Luís Roberto Benia O uso de antidepressivos durante o tratamento analítico Este artigo procura estabelecer uma interface entre a psicofarmacologia e a psicanálise propondo uma discussão a respeito do uso de antidepressivos por pacientes que estão em análise. A partir de relatos de casos, discute as indicações e os critérios para o emprego destes fármacos. Conclui, desde uma perspectiva psicanalítica, que os antidepressivos podem ter um papel importante na direção do tratamento. > Palavras-chave: Antidepressivos, psicofármacos, psicanálise, tratamento Este artigo é um convite à discussão de um tema que penso ser relevante e atual, uma vez que a banalização do conceito e do diagnóstico de depressão tornou os antidepressivos as substâncias com o maior volume de prescrições jamais visto na história da psicofarmacologia. Pela banalização de seu uso, uma grande parte das prescrições são feitas por clínicos gerais e médicos das mais diversas especialidades. Podemos dizer que o emprego de antidepressivos adquiriu total legitimidade em nossos dias. Há vinte anos, seu uso seria, provavelmente, mais estigmatizante. Os progressos no desenvolvimento de novas drogas e o surgimento de uma nova representação social da depressão desfizeram esse estigma. A depressão passou a ser apresentada como uma doença comum, tratável como qualquer outra. Os medicamentos vieram acompanhados de maciças campanhas publicitárias anunciando seus inúmeros benefícios e a quase ausência de efeitos colaterais. Assim, utilizar um psicofármaco pode ser uma coi- pulsional > revista de psicanálise > ano XVIII, n. 183, setembro/2005 > Key words: Antidepressants, psychoanalysis, psychopharmacology, treatment artigos > p. 21-28 This paper aims to establish an interface between psychoanalysis and psychopharmacology. It proposes a discussion about the use of antidepressants during psychoanalytical treatment. Based in case reports, indications and criteria for the use of these medications are discussed. In conclusion, it is stated that antidepressants can play an important role in treatment direction. >21 artigos pulsional > revista de psicanálise > ano XVIII, n. 183, setembro/2005 >22 sa absolutamente natural para um grande número de pessoas assim como prescrevêlos também é bastante óbvio para grande número de médicos. A representação mais comum que as pessoas fazem em relação a esta questão pode ser exemplificada da seguinte forma: “... me sinto mal, este mal tem um nome: é depressão. É tratável com remédios, então vou ao médico para que ele me receite um remédio.” Para muitos, principalmente aqueles que nunca tiveram contato com outros pontos de vista, usar um antidepressivo é apenas estar fazendo a coisa certa: cuidar da própria saúde, seguir a prescrição, tentar resolver o problema. Se o alívio dos sintomas é obtido, está tudo bem, segue-se em frente. Se o tratamento é ineficiente ou parcialmente eficiente, o sujeito passa a esperar que novos medicamentos possam resolver seu problema. Não é comum que os pacientes e médicos questionem o modelo de tratamento. Não há, como afirma Jerusalinsky (2001), uma interrogação sobre a posição do sujeito que padece, à medida que este modelo supõe que este sujeito seja o da neurofisiologia, e não o sujeito da linguagem. Tendo em vista todo este quadro, muitos psicanalistas têm tecido críticas bastante duras a este paradigma que, apoiado nas pesquisas psicofarmacológicas, se tornou hegemônico na psiquiatria: o do sofrimento psíquico como um resultado da condição bioquímica do indivíduo. A maioria dos artigos que discutem esta questão tem apontado na seguinte direção: a psicofarmacologia não passa de uma nova forma de ilusão, de uma tentativa de satisfação fácil e imediata peculiar à cultura contemporânea, de uma resposta da psiquiatria à atitude geral de nossa sociedade, que tem como meta banir qualquer infortúnio ou mal-estar. Ao suprimir o mal-estar, a ingestão de medicamentos acaba com a palavra e retira a responsabilidade do sujeito sobre o seu próprio sofrimento. Todavia, a realidade nos mostra um cenário bem mais complexo. Os psicanalistas efetivamente encaminham pacientes para serem medicados, além de que essa é uma prática comum em serviços de saúde mental que contam com equipes interdisciplinares. Na verdade, o número de encaminhamentos vem aumentando, e pouco se discute teoricamente sobre este assunto. O que necessitamos é uma abordagem que colabore para a construção de uma interface entre a psicanálise e a psicofarmacologia que, hoje, torna-se cada vez mais necessária. Ou seja, adota-se uma postura estereotipada e estéril, como afirma Pereira (1997), situando as ciências médicas no campo do “adversário” que busca ocultar a dimensão subjetiva expressa nos sintomas. Afinal de contas, quais são os critérios para encaminhamento de um paciente? Quando, no curso de um tratamento, estaria indicado o uso de um psicofármaco? O tratamento psicanalítico, como era de se esperar, não estará imune ao imaginário que permeia a cultura. Os pacientes eventualmente perguntarão ao clínico sobre a possibilidade de tomar algum remédio. Esta questão pode assumir diversas formas, mas, na maioria das vezes, trata-se de um pedido de amenizar a angústia ou a dor. Em um ensaio publicado em 2001, Felipe Lessa da Fonseca afirma que ... a disposição moral para lidar com a angústia e com as perdas exige do sujeito alguma tolerância à dor. Esta disposição é alterada pelo artigos O uso da medicação, conforme o autor, na busca da atenuação do sofrimento, resultaria na redução da tolerância do sujeito à dor e de sua capacidade de elaboração da angústia. Contudo, mais adiante no mesmo artigo, Lessa afirma que os remédios, em vários casos, favorecem a situação analítica: “O alívio da dor gerada pela sensibilidade do sujeito ao se confrontar com a realidade possibilita o diálogo e propicia calma ou ânimo suficientes para que a análise possa prosseguir.”O autor não estabelece quais são as circunstâncias em que o uso da medicação seria benéfico, mas poderíamos resumir a problemática que ele apresenta na seguinte questão: como determinar o quanto de angústia ou sofrimento um determinado sujeito pode suportar? Para dar resposta a esta questão, os profissionais e pacientes situam-se entre dois extremos: por um lado, a idealização da tolerância à dor e, por outro, a proposta de alívio imediato por meio das medicações. Encontrar o equilíbrio entre estes dois pólos nem sempre é uma tarefa fácil. É preciso considerar a tolerância do próprio analista frente à dor do paciente. Ele pode não suportar a angústia de escutar o sofrimento jogado na transferência, e sentir-se mais seguro ao ver seu paciente medicado. Mas também pode, ao contrário, considerar o paciente muito “queixoso” ou “demandante” e acreditar que o paciente deve sempre “agüentar um pouco mais”. Mesmo considerando que toda demanda também é demanda de amor e que atendê-la de forma imediata deslocaria o analista de seu lugar, transformando a análise em um ato de sugestão ou de mera empatia, poderíamos, por outro lado, pensar que não atender demanda alguma transforma a análise em uma prática em que o elemento a destacar é a onipotência do analista e a idealização da própria psicanálise. Para este, a psicanálise representaria uma teoria totalizante e definitiva da vida humana e lhe é difícil admitir a necessidade de dialogar com outras disciplinas e, mais ainda, aceitar que outras intervenções terapêuticas podem ser necessárias e até mesmo imprescindíveis. Eis uma frase que se ouve com relativa freqüência de pacientes que vêm para uma avaliação psiquiátrica: “Tomar remédio significa uma derrota para mim. É como se eu não pudesse vencer por minhas próprias forças”. À primeira vista parece revelar um esforço do paciente em tentar lidar com seu próprio mal-estar. Mas, por outro lado, poderíamos perguntar-lhe quem é, afinal, que lhe disse que utilizar um psicofármaco é o signo do fracasso? Tanta exigência de si mesmo não é muito produtiva no processo terapêutico. Apenas demonstra o tipo de relação persecutória que o sujeito estabelece com o Superego e que, provavelmente, está sendo colocada em ato na transferência. Os analistas em geral olham com desconfiança tudo que lhes pareça como um atalho para atenuar a dor de existir. Mas não devemos pensar que, ao proscrever tudo que deriva das emoções e dos afetos como fenômenos parasitas, estaremos livres dos seus efeitos. Apresento o relato de um caso que é ilustrativo desta questão, em especial porque a paciente é também psicanalista. Esta paciente vivia um período extremamente difí- pulsional > revista de psicanálise > ano XVIII, n. 183, setembro/2005 remédio que, além dos efeitos previsíveis, descompromete o sujeito de sua responsabilidade pela sua própria vida psíquica. >23 pulsional > revista de psicanálise > artigos ano XVIII, n. 183, setembro/2005 >24 cil em sua vida, do qual falava em sua própria análise, enfrentava crises de angústia, insônia e, em conseqüência disso, um quadro de fadiga que lhe prejudicava imensamente em seu trabalho. Quando atendia seus pacientes, a angústia lhe surgia provocando uma espécie de ruído de fundo que lhe tirava toda a concentração, prejudicando sua escuta. Em certas ocasiões, o volume deste ruído de fundo aumentava tanto que chegava ouvir as batidas de seu coração. Após algumas semanas neste estado percebeu que não conseguia desligar-se totalmente de si para focar sua atenção no que os pacientes lhe diziam. Como se sentia muito fragilizada, a demanda que lhe dirigiam passou a ser quase insuportável. Ao mesmo tempo, se sentia responsável pelo seu trabalho e, a cada fim do dia, ficava exaurida, como resultado das noites de insônia e do esforço subjetivo necessário para seguir adiante. Na seqüência, uma doença física claramente desencadeada pelo seu estado afetivo lhe tirou vários dias de circulação. O que fazer quando o próprio corpo não faz silêncio? Embora relutante, a atitude mais corajosa desta mulher talvez tenha sido a de reconhecer suas limitações (e da própria psicanálise) nestas circunstâncias e buscar auxílio na psicofarmacologia. A partir daí, pôde continuar seu trabalho, o que, afinal, era o seu desejo. Ou seja, nem todo pedido de alívio de sintomas significa uma fuga do tratamento, simplesmente há momentos em que é preciso calar a dor, momentos em que a dor não serve para nada. Se o sujeito é um efeito de linguagem, o corpo orgânico é o substrato material da subjetividade. O cérebro serve de suporte para a passagem do reino da natureza para o reino da cultura. Ele se regula pela cultura e se modifica por meio das relações sociais de cada sujeito. Tudo que lhe concerne, percepções, afetos, memórias, estará marcado pelo simbólico. Como sabemos, o corpo e o cérebro estão atravessados por uma ordem diversa da ordem biológica. Porém, isto não significa que a ordem biológica deixe de operar e, algumas vezes, de forma tão radical que se torna refratária a qualquer operação simbólica. Portanto, qualquer tratamento que pretenda interpelar o sujeito deveria ter uma preocupação mínima com a manutenção das funções vitais, ou, pelo menos, deveria estar atento para quando estas são colocadas em risco. Nos estados depressivos severos, a insônia, a perda de peso, a apatia, quando se intensificam e se prolongam no tempo, podem provocar uma cascata de eventos altamente danosos à vida do paciente. Deterioração da saúde física, incapacidade para o trabalho, perda do emprego e ruptura de laços familiares são situações que, uma vez deflagradas, são difíceis de reverter e, por sua vez, realimentam o estado melancólico. Neste quadro, a própria continuidade do tratamento pode ficar comprometida. Em um outro exemplo, tratava-se de uma paciente cujo quadro depressivo iniciou após um rompimento amoroso. O analista a convocava a falar da perda, fazer o trabalho de luto necessário para que fosse adiante com sua vida. Contudo, era-lhe difícil sair da posição “queixosa”. Por mais que falasse da perda e tentasse situá-la na sua história, sempre retornava ao mesmo lugar de lamúrias e compadecimento de si. A esta situação o analista não assistia passivamente, porém suas intervenções não mudavam aquele discurso. Até então, do ponto de vista psicopa- ções a respeito. Tampouco ficamos sabendo o que acontece com as pessoas depois que deixam de vir aos nossos consultórios, apenas apostamos que nosso trabalho tenha tido algum efeito. Uma pesquisa empírica que investigasse estas questões seria da maior importância. Em relação ao caso citado, algumas perguntas ficaram. É possível que a paciente tenha construído essa seqüência de fracassos que culminou na perda do emprego, que isto se tornou um bom pretexto para sair de um tratamento que ela acreditava não estar lhe ajudando e que talvez estivesse confirmando um discurso de que ninguém podia lhe ajudar, como é comum em sujeitos depressivos. É também possível que o pedido pelo remédio tenha sido uma tentativa de se poupar do trabalho de se implicar no seu sofrimento, como acontece em muitos casos. Mas será que o pedido por uma medicação, neste momento específico, não seria algo como dizer “... reconheço que algo vai mal, que tem a ver comigo, mas que depois desse tempo todo chafurdando nessa lama estou pedindo água, pois isso é mais forte do que eu?” Iniciar neste momento uma medicação não poderia fazer um desvio nessa espiral descendente e preservar a integridade social da paciente, cujo último recurso era o seu trabalho? É consenso entre diversos autores, ao analisar a questão da depressão e dos antidepressivos desde um ponto de vista cultural, que essas drogas ganham importância à medida que as exigências do mundo de hoje são a atividade, a eficiência prática, a produção material e o consumo. Todavia, não podemos perder de vista a realidade específica de um trabalhador brasileiro que, muito diferente de um europeu, não conta pulsional > revista de psicanálise > artigos ano XVIII, n. 183, setembro/2005 tológico, o que se apresentava era um luto difícil, um sentimento de tristeza constante e uma inibição em relação a qualquer novo investimento que a permitisse sair daquela condição. Após alguns meses, a paciente começou a ter dificuldades também em seu trabalho. Além do seu visível estado de miserabilidade, não cumpria mais suas tarefas satisfatoriamente nem os prazos estabelecidos para elas, de modo que ficou ameaçada de perder o emprego. Isto a preocupou bastante, mas não foi suficiente para promover uma mudança efetiva em sua atitude perante a vida. Neste momento, perguntou ao analista sobre medicamentos e se podia lhe indicar um psiquiatra para ver esta questão. Sem demonstrar-se favorável ao uso de remédios, mas não querendo ser totalmente contrário, o analista optou por encaminhar a paciente a mim para uma avaliação. Em uma conversa que tivemos por ocasião do encaminhamento, o colega me disse que acreditava não ser necessário nenhum remédio, que se tratava de uma paciente bastante queixosa e com um discurso histérico. De posse dessa informação a entrevistei e, de fato, não me pareceu um quadro grave, pois não havia risco de passagem ao ato ou outros agravantes, então decidi não lhe prescrever nada e lhe indiquei que continuasse sua análise. Algumas semanas mais tarde, o analista me contou que a paciente havia perdido o emprego e abandonado o tratamento, com a justificativa de que não tinha mais dinheiro. Infelizmente, de um ponto de vista científico, não temos como saber exatamente o que causou o abandono do tratamento, uma constelação de fatores provavelmente, ficamos apenas tecendo considerações e fazendo suposi- >25 pulsional > revista de psicanálise > artigos ano XVIII, n. 183, setembro/2005 >26 com uma rede de proteção social, de modo que a incapacidade para o trabalho significa, na maioria das vezes, a precarização das condições de vida, com todas as conseqüências devastadoras para a subjetividade (Benia, 2000). A questão que se apresenta na frase “isso é mais forte do que eu” é de interesse porque, se em alguns casos pode parecer uma não implicação, em outros, revela o quanto o sujeito pode ficar à mercê de uma pulsão destrutiva contra a qual nada pode fazer. Cito como exemplo o caso de uma paciente que entra em uma crise me la n c ó l i c a a l g umas semana s a p ó s te r tido um quadro grave de Púrpura Trombocitopênica e ter se submetido a uma cirurgia para retirada do baço. Apesar de estar curada da doença, ela entra em crise, que se manifesta principalmente por angústia, insônia, e uma intensa ideação suicida que assaltava a paciente e a deixava perplexa, pois tinha características de uma alucinação: “Eu sei que não quero morrer”, dizia, ”mas quando me vem este pensamento eu não penso em mais nada, fico transtornada, se continuar assim eu vou me matar”. Dias depois tentou efetivamente o suicídio. Isso era realmente mais forte. Esta é uma das situações em que o sujeito se apresenta num estado de fragilidade tal que seu corpo se torna real demais para que a palavra tenha alguma eficácia. Nestas condições, o uso de um antidepressivo pode refrear a fúria melancólica dirigida ao Ego e permitir que um trabalho analítico aconteça. Como afirma Sciara (2001), há momentos extremamente dolorosos na vida de um sujeito que podem ser estruturantes se os deixarmos desenvolver na transferência, sem se precipitar em dar uma resposta imediata aos sintomas. Ocorre que isto também tem um limite: o analista deveria perceber quando o trabalho na transferência não é mais capaz de dar um suporte ao sujeito, quando uma ruptura de qualquer ordem se torna iminente. Reconhecemos como regra geral de todo o tratamento o fato de que a angústia é mobilizadora e propulsora do trabalho analítico; mais que isso, a angústia seria um tempo necessário para a constituição do sujeito do desejo (Lacan, 1962-1963). Porém é preciso lembrar que a angústia também predispõe ao agir, ou seja, pode precipitar uma passagem ao ato: ruptura completa, manifestação da qual o significante não pode dar conta e com conseqüências que o significante não pode amortecer (Jerusalinsky, 2002). Lacan situa a angústia no máximo da dificuldade e no mais vivo do movimento. No nível máximo de dificuldade está o embaraço, o não saber mais o que fazer de si (Lacan, 1962-1963). A conjunção da angústia com o embaraço resulta na passagem ao ato, ou seja, para além da linguagem impõe-se a motricidade através da qual o sujeito tenta literalmente sair de cena, salto no vazio. Aqui se impõe a pergunta: é possível assistir passivamente uma situação clínica em que o risco de uma passagem ao ato se faz presente? Poder-se-ia responder que a tarefa do analista é interpretar o desejo inconsciente, que qualquer ato fora disto é se colocar em uma relação imaginária. Mas se reconhecemos que a passagem ao ato é um movimento potencialmente sem retorno arriscamos, por temer que a análise se situe em um eixo imaginário ou “ortopédico”, não poder mais ter tratamento algum. De nada adianta, depois que o paciente se atirou do passam a poder falar de outras coisas, e se observa de fato um outro tipo de engajamento no trabalho analítico. Esta impressão clínica, baseada em uma observação pessoal e no relato de pacientes e de colegas, deveria ser posta a prova e confirmada por outros estudos, na medida em que pode servir para contrapor o preconceito reducionista que afirma que os psicofármacos são, em todas as circunstâncias, prejudiciais à análise. Em um artigo publicado em 2002, Urânia Tourinho Peres afirma que, como a medicina tem sempre uma promessa de cura, o encaminhamento de um paciente pelo analista ao psiquiatra implica um ato de sugestão do tipo “Estou lhe enviando a alguém que sabe o que você tem e que vai satisfazê-lo, curálo”. Talvez possamos introduzir uma outra mensagem em nossos encaminhamentos: o remédio tem um lugar bastante específico no tratamento, ele dá apenas um suporte, e mesmo assim temporário, reduzindo a intensidade do sofrimento para que o sujeito possa seguir adiante tanto no trabalho de análise como em sua vida. Ele não é o operador fundamental da cura e não se opõe à condição de sujeito do paciente. Mas para mudar o sentido do ato de medicar se faz necessário um trabalho articulado entre psiquiatras e psicanalistas, aprofundando esta discussão e aprimorando os critérios em que a medicação deve ou não ser utilizada, bem como compreendendo os seus efeitos sobre a subjetividade. Referências BENIA, Luís Roberto. Desemprego: luto ou melancolia. 2000. 110 p. Dissertação (mestrado em Psicologia Social e Institucional). Universidade pulsional > revista de psicanálise > artigos ano XVIII, n. 183, setembro/2005 alto de um prédio, ir lá embaixo e perguntarlhe: “Você quer falar sobre isso?”. O modo pelo qual os antidepressivos atuam não nos é totalmente conhecido, mas certamente não se trata de efeito placebo. Sabemos que modificam a neurotransmissão cerebral, quais os neurotransmissores envolvidos e que, em função dessas alterações fisiológicas, reduzem-se os sintomas da depressão. Alguns autores, na tentativa de estabelecer uma interface entre a biologia e a psicanálise, afirmam que esses fármacos agem no nível da pulsão, alterando as intensidades pulsionais (Fonseca, 2001). Outros, que os medicamentos modificam a experiência do real e que agem pela modulação do gozo (Bogochvol, 2001). Trata-se de um campo de pesquisa aberto, com muitas questões ainda sem resposta. Os métodos de avaliação do efeito de um medicamento também diferem muito nos campos psiquiátrico e psicanalítico. Do ponto de vista psiquiátrico, a remissão dos sintomas é o principal, se não único, critério de cura. Na psicanálise, se trata de uma mudança discursiva, isto é, uma mudança no modo como um sujeito toma a palavra, sacando-a do indeterminado da língua e imprimindo na sua enunciação um traço particular. Este estilo de ocupar um lugar no discurso, que de certa forma constitui o sintoma neurótico, poderá ser “tratado” através de uma medicação? Provavelmente não. Porém, é comum que os pacientes relatem, após algum tempo utilizando um antidepressivo criteriosamente prescrito, uma modificação na sua própria fala na análise. Experimentam uma certa abertura em seu discurso, antes repetitivo e insistente em lamentações ou em queixas psicossomáticas, >27 Federal do Rio Grande do Sul. BOGOCHVOL, Ariel. Sobre a psicofarmacologia. In: MAGALHÃES, M. Cristina Rios (org.). Psicofarmacologia e psicanálise. São Paulo: Escuta, 2001. p. 35-62. FONSECA, Felipe Lessa da. Tolerâncias: psicotrópico, masoquismo e transferência. In: MAGALHÃES , M. Cristina Rios (org.). Psicofarmacologia e psicanálise. São Paulo: Escuta, 2001. p. 97-114. JERUSALINSKY, Alfredo. Novas proposições sobre acting out e passagem ao ato. Correio da APPOA. Porto Alegre, n. 103, p. 46-50, jun/ 2002. _____ Com uma boa dose de carbolítio e um bom ansiolítico você não sentirá aflição pela morte de seu pai. Correio da APPOA. Porto Alegre, n. 90, p. 33-6, maio/2001. LACAN, Jacques. 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