AS ENTREVISTAS COM OS PAIS Ana Dias* O objetivo deste texto é recuperar algumas questões que cercam a psicanálise com crianças. Inicio sublinhando o valor do referencial teórico-clínico assumido pelo psicólogo, uma vez que a história da psicanálise mostra diferentes perspectivas para o trabalho com os pais. Desde o caso Hans (1909) reconhecemos a possibilidade da clínica com crianças, embora Freud tenha apontado na época para algumas limitações. Entretanto, observações posteriores desenvolvidas na clínica psicanalítica leram aí as bases da clínica infantil. Dito de outra forma, o caso Hans permitiu demonstrar a existência de uma demanda, a instalação da transferência e o efeito da interpretação (Volnovich, 1991). Para o tema que nos ocupa no momento – as entrevistas com os pais – é interessante tomar o comentário do autor de que mesmo reconhecendo que um tratamento não pode ser conduzido por um pai, Freud insiste na necessidade de junção entre autoridade paterna e autoridade médica. Melanie Klein, em sua construção teórica, avança no sentido de encontrar o equivalente da associação livre na clínica com crianças: o brincar. Nesta direção propõe um trabalho analítico que, embora considere a verbalização das fantasias da criança, coloca acento no jogo e no desenho. Ao defender a análise de crianças pequenas, teoriza um Édipo precoce, com dimensão essencialmente fantasmática, dispensando então os pais no percurso do tratamento. Françoise Dolto, ao seguir a teoria lacaniana, cria outras possibilidades clínicas para o atendimento de crianças. Ao recuperar a importância da palavra da criança, desloca o valor dado até então à análise do comportamento, dos gestos, dos jogos. Esta concepção de trabalho clínico tira a criança do lugar de objeto a ser investigado, colocando-a como sujeito do próprio discurso. A dificuldade que sugere a partir desta proposta diz da indefinição de se reconhecer antecipadamente quem é o paciente na clínica infantil (Seincman, 2000). Isto quer dizer que trabalhamos com um intrincado enlace pais-filhos, do qual só uma cuidadosa escuta poderá determinar se o atendimento será feito aos pais, à criança ou ainda em outra configuração. O psicólogo clínico, ao receber os pais nas primeiras entrevistas, está atento para a história que eles trazem, não porque possa encontrar explicações para uma produção sintomática, mas porque a história que eles contam diz da criança e também deles. É por esta razão que deixar os pais falarem livremente sobre a questão que os traz à consulta é extremamente importante. No entanto, se algum elemento (associado à sintomatologia trazida pelos pais ou das dificuldades por eles enfrentadas, ou ainda do silêncio sobre questões do desenvolvimento da criança) não fica suficientemente claro, pode indicar a necessidade de investigar dados objetivos sobre a vida da criança. Tudo depende de como o psicólogo vai integrando o que escuta em suas hipóteses diagnósticas. De um modo geral, propõe-se uma entrevista inicial no sentido do psicólogo situarse em relação ao sintoma da criança no discurso dos pais. Trata-se então de escutar, através das queixas trazidas pelos pais, quais as suposições imaginárias que eles constroem a respeito do sintoma que a criança apresenta. Mannoni (1981) considera fundamental a compreensão aprofundada da situação familiar: não é a situação real o que traumatiza a criança, mas o seu confronto com a “mentira” do adulto, ou seja, o quê nesta situação não foi verbalizado. Por isso, muitas vezes é necessário realizar mais de uma entrevista, especialmente para que aquele que fala se implique no que diz. Penso importante ressaltar que referenciais freudo-lacanianos desenvolvem sua proposta clínica através da via do discurso e da transferência, quando o sintoma não serve como indicador de uma patologia mas sim como uma produção metafórica a ser escutada. É por isso que esta direção de trabalho aponta para um primeiro momento de entrevistas iniciais, cujo objetivo principal é a escuta do diagnóstico elaborado e trazido pela família. * Profª Supervisora da CPU Referências Bibliográficas: MANNONI, Maud. A primeira entrevista em psicanálise. Rio de Janeiro: Campus, 1981. SEINCMAN, Mônica. “Quem é o paciente na psicanálise de crianças?” In: Revista Pulsional. São Paulo: Linasia Pulsional, n° 130, fev. 2000. VOLNOVICH, Jorge. Lições Introdutórias à psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991.