IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS DE JONH DEWEY E SÓCRATES NO PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS DE MATTHEW LIPMAN Jaeliton Francisco da Silva [email protected] RESUMO Esta comunicação tem como objetivo apresentar uma pesquisa bibliográfica para refletir sobre as influências filosóficas de Sócrates e Jonh Dewey no “Programa de Filosofia para Crianças” do professor norte americano Mathew Lipman. Para isso, é feito uma revisão bibliográfica de alguns autores que pesquisam sobre o programa de Lipman e como este professor propôs o uso do diálogo socrático e dos ensinamentos por meio da refutação e da maiêutica para desenvolver o pensamento crítico das crianças. Além disso, são apresentados os conceitos de Dewey sobre educação, democracia e a importância de fazer uso das experiências dos estudantes em sala de aula, que também foram utilizados pelo professor norte-americano em seu programa. PALAVRAS-CHAVE: Influências filosóficas. Filosofia para crianças. Jonh Dewey e Sócrates. 1 INTRODUÇÃO Filosofia para Crianças foi um programa criado nos anos 60 pelo professor norte americano Matthew Lipman, com o objetivo de despertar o pensamento crítico nos infantes a partir do ensino de filosofia com crianças. Esse programa surgiu a partir das preocupações de Lipman com o ensino de Lógica e de Filosofia que eram ministrados nas universidades. Como professor dessas disciplinas, ao fazer uma autoavaliação sobre o seu ensino, percebeu que os estudantes ao chegarem à universidade apresentavam algumas dificuldades de raciocínio e por isso não conseguiam ter bons rendimentos nas aulas. A partir disso, ele constatou que era necessário ensinar lógica e filosofia desde as primeiras séries escolares, para que os estudantes ao longo de suas vidas escolares pudessem desenvolver pensamentos mais racionais. O programa de Lipman tem por base desenvolver o que ele denomina de “pensamento de ordem superior” a partir de leituras das “novelas filosóficas” em uma “comunidade de investigação” formada na sala de aula. 1 I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Portanto, é partindo desses pressupostos que o presente trabalho objetiva-se em apresentar uma discussão teórica sobre as influências filosóficas de Sócrates e Dewey presentes no programa de Lipman, a saber, o diálogo socrático e seus ensinamentos por meio da refutação e da maiêutica; e dos conceitos sobre democracia, educação e experiência do filósofo pragmatista John Dewey Sendo assim, este artigo se caracteriza como uma revisão bibliográfica de alguns autores que pesquisam sobre o programa de Lipman, bem como de uma análise das ideias de Dewey e Sócrates utilizadas por Lipman em seu programa. 2 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS NO PENSAMENTO DE MATTHEW LIPMAN Na construção do Programa de Filosofia Para Crianças, Lipman sofreu influência de diversos filósofos. No entanto, destacaremos aqueles que consideramos mais importantes, a saber: o pragmatista John Dewey e o filósofo grego Sócrates. Os pensamentos desses filósofos estão presentes na proposta de ensino de filosofia com crianças, principalmente no “coração” do programa, que é a “comunidade de investigação”. 2.1 INFLUÊNCIA DE JOHN DEWEY NO PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS DE MATTHEW LIPMAN O primeiro contato que Lipman teve com a leitura de John Dewey foi no período da Segunda Guerra Mundial, quando leu pela primeira vez o livro “Inteligência no mundo moderno”. Apesar de Lipman não ter tido muito contato “visual” com Dewey, foi deste filósofo que o criador do programa de Filosofia para crianças teve a maior e mais significativa influência (KOHAN, 2000, p. 113). Vejamos, a seguir, nas palavras de Kohan, como Dewey influenciou significativamente o projeto de Lipman em levar a filosofia para os estudantes a partir da mais “tenra idade” até o ensino médio. [...] Embora Lipman não tenha tido um intenso contato direto com Dewey, a marca deste é notável, tanto nos seus interesses temáticos quanto em pontos cruciais do seu pensamento. [...] é importante ressaltar que a comunidade de questionamento e investigação, como prática educativa, 2 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 filosófica e social, nada mais é que uma ressonância criativa do modo como Lipman “leu” algumas das propostas de Dewey sobre democracia e educação [...] (KOHAN, 2000, p. 113). Para entender a influência de Dewey no pensamento de Lipman, faz-se necessário fazermos um breve histórico sobre esse filósofo que influenciou consideravelmente o Programa de Filosofia para Criança (PFC), bem como uma breve análise de sua filosofia, destacando os principais pontos que influenciaram Lipman. O filósofo pragmatista norte-americano John Dewey nasceu em 20 de outubro de 1859, em Burlington, cidade do estado de Vermont, nos Estados Unidos. Sua família pertencia a uma comunidade religiosa congregacionista, que “defendiam a autonomia para os membros de suas igrejas”. Nessa comunidade religiosa, os fiéis eram tratados como iguais, sem qualquer “ordem hierárquica” e os membros superiores eram escolhidos por meio de votação (SOUZA e MARTINELI, 2009, p. 161). Sendo assim, havia nessa comunidade religiosa um “espírito de igualdade” perante seus membros que Souza e Martineli (2009, p. 161) interpretam “como uma forma de democracia religiosa”. Foram esses princípios pregados pela religião congregacionista que influenciaram significativamente o pensamento político e o conceito de democracia de Dewey, ou seja, foi através da religião que Dewey obteve seu primeiro contato com a “experiência democrática”. Sua experiência com a educação começou desde sua juventude, tendo como primeira formação o título de bacharel em Artes, pela Universidade de Vermont, onde teve seu primeiro contato com a filosofia. Como bacharel em artes, Dewey começou a lecionar essa disciplina nas escolas próximas da região. Mais tarde, por influência de seu orientador e professor H. Torrey, aos poucos foi deixando o ensino de artes e passou a se dedicar aos estudos da Filosofia (SOUZA e MARTINELI, 2009). Em 1882, Dewey entrou para a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, onde, em 1884, concluiu seu doutorado em filosofia, com uma tese sobre a psicologia de Kant. 3 I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Depois desse pequeno histórico sobre a vida de Dewey, vamos analisar seu pensamento filosófico em relação às suas concepções de democracia, experiência e educação, concepções estas que muito influenciaram Lipman ao desenvolver o seu programa de filosofia com crianças. Ao passo em que vamos apresentando a filosofia de Dewey, relacionaremos o pensamento deste filósofo com a influência sofrida por Lipman. Quanto à experiência, Dewey a considera importante por ela ser essencial para o desenvolvimento do conhecimento, ou seja, ela é “parte imprescindível ao processo educativo” (MOURA; MEIRE, 2012, p. 638). É por meio dela que podemos alcançar o conhecimento de alguma coisa. Em Dewey, a educação e a experiência andam juntas, uma é parte da outra. É por meio da experiência que a nossa educação é formada, pois adquirimos o conhecimento à medida que vamos experienciando os fatos nas nossas vidas. Assim, a educação é para Dewey “[...] o processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras” (TEIXEIRA, 1980, p. 116). Sendo assim, para Dewey, a educação consiste em reconstruir as experiências vividas pelos estudantes. Sua proposta de educação consistia em transformar a educação tida como “escola clássica”, ou seja, a educação tradicional, por uma nova educação capaz de acompanhar as mudanças sociais, políticas e econômicas enfrentados pelos Estados Unidos naquela época. Assim como Dewey defendia essas ideias nos EUA, Anízio Teixeira, por sua vez, defendeu a escola nova aqui no Brasil. Mais tarde, Lipman, influenciado pelo filósofo norte-americano, também passou a defender uma reformulação na educação dos EUA. Nessa proposta nova de educação, Dewey destaca a importância de se motivar o pensamento reflexivo dos estudantes. No livro Como pensamos, de 1959, ele defende que a escola deve incentivar os estudantes a desenvolverem bons pensamentos, salientando que temos que “aprender como pensar bem, especialmente como adquirir o hábito geral de refletir” [grifo do autor], (DEWEY, 1959, p. 43). 4 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Lipman, em seu programa de filosofia com crianças, também defende a importância de desenvolver nas crianças um pensamento reflexivo, que é considerado por ele como um “pensamento de ordem superior”. Lipman, assim como Dewey, defende que a criança pode pensar por si só, cabendo ao professor ser uma “guia, um diretor”. Nesse sentido, o filósofo também afirma que o professor “pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve partir dos que aprendem”, ou seja, dos estudantes (DEWEY, 1959, p. 43). Para Lipman, com a reforma na educação proposta por Dewey, a função do professor passa por uma transformação: [...] O professor não poderia mais ser entendido como um jardineiro que pode cuidar e manter as flores em canteiros, ajudando-as a tornarem-se aquilo a que já estavam geneticamente determinadas a ser desde o início. Em vez disso, o professor tornou-se parte de uma intervenção adulta cuja intenção era liberar o processo de pensamento no aluno, para que este começasse a pensar por si próprio, em vez de papaguear o pensamento do professor ou do livro texto (LIPMAN, 1990, p. 163-164). Lipman utiliza essa nova função destinada ao professor em seu programa. Dessa forma, o campo de atuação do professor é na comunidade de investigação, na qual o mesmo irá levar os estudantes a refletirem sobre seus modos de pensar. Ele propõe que o professor seja uma fonte de consulta e mediador entre os diálogos dos estudantes. Tanto o professor como os estudantes, na comunidade de investigação, são “co-investigadores”. Nesse sentido, cabe ao professor também incentivar a troca de informações e conhecimentos entre os membros dessa comunidade, ou seja, entre os estudantes e o professor. Com essas ideias, o educador norte-americano rompe com a função de professor na escola tradicional, na qual ele era visto como autoridade máxima na sala de aula e tinha como única função transmitir conhecimento (SILVEIRA, 2001, p. 81-82). Nas palavras de Lipman (1990, p. 117): “[...] Em uma comunidade de investigação, professores e alunos encontram-se juntos como co-investigadores e o professor tenta facilitar isso encorajando trocas de aluno-aluno, assim como de professor-aluno”. 5 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Apesar de o professor assumir outra função no programa de filosofia com crianças, isso não quer dizer que o professor perde o papel de “autoridade de instrução”. O que Lipman defende é que ele perde o “papel de autoridade de informação”, pois, segundo o educador americano, é papel do professor na comunidade de investigação “estabelecer” as “condições” que levam os estudantes a desenvolverem “uma investigação discursiva”, além de “mais produtiva” e “mais autocorretiva” (LIPMAN, 1990, p. 117). Como já foi mencionado anteriormente, o professor se torna um guia para desenvolver a discussão no ambiente escolar; ele tem que está sempre atento, observando as discussões para ver se algum estudante está tendo alguma “conduta ilógica” sobre os temas trabalhados em aula. Caso isso ocorra, ele deve orientar para que a discussão tome outra direção. Na hipótese de o professor necessitar tomar essa posição, Lipman defende que “O professor não precisa conduzir com estrito rigor”, ele pode consultar os estudantes para saber se suas observações são relevantes ou não (LIPMAN, 1990, p. 117). Depois dessa análise sobre a importância da experiência e da educação no pensamento de Dewey e sua influência no pensamento de Lipman, abordaremos outro aspecto fundamental da filosofia de Dewey – a importância da democracia. De acordo com os estudos feitos por Kohan (2000), Dewey usa “dois sentidos” para o termo democracia, sendo um “político” e um “social”. No que diz respeito ao sentido político, temos a democracia como “uma forma de governo ou um sistema de instituições políticas para regular a vida em comum”. Assim, para Dewey, nesse sentido de democracia, os diferentes grupos sociais são tratados como iguais, pois “o interesse está centrado no bem-estar da totalidade das pessoas que a compõem”. Com isso, nesse tipo de democracia se faz necessário que os interesses dos grupos sociais sejam ouvidos. Porém, para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos participem ativamente nas escolhas de seus governantes (KOHAN, 2000, p. 114). Quanto ao sentido social da democracia, Dewey a utiliza como um “modo de vida”, seja na “vida pessoal” ou nas “experiências coletivas”, vividas nos diferentes grupos sociais, como os grupos familiares, religiosos, na escola ou no trabalho (KOHAN, 2000, p. 114). 6 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Nesses grupos sociais, é possível encontrar “dois critérios” que possibilitam “determinar o caráter democrático do modo de vida” dos membros ali envolvidos. Um faz relação com “o grau de ligação entre as ações e os interesses das diferentes pessoas” que formam um determinado grupo social. O outro “critério” faz relação ao “modo em que a livre interação entre seus membros possibilita a reacomodação e a retificação e correção dos hábitos e práticas sociais”. Nesse último critério, podemos perceber a importância do diálogo em comunidade para se autocorrigir, fato este que está presente no programa de filosofia com crianças de Lipman, especificamente na “comunidade de investigação”, na qual, com a ajuda dos colegas, as crianças podem perceber as falhas no seu pensamento e com isso buscar o seu aperfeiçoamento (KOHAN, 2000, p. 114). Sendo assim, consideramos que a principal contribuição de Dewey para o programa de filosofia com crianças consiste, principalmente, no uso da democracia em uma comunidade de investigação, na qual, por meio do diálogo democrático, as crianças aprendem a aceitar as opiniões do próximo, bem como superar todo tipo de preconceito. Nas palavras de Lipman (1995, p. 369): A comunidade de investigação é um processo altamente promissor através do qual o pensar estereotipado pode ser substituído pelo pensar que é mais justo para com as outras pessoas, que aceita mais as outras pessoas, sem que sejam destruídas as auto-imagens positivas dos participantes. À medida que o julgamento é aperfeiçoado e fortalecido, substituímos as opiniões e tendências distorcidas por convicções e atitudes menos preconceituosas em relação as quais éramos, até então, tão defensivos. Como vimos no decorrer dos estudos sobre a democracia de Dewey, tanto Lipman como o filósofo pragmatista, consideram “a democracia muito mais que um sistema político”; para eles, ela é “um ideal de vida social ao qual todo grupo humano deveria tender” (KOHAN, 2000, p. 128-129). Portanto, após esses apontamentos sobre a filosofia de Dewey, percebe-se que Lipman se interessou pelo pensamento pragmatista do referido filósofo principalmente por ele ter tratado de maneira “geral e complexa sobre a educação de sua época” (BROCANELLI, 2010, p. 17). 2.2 A INFLUÊNCIA DO DIÁLOGO SOCRÁTICO EM LIPMAN 7 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 De Sócrates, Lipman herdou a importância do ensino por meio do diálogo. Sabemos que essa era a principal forma que Sócrates usava para fazer com que as pessoas refletissem sobre suas vidas. O diálogo socrático levava as pessoas a descobrirem as verdades que estavam presentes em suas almas. Segundo Brocanelli, o método de investigação socrática é formado pela “refutação” e pela “maiêutica”. Assim, é por meio desses métodos que Sócrates usa o “não saber” e a “ironia” para levar seus discípulos ou um ouvinte ao conhecimento, possibilitando que eles tivessem um pensar de forma crítica e um refletir sobre o próprio pensamento, ou seja, pensar sobre o pensar, pensar sobre o já pensado. Portanto, o que liga o pensamento de Lipman com o de Sócrates são os métodos da “refutação” e da “maiêutica”. Era por meio da refutação que Sócrates levava seus interlocutores a perceberem os erros presentes nos seus argumentos, levando-os a perceberem a sua ignorância. Quando uma pessoa consegue perceber sua ignorância, por consequência, purificam suas falsas certezas, deixando para trás um conhecimento falso e encontrando um novo conhecimento, livre de toda incerteza (BROCANELLI, 2010, p. 40). Sabemos que na filosofia de Sócrates as verdades já existem dentro de nós, elas estão apenas escondidas, esperando o momento certo para que possamos dar à luz essas verdades. Sócrates compara a pessoa que tem um conhecimento verdadeiro presente em sua alma como uma mulher grávida prestes a dar à luz, que necessita de um médico para ajudá-la a parir. Sendo assim, as pessoas já contemplam um conhecimento verdadeiro no seu intelecto, necessitando de alguém, neste caso, de um professor para colocar esse conhecimento para fora. Aqui se encontra a importância do professor como orientador no programa de Lipman, importância esta herdada de Sócrates. Vejamos abaixo um trecho do diálogo Teeteto, no qual o próprio Sócrates, ao dialogar com Teeteto e Protágoras, nos mostra como a arte de dar à luz, ou seja, da maiêutica ocorre. Sócrates – Por isso mesmo, tinhas carradas de razão, quando disseste que o conhecimento não passa de sensação, o que vem a dar, precisamente, 8 I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 nisto de Homero e de Heráclito e de toda a tribo de seus acompanhantes: Tudo se movimenta como um rio; ou, segundo a fórmula do sapientíssimo Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas, que é também a de Teeteto, o qual concluiu disso que há perfeita identidade entre conhecimento e sensação. Não é assim mesmo, Teeteto? Não estamos autorizados a dizer que nisso tudo temos um feto dado por ti à luz agora mesmo, com a ajuda dos meus conhecimentos de parteiro? Ou como te parece? Teeteto- Necessariamente, Sócrates, terá de ser como disseste. (PLATÃO. Teeteto, 160 e). Podemos, por meio de Brocanelli, identificar outro ponto fundamental da filosofia socrática para o programa de Lipmam, o “conhece-te a ti mesmo”, fazendo referência à importância de uma pessoa identificar o objetivo de sua vida. Comparando o pensamento de Sócrates com a “comunidade de investigação” de Lipman, podemos verificar que o diálogo entre os membros da comunidade leva as crianças a aperfeiçoarem seus pensamentos. Nesse ambiente, os participantes escutam e trocam ideias com outros, apesar de cada participante ter suas próprias visões e posições. Eles discutem e reestruturam-nas dentro dos padrões de verdade estabelecidos. Para Lipman, o método de diálogo na comunidade de investigação não é simplesmente uma imitação do diálogo de Sócrates, mas sim, um método capaz de levar as crianças a pensarem por “métodos próprios e de acordo com a realidade, ou seja, criar instrumentos e métodos que funcionem na educação atual” (BROCANELLI, 2010, p. 41). Nesse sentido, Lipman, no seu livro Filosofia na sala de aula, aponta quatro tipos de “lições” para os professores que querem “aprender com Sócrates” o seu método de dar à luz os conhecimentos já existentes nas pessoas: Todos os conceitos importantes devem ser operacionalizados, e essa operacionalização deve ser adequadamente sequencial. A investigação intelectual deve se iniciar com os interesses do estudante. Um dos melhores meios de estimular as pessoas a pensarem é envolvê-las no diálogo. O bom pensamento é lógico e fundado na experiência (e também, segundo Platão, imaginativo). Os programas de habilidades de pensamento devem, portanto, enfatizar tanto o raciocínio formal como o raciocínio crítico (LIPMAN, 1997, p. 14). 9 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Para explicar e justificar que as crianças podem fazer filosofia, Lipman faz uma diferença entre o que é “aplicar filosofia e fazer filosofia”. Para ele, Sócrates não queria aplicar a filosofia e sim praticá-la. Sendo assim, a filosofia é vista como “obra”, como forma de vida, a filosofia é então algo ao qual qualquer um de nós pode dedicar-se (LIPMAN, 1990, p. 28). Nessa perspectiva, podemos inferir que qualquer um, inclusive a criança, pode fazer ou praticar a filosofia, pois, segundo o criador do programa, “fazer filosofia não é questão de idade, mas de refletir escrupulosa e corajosamente sobre o que a gente considera importante” LIPMAN (apud KOHAN, 2000, p. 84). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi exposto percebe-se o quanto a filosofia socrática e de Jonh Dewey foi importante para a construção do Programa Filosofia para Crianças de Mattew Lipman. Quando Lipman usou a filosofia de Jonh Dewey estava preocupado em possibilitar um maior envolvimento dos estudantes transformando a sala de aula em um ambiente democrático no qual todos os presentes debatiam e contribuíam com o conhecimento do outro, principalmente fazendo uso da experiência como facilitadora do conhecimento. Portanto tanto Lipman como Dewey estavam preocupados com uma educação que estivesse relacionada com a realidade dos estudantes. Isso se deu por conta das mudanças atuais que estavam acontecendo com a sociedade dos Estados Unidos em suas épocas. Já as contribuições de Sócrates para o pensamento de Lipman permite uma reflexão acerca de uma educação baseada nos princípios da investigação e do diálogo para aprimorar o pensamento das crianças. Nesse processo de investigação, o professor é tido como mediador, que usa o método dialógico de Sócrates para “promover e facilitar a busca das respostas, gerando condições para que o outro aprenda a percorrer um caminho de perguntas e perguntar-se” (KOHAN, 2000, p. 101). 10 IV SEMANA INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA - SIP Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso De 21 a 25 de Novembro de 2015 Maceió - Alagoas - Brasil I SEMINÁRIO LUSOBRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - SLBEI Colegiado de Pedagogia UFAL Centro Acadêmico Paulo Freire - CAPed ISSN: 1981 - 3031 Sendo assim, Lipman fez uso das ideias desses filósofos para mostrar o quanto é importante ensinar filosofia desde as primeiras séries escolares, para com isso contribuir com o desenvolvimento do pensamento críticos das crianças. REFERÊNCIAS BROCANELLI, Cláudio Roberto. MATTHEW LIPMAN: educação para o pensar filosófico na infância. Petrópolis: Vozes, 2010. DEWEY, John. Como Pensamos. São Paulo/SP: Nacional, 1959. KOHAN, Walter Omar; WUENSCH, Ana Miriam. Filosofia para crianças: a tentativa pioneira de MathewLipman. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. Trad. Maria Elice de B. Prestes e Lúcia Maria S. Kremer. São Paulo: Summus, 1990. ______. O Pensar na Educação. Trad. Ann Mary Fighiera Perpétuo. Petrópolis: Vozes, 1995. ______. SHARP, Ann Margaret; OSKANIAN, Frederich. A Filosofia na sala de aula. Trad. Ana Luíza F. Falcone. 2. ed. São Paulo. Nova Alexandria, 1997. MOURA, Matheus da Trindade; MEIRE, Francisco Diniz de Andrade. Bases da Filosofia da Educação em John Dewey: Por Uma Educação DEMOCRÁTICA In: Anais do 2º Congresso Brasileiro de Professores de Filosofia. Recife, PE: FASA, 2012. p.631-642. PLATÃO. Teeteto Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. rev. Belém: EDUFPA, 2001. SILVEIRA, Renê José Trentin. A Filosofia Vai à Escola?: Contribuição para a crítica do Programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman. Campinas/SP: Editora Autores Associados, 2001. SOUZA, Rodrigo Augusto de; MARTINELE, Telma Adriana Pacífico. Considerações Históricas Sobre A Influência De John Dewey No Pensamento Pedagógico Brasileiro. In: Revista HISTEDBR On-line. Disponível em: < http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/35/art11_35.pdf> Acesso em: 04 abr. 2013 TEIXEIRA, Spínola. Anísio. Pedagogia de Dewey: esboço da teoria da educação de Jonh Dewey. São Paulo: Abril Cultura, 1980. (Col. Os pensadores). 11