Olimpíadas da Filosofia 2015/2016 Prova em Língua Portuguesa

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Olimpíadas da Filosofia 2015/2016
Prova em Língua Portuguesa
“Em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade.”
Boake Carter
Guerra. Verdade. Será que estes conceitos que parecem tão distintos podem ter alguma relação?
Boake Carter acha que sim, outros poderão achar que não. A minha opinião pouco ou nada importa neste
e mais temas, mas neste ensaio também poderei referir em qual dos lados me coloco. Numa fase inicial
vou procurar esclarecer os conceitos de guerra e verdade, pois estes são fundamentais para perceber a
afirmação do senhor Boake Carter. Na segunda parte procurarei argumentar a favor e contra esta
afirmação e chegar a uma conclusão.
Sim é verdade. A filosofia também é uma disciplina que se debruça sobre estas temáticas: temas
atuais e objectivos. A filosofia carateriza-se por ser, na sua definição mais simples, o amor ao saber.
Portanto, esta trata de assuntos que tenham como objectivo obter a sabedoria, portanto o filósofo é todo
aquele que procura o saber, isto é, a verdade. Deste modo, já estou a entrar nos campos da afirmação de
Carter. Para Carter a guerra causa uma vítima: A verdade. Para ele esta é a principal e a primeira que sofre
com este acontecimento. Logo, a guerra é um impedimento para conseguir chegar à verdade, daqui
concluo que a guerra é um constrangimento ao saber e por consequência final é uma restrição à filosofia.
Este raciocínio leva-nos a pensar que a guerra, por si só, é algo que impede o desenrolar da filosofia. A
filosofia tem como objecto tudo aquilo que poderá ser um meio para chegar ao conhecimento, todos os
pensamentos que poderão tornar o conhecimento possível. E o seu método é mesmo esse: o pensamento.
Pensar, para o filósofo, é a base para chegar a todo e a qualquer conhecimento, ou seja, para chegar à
verdade necessito de pensar. Com estas afirmações só posso concluir uma coisa: A guerra é uma expressão
de um ato irracional, ou seja, de não pensamento, sendo ausente de qualquer ato racional e consciente ou
é um impedimento a que isso aconteça. Isto explicado mais sucintamente deixa-nos na seguinte relação
disjuntiva: Ou a guerra é um ato de não pensar ou impede o pensamento. Cheguei a esta conclusão pelo
simples facto de que, para o autor, (A conclusão é apenas extraída da ideia expressa por Carter na sua
afirmação) a guerra causa a destruição da verdade e sendo que esta não é obtida se existir ausência de
pensamento, então a guerra ou impede o pensamento ou é não pensamento. Poderemos cair no
pensamento de que este argumento é falacioso e apenas caiu na armadilha da persuasiva falácia da causa
falsa. Pessoas que achem tal coisa não perceberam realmente a minha posição no que diz respeito à
origem da verdade. Eu admiti que a verdade é apenas conseguida pelo pensamento, portanto tudo aquilo
que não a cria ou não é pensamento ou é um constrangimento ao pensar. Para Carter a guerra destrói a
verdade, logo só pode estar inserida nas outras duas opções que sobram. Isto, é na verdade, um
argumento por analogia, em que comparo a relação entre a guerra e a verdade, proposta pelo autor, e a
relação entre o pensamento e a verdade enunciada em qualquer livro sobre filosofia que se preze. Como
neste caso as semelhanças são mais evidentes que as suas diferenças, para mim, este argumento é válido.
Mas o que é na realidade uma guerra? Resposta fácil, pensas tu. Pensamos nós. Penso eu. Mas
agora mudo. Pensava eu. Este conceito é de facto algo que à primeira vista parece facílimo de caracterizar,
não só por ouvirmos falar constantemente do mesmo, mas também por entrar nos conceitos que a nossa
mente considera como fundamentais para o nosso dia-a-dia. Para a nossa sociedade não saber o que é
uma guerra é algo reprovável. Contudo, para mim, não saber se se sabe o que é uma guerra é ainda mais
reprovável e pensar que sabe e não saber é o típico caso do indivíduo do nosso mundo. Não lemos nós
sobre as tremendas aventuras que Sócrates tinha ao perguntar a Generais Atenienses o que é a coragem?
Soubemos desta forma que nem um general consegue dar uma definição correta de bravura… E se lhe
perguntássemos o que é uma guerra responderia acertadamente? Penso que não. Saber o que é uma
guerra é essencial para prosseguir com o ensaio. Portanto, apesar de sermos ignorantes e provavelmente
menos autoritários que um general nestes domínios da sabedoria, vamos considerar a guerra como um
conflito entre povos. Um conflito entre duas entidades. Guerra é uma disputa de interesses, é quase uma
discussão, todavia são usados outros meios para além da argumentação e do pensamento. Guerra é uma
discussão sem “regras”, esta é necessária para pessoas que não conseguem discutir por meio das
ferramentas da filosofia. As entidades que provocam a guerra têm uma determinada posição sobre um
determinado tema e tentam defende-la usando a força, violência, armas entre outras coisas que julgamos
ser características de uma guerra. Portanto, guerra é um conflito entre duas nações, cidades, pessoas,
células e por aí a fora. No entanto, não podemos julgar como guerra uma discussão racional entre dois
estados para obter relações comerciais lucrosas para ambas as partes. A situação que se verifica entre os
EUA e o estado islâmico no médio oriente é uma guerra, pois existe um conflito entre duas entidades. Por
outro lado uma discussão racional com o vizinho sobre quem irá ficar encarregado de construir o muro que
irá dividir os dois terrenos não é uma guerra, desde que nenhumas das partes entre em conflito físico ou
verbal para impor a sua posição. Guerra pode ser algo colectivo ou particular, dependendo da perspectiva.
A verdade é o conceito em falta para continuar o raciocínio filosófico sobre esta afirmação de
Carter. Primeiro que tudo vou tentar ir à ideia preconceituosa que temos de verdade. A verdade numa
explicação objectiva não é algo mais do que uma expressão do real, neste caso, uma expressão correta da
realidade. Acho que me permitem considerar que conhecimento e verdade são conceitos interligados. Para
haver conhecimento tem de existir verdade e se existe verdade, então pode existir conhecimento.
Conhecimento é um conceito também necessário no conceito de verdade. O conhecimento tal como nos é
explícito por diversos filósofos é reflexo de uma crença verdadeira justificada e é sobre a segunda destas
características que vou aludir, dado que me propus a tal no início deste parágrafo. Para conhecer é preciso
acreditar na verdade e justifica-la, ou seja, a verdade pode ser apenas um acordo de ideias de um
determinado auditório que é persuadido por um orador e acredita numa ideia proposta pelo mesmo, como
era típico na Grécia antiga. Nesta época os sofistas consideravam a verdade como algo relativo e histórico,
esta não era mais que uma aceitação de um determinado auditório para com uma tese. Estes professores
itinerantes usavam falácias intencionais (sofismas) para persuadir os seus interlocutores. Para estes a
verdade era aquela que lhes era concebida, isto é, a verdade era um acordo entre vontades. Contrastando
com eles estavam os “filósofos”, entres os quais Platão e o seu mestre Sócrates. Sobretudo estes dois
consideravam que a verdade era algo absoluto e perene. Baseados na ontologia dos seus valores,
admitiam a verdade como algo a obter “inerente” a qualquer raciocínio. A verdade era um conceito
absoluto bem assente em regras e componentes necessárias à sua obtenção. Para conseguir chegar a tal
conceito seria necessário o uso de diversos métodos filosóficos tais como a argumentação e a lógica. Com
tudo isto, verifico que existe uma discordância na filosofia quanto ao conceito de verdade. Este conceito é
fundamental para comentar esta frase de Carter, logo vou ter de exprimir toda a divagação que realizei
sobre a verdade e expô-la sucintamente. Verdade é algo que exprime a realidade, sendo absoluto e
perene, todavia não deixa de ser influenciada pelas opiniões e ideias diferenciadas dos sujeitos. É um
conceito objectivo e subjetivo, simultaneamente.
Finalmente esclarecidos os conceitos de guerra e verdade. Com isto posso passar à próxima fase
deste ensaio: A argumentação. A afirmação de Carter é a seguinte: “Em tempo de guerra, a primeira vítima
é a verdade.” Por esta afirmação posso concluir que este considera a guerra com algo que prejudica a
verdade. Numa primeira análise, sou levado a pensar que a associação destas duas ideias é impensável e a
existência de guerra não pode, em nenhuma situação, prejudicar a obtenção da verdade. Contudo, numa
avaliação mais incessante e profunda posso perceber que a guerra pode não causar, apenas, as
consequências típicas a que fomos ensinados. Para todos nós as principais vítimas da guerra são as
pessoas, ou seja, é a perda de vidas, a destruição de casas, o terror etc. Nunca pensaríamos que um
acontecimento tão básico e tão horroroso poderia provocar uma diminuição da verdade, pois este
conceito é algo característico da filosofia e a relação da filosofia com a guerra parece longínqua. Mas, para
este filósofo, a verdade é uma vítima da guerra e ainda é, para agravar ainda mais esta situação peculiar, a
principal. Para este a existência de guerra terá de ter alguma relação com a existência da verdade.
Carter pode, muito provavelmente, ter razão. Para tal devo considerar que a verdade é um objetivo
de todas as pessoas, de todos os povos, ou seja, de todos nós. Quem for dono da verdade e conhecer toda
ela, é dono do mundo e “deus”. Seria controlador de todas as coisas e seria todo poderoso. Esse é o
objectivo de todos nós: O poder. Para chegar a isso temos de conhecer a verdade, mas para conhecer a
verdade precisamos de usar algumas ferramentas típicas da filosofia. Essas ferramentas são a
argumentação e a lógica, apenas com estas podemos chegar ao conhecimento verdadeiro. Contudo, a
guerra é um reflexo do não uso dessas mesmas ferramentas. Por exemplo: A situação de hoje em dia no
médio oriente. Esta situação poderia ser resolvida numa mesa a conversar sobre aquilo que seria melhor
para todas as partes, contudo está a ser resolvida com o uso de outras ferramentas estranhas à filosofia
que são as armas, a força e o ódio. Tudo isto com o objectivo de obter poder, ou seja, verdade. Todavia, o
uso destes métodos irá beneficiar essa tentativa de chegar à verdade? A resposta é, “incrivelmente”, não.
Estas situações apenas irão repercutir-se indefinidamente. Tal como diz o cliché: “ Violência gera
violência”.
Tal como já referi, a guerra é um impedimento ao pensamento ou um ato de não pensamento,
portanto não pode ser usada para chegar à verdade e como Carter defende: destrói a verdade, ou seja,
impede a existência da verdade (primeira opção). Logo, a guerra é algo que prejudica toda a nossa vivência
diária, dado que corrompe o nosso objectivo primordial que é chegar ao poder.
Uma corrente que normalmente é responsável por todas estas situações prejudiciais à verdade é o
etnocentrismo. Esta corrente antropológica é uma ocorrência em que um determinado grupo de pessoas,
com um determinado tipo de hábitos característicos discrimina outros grupos por serem diferentes. Tudo
isto provoca tensão, sendo que a tensão provoca irracionalidade, a irracionalidade é o não pensar e tudo
isto leva à guerra. O etnocentrismo pode e deve estar associado ao conceito de guerra, pois ao evidenciar
comportamentos discriminatórios e agressivos, o pensamento não será usado por esse grupo de pessoas e
a verdade será a prejudicada. Portanto, o etnocentrismo impede o uso das ferramentas da filosofia que
são a argumentação e a lógica, tal como já referi, vitimizando a verdade.
Por outro lado, a guerra é uma evidência da emotividade das pessoas e da tendência das pessoas
em agir irracionalmente. Nesta situação as pessoas são levadas a pensar em si próprias e a entrar no
«estado de natureza», que tal como Thomas Hobbes defende: nesse estado o homem é «lobo do próprio
homem», sendo que este é mau e tem tendência para a guerra, defendendo acima de tudo os seus
interesses. Contudo, este filósofo considera que por meio do raciocínio e por um acordo de vontades se
poderá chegar a um acordo e entrar-se-á no «estado de sociedade». Este estado é tipicamente altruísta,
pois leva em consideração o outro. Nestas situações, em contraste com o «estado de natureza», existe
uma troca de impressões entre diversos sujeitos e é chegado a um acordo. Com o altruísmo, somos
levados a pensar nos outros, pois esta é uma condição necessária a este conceito. Neste estado o ser
humano torna-se um ser moral, porque, tal como E. Levinas refere, toda a moralidade traduz-se num
pensar no outro. Ao pensar no outro, impede-se a guerra e a violência e destrói-se a ideia de que o homem
é lobo do próprio homem.
Contudo, não posso fugir à questão. Será que realmente a existência de guerra provoca a “morte”
da verdade? Por tudo aquilo que já referi posso dizer que posso concluir que sim. A guerra é apenas um
exemplo da imprudência que algumas pessoas têm e em muitos casos nações inteiras em obter o seu
objectivo de vida. Todavia, todos eles vivem numa ilusão, seja por ignorância ou por orgulho. A guerra não
é solução para chegar ao nosso objetivo fundamental de vida: Felicidade? Não neste caso, sejamos
explícitos. Poder. A argumentação e o raciocínio, baseados na moralidade são a maneira de chegar a tal
objectivo, dado que estes são as ferramentas necessárias para a obtenção da verdade. Mas isso já eu estou
farto de referir.
Contudo, podemos considerar que verdade e guerra são conceitos completamente dissociados e a
relação imposta por Carter é apenas um erro lógico ou um argumento falacioso. A diferença entre estes
dois pode conduzir, naturalmente, à ideia de que esta associação é falsa. Toda esta ideia pode estar no
facto de que a guerra é algo mais físico, enquanto a verdade é algo que entra nos campos do pensamento
e das ideias. Esta diferença de áreas leva a uma distinção e à criação de um fosso entre o mundo físico e o
mundo dos pensamentos, sendo que o primeiro conceito enunciado por Carter entra no mundo físico e
outro no mundo dos pensamentos. Com a existência desse fosso seria impossível a sua associação. Logo a
sua afirmação seria falsa e a guerra não prejudicaria de nenhuma maneira a verdade.
Contudo, pelos argumentos anteriormente referidos somos levados a pensar que existe de facto
esta associação. Segundo o argumento deste ensaio o fosso entre o mundo físico e o mental é utópico e
inexistente, ou seja, a relação entre dois conceitos de campos distintos é possível e comum. O argumento
de que duas ideias tão distintas não podem ter ligação foi ultrapassada, pois percebemos que a guerra
aniquila todos os meios para chegar à verdade, isto é, a verdade é vítima da guerra,
Portanto, para Carter a guerra é algo prejudicial à filosofia, mais propriamente ao seu fim: a
verdade. Este defende que todo o conflito entre sujeitos só poderá prejudicar o seu objetivo, estes são
apenas movidos pela ignorância e pelas emoções. O altruísmo deve ser a maneira a contrariar esta
tendência, sendo que este baseado na moralidade conduz ao emergir do «estado de natureza», criado
pelos filósofos contratualistas, entre os quais Hobbes, Locke e Rousseau. Nesse estado o ser humano tem
tendência a ser agressivo e egoísta. Portanto temos de lutar contra esse estado para chegar à verdade,
impedindo a existência de guerra. A guerra por si só corrompe a obtenção da verdade e para mim ( Já
estou a dar o meu lado da questão…) a afirmação do Senhor Boake Carter não podia estar mais correta,
pois transmite a ideia correta de que a guerra é uma inimiga da verdade, e sendo a guerra inimiga irá
primeiramente atacar a verdade. Portanto a Guerra vitimiza a verdade, segundo Carter e segundo este
ensaio que divaga sobre esta afirmação. Sendo que, para além disso, esta também é a sua primeira vítima
e principal.
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