pancreatite aguda

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PANCREATITE AGUDA
Dr. Osvaldo José Luporini
A Pancreatite Aguda (PA) é um processo inflamatório de aparecimento
súbito
(agudo)
comprometimento
e
de
etiologia
sistêmico.
variada,
Conceitua-se
geralmente
pancreatite
acompanhado
aguda
como
de
aquela
caracterizada, pela possibilidade de restituição anátomo-patológica do pâncreas e
recuperação clínica e bioquímica do paciente, se a causa da agressão à glândula
for removida.
O evento que dá início ao processo está relacionado a uma agressão direta
da glândula, geralmente por deficiência na drenagem e escoamento do suco
pancreático. Ocorre, uma auto-digestão da glândula pelas enzimas pancreáticas.
Alguns autores acreditam que, uma vez deflagrado o processo de autólise
pancreática, a evolução da pancreatite (se leve ou severa) já está prédeterminada.
Os critérios de severidade incluem a presença de insuficiência orgânica
(choque,
insuficiência
pulmonar
e
insuficiência
renal)
ou
a
presença
de
complicações locais (especialmente necrose pancreática). Nestas circunstâncias, a
evolução natural (quer na modalidade edematosa, intersticial ou necrosante) fazse para a cura ou, nas formas graves, para a morte.
ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA
A impactação de cálculos biliares é ainda a causa mais comum de
pancreatite aguda. Outras condições que provocam a obstrução da ampola são:
tumor ampular, tumor pancreático e ascaridíase. O mecanismo proposto consiste
no refluxo de bile para o interior do ducto pancreático, desencadeando a
autodigestão pancreática. O alcoolismo é outra causa comum de PA; o álcool pode
atuar aumentando a síntese de enzimas responsáveis pelo processo inflamatório,
com lesão tóxica direta do etanol e formação de cilindros proteináceos que
obstruem os dúctulos. A hiperlipidemia é responsável por PA sobretudo em
pacientes diabéticos mal-controlados e em alcoolistas; acredita-se que a lipase
pancreática metabolize triglicérides em ácidos graxos livres, nocivos ao tecido
pancreático. A hipercalcemia é causa pouco comum de PA, sendo uma complicação
203
rara
em
pacientes
portadores
de
hiperparatireoidismo;
o
mecanismo
é
desconhecido. Outras causas de PA são descritas no quadro abaixo:
ETIOLOGIA





PATOGÊNESE
Doença do trato biliar
Alcoolismo- ingestão aguda
Obesidade e dietas gordurosas
Hiperlipidemia
Induzida por fármacos (corticóides, diuréticos,
sulfonamidas, anti-convulsivantes)
Refluxo do conteúdo duodenal no ducto
pancreático
Infecção (caxumba, hepatite B, CMV, herpes
simples)
Hipercalcemia
Traumatismos
Isquemia pancreática
Neoplasia pancreática
Fibrose cística
Iatrogênica (CPER)











Ativação
da
tripsina
e
enzimas
pancreática
Prejuízo da microcirculação pancreática
Possibilidade
de
progressão
da
pancreatite leve para uma necrosante
severa
PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA
A incidência anual da pancreatite aguda é de quase 10 casos por 100.000
habitantes na população adulta. As manifestações iniciais e as exacerbações da
pancreatite crônica podem ser indistingüíveis das crises de pancreatite aguda e
devem ser tratadas como tais.
A pancreatite aguda biliar é mais comum no sexo feminino (2:1), em
obesos e na faixa etária entre 50 a 70 anos, devido a características inerentes da
doença litiásica biliar em geral.
DIAGNÓSTICO

Diagnóstico clínico: Quase todos os pacientes com pancreatite aguda
apresentam
dor
abdominal,
que
geralmente
se
localiza
no
epigástrio,
irradiando-se para o dorso (dor em “faixa”) em aproximadamente metade dos
casos.

Diagnóstico diferencial: isquemia ou infarto mesentérico, úlcera gástrica
ou duodenal perfurada, obstrução intestinal e gravidez ectópica rota.

Recursos auxiliares:
o
Laboratório: Leucocitose e hiperglicemia são alterações comuns na
PA, refletindo o grau de inflamação sistêmica. Aumento dos valores
de uréia e creatinina podem ocorrer devido insuficiência pré-renal
204
(hipovolemia). Aumento da fosfatase alcalina e bilirrubinas sugerem
pancreatite biliar. A amilase pancreática costuma elevar-se no
primeiro dia e mantém-se elevada por 7-10 dias. A amilase pode
estar normal em casos de pancreatite crônica agudizada. Na PA a
amilase pode elevar-se em três vezes ou mais o limite da
normalidade (>400UI/L). A lipase pancreática também se eleva na
PA, porém permanece por mais tempo elevada que a amilase (até 15
dias). Apresenta uma sensibilidade igual à da amilase (85%), porém
uma especificidade maior (80%).
o
Imagem:
A
radiografia
simples
de
abdômen
é
sempre
um
importante exame a ser pedido nos quadros de abdome agudo. A PA
pode determinar uma série de alterações no RX:

Dilatação de alças;

Íleo localizado (alça sentinela);

Aumento da curvatura duodenal (aumento da cabeça do
pâncreas);
A ultrassonografia de abdômen pode ser utilizada no diagnóstico de PA,
entretanto é um método de baixa sensibilidade para a detecção de
patologias pancreáticas devido à interposição de alças repletas de gás.
A tomografia computadorizada com contraste é um excelente exame
para avaliação de pacientes com PA moderada ou grave, podendo não
evidenciar modificações em 20% dos casos de PA leve. Tem alta
sensibilidade e especificidade e pode esclarecer as dúvidas diagnósticas.
O
principal
uso
da
TC,
entretanto,
baseia-se
na
avaliação
do
prognóstico, já que evidencia a presença de necrose no tecido
pancreático e outras complicações da PA, como os pseudocistos.
PROGNÓSTICO
Os preditores precoces de severidade nas 48 horas iniciais de hospitalização
servem como primeiro aviso de que é provável ser um episódio severo (Critérios
de Ranson); o Escore de Balthazar correlaciona os achados da Tomografia
Computadorizada com a gravidade da pancreatite:
205
Critérios de Gravidade de Pancreatite Aguda segundo Ranson
Pancreatite não Biliar
Pancreatite Biliar
Critérios da apresentação inicial:

Idade > 55 anos

Leucócitos > 16000/μL

Glicemia > 200 mg/dL

DHL sérico > 350 UI/L

TGO > 250 UI/dL
Critérios que se desenvolvem nas 48 horas iniciais:

Queda do Ht > 10%

Elevação da Creatinina sérica > 5 mg/dL

Ca+ sérico < 8 mg/dL

PO2 arterial < 60 mmHg

Déficit de base > 4 mEq/L
Critérios da apresentação inicial:

Idade >70 anos

Leucócitos > 18000/μL

Glicemia > 220 mg/dL

DHL sérico > 250 UI/L

TGO > 250 UI/dL
Critérios que se desenvolvem nas 48 horas iniciais:

Queda do Ht > 10%

Elevação da Creatinina sérica > 2 mg/dL

Ca+ sérico < 8 mg/dL

Seqüestro de líquido > 4 litros

Déficit de base > 4 mEq/L
Mortalidade associada aos critérios:




Classificação: Pancreatite leve: 0 – 2 sinais na
admissão
< 3 sinais: 0,9%
3 a 4 sinais: 16%
5 a 6 sinais: 40%
>6 sinais: 100%
admissão; Pancreatite grave: 3 ou mais sinais na
Escore de Balthazar
índice de gravidade = grau da pancreatite + grau de necrose
Grau da Pancreatite





Normal: 0
Somente aumento
pancreático: 1
Edema do pâncreas e
gordura subjacente: 2
Uma coleção líquida: 3
Duas ou mais coleções
líquidas: 4




Grau de necrose
Índice de Gravidade
Nenhuma: 0
Um terço do pâncreas: 2
Metade do órgão: 4
Mais da metade: 6
 < 2 pontos: 4%
morbidade e 0% de óbito;
 3 a 6 pontos: 35%
morbidade e 6% de óbito;
 7 a 10 pontos: 90%
morbidade e 17% de óbito
O escore APACHE II é outro método estudado para estimar o prognóstico,
usando critérios que levam em conta diversas funções orgânicas, totalizando 12
variáveis
fisiológicas
(respiratória,
renal,
circulatória,
cerebral,
etc).
Sua
interpretação não é simples e deve ser abreviada pelo cálculo em sistema
específico.
CONDUTA DO SERVIÇO
Nas pancreatites leves, o tratamento clínico geralmente é suficiente. A
tomografia computadorizada (TC) será solicitada conforme necessidade. Na
presença de evidências de vigência de obstrução da via biliar, a descompressão
endoscópica precoce está indicada. Durante a primeira semana de internação,
febre e leucometria alterada podem estar relacionadas à Síndrome da Resposta
206
Inflamatória Sistêmica (SIRS) e antibioticoterapia profilática não se faz necessária.
Descontaminação colônica pode diminuir a chance de contaminação da necrose
pancreática por translocação bacteriana. Após a primeira semana de evolução ou
em caso de piora clínica ou laboratorial evidente, novo exame de imagem deverá
ser solicitado (TC). Antibioticoterapia poderá ser iniciada nesse momento se
houver deterioração de parâmetros clínicos e/ou laboratoriais. Caso haja alguma
coleção pela TC, esta deverá ser puncionada em ambiente asséptico e o material
enviado para bacterioscopia e cultura. Caso a bacterioscopia seja positiva, o
paciente passa a ter indicação cirúrgica mandatória. O planejamento terapêutico é
resumido no quadro abaixo:
PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO
Tratamento Clínico
Pancreatite Aguda Leve:
 Jejum
 SNG (apenas se vômitos freqüentes)
 Hidratação endovenosa
 Antieméticos
 Analgesia (Antiespasmódicos e dipirona)
 Antibiótico Profilático (por 24 horas; usar
Cefalotina) apenas em:
o Idosos
o Imunossuprimidos
o Esplenectomizados
o Doenças debilitantes
o Patologias associadas
o Icterícia progressiva
Pancreatite Aguda Grave:
 Jejum
 SNG
 Hidratação endovenosa
 Antieméticos
 Analgesia
 Monitorização
 Acesso venoso Central (P.V.C.)
 N.P.P. (se jejum > 6 dias)
 Antibióticos (opções):
o 1ª - Ciprofloxacino + Metronidazol
o 2ª - Imipenen
o 3ª - Segundo resultados de cultura
Tratamento Invasivo

Colangio-Pancreatografia
Endoscópica Retrógrada (C.P.R.E.)
de urgência: se houver indícios de
obstrução da via biliar (por
elevação das enzimas canaliculares
ou dilatação da via biliar ao Ultrasom).
Tratamento Cirúrgico


(Formas Graves) Pacientes com
piora progressiva e rápida do
quadro clínico
Infecção confirmada em punção
guiada por Tomografia
Computadorizada.
TÉCNICA CIRÚRGICA
Das muitas técnicas propostas, a necrosectomia da região pancreática e
peripancreática,com drenagem ampla da cavidade pode trazer benefícios, caso
207
haja indicação de necrose da glândula ou de coleção intraperitonial contaminada. A
incisão de escolha é a subcostal bilateral.
As opções de realizar-se a MARSUPIALIZAÇÃO da retrocavidade dos
epíplons ou da confecção de aberturas laterais no flanco esquerdo para drenagem
dependerão
do
aspecto
individual
do
caso.
Muitas
vezes,
reintervenções
programadas serão necessárias, tendo em vista a progressão da necrose
peripancreática.
RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA
ADMISSÃO DO
PACIENTE
Identificação de sinais
clínicos;
Exame físico minucioso



Hemograma/enzimas específicas
Urina I
RX rotina de abdome agudo
USG abdomen
TC com contraste
Confirmação
diagnóstica
Prognóstico
Critérios de Ranson
LEVE
(0 – 2)
Tratamento
clínico
GRAVE
(3 ou mais)
Tomografia
Computadorizada
(Critérios de Balthazar)
Tratamento Clínico
 Necrose > 40%
 Suporte clínico
 Antibioticoterapia
Tratamento Cirúrgico – Indicado geralmente na
segunda semana de internação, por
 Necrose infectada
 Piora do estado geral
208
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Beckingham IJ, et al. ABC of diseases of liver, pancreas and biliary system. Acute
pancreatitis. BMJ 2001; 322: 595
2. Dervenis C, et al. Evidence-based assessment of severity and management of acute
pancreatitis. Br J Surg 2000; 87: 257
3. Abu-Zidan FM, et al. Severity of acute pancreatitis: a multivariate analysis of
oxidative stress markers and modified Glasgow criteria. Br J Surg 2000; 87: 1019
4. Gumaste V. Prophylactic antibiotic therapy in the management of acute pancreatitis.
J Clin Gastroenterol 2000; 31: 6
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