
i=0
n−1
X
an bj
j=0
= a0 bn + a1 bn + . . . + an bn + an bn−1 + . . . + an b0 .
P
P
P
E, portanto, ( an ) ( bn ) =
xn .
Pela dissociação dos termos xn , obtemos a série
P
ai bj , cujos termos
são ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn+1 .
P
Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k + 1)2 da série
|ai bj | é
!
!
!
!
k
k
k
X
X
X
X
X
|ai | |bj | =
|ai |
|bj | ≤
|an |
|bn | ,
i,j=0
i=0
j=0
n≥0
n≥0
ou seja, a subseqüência das reduzidas de ordem (k + 1)2 da série
P
|ai bj |
é limitada.
Logo, a seqüência das reduzidas da série
P
|ai bj | é convergente, por ser
Instituto de Matemática - UFF
125
não-decrescente e limitada, já que possui uma subseqüência limitada.
P
Assim, a série
ai bj é absolutamente convergente.
P
Reordenando e depois associando os termos da série
ai bj , obtemos a
X
P
nova série
cn , onde cn = a0 bn + . . . + an b0 =
ai bj .
i+j=n
Como a série
P
ai bj é absolutamente convergente, temos que
!
!
X
X
X
X
X
an
bn =
xn =
ai bj =
cn .
n≥0
126
J. Delgado - K. Frensel
n≥0
n≥0
n≥0
Conjuntos abertos
Parte 4
Topologia da reta
Nesta parte estudaremos as propriedades topológicas do conjunto
dos números reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e continuidade de funções reais de variável real.
1.
Conjuntos abertos
Definição 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x é um ponto interior
de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.
Isto significa que todos os pontos suficientemente próximos de x ainda
pertencem ao conjunto X.
Observação 1.1 x é um ponto interior do conjunto X se, e só se, existe
ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ X.
De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x − a, b − x} > 0.
Então, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,
(x − ε, x + ε) ⊂ X.
Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.
Observação 1.2 x é um ponto interior de X se, e só se, existe ε > 0 tal
que |y − x| < ε =⇒ y ∈ X.
Instituto de Matemática - UFF
127
Análise na Reta
De fato,
|y − x| < ε ⇐⇒ −ε < y − x < ε ⇐⇒ x − ε < y < x + ε ⇐⇒ y ∈ (x − ε, x + ε).
Definição 1.2 O interior do conjunto X, representado por int X, é o conjunto dos pontos x ∈ X que são interiores a X.
Observação 1.3
• int X ⊂ X.
• X ⊂ Y então int X ⊂ int Y.
• Se int X 6= ∅, X contém um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito
não-enumerável.
Logo, int X = ∅, se X é finito ou infinito enumerável.
Em particular int N = int Z = int Q = ∅.
• O conjunto R − Q dos números irracionais, apesar de ser infinito nãoenumerável, também possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contém
um número racional.
Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a, +∞), então
int X = X.
De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No
segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,
dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x + 1) ⊂ X.
Logo, X ⊂ int X, ou seja, X = int X.
Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c, +∞) e Z = (−∞, d]. Então,
int X = (c, d) ,
int Y = (c, +∞) ,
int Z = (−∞, d) .
De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ int X.
Além disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,
temos que c 6∈ int X.
Do mesmo modo, d 6∈ int X, pois para todo intervalo aberto (a, b) que
contém d, temos que (d, b) 6⊂ X. Então, int X ⊂ (c, d). Logo, int X = (c, d).
Analogamente, podemos provar os outros casos e, também, que
int(c, d] = int[c, d) = (c, d).
128
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos abertos
Definição 1.3 Dizemos que um subconjunto A ⊂ R é um conjunto aberto
quando todos os seus pontos são interiores, isto é, quando int A = A.
Assim, A ⊂ R é aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um
intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.
Exemplo 1.3 O conjunto vazio é aberto, pois um conjunto X só deixa
de ser aberto se existir algum ponto de X que não está em seu interior.
Exemplo 1.4 A reta R é um conjunto aberto.
Exemplo 1.5 Um intervalo é um conjunto aberto se, e só se, é um intervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a, +∞), (−∞, b)
são os únicos tipos de intervalos que são conjuntos abertos (ver exemplo
1.2).
Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto não-vazio é não-enumerável.
Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos
de R não são abertos.
Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos números irracionais é aberto, pois todo intervalo aberto contém um número racional.
Teorema 1.1 A interseção de um número finito de conjuntos abertos é
um conjunto aberto.
Prova.
Sejam A1 , . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja
A = A1 ∩ . . . ∩ An .
Se x ∈ A, então x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai , bi ) tal que
x ∈ (ai , bi ) ⊂ Ai .
Sejam a = max{a1 , . . . , an } e b = min{b1 , . . . , bn }.
Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi , temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi .
Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai , bi ) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.
Instituto de Matemática - UFF
129
Análise na Reta
Teorema 1.2 Se (Aλ )λ ∈ L é uma famı́lia arbitrária de subconjuntos
abertos na reta R, então a reunião:
A=
[
Aλ
λ∈L
é um conjunto aberto.
Prova.
Se x ∈ A =
S
λ∈L
Aλ , então existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 .
Como Aλ0 é aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que
x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0 .
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0 ⊂ A.
Observação 1.4 Se (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) 6= ∅, então
(a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) = (a, b),
onde a = max{a1 , a2 } e b = min{b1 , b2 }.
De fato, como existe x ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), temos
a1 < x < b1 e a2 < x < b2 .
Logo, a1 < b1 , a1 < b2 e a2 < b1 , a2 < b2 .
Então, a = max{a1 , a2 } < b = min{b1 , b2 }, ou seja, (a, b) é realmente um
intervalo.
Se y > a, então y > a1 e y > a2 , e se y < b, então y < b1 e y < b2 .
Logo, se y ∈ (a, b), então y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ).
E, reciprocamente, se y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), então y > a1 , y > a2 e
y < b1 , y < b2 . Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .
Observação 1.5 A interseção de uma infinidade de conjuntos abertos
pode não ser um conjunto aberto.
1 1
Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto aberto An = − ,
n n
T
e seja A = n∈N An .
Então, A = {0} e, portanto, A não é aberto.
De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.
Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 <
130
J. Delgado - K. Frensel
1
< |x|, ou
n0
Conjuntos abertos
seja, x 6∈ An0 =
1 1
− ,
.
n0 n0
Logo, se x 6= 0, então x 6∈ A.
Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, então
A=
∞ \
a−
n=1
De fato, se x ∈ [a, b], então a −
ou seja, x ∈
∞ \
a−
n=1
x 6∈
1
1
a − ,b +
n0
n0
= [a, b] .
1
1
≤ a ≤ x ≤ b < b + para todo n ∈ N,
n
n
1
1
. Assim [a, b] ⊂ A.
,b +
n
n
Se x > b, existe n0 ∈ N tal que
1
1
,b +
n
n
1
1
< x − b, ou seja, x > b + . Então
n0
n0
∞ \
e, portanto, x 6∈
a−
n=1
1
1
,b +
.
n
n
1
< a − x, ou seja,
De modo análogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que
n0
1
1
1
x < a − . Logo, x 6∈ a − , a +
e, portanto, x 6∈ A.
n0
Então,
∞ \
n=1
n0
1
1
a − ,b +
n
n
n0
⊂ [a, b]. Logo,
∞ \
n=1
1
1
a − ,b +
n
n
= [a, b].
Exemplo 1.9 Seja X = {x1 , . . . , xn } um conjunto finito de números reais,
com x1 < x2 < . . . < xn .
Então, R−X = (−∞, x1 )∪(x1 , x2 )∪. . .∪(xn−1 , xn )∪(xn , +∞) é um conjunto
aberto.
Ou seja, o complementar de um conjunto finito de números reais é um
conjunto aberto.
Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos números inteiros
é aberto, pois
R−Z=
[
(n, n + 1)
n∈Z
é uma reunião de conjuntos abertos.
Instituto de Matemática - UFF
131
Análise na Reta
Observação 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R é união de intervalos
abertos.
De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Logo,
A=
[
x∈A
ou seja, A =
[
[
{x} ⊂
Ix ⊂ A ,
x∈A
Ix .
a∈A
Lema 1.1 Seja (Iλ )λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos, todos contendo o ponto p ∈ R.
[
Então, I =
Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L
Prova.
Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ , bλ ). Então, aλ < bµ quaisquer que sejam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ .
Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.
Então, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.
Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer
que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto
{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.
[
Afirmação: (a, b) = Iλ .
λ∈L
Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que
[
Iλ ⊂ (a, b).
λ∈L
Suponhamos que x ∈ (a, b).
Então, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0 , µ0 ∈ L
tais que aλ0 < x < bµ0 .
Se x < bλ0 , então x ∈ (aλ0 , bλ0 ) ⊂
[
Iλ . Se x ≥ bλ0 , então aµ0 < bλ0 ≤
λ∈L
x < bµ0 , ou seja, x ∈ (aµ0 , bµ0 ) ⊂
[
λ∈L
132
J. Delgado - K. Frensel
Iλ . Logo, (a, b) ⊂
[
λ∈L
Iλ . Conjuntos abertos
Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)
Todo subconjunto aberto não-vazio A ⊂ R se exprime, de modo único,
como uma reunião enumerável de intervalos abertos dois a dois disjuntos.
Prova.
Para cada x ∈ A, seja Ix a reunião de todos os intervalos abertos que
contêm x e estão contidos em A. Cada Ix , pelo lema anterior, é um intervalo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Se I é um intervalo aberto qualquer que contém x e está contido em A,
então, I ⊂ Ix . Isto é, Ix é o maior intervalo aberto que contém x e está
contido em A.
Afirmação 1: Se x, y ∈ A, então Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.
• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy , ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Então, pelo
lema anterior, I = Ix ∪ Iy é um intervalo aberto contido em A que contém
os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy . Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy , temos
que I = Ix = Iy .
Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A =
[
Ix e Ix ∩ Iy = ∅
x∈L
se x, y ∈ L e x 6= y.
Afirmação 2: Se A =
[
Jλ é uma união de intervalos abertos dois a
λ∈L
dois disjuntos, então L é enumerável.
• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩ Q.
Como Jλ ∩ Jλ 0 = ∅ se λ 6= λ 0 , temos que r(λ) 6= r(λ 0 ) se λ 6= λ 0 .
Ou seja, a função
r : L −→ Q
λ 7−→ r(λ)
é injetiva. Logo, L é enumerável, pois Q é enumerável.
Unicidade
Seja A =
[
Jm , onde os Jm = (am , bm ) são intervalos abertos dois a
m∈N
dois disjuntos.
Instituto de Matemática - UFF
133
Análise na Reta
Afirmação 3: am e bm não pertencem a A.
De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap , bp ). Então,
pondo b = min{bm , bp }, terı́amos que (am , b) ⊂ Jm ∩ Jp o que é absurdo,
pois Im ∩ Ip = ∅.
De modo análogo, podemos provar que bm 6∈ A.
Afirmação 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) é um intervalo
aberto, então I ⊂ Jm . Ou seja, Im é a reunião de todos os intervalos
abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm , ou melhor, Im = Ix
é o maior intervalo aberto contido em A que contém x, onde x ∈ Jm .
• De fato, am < a < b < bm , pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b
(ver figura 3), terı́amos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que é
absurdo.
Fig. 2: a ≥ am .
Fig. 3: bm ≤ b.
Corolário 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B
são conjuntos abertos disjuntos, então um desses conjuntos é igual a I e
o outro é vazio.
Prova.
Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposições de A e B em intervalos abertos disjuntos dariam origem a uma decomposição de I com pelo menos
dois intervalos, o que é absurdo, pela unicidade da decomposição, já que
I é um intervalo aberto.
2.
Conjuntos fechados
Definição 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto
X ⊂ R quando a é limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A.
134
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos fechados
Observação 2.1
• Todo ponto a ∈ X é aderente a X.
Basta tomar a seqüência constante xn = a, n ∈ N.
• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.
Por exemplo, 0 é aderente ao conjunto X = (0, +∞), pois
n∈Ne
1
∈ X, para todo
n
1
−→ 0.
n
Observação 2.2 Todo valor de aderência de uma seqüência (xn ) é um
ponto aderente ao conjunto X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}. Mas a recı́proca não
é verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn ) não é uma seqüência
constante, então a é o único valor de aderência da seqüência, mas todos
os pontos xn , por pertencerem a X, são pontos aderentes a X.
Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e só
se, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Prova.
(=⇒) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X tal que xn −→ a.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo
n > n0 .
Assim, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
1
1
(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩ a − , a +
. Então (xn ) é uma
n
n
seqüência de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| <
n ∈ N, e
1
para todo
n
1
−→ 0.
n
Corolário 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e
só se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.
Prova.
Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0
tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I.
Instituto de Matemática - UFF
135
Análise na Reta
Corolário 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ R
um conjunto limitado superiormente. Então, a = inf X é aderente a X e
b = sup Y é aderente a Y.
Prova.
Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a + ε e b − ε < y ≤ b.
Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ e (b − ε, b + ε) ∩ Y = ∅.
Definição 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R é o conjunto X formado pelos
pontos aderentes a X.
Observação 2.3
• X ⊂ X.
• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .
Definição 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R é fechado quando
X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.
Assim, X ⊂ R é fechado se, e só se, para toda seqüência convergente (xn ) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.
Observação 2.4 Se X ⊂ R é limitado, fechado e não-vazio, então sup X
e inf X pertencem a X.
Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) é o intervalo fechado
[a, b].
• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a +
grande, e a +
1
1
, b − ∈ (a, b), para n suficientemente
n
n
1
1
−→ a, b − −→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).
n
n
Por outro lado, se (xn ) é uma seqüência de pontos do intervalo (a, b) que
converge para c ∈ (a, b), então a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo
n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. Observação 2.5
• De modo análogo, podemos provar que
136
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos fechados
[a, b) = [a, b] ;
(a, b] = [a, b] ;
[a, b] = [a, b] ;
(a, +∞) = [a, +∞) ;
[a, +∞) = [a, +∞) ;
(+∞, b) = (+∞, b] ;
(−∞, b] = (−∞, b]
e
(−∞, +∞) = (−∞, +∞) = R .
• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a, +∞) são conjuntos
fechados e R também o é.
• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} é um conjunto
fechado. Ou seja, todo conjunto unitário é fechado.
Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contém números
racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q não são conjuntos fechados.
Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu complementar R − F é aberto.
Prova.
De fato, F é fechado
⇐⇒
todo ponto aderente a F pertence a F
⇐⇒
se a ∈ R − F então a não é aderente a F
⇐⇒
se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI∩F=∅
⇐⇒
se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI⊂R−F
⇐⇒
se a ∈ R − F então a pertence ao interior de R − F
⇐⇒
R − F é aberto.
Corolário 2.3 (a) R e o conjunto vazio são fechados.
(b) Se F1 , . . . , Fn são conjuntos fechados, então F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.
(c) Se (Fλ )λ∈L é uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados, então a
\
interseção F =
Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L
Instituto de Matemática - UFF
137
Análise na Reta
Prova.
(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R são conjuntos abertos, temos que
R e ∅ são conjuntos fechados.
(b) Como R − (F1 ∪ . . . ∪ Fn ) =
n
\
(R − Fi ) é um conjunto aberto, pois cada
i=1
R − Fi , i = 1, . . . , n, é aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.
\
[
(c) Como R −
Fλ =
(R − Fλ ) é um conjunto aberto, por ser a reunião
λ∈L
λ∈L
dos conjuntos abertos da famı́lia (R − Fλ )λ∈L , temos que
\
Fλ é um con-
λ∈L
junto fechado.
Observação 2.6 A reunião de uma famı́lia arbitrária de conjuntos fechados pode não ser um conjunto fechado.
De fato, como todo conjunto X é a reunião de seus pontos, ou seja,
[
X =
{x} , e os conjuntos {x} são fechados, basta considerar um conx∈X
junto X que não é fechado.
Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R é um conjunto fechado.
Isto é, X = X.
Prova.
Seja x ∈ R − X, ou seja, x não é aderente a X. Então, existe um intervalo
I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.
Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X é um conjunto aberto.
Logo, X é um conjunto fechado.
Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1 , . . . , xn } finito é fechado, pois
F =
n
[
{xi } é a reunião finita dos conjuntos {xi }, i = 1, . . . , n, fechados,
i=1
ou porque R − F é aberto, como já vimos anteriormente.
Exemplo 2.4 Z é um conjunto fechado, pois R − Z =
[
(n, n + 1) é um
n∈Z
138
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos fechados
conjunto aberto.
Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] não são conjuntos abertos nem
fechados.
Observação 2.7 Um conjunto X ⊂ R é aberto e fechado ao mesmo
tempo se, e só se, X = R ou X = ∅.
• De fato, já provamos que R e ∅ são conjuntos abertos e fechados ao
mesmo tempo.
Se X ⊂ R é aberto e fechado, então R − X é aberto e fechado. Logo,
R = X ∪ (R − X) é a reunião de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,
pelo corolário 1.1, X = ∅ ou X = R.
Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)
O conjunto de Cantor é um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reunião enumerável de intervalos abertos,
da seguinte maneira.
Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terço médio 13 , 23 . Depois, retira
se os terços médios abertos 91 , 29 e 79 , 89 dos intervalos restantes 0, 13 e
2 , 1 , sobrando, assim, os intervalos fechados 0, 19 , 29 , 31 , 32 , 79 e 79 , 1 .
3
Em seguida, retira-se o terço médio aberto de cada um desses quatro
intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de
Cantor é o conjunto K que consiste dos pontos não retirados.
Fig. 4: Construção do conjunto de Cantor.
Se indicarmos por I1 , I2 , . . . , In , . . . os intervalos abertos omitidos, temos
!
∞
∞
[
[
K = [0, 1] −
In = [0, 1] ∩ R −
In .
n=1
n=1
Logo, K é um conjunto fechado, pois [0, 1] e R −
∞
[
In são conjuntos fe-
n=1
chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13 ,
2 1 2 7 8
, , , ,
3 9 9 9 9
etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa
Instituto de Matemática - UFF
139
Análise na Reta
da construção, são retirados apenas pontos interiores dos intervalos restantes da etapa anterior.
Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto
infinito enumerável de K, mas, como veremos depois, K não é enumerável.
Vamos provar, agora, que K não contém nenhum intervalo aberto, ou seja,
int K = ∅.
De fato, na n−ésima etapa da construção de K, são retirados 2n−1 intervalos abertos de comprimento
comprimento
1
,
3n
restando 2n intervalos fechados de
1
.
3n
Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que
1
3n0
< `.
Se I ⊂ K, então I ⊂
n0
2[
Jk , onde Jk , k = 1, . . . , 2n0 , são os intervalos
k=1
fechados de comprimento
1
3n0
restantes da n0 −ésima etapa.
Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0 } (verifique!) tal que I ⊂ Jk0 , o que é absurdo,
pois
1
3n0
< `.
Definição 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos
que X é denso em Y quando todo ponto de Y é aderente a X, ou seja,
quando Y ⊂ X.
Observação 2.8 X ⊂ Y é denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y é limite de
uma seqüência de pontos de X.
Observação 2.9 X é denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q
são densos em R, pois, como já vimos, Q = R − Q = R.
Observação 2.10 Se J é um intervalo não-degenerado, então J ∩ Q e
J∩(R−Q) são densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma seqüência
(xn ) de pontos de J ∩ Q e uma seqüência (yn ) de pontos de J ∩ (R − Q)
que convergem para a (verifique!).
Observação 2.11
140
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos fechados
• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se
(y − ε, y + ε) ∩ X 6= ∅.
• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, todo intervalo aberto que contém algum
ponto de Y contém, necessariamente, algum ponto de X.
Em particular, X ⊂ R é denso em R se, e só se, I ∩ X 6= ∅ para todo
intervalo aberto I.
Assim, dizer que X é denso em R a partir da definição acima, coincide
com a definição dada anteriormente.
Teorema 2.4 Todo conjunto X de números reais contém um subconjunto enumerável E denso em X.
Prova.
• Se X é finito, então X é denso em si mesmo, pois X = X.
• Suponhamos, agora, que X não é finito.
Dado n ∈ N, podemos exprimir R como união enumerável de intervalos
de comprimento
1
:
n
[ h p p + 1
,
.
R=
p∈Z
Se X ∩
n
n
h p p + 1
,
6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa interseção.
n
n
Afirmação: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos é enumerável.
De fato, como o conjunto A = (p, n) ∈ Z × N | X ∩ np , p+1
=
6
∅
é enun
merável e a função
ϕ : A −→ X
(p, n) 7−→ xpn
é injetiva, temos que E = ϕ(A) é enumerável.
Afirmação: E é denso em X.
Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja
x ∈ I ∩ X.
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141
Análise na Reta
1
Sejam n0 ∈ N tal que
< max{d(a, x), d(b, x) } e p0 ∈ Z tal que
n0
p0 p0 + 1
p0 p0 + 1
. Então,
⊂ I, pois, caso contrário, terı́amos
x∈
,
,
n0
que
n0
n0
n0
1
1
> d(a, x) ou
> d(b, x).
n0
n0
h
Fig. 5: x ∈
Logo, como x ∈
p0 p0 + 1
,
n0
n0
p0 p0 +1
, n
n0
0
”
∩ (a, b) .
∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0 n0 ∈ E, que
também pertence a I, pois xp0 n0
p p +1
∈ 0, 0
n0
n0
Fig. 6: xp0 n0 ∈
h
p0 p0 +1
, n
n0
0
”
⊂ I.
⊂ I = (a, b) .
Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contém um ponto de
X, também contém um ponto xpn ∈ E.
Logo, E é denso em X.
Observação 2.12 O conjunto enumerável E dos extremos dos intervalos omitidos na construção do conjunto de Cantor K é denso em K.
Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤
1
. Assim, pelo menos um dos inter2
valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) está contido em [0, 1], pois, caso contrário, 2ε
seria maior que 1.
Suponhamos, então, que [x, x + ε) ⊂ [0, 1].
Seja n0 ∈ N tal que
1
< ε. Como depois da n0 −ésima etapa da
3n0
construção de K restam apenas intervalos de comprimento menor que
1
, alguma parte do intervalo [x, x + ε) é retirada na n0 −ésima etapa, ou
3n0
foi retirada antes.
Além disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode
ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrário, x
seria retirado.
142
J. Delgado - K. Frensel
Pontos de acumulação
Logo, y ∈ E ∩ [x, x + ε) ⊂ E ∩ (x − ε, x + ε).
Mostramos, assim, que (x − ε, x + ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.
3.
Pontos de acumulação
Definição 3.1 Seja X ⊂ R. Um número a ∈ R é ponto de acumulação
do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e
raio ε > 0, contém algum ponto x ∈ X diferente de a.
O conjunto dos pontos de acumulação de X, também chamado o derivado
de X, será representado por X 0 .
Simbolicamente, temos que a ∈ X 0 se, e só se,
• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x − a| < ε
ou
• ∀ ε > 0 , (a − ε, a + ε) ∩ (X − {a}) 6= ∅ .
Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equivalentes:
(1) a ∈ X 0 ;
(2) a = lim xn , onde (xn ) é uma seqüência de elementos de X, dois a dois
distintos;
(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos
de X.
Prova.
(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.
Suponhamos que foi possı́vel determinar pontos x1 , x2 , . . . , xn ∈ X tais que
1
j
0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| < , j = 2, . . . , n.
Existe, então, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde
1
ε = min
, |xn − a| .
n+1
Instituto de Matemática - UFF
143
Análise na Reta
Com isso, construı́mos uma seqüência (xn ) de pontos de X dois a dois
distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| <
1
,
n
para todo n ∈ N.
(2) =⇒ (3) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X dois a dois distintos
que converge para a e seja I um intervalo aberto que contém a.
Então, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n ≥ n0 .
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ I. Assim I contém uma infinidade de pontos de X,
pois os termos xn da seqüência são dois a dois distintos.
(3) =⇒ (1) É trivial verificar esta implicação.
Corolário 3.1 Se X 0 6= ∅, então X é infinito.
Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um número infinito de ı́ndices n ∈ N e
lim xn = a, então X 0 = {a}, onde X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é o conjunto
formado pelos termos da seqüência (xn ).
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0 .
Então, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1 − a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal
que xn1 ∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrário, terı́amos xn = a para
todo n ≥ n0 . Logo, a ∈ X 0 .
Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| <
|b − a|
para
2
todo n ≥ n0 .
Logo, |xn − b| >
|b − a|
para todo n ≥ n0 .
2
Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε =
|b − a|
> 0, contém apenas
2
um número finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X 0 .
Assim, X 0 = {a}.
1
1
1
1
Em particular, X 0 = {0}, onde X = 1 , , . . . , , . . . , pois → 0 e 6= 0
2
n
n
n
1
1
para todo n ∈ N, e Y 0 = {a}, onde Y = a, a + 1, a, a + , . . . , a, a + , . . . ,
2
n
pois a seqüência cujos termos são yn = a para n ı́mpar e yn = a +
144
J. Delgado - K. Frensel
1
,
n
Pontos de acumulação
para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.
• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, então X 0 = ∅, pois X = {a} é
um conjunto finito.
Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K é um ponto de
acumulação de K, ou seja, K ⊂ K 0 .
Suponhamos, primeiro, que x não pertence ao conjunto E das extremidades dos intervalos retirados. Como E é denso em X, dado ε > 0, existe
y ∈ E tal que y ∈ (x − ε, x + ε). Então, existe y ∈ K tal que 0 < |y − x| < ε.
Logo, x ∈ K 0 .
Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x é a extremidade direita do intervalo (a, x) retirado na n0 −ésima etapa da construção do conjunto de
Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1 ]. Na etapa seguinte, será
omitido o terço médio do intervalo [x, b1 ], sobrando um intervalo [x, b2 ] ⊂
[x, b1 ]. Assim, nas outras etapas, sobrarão [x, b3 ] , [x, b4 ] , . . . , [x, bn ] , . . .,
com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e lim bn = x ,
pois |x − bn | =
1
, para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K 0 .
3n0 +n−1
De modo análogo, podemos provar que se x ∈ E é a extremidade esquerda de um intervalo retirado durante a construção do conjunto de Cantor, então x ∈ K 0 .
Observe, também, que 0, 1 ∈ K 0 , pois
n ∈ N, e
1
1
, 1 − n ∈ E ⊂ K, para todo
n
3
3
1
1
−→ 0 e 1 − n −→ 1.
3n
3
Assim, todo ponto de K é um ponto de acumulação de K.
Exemplo 3.3 Q 0 = (R − Q) 0 = R 0 = R, pois todo intervalo aberto de R
contém uma infinidade de números racionais e irracionais (por quê?).
Exemplo 3.4 (a, b) 0 = [a, b) 0 = (a, b] 0 = [a, b] 0 = [a, b] (verifique!).
Definição 3.2 Um ponto a ∈ X que não pertence a X 0 é um ponto isolado de X.
Assim, a ∈ X é um ponto isolado de X se, e só se, existe ε > 0 tal que
(a − ε, a + ε) ∩ X = {a}.
Instituto de Matemática - UFF
145
Análise na Reta
Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z é um ponto isolado de Z, pois
(a − 1, a + 1) ∩ Z = {a}.
Observação 3.1 X não possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X 0 .
Em particular, Q e o conjunto de Cantor K não possuem pontos isolados,
pois Q ⊂ Q 0 = R e K ⊂ K 0 .
Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X 0 .
Ou seja, o fecho de um conjunto X é obtido acrescentando-se a X os seus
pontos de acumulação.
Prova.
Pela definição de ponto aderente e de ponto de acumulação, temos que
X ⊂ X e X 0 ⊂ X. Logo, X ∪ X 0 ⊂ X.
Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.
Então, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,
x ∈ (a − ε, a + ε) ∩ X.
Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X − {a} 6= ∅.
Assim, se a ∈ X, então a ∈ X ou a ∈ X 0 , isto é, X ⊂ X ∪ X 0 .
Observação 3.2 X e X 0 podem ter interseção não-vazia. Por exemplo,
se X = (0, 1), então X 0 = [0, 1].
Corolário 3.2 X é fechado se, e somente se, X 0 ⊂ X.
Prova.
X é fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X 0 ⇐⇒ X 0 ⊂ X.
Exemplo 3.6 Se K é o conjunto de Cantor, então K = K 0 , pois K é
fechado, ou seja, K 0 ⊂ K, e também K ⊂ K 0 , pelo exemplo 3.2.
Corolário 3.3 Um conjunto X ⊂ R é fechado sem pontos isolados se, e
somente se, X 0 = X.
146
J. Delgado - K. Frensel
Pontos de acumulação
Corolário 3.4 Se todos os pontos do conjunto X são isolados, então X
é enumerável.
Prova.
Seja E ⊂ X um subconjunto enumerável denso em X, ou seja, X ⊂ E.
Seja x ∈ X. Então x ∈ E. Como x 6∈ X 0 , temos, também, que x 6∈ E 0 , pois
E ⊂ X.
Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X é enumerável.
Definição 3.3 Dizemos que a é ponto de acumulação à direita de X
quando (a, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Indicaremos X+0 o conjunto dos pontos de acumulação à direita de X.
Observação 3.3 a é ponto de acumulação à direita de X ⇐⇒ todo intervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contém uma infinidade de pontos de
X ⇐⇒ a é ponto de acumulação de X ∩ [a, +∞) ⇐⇒ a é limite de uma
seqüência decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)
contém algum ponto de X.
Verifiquemos apenas que a é ponto de acumulação à direita de X se, e só
se, a é limite de uma seqüência decrescente de pontos de X.
• De fato, seja (xn ) uma seqüência decrescente de pontos de X que converge para a e seja ε > 0.
Então, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0 , pois
a = inf{xn | n ∈ N}, já que (xn ) é decrescente e converge para a.
Além disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ X ∩ (a, a + ε), ou seja, X ∩ (a, a + ε) é infinito.
Suponhamos, agora, que a é ponto de acumulação à direita de X.
Seja x1 ∈ (a, a + 1) ∩ X. Suponhamos que seja possı́vel encontrar pontos
1
j
x1 , . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a + , j = 1, . . . , n.
Seja ε = min
1
n+1
, xn − a > 0.
Então, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a + ε.
Instituto de Matemática - UFF
147
Análise na Reta
Logo, a < xn+1 < a +
1
e xn+1 < a + xn − a = xn .
n+1
Isto completa a definição, por indução, da seqüência (xn ) decrescente de
pontos de X tal que a < xn < a +
1
para todo n ∈ N.
n
Logo, lim xn = a.
Definição 3.4 Dizemos que a é ponto de acumulação à esquerda de X,
quando (a − ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.
Indicaremos por X−0 o conjunto dos pontos de acumulação à esquerda de
X.
Observação 3.4 a ∈ X−0 ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a − ε, a),
ε > 0, contém uma infinidade de pontos de X ⇐⇒ a é ponto de acumulação
do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a é limite de uma seqüência crescente de
pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contém algum ponto de X.
Exemplo 3.7 Se X = 1, 12 , . . . , n1 , . . . , então 0 é ponto de acumulação
à direita de X, mas não é ponto de acumulação à esquerda de X. Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) é ponto de acumulação à esquerda e à direita de X, mas a é apenas ponto de acumulação à direita de
X e b é apenas ponto de acumulação à esquerda de X.
Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Já provamos que K = K 0 .
• O ponto 0 é apenas ponto de acumulação à direita e o ponto 1 é apenas
ponto de acumulação à esquerda de K.
• se a ∈ K é extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, então
a é apenas ponto de acumulação à esquerda de K.
De fato, se (a, x) é o intervalo aberto retirado na n0 −ésima etapa, vai
restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1 , a] de comprimento
1
. E,
3n0
nas etapas seguintes, vão sobrar intervalos [b2 , a], [b3 , a], . . . , [bn , a], . . .,
tais que [bn+1 , a] ⊂ [bn , a] e a − bn =
1
3n0 +n+1
para todo n ∈ N.
Assim, (bn ) é uma seqüência crescente de pontos de K tais que bn → a.
Logo, a ∈ K−0 .
148
J. Delgado - K. Frensel
Pontos de acumulação
Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K+0 .
• Se a é extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, então a
é apenas ponto de acumulação à direita de K. A demonstração é análoga
à anterior.
• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, então a é ponto de acumulação à esquerda e
à direita de K.
De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que
(a − ε, a) ∩ X = ∅.
Então, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) é um dos intervalos abertos retirados.
Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que é absurdo.
Assim, a é ponto de acumulação à esquerda de K.
De modo análogo, podemos provar que a é ponto de acumulação à direita
de K.
Lema 3.1 Seja F ⊂ R não-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para
todo x ∈ R, existe Fx limitado, não-vazio, fechado e sem pontos isolados
tal que x 6∈ Fx ⊂ F.
Prova.
Como F 0 = F e F 6= ∅, temos que F 0 6= ∅. Logo, F = F 0 é infinito. Então,
existe y ∈ F tal que y 6= x.
Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).
Seja G = (a, b) ∩ F. Então, G é limitado e não-vazio, pois y ∈ G. Além
disso, G não possui pontos isolados.
De fato, se c é um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que
(c − ε, c + ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.
Então, para ε 0 = min{ε, b − c, c − a}, temos
(c − ε 0 , c + ε 0 ) ⊂ (a, b) ∩ (c − ε, c + ε)
e, portanto, (c − ε 0 , c + ε 0 ) ∩ F = {c}, o que é absurdo, pois F não possui
pontos isolados.
Se G é fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.
Suponhamos que G não é fechado.
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149
Análise na Reta
Como G ⊂ [a, b] ∩ F, então ou a ∈ G 0 ou b ∈ G 0 .
Acrescentamos, então esse(s) ponto(s) a G para obter Fx .
Assim, x 6∈ Fx , Fx é fechado e não é vazio, pois Fx = G. Além disso, Fx não
possui pontos isolados.
De fato, já provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, então c não é ponto isolado
de G, e, portanto, não é ponto isolado de G.
Suponhamos que a ∈ G é ponto isolado de G. Então a ∈ G 0 , e, portanto,
a é ponto de acumulação de G, o que é absurdo.
De modo análogo, prova-se que b não é ponto isolado de G, caso b ∈ G.
Logo, Fx = G não possui pontos isolados.
Teorema 3.3 Se F é um conjunto não-vazio, fechado e sem pontos isolados, então F é não-enumerável.
Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de F.
Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 não-vazio, limitado, fechado, e
sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.
Suponhamos que existem subconjuntos F1 , F2 , . . . , Fn , não-vazios, limitados, fechados e sem pontos isolados tais que
Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F
e
xj 6∈ Fj , para todo j = 1, . . . , n.
Então, pelo lema, existe Fn+1 não-vazio, limitado, fechado e sem pontos
isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn .
Obtemos, assim, uma seqüência decrescente (Fn ) de conjuntos não-vazios,
fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo
n ∈ N.
Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn . A seqüência (yn ) é
limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 é limitado.
Logo, a seqüência (yn )n∈N possui uma subseqüência (ynk )k∈N convergente.
Seja y = lim ynk .
k→∞
150
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos compactos
Dado j ∈ N, temos que ynk ∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj , para todo
j ∈ N, pois Fj é fechado e ynk → y.
Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F
não é enumerável.
Corolário 3.5 Todo conjunto fechado não-vazio enumerável possui algum ponto isolado.
Corolário 3.6 O conjunto de Cantor é não-enumerável.
4.
Conjuntos compactos
Definição 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R é uma famı́lia
C = (Cλ )λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂
[
Cλ .
λ∈L
Uma subcobertura de C é uma subfamı́lia C 0 = (Cλ )λ∈L 0 , L 0 ⊂ L, tal que
[
X⊂
Cλ .
λ∈L 0
h1 3i
Exemplo 4.1 Seja X = , e seja C = {C1 , C2 , C3 } uma famı́lia de
3 4
subconjuntos de R, onde
2
C1 = 0,
,
3
C2 =
1
3
,1
e
1 9 C3 =
,
.
2 10
Então, C é uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e
C 0 = {C1 , C2 } é uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).
Exemplo 4.2 C = (Cn )n∈Z , onde Cn = [n, n+1), n ∈ Z, é uma cobertura
de R que não possui uma subcobertura própria, pois os conjuntos Cn são
dois a dois disjuntos.
1
1
Exemplo 4.3 Seja X = 1, , . . . , , . . . . Então X é infinito e todos os
2
n
seus pontos são isolados, pois X = {0} e, portanto, X ∩ X 0 = ∅.
0
Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix ∩X = {x}.
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151
Análise na Reta
Como X =
[
[
{x} ⊂
x∈X
Ix ⊂ X, temos que X =
x∈X
[
Ix , ou seja C = (Ix )x∈X é
x∈X
uma cobertura de X.
Mas C não possui uma subcobertura própria, pois se x ∈ X, então x 6∈ Iy ,
para todo y 6= x, y ∈ X, já que Iy ∩ X = {y}.
Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)
Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famı́lia (Iλ )λ∈L de
[
intervalos abertos tais que [a, b] ⊂
Iλ , existe um número finito deles
λ∈L
Iλ1 , . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]
por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.
Prova.
Seja
X = {x ∈ [a, b] [a, x] pode ser coberto por um número finito dos intervalos Iλ } .
Como X é limitado e não-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = sup X.
Afirmação: c ∈ X.
Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].
Então existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0 = (α, β).
Sendo α < sup X = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,
existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn .
Então, [a, c] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , pois [x, c] ⊂ (α, β) = Iλ0 . Logo, c ∈ X.
Afirmação: c = b.
Suponhamos que c < b. Então existe c 0 ∈ Iλ0 tal que c < c 0 < b.
Assim, [a, c 0 ] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , ou seja, c 0 ∈ X, o que é absurdo, pois
c 0 > c = sup X.
Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] está contido numa união finita dos
I λ .
Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)
Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura finita.
152
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos compactos
Prova.
Seja C = (Aλ )λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ é aberto.
Seja x ∈ [a, b]. Então existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,
existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .
[
Logo, [a, b] ⊂
Ix . Pelo teorema anterior, existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b]
x∈[a,b]
tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ Ix2 ∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn .
Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)
Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Então toda cobertura
[
F⊂
Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura
λ∈L
finita.
Prova.
Sejam A = R − F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].
!
[
Logo, [a, b] ⊂
Aλ ∪ A. Como A é aberto, temos, pelo teorema
λ∈L
anterior, que existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn ∪ A .
Então, F ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn , pois F ∩ A = ∅.
Observação 4.1 As três formas do teorema de Borel-Lebesgue anteriores são equivalentes.
Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n, n) )n∈N de R não possui
uma subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos abertos da
forma (−n, n) coincide com o maior deles e, portanto, não pode ser R.
Observe, neste caso, que R é fechado, mas não é limitado.
Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta
1
n
,2
n∈N
que não possui subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos
1 da forma
, 2 é o maior deles e, portanto, não pode conter (0, 1].
n
Neste exemplo, o intervalo (0, 1] é limitado, mas não é um conjunto fechado.
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153
Análise na Reta
Teorema 4.4 As seguintes afirmações a respeito de um conjunto K ⊂ R
são equivalentes.
(1) K é fechado e limitado.
(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura
finita.
(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulação pertencente a K.
(4) Toda seqüência de pontos de K possui uma subseqüência que converge para um ponto de K.
Prova.
(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.
(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulação em K.
Vamos provar que X é finito.
Seja x ∈ K. Como x 6∈ X 0 , existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩ X = {x}
se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.
[
Como K ⊂
Ix , existem x1 , . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1 ∪. . .∪Ixn . Então,
x∈K
X ⊂ (Ix1 ∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1 , . . . , xn } .
Logo, X é finito.
(3) =⇒ (4) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de K.
Então X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é um conjunto finito ou infinito.
Se X é finito, então existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de
ı́ndices n ∈ N, ou seja, existe N 0 ⊂ N infinito tal que xn = a para todo
n ∈ N 0 . Logo, a subseqüência (xn )n∈N 0 é convergente.
Se X é infinito, existe a ∈ K que é ponto de acumulação de X. Então,
para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contém infinitos pontos
de X e, portanto, contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente grandes.
Logo, a é valor de aderência da seqüência (xn ) ou seja, a é limite de uma
subseqüência de (xn ).
(4) =⇒ (1) Suponhamos que K não é limitado superiormente. Então, para
todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.
154
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos compactos
Seja (xn )n∈N 0 uma subseqüência de (xn ). Como N 0 ⊂ N é ilimitado, para
todo n ∈ N existe n 0 ∈ N 0 tal que n 0 > n.
Logo, xn 0 > n 0 > n. Então, a subseqüência (xn )n ∈ N 0 não é limitada
superiormente e, portanto, não é convergente.
Assim, a seqüência (xn )n∈N de pontos de K não possui uma subseqüência
convergente, o que é absurdo. Logo, K é limitado superiormente.
De modo análogo, podemos provar que K é limitado inferiormente. Então,
K é limitado.
Seja (xn ) uma seqüência convergente de pontos de K com lim xn = x.
Como (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um
ponto de K e lim xnk = x, temos que x ∈ K.
k→∞
Logo, K é fechado.
Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma
subseqüência convergente.
Prova.
Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais e seja
X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}.
Como X é limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Então, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X é fechado e limitado. Logo, pelo teorema
anterior, a seqüência (xn ) de pontos de X possui uma subseqüência convergente.
Corolário 4.2 (Bolzano-Weierstrass)
Todo conjunto limitado e infinito de números reais possui um ponto de
acumulação.
Prova.
Seja X um conjunto limitado e infinito de números reais. Então, existem
a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Logo, X ⊂ [a, b]. Então, X é fechado, limitado, e X ⊂ X é infinito. Assim,
pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulação.
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155
Análise na Reta
Definição 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R é compacto se toda
cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.
Observação 4.2 K é compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, portanto todas) as afirmações do teorema 4.4.
Exemplo 4.6
1
1
• O conjunto Y = 0, 1, , . . . , , . . . é compacto, pois Y = X = X ∪ X 0 ,
2
n
1
1
onde X = 1, , . . . , , . . . .
2
n
• O conjunto de Cantor é compacto.
• Os intervalos do tipo [a, b] são compactos.
• R, Q e Z não são compactos porque não são limitados.
• Q ∩ [0, 1] não é compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]
não é fechado.
Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma seqüência
decrescente de compactos não-vazios. Então K =
\
Kn é não-vazio e
n∈N
compacto.
Prova.
O conjunto K é fechado, pois é interseção de uma famı́lia de conjuntos
fechados, e é limitado, pois K ⊂ K1 e K1 é limitado (por ser compacto).
Logo, K é compacto.
Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn . Então, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em
particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.
Como K1 é compacto, a seqüência (xn ) de pontos de K1 possui uma subseqüência convergente (xnk ). Seja x = lim xnk .
k→∞
Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0 ≥ j. Então, xnk ∈ Kj , para todo
k ≥ k0 , já que nk ≥ nk0 ≥ j.
Logo, xnk −→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj é fechado para todo j ∈ N.
Ou seja, x ∈ K.
156
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos compactos
Aplicação do Teorema de Borel-Lebesgue
Definição 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e
[a, b) é o número b − a.
Proposição 4.1 Se [a, b] ⊂
n
[
(ai , bi ), então b − a <
i=1
n
X
(bi − ai ).
i=1
Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai , bi ) ∩ [a, b] 6= ∅ para
todo i.
Sejam c1 < c2 < . . . < ck os números ai e bj ordenados de modo crescente.
Então {a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn } ∩
k−1
[
(cj , cj+1 ) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj , cj+1 ) e
j=1
bk 6∈ (cj , cj+1 ) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k − 1.
Além disso, c1 < a e ck > b. Logo, b − a < ck − c1 , ou seja,
b − a < (ck − ck−1 ) + . . . + (c3 − c2 ) + (c2 − c1 ) = ck − c1 .
Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum
intervalo (ai , bi ).
• cj ∈ [a, b]
Neste caso, cj ∈ (ai , bi ) para algum i = 1, . . . , n. Como bi não está entre
cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).
Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .
• cj < a
Neste caso, cj não pode ser um dos bi , pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩
[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi não pode estar
entre cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi )
Fig. 8: Caso cj < a .
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157
Análise na Reta
• cj > b
Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,
pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj , cj+1 ), temos que
ai ≤ cj e, portanto, (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).
Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,
bi = cp+q e p + q ∈ {1, . . . , k}. Então,
bi − ai = (cp+q − cp+q−1 ) + . . . + (cp+1 − cp ) .
Logo,
n
X
(bi − ai ) é uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj , sendo que
i=1
cada parcela cj+1 − cj , j = 1, . . . , k − 1, aparece pelo menos uma vez, pois
cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum intervalo (ai , bi ).
Fig. 9: Posição relativa do intervalo (a, b) entre os (ai , bi ) .
Assim, b − a <
k−1
X
(cj+1 − cj ) ≤
j=1
n
X
(bi − ai ) . i=1
Proposição 4.2 Se [a, b] ⊂
∞
[
(an , bn ) então (b − a) <
n=1
∞
X
(bn − an ) .
n=1
Prova.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1 , . . . , nk ∈ N tais que
[a, b] ⊂ (an1 , bn1 ) ∪ . . . ∪ (ank , bnk ) .
Então, pela proposição anterior, b − a < (bn1 − an1 ) + . . . + (bnk − ank ) .
Portanto, b − a <
∞
X
(bn − an ) .
n=1
Proposição 4.3 Se
∞
X
(bn − an ) < b − a, então o conjunto
n=1
X = [a, b] −
∞
[
(an , bn )
n=1
é não-enumerável.
158
J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos compactos
Prova.
Seja c = (b − a) −
∞
X
(bn − an ) > 0, e suponha que X = {x1 , . . . , xn , . . .} é
n=1
enumerável.
c
Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raio n+2 . Logo,
2
!
!
∞
∞
[
[
[a, b] ⊂
(an , bn ) ∪
Jn .
(?)
n=1
n=1
Mas,
∞
X
(bn − an ) +
n=1
∞
X
∞
X
|Jn | =
n=1
(bn − an ) + c
n=1
∞
X
n=1
∞
1
2n+1
cX 1
= (b − a) − c +
2
2n
n=1
c
c
= (b − a) − c + = (b − a) − < b − a ,
2
2
o que contradiz (?), pela proposição anterior.
Aplicações
(A) Existe uma coleção de intervalos abertos cujos centros são todos
os números racionais do intervalo [a, b] que não é uma cobertura de [a, b].
• Seja X = {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos racionais contidos no
intervalo [a, b].
Para cada n ∈ N, seja (an , bn ) o intervalo aberto de centro rn e raio
Então,
∞
X
n=1
b−a
.
2n+2
X
b−a
(bn − an ) =
(an , bn ) não
< b − a . Logo, [a, b] −
2
∞
n=1
é vazio, pois não é enumerável, ou seja, [a, b] 6⊂
∞
[
(an , bn ).
n=1
(B) Existe um conjunto fechado, não-enumerável, formado apenas
por números irracionais.
Com efeito, sejam (an , bn ), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.
Então
X = [a, b] −
∞
[
(an , bn ) = [a, b] ∩
n=1
R−
∞
[
!
(an , bn )
n=1
é fechado, não enumerável e formado apenas por números irracionais.
Instituto de Matemática - UFF
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