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Propaganda
O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO LEGÍTIMA
E O DECORRENTE DIREITO DE NÃO SER ENGANADO OU
MANIPULADO POR PROPAGANDA DO GOVERNO
Marcos Antônio Striquer Soares*
SUMÁRIO: Introdução; 2 A Propaganda como Instrumento de Persuasão;
3 A Propaganda do Governo como Propaganda Política e Dimensão da
Propaganda Política; 4 A Permissão Legal para a Produção de Propaganda
do Governo; 5 Direito Fundamental à Informação Legítima; 6 Considerações
Finais; Referências.
RESUMO: Analisa-se neste artigo o direito à informação, assegurado no art.
5º. da Constituição Federal, e a propaganda veiculada por órgãos públicos.
Constata-se que a propaganda, como meio de comunicação social, tem, entre
suas características, o uso da persuasão, para mobilizar condutas e crenças em
uma direção determinada. Constata-se, também, que a propaganda dos órgãos
públicos está entre as espécies que podem ser denominadas de propaganda
política, por ter uma relação direta com o poder do Estado. Delimita-se a
possibilidade de produção de propaganda do governo, prevista no art. 37, §1º, da
Constituição Federal. Constata-se, por fim, que o direito à informação abrange
também as informações constantes em propaganda do governo, veiculadas
de modo persuasivo, uma vez que a persuasão traz a possibilidade de dano
ao cidadão quanto às informações recebidas dos órgãos públicos, afetando
diretamente seus direitos de participação na vida política do Estado, seus direitos
políticos. Nessas condições, o direito à informação, previsto na Constituição
Federal, diante da possibilidade do uso da persuasão na propaganda dos órgãos
públicos, é reconhecido como o direito não apenas de receber informações, mas
também o direito de receber informações legítimas, decorrendo daí também o
direito de não ser enganado ou manipulado por propaganda do governo.
PALAVRAS-CHAVE: Direito à informação; Direitos fundamentais;
Propaganda do governo; Democracia; Direitos políticos.
*
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São PauloPUC/SP; Docente da graduação em Direito Constitucional; Docente na especialização e no
mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina - UEL; Docente de Direito Constitucional na Universidade Norte do Paraná – UNOPAR e na Universidade do Oeste
Paulista – UNOESTE. E-mail: [email protected].
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Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 12, n. 1, p. 93-112, jan./jul. 2012 - ISSN 1677-6402
THE FUNDAMENTAL RIGHT TO LEGITIMATE INFORMATION
AND THE RIGHT NOT TO BE DECEIVED OR MANIPULATED BY
GOVERNMENT PROPAGANDA
ABSTRACT: The right to information, save-guarded by Art 5 of the Brazilian
Constitution, and the propaganda by public organs are analyzed. As social
communication, propaganda is characterized by persuasion so that habits and
beliefs could be handled towards a determined direction. Propaganda by public
organs is classified as political propaganda since it has a direct relationship to
state power. The possibility of government propaganda is delimited by Art 37
§1 of the same Constitution. The right of information extends to information
produced by the government, foregrounded on persuasion. On the other hand,
persuasion may damage the citizens with regard to the information received from
the public organs and directly affects their rights in participating in the political
life, or rather, their politic rights. The right to information, derived from the
Constitution, and the possibility of the use of persuasion in the propaganda of
the public organs, are acknowledged not only as the right to receive information,
but as the right to receive legitimate information. The right not to be deceived
or manipulated by state propaganda is a consequence.
KEYWORDS: Right to information; Fundamental rights; State propaganda;
Democracy; Political rights.
EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA INFORMACION LEGÍTIMA
Y EL DERIVADO DERECHO DE NO SER ENGAÑADO O
MANIPULADO POR PROPAGANDA GUBERNAMENTAL
RESUMEN: Se analiza en este artículo el derecho a la información, asegurado
en el art. 5º de la constitución Federal, y la propaganda vehiculada por órganos
públicos. Se confirma que la propaganda, como medio de comunicación social,
tiene, entre tantas características, el uso de la persuasión, para armar conductas y
creencias en una determinada dirección. Se constata, además, que la propaganda
de órganos públicos está entre las especies que pueden ser denominadas de
propaganda política, por haber una relación directa con el poder del Estado. Se
delimita la posibilidad de producción del gobierno, prevista en el art. 37, §1º,
de la Constitución Federal. Se verifica, por fin, que el derecho a la información
involucra también las informaciones constantes en la propaganda del gobierno,
vehiculadas de modo persuasivo, una vez que la persuasión trae la posibilidad
de daño al ciudadano, afectando directamente sus derechos de participación en
la vida del Estado, sus derechos políticos. Bajo estas condiciones, el derecho
a la información, previsto en la Constitución Federal, frente a la posibilidad
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de uso de la persuasión en la propaganda de órganos públicos, es reconocido
como el derecho no solo de recibir informaciones, pero también de recibir
informaciones legítimas, derivado también del derecho de no ser engañado o
maniobrado por propaganda del gobierno.
PALABRAS-CLAVE: Derecho a la información; Derechos Fundamentales;
propaganda Gubernamental; Democracia; Derechos Políticos.
INTRODUÇÃO
Dirigindo nossa atenção para a propaganda dos órgãos públicos,
devemos lembrar-nos, antes de tudo, que a propaganda tem como uma de suas
principais características o uso da persuasão, não só comunicando algo ao povo,
mas moldando como o povo deve entender aquela informação veiculada. Isto
pode ser lícito, quando se trata de orientar o povo, como, por exemplo, contra
a gripe suína; mas, se não houver um controle rigoroso, a propaganda pode
gerar abusos irreparáveis, como ocorreu na Alemanha nazista, conduzida pela
propaganda de Hitler e Goebbels. Nessa dimensão, para que mantenha seu foco
no interesse público e seja um instrumento de governo na sociedade de massa,
ela deve respeitar critério expressamente fixado na Constituição Federal, sob
pena de se dar ao governante um instrumento poderoso de dominação.
O que queremos destacar aqui, no entanto, é que esse controle sobre
a propaganda veiculada pelos órgãos públicos é indispensável para: manter a
legitimidade dos governantes e de seus atos; manter o indivíduo informado,
permitindo o exercício da cidadania, informado e não controlado pelo grupo
governista; manter o respeito à Constituição, que assegura ao cidadão o direito
à informação, decorrendo daí o direito de não ser enganado por propaganda
ilícita. O uso abusivo da propaganda dos órgãos públicos afronta, assim, direito
fundamental, afronta cláusula pétrea.
2 A PROPAGANDA COMO INSTRUMENTO DE PERSUASÃO
Os meios de comunicação de massa proporcionaram, a partir do
início do século XX, novas possibilidades de comunicação entre o povo e
o governo. Esta comunicação foi incrementada de tal modo que reuniões e
comícios foram substituídos por palanque eletrônico do rádio e da televisão. A
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propaganda tem sido utilizada para comunicar algo ao povo. Veiculada pelos
meios de comunicação de massa, potencializou suas possibilidades de atingir
os objetivos pretendidos. A propaganda e os meios de comunicação de massa
como instrumentos de governo ainda não foram suficientemente esclarecidos
e os governantes os utilizam como instrumentos de manipulação, de condução
do povo, podendo ser aproveitados, em conjunto com outros instrumentos, até
mesmo como instrumentos de dominação.
Encontramos a origem da palavra propaganda no Dicionário de
Comunicação de Rabaça e Barbosa1:
[...] a palavra propaganda é gerúndio do lat. propagare
(“multiplicar”, por reprodução ou por geração, “estender,
propagar”), e foi introduzida nas línguas modernas
pela Igreja Católica, com a bula papal Congregatio de
Propaganda Fide e com a fundação da Congregação
da Propaganda, pelo Papa Clemente VIII, em 1597. O
conceito de propaganda esteve essencialmente ligado a
um sentido eclesiástico até o séc. XIX, quando adquiriu
também significado político (continuando a designar o
ato de disseminar ideologias, de incutir uma idéia, uma
crença na mente alheia).
Ainda quanto à origem da palavra, Armando Sant’Anna2 esclarece:
Propaganda é definida como a propagação de princípios
e teorias. [...] Deriva do latim propagare, que significa
reproduzir por meio de mergulhia, ou seja, enterrar o
rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua vez,
deriva de pangere, que quer dizer enterrar, mergulhar,
plantar. Seria então a propagação de doutrinas religiosas
ou princípios políticos de algum partido.
Em seguida o autor chega a conclusões apropriadas para o significado do
termo, remontando às suas origens: “Vemos, pois, que a palavra [...] propaganda
compreende a ideia de implantar, de incluir uma ideia, uma crença na mente
alheia”. Vemos, portanto, que em sua origem o termo propaganda encerra
1
RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. 2. ed. Rio de
Janeiro, RJ: Campus, 2002, p. 598.
2
SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. 7. ed. São Paulo, SP: Pioneira,
2002, p. 75.
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intenção persuasiva, vai além da mera divulgação ou informação, tem objetivos
bem definidos e busca resultados.
O conceito de propaganda abrange, até hoje, a persuasão e a
possibilidade de plantar ou incutir uma ideia. Analisando o conceito de
propaganda, encontramos elementos bastante apropriados em Rafael Sampaio,
que entende propaganda como “a manipulação planejada da comunicação
visando, pela persuasão, promover comportamentos em benefício do anunciante
que a utiliza.”3 Por outro lado, a Lei nº 4.680/65, referente ao exercício da
profissão de publicitário, em seu artigo 5º, define propaganda como “qualquer
forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte
de um anunciante identificado.” O Código de Ética dos profissionais da
propaganda (que rege essa atividade por determinação do art. 17 da Lei nº
4.680/65) conceitua propaganda no seu primeiro dispositivo: “A propaganda é
a técnica de criar opinião pública favorável a um determinado produto, serviço,
instituição ou idéia, visando orientar o comportamento humano das massas
num determinado sentido”.
Para Ricardo Ramos, “a propaganda é uma técnica de comunicação,
a divulgar os benefícios de um produto, de um serviço ou de uma idéia, e que
para sua expressão se vale das artes e de algumas ciências.”4 (Grifo nosso). A
propaganda, porém, busca, sempre algum tipo de benefício para o anunciante.
Entendê-la como meio de divulgar os benefícios de algo pressupõe algum grau
de persuasão; “o objetivo primordial da comunicação persuasiva é transmitir
informações motivadoras, quer dizer, informações capazes de mobilizar as
condutas e as crenças numa direção.”5
Quanto à via de comunicação persuasiva, Joan Ferrés6 lembra que
a propaganda pode ser racional (é regida pelo pensamento lógico, atua por
argumentação e pretende convencer, oferecer razões ou argumentos que
levem o persuadido a assumir o ponto de vista do persuasor); ou emotiva (é
regida pelo pensamento associativo e não atua por argumentação, mas por
transferência. Atua por simples contiguidade, por proximidade, por semelhança,
por simultaneidade, por associação emotiva ou simbólica. Pretende seduzir,
atrair o receptor pelo fascínio); o sentimento, não a razão, é a sua força motriz.
3
SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para construir marcas e
empresas de sucesso. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997, p. 11.
4
RAMOS, Ricardo. Propaganda. 4. ed. São Paulo, SP: Global, 1998, p. 10 e 12.
5
FERRÉS, Joan. Televisão sublimar: socializando através de comunicações despercebidas.
Tradução de Ernani Rosa e Beatriz A. Neves. Porto Alegre, RS: Artmed, 1998, p. 40.
6
Ibidem, p. 59.
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A propaganda que tem a emoção como sua orientação persuasiva é uma espécie
de propaganda subliminar, que atua em limites não registrados no consciente
humano, mas no subconsciente onde não é alcançada pela atitude racional e
provoca reações impensadas no destinatário.
Assim, podemos aceitar o significado de propaganda nos termos
propostos por Ricardo Ramos, mas é preciso adensá-lo com elementos
encontrados na Lei nº 4.680/64, no Código de Ética dos profissionais da
propaganda e em Rafael Sampaio. Entende-se propaganda, assim, como
uma técnica de comunicação persuasiva, remunerada, com identificação do
anunciante, cujo objeto7 é a divulgação de produtos, serviços ou ideias com o
objetivo de orientar o comportamento humano num determinado sentido; para
tanto, isto é, para atingir seu intento, utiliza-se das artes e de algumas ciências.8
A propaganda é, portanto, instrumento de comunicação social bastante
rico em sua composição, utilizado para informar, simplesmente (mas, com a
intenção determinada de fazer com que o destinatário assimile a informação
transmitida – ela é persuasiva), ou, até mesmo, para induzir, para conduzir
alguém à prática de um comportamento.9 De qualquer modo, essa técnica de
comunicação não pode ser utilizada sem que se respeitem limites; ela deve
respeitar a Constituição e as leis e, especificamente, os direitos individuais.
Embora esse arsenal todo, reunido nesse instrumento denominado propaganda,
não seja utilizado apenas para tornar algo público, também não pode ser tão
perverso a ponto de conduzir os destinos do receptor.
7
A propaganda sempre divulga algo. O objeto é aquilo que ela divulga (um carro ou uma
instituição) e o objetivo é aquilo que ela pretende atingir com a divulgação (a venda do carro
ou a promoção da empresa, caracterizando-se aqui as propagandas comercial e institucional,
respectivamente).
8
Ainda em SAMPAIO, op. cit., 1997, p. 13, encontramos explicações oportunas: “desenvolveuse vasta tecnologia sobre propaganda, fazendo uso de diversos ramos do conhecimento humano
– como artes plásticas, literatura, cinema, música, dança administração, estatística, sociologia,
psicologia etc. – para geração e realização de propaganda eficiente e eficaz. A propaganda é,
pois, a mistura de diversos ramos das artes, das ciências e das atividades técnicas, combinados
de forma a planejar, criar, desenvolver, produzir e emitir mensagens de caráter comercial.”
9
Através da propaganda “as empresas podem manter cooperação de seus intermediários,
familiarizar seus clientes com o uso dos produtos fabricados, criar imagem de credibilidade,
lançar novos produtos, estimular demanda, criar lealdade de marca, enfatizar características
dos produtos, entre outros propósitos” (LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing: conceitos,
exercícios, casos. 5. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2001, p. 247.)
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3 A PROPAGANDA DO GOVERNO COMO PROPAGANDA POLÍTICA
E DIMENSÃO DA PROPAGANDA POLÍTICA
A preocupação, neste estudo, é a proteção do indivíduo contra os abusos
do Estado, como direito fundamental. No caso, proteção do indivíduo contra
abusos advindos da propaganda do governo, a qual pode ser utilizada para
manipular os governados. Tem-se aí a chamada propagada política, elaborada
pelo Estado e/ou relacionada ao poder.
Os termos poder, Estado e política mantêm estreita ligação. É preciso
buscar o significado deles, para, então, termos o significado de propaganda
política. Para Max Weber10, política “abrange toda espécie de atividade diretiva
autônoma”, ou seja, é atividade que dirige, que conduz, que estabelece caminhos
com independência. Ainda sob essa denominação cabe a mera influência na
direção tomada pelo agrupamento político. Essa atividade diretiva autônoma
ou a mera influência na direção tomada ou a tomar refere-se a um agrupamento
político, ao Estado. Em seguida o autor apresenta sua conclusão final sobre
política como “o conjunto de esforços feitos visando a participar do poder
ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um
único Estado”.
Essa atividade ocorre, portanto, no exercício do poder ou com vistas
ao poder. “Entende-se por poder a oportunidade existente dentro de uma
relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo
contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se
fundamenta”11. Norberto Bobbio12 traz a tipologia moderna das formas de poder,
apresentando-a em três categorias (classificação baseada nos meios de que se
serve o sujeito ativo da relação para determinar o comportamento do sujeito
passivo): o poder econômico, caracterizado pela posse de certos bens; o poder
ideológico, que se baseia na influência de certas ideias; e o poder político, que
se baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a força física.
Em seguida, o autor apresenta o sugnificado de poder político:
O que caracteriza o poder político é a exclusividade do
10
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo, SP: Martin Claret, 2002, p.
59- 60.
11
WEBER, Max. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo, SP: Moraes, 1989, p. 107.
12
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.
13. ed. Brasília: Ed. UNB, 2007, p. 955-956.
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uso da força em relação à totalidade dos grupos que atuam
num determinado contexto social, exclusividade que é o
resultado de um processo que se desenvolve em toda a
sociedade organizada, no sentido da monopolização da
posse e uso dos meios com que se pode exercer a coação
física.
Assim, podemos entender por política, em nossa sociedade
contemporânea, a atividade de condução dos interesses do Estado, que ocorre no
cotidiano através da manifestação de vontade deste sujeito. Por poder político,
podemos entender a exclusividade do uso da força, reservada ao Estado, para
impor vontade à totalidade dos grupos que atuam num determinado contexto
social.
A imposição de vontade (o exercício do poder) em uma democracia é
delimitada pela lei, especialmente pela Constituição, e os interesses do Estado,
para efeitos de propaganda, são de dois tipos: do próprio Estado; ou de grupos
políticos para a conquista ou manutenção do poder no Estado (ou, ainda, para
fazer oposição ao grupo dominante). Estes interesses do Estado determinam três
espécies de propaganda política: no primeiro caso, encontraremos a propaganda
dos órgãos públicos; no segundo, a propaganda partidária (dos partidos
políticos); e no terceiro, a propaganda eleitoral (veiculada durante as eleições,
visando à conquista dos cargos públicos). Estas três espécies de propaganda
utilizadas em uma democracia não podem ser confundidas, sob pena de uso da
máquina administrativa em benefício do grupo governista.
Além das propagandas políticas adotadas no regime democrático, ainda
é possível encontrar a propaganda política utilizada em regimes autocráticos ou
totalitários. Nestes casos, ela serve ao grupo governista, é um dos instrumentos
de dominação da sociedade e do Estado. Localiza-se aí, justamente, a
preocupação do presente estudo, qual seja, evitar que a propaganda seja utilizada
para manipular o interesse do povo, causando a degeneração da democracia,
a manipulação que pode surgir e se fortalecer a partir de pequenos abusos
praticados pelo grupo governista na exploração da propaganda do governo,
tolerados pelo povo.
Democracia e República são princípios norteadores do Estado
brasileiro. Segue daí que todo o poder emana do povo e os bens e interesse do
Estado são bens e interesses do povo. O abuso na propaganda do governo fere os
princípios democrático e republicano. A manipulação da propaganda do governo
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com o fim de conduzir o povo para além do interesse público (chegando aos
interesses do grupo governista) fere um direito fundamental contido no art. 5º
da Constituição Federal, o direito à informação, direito à informação legítima.
4 A PERMISSÃO LEGAL PARA A PRODUÇÃO DE PROPAGANDA
DO GOVERNO
A Constituição Federal brasileira traz, em seu art. 37, § 1º, disposição
expressa para a produção de propaganda dos órgãos públicos, são seus termos:
a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela
não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos. Constata-se que o objeto da
propaganda é a veiculação de atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos; sua finalidade é educar, informar ou orientar a sociedade;
e ela ainda traz uma proibição, qual seja, a promoção pessoal de autoridades
ou servidores públicos.
Desses elementos, verifica-se que a propaganda dos órgãos públicos
não podes ser controlada por seu objeto, mas pode ser controlada pela finalidade
que pretende atingir ou pelo desrespeito ao princípio da impessoalidade.
Quanto à finalidade que a propaganda pretende atingir, destaca-se que,
no âmbito dos órgãos públicos, é possível falar de finalidade em dois sentidos
diferentes:
1. em sentido amplo, a finalidade sempre corresponde à
consecução de um resultado de interesse público; nesse
sentido, se diz que o ato administrativo tem que ter sempre
finalidade pública; 2. em sentido restrito, finalidade é o
resultado específico que cada ato deve produzir, conforme
definido na lei; nesse sentido se diz que a finalidade do
ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou
implicitamente da lei.13
Em outro texto de Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda encontram-se
elementos esclarecedores. Segundo a autora, “o princípio da finalidade pública
13
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo, SP: Atlas,
2010, p. 209-210.
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está presente tanto no momento da elaboração da lei, como no memento de sua
execução. [...] a Administração Pública não pode desviar-se de fins de interesse
público, sob pena de ilegalidade, por desvio de poder”14. A prática do ato
administrativo não tem em vista apenas a lei autorizadora do ato, deve ter em
vista também o interesse público, o princípio da finalidade pública, que emana
da ordem jurídica a determinar que a Administração Pública tenha sempre em
vista a supremacia do interesse publico, sob pena de nulidade do ato.
Na produção de uma propaganda, os órgãos estatais devem perseguir
o interesse público (finalidade em sentido amplo) e os fins objetivados pelo §
1º, do art. 37 da Constituição (finalidade em sentido restrito)15. Para Ruy Cirne
Lima16, a lei reconhece fins próprios e eficazes que protegem a administração
pública, o fim, - e não a vontade, - domina todas as formas de administração
e supõe a preexistência de uma regra jurídica, reconhecendo à Administração
Pública uma finalidade própria. Jaz, consequentemente, a Administração Pública
debaixo da legislação, que deve enunciar e determinar a regra de direito. Para
nós, neste estudo em especial, domina também a administração que leva a
efeito a propaganda dos órgãos públicos. O desvio dos objetivos impostos
na norma para a produção de propaganda implica em desvio de finalidade e,
consequentemente, na promoção de interesses estranhos ao interesse público.
A proibição de promoção pessoal vem no dispositivo, tudo indica,
como algo comezinho, uma advertência para que o administrador não abuse de
seu poder. Estancou um problema doméstico, por assim dizer, para indicar que
até mesmo estas práticas tão comuns em nossos órgãos públicos não podem
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de
1988. 2. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2001, p. 85-86.
15
Conforme explica Celso Antônio Bandeira de Mello, “poder-se-ia dizer que a totalidade dos
vícios dos atos administrativos, em última instância, resolve-se em vício de incompetência, se
à competência se der uma acepção que tome em conta suas distintas facetas. É claro que não
se está a falar de competência em sentido formal, ou seja, concebida pura e simplesmente como
um abstrato plexo de poderes, mas em competência no sentido material: no sentido de que, se
alguém é investido de uns tantos poderes, não o é para atuá-los em quaisquer circunstâncias ou
perante quaisquer fins ou segundo quaisquer formas, mas só o é para mobilizar ditos poderes ante
determinadas circunstâncias, em vista de específicos fins e através de certas formas. Donde, quem
mobilizasse tais poderes fora das circunstâncias estabelecidas, explícita ou implicitamente na lei,
ou em desacordo com a finalidade legal ou mediante formas distintas das estabelecidas na regra de
direito, estaria em rigor de verdade, agindo fora da própria competência, isto é, sem competência”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São
Paulo, SP: Malheiros, 2003, p. 61).
16
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 5. ed. São Paulo, SP: Revistas dos
Tribunais, 1982, p. 20-22.
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ser utilizadas. Muito além da promoção pessoal, a proibição tem em vista o
respeito ao princípio da impessoalidade previsto no caput do art. 37. Cármen
Lúcia Antunes Rocha17 destaca três dos vícios mais comuns de pessoalidade na
Administração Pública: o nepotismo, pelo qual os agentes públicos, valendo-se
dos cargos por eles ocupados, concedem favores e benéficos pessoais a seus
parentes e amigos; o partidarismo, pelo qual as decisões administrativas passam
a ser tomadas não mais de acordo com o interesse público, para o bem de toda
a sociedade, mas segundo as conveniências da facção que está no poder ou de
seus “correligionários” e as pessoas que compõem “os quadros partidários” (o
objetivo é, então, basicamente, permanecer no poder e tutelar os interesses de
grupos e facções políticas); e a promoção pessoal, pela qual o administrador,
valendo-se do cargo público por ele ocupado e precisando ter as atividades a
ele inerentes divulgadas para conhecimento da população, busca contornar o
impedimento constitucional de personalizar o exercício da função pública e
tirar proveitos daquela difusão dos fatos, atos e serviços.
Além do que já foi exposto, cabe observar que o art. 37, § 1º da
Constituição Federal usa a expressão “publicidade”, não usa a expressão
“propaganda” dos órgãos públicos. Estas duas expressões são comumente
utilizadas como sinônimas. É também o que faz a Constituição Federal. Contudo,
no campo do Direito, a palavra publicidade tem um significado técnico, é um
princípio jurídico e não pode ser considerada como sinônima de propaganda.
A expressão publicidade, no Direito, leva à ideia de transmissão de informação
(a publicidade dos atos dos órgãos, como concurso público; a citação do réu;
a publicação da lei) e não carrega a pretensão de convencer alguém à pratica
de um ato, como ocorre na propaganda, a qual detém como característica sua
o uso da persuasão. Pode-se aceitar que o princípio da publicidade abarque o
que seja propaganda, mas, no campo do Direito, não são sinônimos.
As diferenças entre o princípio da publicidade dos órgãos públicos
e o que seja propaganda do governo podem ser compreendidas em estudo
específico sobre o tema18, de onde foram extraídas as explicações que seguem.
Na nossa Constituição encontramos a exigência de publicidade por vezes
como princípio, por vezes como regra. Quando falamos em publicidade dos
órgãos públicos é necessário enquadrá-la em uma das seguintes possibilidades:
17
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública.
Belo Horizonte, MG: Del Rey, 1994, p. 158;164;168.
18
SOARES, Marcos Antonio Striquer. O princípio constitucional da publicidade e propaganda
do governo. Revista Jurídica da UniFil, Londrina, PR, v. 4, n. 4, p. 64-76, 2007.
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1- Como publicidade obrigatória (esta espécie contém duas subespécies: a
publicidade obrigatória com necessidade de publicação ou comunicação – ou
seja, com divulgação pelo órgão oficial de imprensa ou por comunicação direta
ao interessado, como, por exemplo, a obrigatoriedade da notificação da parte no
processo, da publicação da lei elaborada, do edital de licitação – é regra jurídica;
e a publicidade obrigatória sem necessidade de publicação ou comunicação
– que ocorre sempre que a informação ficar à disposição do povo nos órgãos
públicos, quando, por exemplo, há exigência de transparência da Administração
Pública – é princípio constitucional. Quando obrigados a divulgar seus atos,
os órgãos públicos poderão, em alguns casos, fazer publicidade resumida); 2Como publicidade proibida – decorre de disposição expressa da Constituição,
como, por exemplo, a regra do art. 5º LX, que autoriza a restrição da publicidade
dos atos processuais, quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem – nesse caso trata-se de regra constitucional; 3- Como publicidade
desnecessária ou impossível, é, por exemplo, o ato não escrito, a ordem verbal
da autoridade administrativa a um subalterno, a publicação de decisão judicial
da qual a parte já tomou conhecimento e cujo ato exigido no processo já
praticou; 4- Como publicidade autorizada, qualificada como propaganda dos
órgãos públicos ou propaganda governamental, na qual o uso da persuasão é
autorizado, mas sempre tendo-se em vista a finalidade prevista na Constituição
e a proibição do culto personalista, seja ele a promoção pessoal ou mesmo o
nepotismo ou o partidarismo – também é regra constitucional.
Por fim, ainda cabe destacar que a propaganda do governo não pode
ser utilizada como instrumento de prestação de contas do governante para
o povo. Também conforme estudo específico sobre o tema19, essa ideia de
prestação de contas por meio de propaganda, por um instrumento que pretende
implantar uma ideia na cabeça de alguém, mais parece um caminho para uma
ditadura e está muito distante do ideal democrático. A exigência de prestação
de contas da Administração e o controle e fiscalização popular são próprios
do Estado Democrático de Direito, ainda mais em uma democracia do tipo
participativo. Isso, porém, não pode ser feito por propaganda do governo. Isso
pode realizar-se por publicações e comunicações sem caráter persuasivo, como
19
SOARES, Marcos Antonio Striquer. Prestação de contas e propaganda: a persuasão para
construir as maravilhas do governo. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 14, 2005,
Fortaleza. Anais eletrônico...Direito e Política. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 14-15.
Disponível em: <http://www.conpendi.org.br/manaus/arquivos/anais/Marcos%20Antonio%20
Striquer%20Soares.pdf>. Acesso em: [2011?]
Soares - O direito fundamental à informação legítima e o decorrente direito de .......
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decorrência do princípio da publicidade e das regras de publicidade. Aceitar
a propaganda como instrumento de prestação de contas é aceitar que o povo
seja conduzido pelos grupos que dominam os cargos públicos. A propaganda
pressupõe algum grau de persuasão e pode ser utilizada (e será, certamente,
se isto não for coibido) para moldar a convicção dos cidadãos conforme os
interesses do grupo governante, para conduzir o povo a manifestar-se ou, no
mínimo, opinar, conforme os interesses dos detentores do poder. A prestação
de contas veiculada por meio de propaganda nunca irá atacar as mazelas dos
governantes, por exemplo, mas vai apenas demonstrar seus méritos. Isto não
é prestação de contas.
O respeito à Constituição Federal, especialmente aos princípios
democrático e republicano, exigem, assim, controle sobre a propaganda do
governo, denominada na Lei Maior como publicidade dos órgãos públicos, o
que implica em controle da finalidade da propaganda e controle dos abusos
personalistas.
5 DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO LEGÍTIMA
Tratando da historicidade dos direitos fundamentais e do nascimento
de novos carecimentos e novas demandas de liberdade e de poder, Norberto
Bobbio20 lembra que a “crescente quantidade e intensidade das informações
a que o homem de hoje está submetido faz surgir, com força cada vez maior,
a necessidade de não se ser enganado, excitado ou perturbado por uma
propaganda maciça e deformadora; começa a se esboçar, contra o direito de
expressar as próprias opiniões, o direito à verdade das informações”. Surge aí
o direito à informação legítima, o direito de não ser enganado pelos veículos
de comunicação e, especialmente, por se ter relação direta com o exercício do
poder e com a soberania do povo, o direito de não ser enganado por propaganda
dos órgãos públicos.
É o próprio direito à informação, potencializado pela comunicação
de massa e também potencializado pelo efeito danoso de seu abuso, abuso do
governante contra os governados, que envolve o controle do poder do Estado.
Esse direito, que pode ser denominado como direito à informação legítima,
direito de não ser enganado ou manipulado pelos meios de comunicação de
20
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1992, p. 33-34.
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massa e, especialmente no caso de nosso estudo, pela propaganda do governo,
está afirmado em nossa Constituição Federal. O art. 5º, incisos XIV e XXXIII,
da CF assegura-o. Encontramos ali: é assegurado a todos o acesso à informação;
todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral. Não se trata de meros direitos
individuais. Têm-se, aqui, direitos que permitem a proteção contra abusos
dos governantes (típico direito de defesa, como direito fundamental de cunho
negativo), mas também permitem a ação do indivíduo contra o Estado, para
que este desempenhe seu papel em favor da sociedade, conforme previsto na
Constituição Federal, utilizando a propaganda dos órgãos públicos com objetivo
de educar, informar ou orientar a sociedade (direito prestacional, como direito
fundamental de cunho positivo). Como bem esclarece Ingo Wolfgang Sarlet21, a
partir de um texto legal, é possível extrair uma norma que pode reconhecer um
direito como fundamental e atribuir uma determinada posição jurídico-subjetiva
à pessoa, posição que poderá ter como objeto uma determinada prestação ou
uma proibição de intervenção.
Assim, o direito à informação legítima é tipicamente um direito que
pode ter nascido como individual, mas exige uma referência ao regime político
e é pressuposto para a existência de direitos políticos, da soberania popular,
da livre manifestação do pensamento, do princípio do Estado Democrático de
Direito, do princípio republicano. Com isso, o direito ganha uma dimensão social
indispensável para o regime político. Não se trata do direito de um indivíduo
receber informações de seu interesse pessoal, mas do direito da sociedade ser
educada, informada ou orientada, conforme as necessidades se apresentem,
por esse instrumento poderoso e eficiente de comunicação de massa. Esse
instrumento não está à disposição do governante para satisfazer seus interesses,
mas os interesses da coletividade, como, por exemplo, direito de ser informado
sobre os males de uma epidemia.
Como bem anota Aluízio Ferreira22,
Um (potencial) interlocutor ignorante, desatualizado
ou manipulado, isto é, deformadamente instruído
21
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado.
Revista de Direito do Consumidor, v. 61, p. 92, 2007.
22
FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais
na Constituição brasileira. São Paulo, SP: Celso Bastos; São Paulo, SP: Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional Editora, 1997, p. 82-83.
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ou “educado” (domesticado) e incentivado por uma
publicidade e propaganda política ou empresarial
enganadora não tem condições de avaliar criticamente sua
situação, identificar suas reais necessidades e definir as
prioridades e objetivos a perseguir para alcançar sucesso,
muito menos para superar sua condição de dominado,
inferiorizado e desumanizado.
Denota-se da leitura o perigo de abusos tanto na propaganda política
como na propaganda empresarial ou comercial. Contudo, o autor23 ainda aponta,
mais adiante, as consequências do abuso para o processo político: “Se sem
participação não há democracia, sem informação tampouco haverá participação.
Pois participação sem informação seria como ‘diálogo’ entre o surdo e o mudo”.
A manipulação tanto da informação comercial como da informação política tem
efeitos danosos incalculáveis, mas é no âmbito da política que o indivíduo pode
ser duplamente manipulado: manipulado para acreditar que tem o governo que
deseja; e porque o governo controla o mercado de acordo com seus interesses
e não de acordo com o interesse público.
Conforme Karl Loewenstein24 adverte:
Como “propaganda” se suele entender corrientemente
el uso de personas, palabras, objetos, símbolos u otras
técnicas de representación para conducir, hacia los
objetivos de los que la menejan, la mentalidad y la
conducta de aquellos a los que va dirigida. Considerada
de una forma menos abstracta, la propaganda no es sino
una manifestación del poder o una faceta del proceso
del poder: es un intento de influir en la libre voluntad
del destinatario para que éste se sienta inducido a actuar
según las directrices de los que controlan el aparato de
propaganda; el grado de coacción psicológica varía según
la personalidad de los destinatarios.
Desse modo, a Constituição é a norma jurídica apropriada para impor
regras à propaganda, limitando a exploração desta pelo governo, em um regime
democrático. A Constituição, como norma que organiza o Estado, distribui
23
Idem, p. 83.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. 2. ed. Barcelona: Ediciones Ariel, 1970,
p. 414.
24
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competência e disciplina o exercício do poder do Estado. É sua essa tarefa. Caso
isso não fosse feito na Constituição, o governo de plantão poderia estabelecer
as suas regras para a veiculação de sua própria propaganda, o que seria um
risco muito grande para a democracia.
O direito à informação tem sido discutido no Brasil a partir da liberdade
de imprensa, verificando-se seu perfil econômico. Contudo, sua dimensão
política é muito mais danosa à coletividade do que a própria manipulação
comercial, uma vez que é a política que pode exercer controle sobre o comércio
(é o poder político no sentido referido por Bobbio – conf. supra). A manipulação
política pode levar à manipulação da propaganda comercial conforme os
interesses do governo de plantão e não conforme o interesse do povo. Sendo
assim, o governo pode controlar a propaganda comercial e a propaganda política.
A manipulação da informação, com distorção por redução ou acréscimo
de conteúdo ou sua ocultação25, na propaganda do governo, desse modo, afeta
diretamente os princípios democrático e republicano – assegurados no art. 1º
da Constituição Federal – por vulnerar o princípio da soberania popular. A
manipulação da informação leva à manipulação do cidadão e ao controle da
representação política (tanto na eleição como na condução dos mandatos) bem
como do controle sobre as decisões do Estado (o que significa aqui ausência ou
redução de resistência à condução das decisões propostas pelo grupo governista).
Conforme Alexandre de Moraes26, “o direito de receber informações
verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar
dirigido a todos os cidadãos, [...] com a finalidade de fornecimento de subsídios
para a formação de convicções relativas a assuntos públicos”. José Afonso da
Silva27, citando Freitas Nobre e Albino Greco, esclarece que a relatividade do
direito à informação exige uma referência aos regimes políticos, sempre com a
convicção de que se trata de um direito coletivo; em virtude das transformações
dos meios de comunicação, veio a caracterização mais moderna do direito de
comunicação, que se concretiza especialmente pelos meios de comunicação
social ou de massa, envolvendo a transmutação do antigo direito de imprensa e
de manifestação do pensamento, por esses meios, em direito de feição coletiva;
assim, a liberdade de imprensa nasceu e se concretizou essencialmente num
25
26
FERREIRA, op. cit., 1987, p. 86.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 8. ed. São Paulo, SP:
Atlas, 2007, p. 164.
27
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo,
SP: Malheiros, 2009, p. 259-260.
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direito subjetivo que garantiu e garante ao indivíduo manifestar o próprio
pensamento, nasceu, pois, como garantia de liberdade individual, mas, ao
lado de tal direito do indivíduo, veio afirmando-se o direito da coletividade à
informação.
A necessidade de controle jurídico da propaganda do governo, não é,
então, mero direito que o indivíduo tem, a partir do art. 37, § 1º, da Constituição
Federal. É verdadeiro direito fundamental, cláusula pétrea. É o direito de não
ser enganado ou manipulado pela propaganda do governo, decorrente do direito
de acesso à informação e do direito de receber dos órgãos públicos informações
de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral.
A luta pela construção de uma sociedade com distribuição de renda,
com justiça social, ainda não chegou ao fim, certamente, mas ela já está contida,
tudo indica, nas disputas civilizadas, na produção legislativa e na decisão
judicial, sem os rasgos revolucionários e a dominação de gerações, mas ainda
está faltando disciplina para evitar abusos na propaganda dos órgãos públicos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato de a propaganda do governo apresentar o componente
“persuasão” não diminui nem descaracteriza o direito à informação que está
assegurado no art. 5º da Constituição Federal. Ao invés disso, apenas realça
matiz próprio do direito à informação, realça a necessidade dessa informação
satisfazer o ordenamento jurídico. Nessa relação entre persuasão e direito
à informação, a propaganda do governo não pode se apresentar com os
penduricalhos tradicionais e ilegais dessas peças, como inclusão de verdadeiros
slogans de campanha do governo de plantão (tal como “Brasil, um país de
todos”) afirmações categóricas (tal como “um governo que trabalha para o
cidadão”) ou meras frases sugestivas (como “o governo está fazendo a sua
parte”), sempre em favor do grupo governista ou da autoridade de plantão em
desrespeito ao princípio da impessoalidade.
A verificação da existência de persuasão na propaganda do governo não
proíbe sua veiculação; muito pelo contrário, sua autorização na Constituição já
compreende esse componente, uma vez que a propaganda é sempre persuasiva.
O que não pode ser aceito é o uso da persuasão em favor de uma finalidade
que não está prevista em lei, e por isso torna a propaganda ilegítima. É a
veiculação, na propaganda, de informação que não está autorizada em lei, são os
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penduricalhos acima citados. A informação legítima, que pode ser veiculada na
propaganda, é aquela que está prevista em lei, ou melhor, é aquela que persegue
uma finalidade prevista em lei (educar, informar ou orientar a sociedade) e
uma finalidade de interesse público (um interesse extraído do ordenamento
jurídico). Nesse sentido, legítima é a informação levada ao povo quando satisfaz
finalidade prevista em lei e de interesse público. As informações contidas na
propaganda e não autorizadas em lei satisfazem não um interesse público, mas
um interesse personalista, ela contém um vício personalista financiado, a fundo
perdido, pelo poder público.
Uma sociedade democrática não pode abrir mão de limites para o
uso da propaganda política, porquanto seu abuso pode levar à dominação da
sociedade pelos governantes de plantão. O ápice das ditaduras é atingido por
um caminho de sedução, de envolvimento do povo por sentimentos e não
pela razão. Caso a sociedade tolere “pequenos abusos” no uso desse tipo de
publicidade, na manipulação da persuasão na propaganda oficial do governo,
poderá despertar do pesadelo totalitário sem perceber ter adormecido, como
ocorreu com os alemães no nazismo.
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