Conferência Económica Internacional Portugal na encruzilhada da Europa Lisboa, 18-9 9 de Maio de 2012 Austeridade: Uma alternativa Ricardo Cabral Universidade da Madeira 19 de Maio de 2012 [email protected] Image source: Nations Online Project Objectivos • Caracterizar a natureza da crise da zona euro e da União Europeia (UE) – Crise da dívida soberana ou crise da balança de pagamentos? • Explicar porque é que a resposta de política económica da UE/FMI é incorrecta – Porque não resulta a “Austeridade Austeridade” imposta pela UE/FMI? • Sugerir uma possível alternativa de política económica – Impõe-se se uma mudança de rumo: “Austeridade” “ contra a crise da Zona Euro e da UE é óbvio que é a opção incorrecta A crise de dívida soberana é uma crise de balança de pagamentos e de dívida externa Net External Debt Position (- for net creditor) Net external liabilities (- for net external assets) Net External Debt Position (- for net creditor) Net external liabilities (- for net external assets) (% of GDP) (% of GDP) (% of GDP) (% of GDP) Austria 16.2 -0.6 Latvia 42.1 81.3 Belgium** -29.5 -44.5 Lithuania 28.3 56.0 Bulgaria 1.8 97.6 Luxembourg** -2909.7 -82.9 Cyprus -24.1 10.1 Malta** -102.0 -13.2 Czech Republic -7.6 50.5 Netherlands 37.1 -19.9 Denmark 27.9 -9.6 Poland 24.7 63.2 Estonia 24.8 73.3 Portugal 85.3 107.9 Finland 25.3 -6.9 Romania 21.2 63.9 France** 21.5 10.9 Slovakia* 9.0 63.8 Germany -22.7 -42.0 Slovenia 26.9 37.0 Greece 102.4 98.2 Spain 82.9 87.1 Hungary 51.6 108.0 Sweden 41.7 23.5 Ireland 116.6 99.4 Switzerland** -114.5 -138.9 Italy 34.9 17.1 United Kingdom 30.0 13.2 Country Country Source: Cabral (2011) based on National Central Banks/National Statistical Offices IMF SDDS program. Data for 4Q2010, except * 3Q2010 and ** 4Q2009. Net external debt data excludes FDI debt claims. Net external liabilities is the symmetric of the International Investment Position. Ireland: non-IFSC data only. Luxembourg: includes financial center data. See Cabral (2010) for methodology. methodology Crise de balança de pagamentos e de dívida externa • A UE no seu todo não enfrenta qualquer crise de balança de pagamentos • Mas 12 dos 27 países membros terão passivos externos demasiado elevados, i.e., são desequilíbrios internos à UE – 6 desses países já sujeitos a programas de resgate da UE/FMI – Dívida externa líquida em vários países da UE (nomeadamente nos “periféricos”)) sem precedente históricos em tempo de paz • Mais do dobro do endividamento externo bruto considerado sustentável por especialistas internacionais (40% do PIB) • Só possíveis porque a União Económica e Monetária (UEM) e o Eurosistema permitiram acumular, desde 1999, desequilíbrios externos crescentes, sem rupturas de financiamento. – Os precedentes históricos indicam que, inevitavelmente, essa dívida será reestruturada porque, com juro composto, a dívida externa cresce mais rapidamente do que o PIB Desequilíbrios das contas públicas são sintoma e consequência, não a causa da crise* • A identidade contabilística da balança de pagamentos indica-nos indica que Nec. Líq. Fin. (pub+priv)≈défice )≈défice balança (comercial+rendimentos)+ ( Outros • Esta identidade contabilística deve ser interpretada como uma equação matemática do género 3+1==2+2 • Ou seja, o défice do sector público (3 3) mais as necessidades líquidas de financiamento do sector privado (1)) dependem fundamentalmente do défice da balança comercial (2)) e do défice da balança de rendimentos (2) ( • Significa que não é possível reduzir o défice público de forma sustentável se não for possível reduzir os termos do lado da direita (défice da balança comercial e de rendimentos) se que a causalidade ocorre nos dois sentidos. Contudo, no contexto actual, desequilíbrios externos elevados causam (*Note-se défices públicos elevados) Qual o problema do programa de resgate da UE e do FMI (vulgo planos da troika)? (1/4) • A ênfase dos programas é corrigir o desequilíbrio das contas públicas – A crise é entendida como uma crise de dívida pública e não de balança de pagamentos • Solução: disciplina orçamental - austeridade – cortes dos salários dos funcionários públicos e pensionistas – “medidas estruturais” para melhorar competitividade no longo prazo (sobretudo via quebra nos custos do trabalho) – aumento de impostos, reduções despesas sociais – privatizações para reduzir necessidades de financiamento do estado • Contudo essas medidas só afectam directamente o primeiro termo da esquerda (3)) da identidade da balança de pagamentos 3+1==2+2 • Não são primeiramente direccionadas para os termos do lado direito da equação • Ora, não é possível melhorar o défice público (3) ( de forma sustentável se não se alterar os termos do lado direito desta identidade (2+2) ( Qual o problema do programa de resgate da UE e do FMI (vulgo planos da troika)? (2/4) 3+1 1=2+2 • O programa de resgate pouco faz de concreto em relação aos termos do lado direito desta identidade – Só é possível reduzir o défice comercial (2 2) através de aumento das exportações, da redução das importações, ou de crescimento económico que não resulte num aumento das importações – O défice da balança de rendimentos (2)) resulta re dos juros e dividendos que se paga ao exterior pelo elevado passivo externo – Com juro composto, dívida cresce mais rapidamente que a economia, portanto (2) ( tem tendência a crescer – Só é possível reduzir o défice da balança de rendimentos (2) ( ou através da redução da taxa de juro sobre a dívida, da reestruturação de dívida, ou de crescimento económico • O programa de resgate afecta sobretudo a receita e despesa pública – A receita pública representou em 2011, 44,7% do PIB, e a despesa pública 48,9% do PIB. Ou seja, o estado afecta quase toda a actividade económica • Aumentos de impostos e redução de despesa pública tendo o objectivo de baixar o défice público (3), ), afectam toda a procura interna (107,2% do PIB em 2010 e 103,9% do PIB em 2011) de forma indiscriminada – i.e., afectam todo o tecido produtivo Qual o problema do programa de resgate da UE e do FMI (vulgo planos da troika)? (3/4) 3+1==2+2 • Só por acaso é que essas alterações se reflectem de forma directa no défice da balança comercial (2) – Ora o défice comercial foi de 7,2% do PIB em 2010 e 3,9% em 2011 • As necessidade líquidas de financiamento públicas + privadas (3+1) ( foram 8,9% do PIB em 2010 e 5,2% em 2011 • Isto significa que Portugal tem um desequilíbrio marginal ou na margem. • Não faz sentido utilizar política orçamental (austeridade) que afecta toda a procura interna de forma indiscriminada (107,2% do PIB de 2010) quando, na realidade, o desequilíbrio externo do país é relativamente pequeno (marginal), representando cerca de 8,9% do PIB em 2010 (5,2% em 2011) – É como utilizar um enorme martelo industrial para prender um pequeno pino à parede – Uso desproporcionado de força, que causará – está a causar - muitos danos à economia – Mudanças tão radicais causam quedas da produtividade, do produto e do emprego (destroem tecido produtivo, destroem capital físico e financeiro, e afectam de modo irrecuperável parte do capital humano) Qual o problema do programa de resgate da UE e do FMI (vulgo planos da troika)? (4/4) 3+1==2+2 • Política económica contraproducente porque, – Se não se reduzirem os termos da direita, o défice público tenderá a subir novamente – Tem efeito desproporcional e muito negativo no sector privado da economia (1) ( – A balança comercial (2)) é o único mecanismo de ajustamento que permite melhoria das contas públicas no curto prazo – Para diminuir as necessidades de financiamento da economia a 0% do PIB e assim assegurar a melhoria das contas públicas, é necessário uma enorme melhoria da balança comercial de cerca de 7,1% do PIB (média 2010-2011) – Ora não é possível a todos os países exportarem mais ao mesmo tempo – Também não é desejável que isso ocorra, pois levará a UE a uma recessão se os 12 países na sua periferia procurarem fazer isso ao mesmo tempo – Além disso, esse esforço torna a UE num foco de instabilidade para a economia mundial • A UE passaria de uma balança corrente equilibrada a uma balança corrente excedentária Austeridade: Uma Alternativa 3+1==2+2 • Actuar directamente sobre os dois termos do lado direito da identidade contabilística da balança de pagamentos • No caso português – O défice da balança comercial foi de 7,2% do PIB em 2010 e 3,9% em 2011 – O défice da balança de rendimentos foi de 4,6% do PIB em 2010 e 5,0% em 2011 – As necessidades líquidas de financiamento da economia foram de 8,9% do PIB em 2010 e de 5,2% do PIB em 2011 • O objectivo seria melhorar as necessidades líquidas de financiamento da economia em cerca de 7,1% do PIB, para próximo de 0% do PIB – Permitiria ao país, e ao sector público, auto-financiar-se, auto i.e., não depender do financiamento externo – Metade do ajustamento (3,6% do PIB) através da melhoria da balança comercial – O restante (3,5% do PIB) através da reestruturação de dívida • Medidas similares poderiam ser empreendidas pelos 12 países na periferia da UE, em acordo com os seus parceiros Melhorar balança comercial através de alterações da estrutura dos impostos (1/2) • Melhoria de 3,6% do PIB da balança comercial através de alterações da estrutura fiscal de forma a replicar desvalorização cambial – • Do lado da oferta: baixar custos fiscais e sociais de empresas em sectores de bens e serviços transaccionáveis e aumentar os custos fiscais e sociais de empresas em sectores não transaccionáveis – – • Receitas fiscais e contribuições sociais representaram 34,5% do PIB em 2010. Em média, os impostos e contribuições sociais deverão representar o custo mais significativo de toda e qualquer actividade económica Redução do IVA e das contribuições sociais do empregador para todas as empresas Sectores não transaccionáveis têm tendência a serem menos concorrenciais, a ter maior poder de mercado e maiores lucros: portanto, aumentar IRC e eliminar deduções previstas no código do IRC Do lado da procura: alterar impostos de forma a baixar preços de bens e serviços produzidos domesticamente e aumentar preços de bens e serviços importados de forma a redireccionar procura de importações para bens e serviços domésticos – – Aumentar impostos específicos sobre categorias de bens e serviços com maior peso nas importações (ISP, imposto automóvel, outros) Reduzir taxas de IVA, que é pago em todos os bens e serviços consumidos em Portugal, baixar impostos específicos sobre produtos e serviços produzidos em Portugal (portagens, propinas de universidades, taxas moderadoras, etc) Melhorar balança de rendimentos através de reestruturação de dívida (2/2) • Solução difícil, complexa e com custos, mas é a menos má das alternativas • Reestruturação de dívida: – Objectivo é reduzir o défice da balança de rendimentos – Deve ser feita quanto antes através de alterações da Lei Quadro de Dívida Pública (Gulati and Buchheit, 2010), obviament ente precedida de negociação com os parceiros da UE, com os credores e com implementação de legislação necessária, porquanto • Ao substituir dívida soberana que vence, por empréstimos da FEEF/FMI, a lei e jurisdição aplicável passa a ser internacional • Torna o futuro processo de reestruturação muito mais complexo, dispendioso e moroso. – Implementar lei de resolução bancária especial (Special Resolution Regime with Structured Early Intervention and Prompt Corrective Action) • É um erro utilizar dinheiros públicos e garantias do estado para capitalizar o sistema bancário antes de se proceder à resolução bancária. • Alterar política de concessão de crédito dos bancos – Dilatar prazos e diminuir cupão da dívid dívida pública/privada por forma que o défice da balança de rendimentos passe a ser 1--2% do PIB (i.e., sempre inferior a 2% do PIB), eventualmente indexado à taxa de crescimento do PIB • Fazer uma reestruturação de dívida substancial. Se for demasiado pequena, a dinâmica de dívida não se altera e teremos de proceder a nova reestruturação de dívida daqui a uns anos Conclusões (1/2) • A austeridade não irá resultar porque viola a identidade contabilística da balança de pagamentos, i.e., 1+3=2+2 – Aliás a troika parece agora finalmente reconhecê-lo reconhecê ao promover reestruturação da dívida na Grécia e reduções nas taxas de juro dos empréstimos • Os desequilíbrios que Portugal enfrenta são na margem (representam cerca de 7% do PIB - média 2010-2011) – Não são necessárias alterações radicais à estrutura produtiva pública e privada do país, que aliás serão contraproducentes • Há diversas alternativas para responder à crise Conclusões (2/2) • Uma alternativa possível é, mantendo-se mantendo o país no euro: – Alterações da estrutura fiscal para replicar desvalorização cambial e dessa reforma reduzir o défice comercial na margem (~3,6% do PIB) – Reestruturar a dívida externa e dessa forma reduzir o défice da balança de rendimentos (em ~3,5% do PIB) • Diminuições dessa ordem de grandeza do défice comercial e da balança de rendimentos resultariam na queda das necessidades líquidas de financiamento da economia para próximo de 0% do PIB – Ou seja o país, não precisaria de qualquer ajuda externa • Nessas condições seria de esperar substanciais e automáticas reduções do défice público – Se o governo entrasse hoje em incumprimento da sua dívida, as contas públicas melhorariam: seria de esperar um excedente orçamental