Estudos Organizacionais Críticos: uma Jornada na Guerra

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Estudos Organizacionais Críticos: uma Jornada na Guerra das Estrelas
Autoria: Jackeline Amantino de Andrade
Resumo
Este trabalho constitui-se num ensaio no sentido proposto por Tragtenberg (1974), isto é, “não
é somente um universo articulado baseado em fontes primárias, porém, uma interpretação e
associação de novas idéias, fundada em ‘antigos’ textos” com a proposta introduzir uma
reflexão que possa contribuir para o debate nos estudos organizacionais críticos. Ele é
organizado a partir da alegoria da ‘guerra nas estrelas’, no sentido proposto por Walter
Benjamin, a fim de ampliar a força simbólica do que aqui se quer refletir e discutir. A
primeira parte, referenciada alegoricamente a episódios dessa série cinematográfica, aborda
criticamente a tradição da teoria crítica na sua necessidade de resgate da razão iluminista,
questionando a perda de materialidade dada a uma excessiva abstração, no caso de Theodor
Adorno, a uma “rebelião institual”, no caso de Herbert Marcuse e ao conformismo
comunicativo, no caso de Jünger Habermas. A segunda parte, trata de resgatar pressupostos
críticos materiais sob novas bases sociais e éticas a partir de István Mészáros e Enrique
Dussel, evidenciando que essa materialidade é organizacional, e deve ser refletida e debatida
por meio de autores clássicos nacionais como Fernando Cláudio Prestes Motta e Maurício
Tragtenberg que, antes mesmo dos critical management studies, já nos indicavam bases
materiais críticas e direcionamentos de uma agenda de pesquisa crítica para a atualidade.
Intróito
De modo geral, tem-se compreendido a introdução da crítica nos estudos
organizacionais a partir do trabalho de Alvesson e Willmott (1992a) que, ao resgatar autores
da escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse e Habermas, estabelecem um
contraponto as teorias dominantes no campo sem recorrer a refúgios paradigmáticos como
Burrell e Morgan (1979). Fundamentalmente, o que eles procuram evidenciar é que a
administração, denominada de management, não é apenas um fenômeno técnico, mas também
político.
Todavia, a necessidade de reconhecer uma produção apropriada, como sugeriu Alberto
Guerreiro Ramos na sua ‘redução sociológica’, faz lembrar que a discussão sobre uma teoria
organizacional crítica, que trás o político devidamente atrelado à administração, foi
desenvolvida por Fernando Cláudio Prestes Motta e Maurício Tragtenberg ainda nos anos 70
e 80 do século passado. Portanto, pelo menos uma década anterior a obra de Alvesson e
Willmott.
Nesse sentido, é complicado para nós estudiosos críticos brasileiros das organizações
nos “submeter ao estrangeiro”, ainda recordando Ramos (1958), abrindo mão de nossa
autonomia. Assim, para reconhecer a necessidade efetiva de sociedades e lugares de trabalho
livres da dominação, conforme propõem Alvesson e Deetz (1999), é preciso antes de tudo
fazer um aprofundamento crítico na compreensão da dominação como forma de poder, da
administração como ideologia (MOTTA, 1979, 1984, 1986a, 1986b, 1986c e
TRAGTENBERG, 1974, 1989), ou seja, como um fenômeno político, cultural e ideológico,
posteriormente, destacado por (ALVESSON; WILLMOTT, 1992a, 1992b).
Compreender que a dominação é fruto de um processo histórico específico e também
que a escola de Frankfurt, apesar de propor uma teoria crítica da práxis dentro da
materialidade da vida, não foi capaz de constituir um contraponto ao capitalismo e, não
exclusivamente ao mainstream dos estudos organizacionais, como sugerem Alvesson e
Willmott (1992a). Os autores de Frankfurt, não encontraram saídas concretas para a ‘gaiola da
dominação’, que Weber apropriadamente narrou, tendo como base de reflexão a Alemanha no
início do século XX, o mesmo tempo e espaço vivenciado pelos autores frankfurtianos.
Efetivamente, a crítica é compreender processos históricos, os conflitos e lutas, e o
domínio da racionalidade técnica (ALVESSON; DEETZ, 1999). Deve-se, no entanto,
salientar que este último não é apenas imaginário, mas realmente concreto no mundo das
organizações e, conseqüentemente, no mundo vida, pois não podemos separá-lo da
materialidade da economia e do Estado apesar das pretensões de Jürgen Habermas.
A crítica necessita, portanto, de gerar alternativas em termos teóricos e práticos
concretos, como propõem Alvesson e Willmott (1992b). Mas devemos mais uma vez nos
tornar prisioneiros, apenas considerando as organizações e seus microprocessos como
sugerem esses autores? Não estaríamos assim fazendo como os funcionalistas limitados por
níveis de análise determinando onde pode ser inserida a crítica nos estudos organizacionais?
De acordo com Dussel (2006), para se compreender a modernidade e seu futuro é
preciso considerar de forma integrada três aspectos: globalização, organização e a ética de
libertação. Trata-se da integração do indivíduo na produção da vida social, que não pode ser
analisada separadamente, pois “um determinado modo de produção ou estágio de
desenvolvimento se encontra permanentemente ligado a um modo de cooperação ou a um
estado social determinado” (MARX; ENGELS, 1979, p. 35).
Se os estudos organizacionais críticos não têm caminhos únicos a percorrer, no
entanto, essa compreensão integrada deve ser unívoca. Como destacou Motta (1986a), uma
teoria organizacional reflexiva deve aportar um conteúdo libertador sempre consciente de que
é um contra-poder à ideologia repressiva cristalizada nas relações de produção e nas forças
produtivas que convive. Logo, a teoria está num projeto que se traduz numa prática política na
medida em que “a teoria jamais é a realidade, mas nossa teoria da realidade (MOTTA, 1986a,
p.58). Refere-se também a uma realidade que ser quer transformar de modo que “essa
redescoberta só passa, ao meu ver, pela questão dos movimentos sociais tendo como fulcro a
questão do poder [...], isto é, a questão da autonomia [...]” (MOTTA, 1986a, p. 60).
Segue Motta, uma teoria automista só é produzida por uma prática autônoma que
representa as forças sociais na sua luta por hegemonia. Por isso, a necessidade de vincular a
administração à política, esta produz a crítica e pode questionar a “permanência da
burocracia” (MOTTA, 1986c) à medida que os estudos organizacionais difundem-se no tecido
social a fim de reinventar a idéia de organização, “enquanto força inovadora e prenunciadora
de um mundo novo, justo e igualitário” (MOTTA, 1986b, p. 14).
Este trabalho constitui-se num ensaio no sentido proposto por Tragtenberg (1974), isto
é, “não é somente um universo articulado baseado em fontes primárias, porém, uma
interpretação e associação de novas idéias, fundada em ‘antigos’ textos” com a proposta
introduzir uma reflexão que possa contribuir para o debate nos estudos organizacionais
críticos. Ele é organizado a partir da alegoria da ‘guerra nas estrelas’, no sentido proposto por
Walter Benjamin, a fim de ampliar a força simbólica do que aqui se quer refletir e discutir. A
primeira parte, referenciada alegoricamente a episódios dessa série cinematográfica, aborda
criticamente a tradição da teoria crítica na sua necessidade de resgate da razão iluminista,
questionando a perda de materialidade dada a uma excessiva abstração, no caso de Theodor
Adorno, a uma “rebelião institual”, no caso de Herbert Marcuse e ao conformismo
comunicativo, no caso de Jünger Habermas. A segunda parte, trata de resgatar pressupostos
críticos materiais sob novas bases sociais e éticas a partir de István Mészáros e Enrique
Dussel, evidenciando que essa materialidade é organizacional, e deve ser refletida e debatida
por meio de autores clássicos nacionais como Fernando Cláudio Prestes Motta e Maurício
Tragtenberg que, antes mesmo dos critical management studies, já nos indicavam bases
materiais críticas e direcionamentos de uma agenda de pesquisa crítica para a atualidade.
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Teoria crítica e a necessidade de (re)encontro da razão humana
Em termos gerais, compreende-se que o sentido da crítica é retomar a humanidade da
razão inerente ao iluminismo que foi perdida. Uma razão humana que é substituída pelo
domínio da razão técnica de modo a atender os interesses econômicos de desenvolvimento do
capitalismo mesmo que valores humanos sejam deixados de lado. De modo que, o ritmo
desenfreado e sustentado por técnicas de produção cria uma ideologia de vida em que a
produtividade e o consumo são as máximas e o individualismo o princípio.
Como ressalta Adorno (2002), todas as áreas da vida são invadidas pelas premissas da
exploração dos negócios, até mesmo a arte, antes um meio de lazer que passa a ser
manipulado como um bem de consumo. Através da indústria cultural, o homem ganha um
coração-máquina, de acordo com Adorno, ideologizado e identificado como consumidor lhe
bastando a escolha de não pensar. Dessa forma, a autonomia de indivíduo em julgar e decidir
conscientemente sobre sua vida é impedida não apenas no processo de trabalho, como já
demonstrado por Marx (1980), mas em toda a sua existência.
Por isso, Adorno afirma que “tudo se torna negócio”, e na sociedade de consumo há
sempre o insaciável desejo do homem-máquina, em seu anseio de preenchimento existencial,
de consumir tudo o que o ‘progresso técnico’ lhe prouver, na expectativa de encontrar assim
um sentido para a vida.
A cultura do ter afirma-se sobre a cultura do ser, como falou Eric Fromm, na medida
em que há uma “domesticação civilizadora” para firmar um controle social total (Adorno,
1978, p 288). Essa domesticação da modernidade capitalista também é salientada por
Benjamin ao analisar como as galerias parisienses tornaram-se as passagens e a expressão de
um novo sentimento de vida; nossos antigos shopping centers. Uma condição fantasmagórica
inerente a esse processo civilizatório em que o mundo é indubitavelmente marcado pelo
fetiche da mercadoria. Para Benjamin (1985,1992), caminham, nesse mundo fetichizado da
mercadoria, os flâneurs, aqueles de vida errante, tomados por uma embriaguez que o mundo
lhes apresenta a procura de um despertar. Ou, como diz Adorno (2002), por um sentido de
vida que antes lhes foi negado.
De acordo com Adorno e Horkheimer (1985), essa é uma condição alienante em que
até a diversão e o lazer representam um momento de catarse, de fuga da realidade, de modo
que o indivíduo resigna-se à domesticação capitalista.
Mas a afinidade original entre os negócios e a diversão mostra-se em seu
próprio sentido: a apologia da sociedade. Divertir-se significa estar de
acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social em seu todo, se
idiotiza e abandona, desde o início, a pretensão inescapável de toda obra,
mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir
significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até
mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base. É na
verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas
da última idéia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. A
liberação prometida pela diversão é a liberação do pensamento como
negação.(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.135)
Adorno (2002) afirma que a indústria cultural é uma conquista, uma sedução, um
convencimento que doma os instintos emancipatórios. A cultura não é, portanto, proveniente
do ‘povo’, mas um plano pré-estabelecido de produção dirigido ao consumo. Constitui-se
numa mercantilização autoritária e homogenizadora de modo que as próprias classes sociais
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são homogenizadas e massificadas por esse processo. Um processo de reificação da sociedade
que coisifica a todos e todas as relações ao transformar tudo em mercadoria, como antes
salientou Marx (1980), o fetichismo da mercadoria.
É nesse sentido que a cultura de massa e a indústria cultura são para esses autores uma
nova ‘gaiola de ferro’ imposta pela modernidade. Como ressalta Mészáros (2004), os
frankfurtianos compartilham com Weber o seu desencantamento com a sociedade moderna
em face dessa prisão trazida pela total burocratização da vida. Nesse processo as ações sociais
referenciadas a fins se sobrepõem às ações com base na convicção de valores nas relações,
cabendo questionar se, em face dessa tendência à burocratização, é ainda possível salvar a
liberdade de movimento do indivíduo (Weber, 2004).
Entretanto, Adorno (2002) tenta resgatar por meio do sentido da arte, baseado em Kant
uma racionalidade para a liberdade, e, em Hegel, busca a razão através do jogo estético que
provoca o prazer do ‘espírito’, a fim de traçar um possível um resgate do ‘ser’. Assim, a arte
ao atuar na vida coletiva traria em si um sentido de transformação. Na e pela arte, o ser seria
livre para sentir, pensar e agir e, conseqüentemente, poderia libertar-se das amarras que o
capitalismo lhe impõe. E, ao ser autônomo reconquistaria a sua condição humana e retomaria
a humanidade da razão explicitada pelo iluminismo.
Benjamin (1985, 1992) não é tão pouco diferente ao tentar elucidar um caráter
dialético na conquista da racionalidade. Há também a proeminência de uma retomada da
‘aura’ da arte que foi subvertida e a necessidade da busca por uma autenticidade que se
oponha às forças e técnicas introduzidas para reprodução capitalismo. Para ele, essas mesmas
técnicas inseridas na ‘aura’ da arte deveriam ser utilizadas para a crítica social de modo a
iluminar essas prisões construídas pelo capitalismo na modernidade.
Limites à crítica sobre a mercantilização da vida: episódio um – a ameaça fantasmai
Todavia, a melancolia de Weber não abriu alternativas à burocratização da vida,
apesar de sua profunda convicção na liberdade humana. Nem tão pouco os frankfurtianos
vislumbraram alternativas para a mercantilização do mundo condenando-o a sua condição
fantasmagórica.
Como descata Slater (1978), a teoria crítica acaba por não assumir um papel de ação
para mudanças, a partir de seu pressuposto básico que relaciona teoria e práxis. Assim, não
encontra também respostas de como, no processo dialético entre espontaneidade e
organização, a burocratização e a mercantilização da vida poderiam ser evitadas.
Nesse mesmo sentido, Mészáros (2004) ressalta que para Adorno a mediação entre
práxis intelectual e práxis política é algo completamente vago e abstrato. E, a sua negação
universal abstrata distanciou-se de indicar ‘soluções’ em termos dos desenvolvimentos sóciohistóricos reais, como também não identificou “um sujeito histórico genuíno que indicasse
uma saída para as condições denunciadas” (p. 166). Sem um agente concreto de
transformação também é difícil inferir-se implicações estratégicas práticas de ação nesse
contexto sócio-histórico de modo que a busca de Adorno pela liberdade torna-se uma
contemplação aterradora do avanço da reificação absoluta que a tudo negar não se confronta
“com nada em particular no quadro estratégico de um modo de ação historicamente definido e
organizado” (MÉSZÁROS, 2004, 171).
Mészaros (2004) observa que a categoria ‘massas’ utilizada por Adorno acaba por
destituir o conceito de ‘classe’ em favor de um discurso vago sobre a racionalidade
instrumental na sua crítica à sociedade industrial avançadaii. Dessa forma, Adorno acaba por
rejeitar também o conceito de luta de classes mais focado numa ‘mitologia’ que busca
‘materialidades’ para uma possível ação histórica na ‘música’, na ‘arte’, na ‘tradição’, etc.
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Para Slater (1978), mesmo que a teoria crítica não seja uma resolução final, ela é (ou
deveria ser) “uma premissa da ação correta” e sua crítica ideológica “torna-se o estudo da
história do que é”, isto é, a história do homem no mundo, mas também como conseqüência do
mundo (p. 57). O acréscimo dessa segunda condição explicita as bases do materialismo
histórico numa superação da primeira, fenomenológica, que dá conta apenas do ‘ser no
mundo’iii Portanto, a teoria crítica é (ou deveria ser) “um ato prático de reconstrução social; a
ligação mediadora nesse processo é uma teoria vinculada à luta de classes” (p. 52) que se
postula como luta ideológica ao expressar as “contradições reais da sociedade, junto com a
transcendência prática dessas contradições” (p. 86).
No entanto, ainda como destaca Slater (1978, p. 99), antes mesmo de Mészáros, ao
longo dos anos, para os teóricos frakfurtianos, a práxis tornou-se “uma categoria teórica e
metodológica, ao invés de uma noção concreta de luta de classes sócio-histórica.” Desse
modo, a teoria crítica sofreu uma profunda transformação quando não se relacionou aos
sujeitos concretos da mudança, não identificou aquilo que deveria ser transformado e não
desenvolveu uma teoria da organização e da ação política, pois lhe faltou uma metacrítica que
ligasse a crítica ideológica a bases efetivas de transformação (SLATER, 1978).
Como diz Mészáros (2004), Adorno fica preso a uma crítica abstrata da razão
instrumental e da racionalidade utilitarista que lhe impõe uma ignorância política-econômica
de tal forma que
[...] se identificou com a mistificação keynesiana que mistura lucro com
utilidade [...] denunciando algo que a ‘espécie humana’ (acusada ou não
pela arte) jamais poderia dispensar, independentemente de quão refinado se
tornasse seu apetite ‘selvagem’. A simples existência dos seres humanos,
mesmo numa sociedade altamente avançada e emancipada, depende de um
relacionamento significativo e realmente econômico com a ‘racionalidade
utilitarista’, para além dos imperativos materiais alienantes e das restrições
do lucro capitalista. (MÉSZÁROS, 2004, p. 176)
Algo ressaltado por Marx (1982) em sua discussão com Proudhon sobre o valor de
utilidade e o valor de troca. As contradições trazidas pelo capitalismo monopolista em
formação já eram debatidas a fim de indicar que a sua superação dar-se-á quando “o uso não
será mais determinado pelo mínimo tempo de produção; o tempo de produção consagrado aos
diferentes produtos será determinado pelo seu grau de utilidade social” (MARX, 1982, p. 65).
Essa dissociação da materialidade resulta numa teoria crítica que em sua proposta de
des-ideologizar a realidade não consegue se constituir numa força crítico-prática na condução
de uma práxis transformadora à medida que “nunca chegou às últimas conseqüências em
termos de uma teoria materialista prática” (SLATER, 1978, p.207). Esse também é o
entendimento de Mészáros (2004), ao afirmar que a falta de mediação com a verdadeira
dimensão histórica, não permitiu a criação de uma visão alternativa de transformação, a partir
de uma compreensão dialética do mundo pela constante inter-relação dinâmica entre ser
social e consciência social, para dar consistência material ao “poder emancipatório das
necessidades humanas” (p. 184).
Limites à crítica sobre a mercantilização da vida: episódio dois – o ataque dos clones
Como visto, as alternativas sobre a mercatilização da vida demandam por uma práxis,
ou melhor, por uma teoria materialista prática baseada no contexto sócio-histórico,
identificada a sujeitos concretos e a bases de organização e ação política-econômica. No
entanto, a ‘negação absoluta’ de Adorno acaba por apresentar “um conhecimento trágico que
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percebe todas as necessidades como irredutíveis e tornando-se uma transfiguração metafísica
do sofrimento e da infelicidade” (MENKE, 1996, p. 71).
Mas, a ‘massa’ ocidental quer se por em luta, talvez, relembrando a conclamação de
Brecht de que os oprimidos se insurjam contra os opressores em nome da humanidade. É o
tempo da contracultura dos anos 60 em que a luta não adquire propriamente os contornos de
classe. O que é contestado são costumes, valores, uma moral congelada nas instituições
sociais modernas que reprime a liberdade de expressão daqueles que conhecemos hoje como
‘minorias’: mulheres, negros, homossexuais.
Os jovens da década de 60 constituem-se então em ‘doces bárbaros’, pois à época não
encontram eco para as palavras de ordem de Rosa de Luxemburgo expressas no início do
século XX: “socialismo ou barbárie”. Sua luta é direcionada para mudanças nas regras e
instituições sociais; no processo civilizatório. Uma luta ideológica, e de certa forma política,
mais próxima à desobediência civil, que tem como palavra de ordem, “é proibido proibir”,
visando uma alteração das relações na reprodução social da vida.
É o tempo das ‘sociedades alternativas’ por meio de um ‘política anti-disciplinariv’ que
rejeita categoricamente a burocratização, suas hierarquias, como também o consumismo.
Trata-se de uma busca pelo ‘humano, demasiadamente humano’ não se constituindo
propriamente em um movimento político, mas numa luta contra o modo de viver perpetuado
pela cultura capitalista estabelecida.
O frankfurtiano Herbert Marcuse é a referência dessa ‘juventude transviada’ que
propõem uma ‘revolução’ com base ‘na paz e no amor’. Eles procuram fugir do “homem
unidimensional” aquele que só vê as aparências e não as essências, tornando-se um
consumista, acrítico e conformista. Prisioneiro da “sociedade unidimensional”, ele deve
conformar-se “a aceitação dos seus princípios e instituições e reduzir a oposição à discussão e
promoção de alternativas dentro do status quo” (MARCUSE, 1967, p. 24). Também é
prisioneiro da “sociedade do desempenho” e “sob o seu domínio, a sociedade é estratificada
de acordo com os desempenhos econômicos concorrentes dos seus membros” (MARCUSE,
1972, p. 58) de modo que
O novo padrão histórico da revolução vindoura talvez esteja melhor
refletido no papel desempenhado por uma nova sensibilidade na mudança
radical do ‘estilo’ da oposição. [...] A transformação radical da natureza
torna-se uma parte integrante da transformação radical da sociedade. Longe
de ser um mero fenômeno ‘psicológico’ em grupos ou indivíduos, a nova
sensibilidade é o meio em que a mudança social se converte numa
necessidade individual, a mediação entre prática política de ‘transformar o
mundo’ e o impulso de libertação pessoal. (MARCUSE, 1973, p. 63)
O traço característico dessa ‘revolução’ é a transgressão que busca atravessar os
limites estabelecidos e também dar um novo sentido à espontaneidade e à organização
identificada como uma cultura de revolta, mesmo que haja um vazio de poder e de projeto
(CARDOSO, 2005). Ou seja, mais uma vez distanciando-se de uma ação estratégica política e
economicamente organizada para transformar o contexto sócio-histórico de que fala Mészáros
(2004).
Como destaca Mészáros (2004), o pós-segunda guerra mundial foi um tempo de
“resignação universal” porque a “ordem estabelecida se tornou a ideologia dominante
precisamente por demonstrar a sua capacidade de defender os interesses materiais e políticosv
[...] essenciais do metabolismo social” (p.232). Sob essas condições é difícil organizar uma
contraconsciência gerando alternativas materiais que questionem a ordem institucional sem
ser acusada de “impulsos do individualismo anarquista”, pois,
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não é possível articular o conteúdo de uma crítica social radical em termos
dos complexos institucionais e instrumentais necessários – isto é, com uma
indicação bem precisa de sua praticabilidade na escala de tempo histórico
adequada – sem a identificação de uma força social capaz de se tornar a
alternativa hegemônica [de modo que] as ideologias críticas e as formas de
“contraconsciência” não podem deixar de ser parciais e unilateralmente
negativas em sua autodefinição, a menos que possam oferecer um
alternativa hegemônica viável às práticas predominantes nessa formação
estatal, em todos os planos da vida social. (MÉSZÁROS, 2004, p. 234)
Marcuse e sua idealização da “rebelião instintual” sustentou uma “luta contra o
impossível” numa “revolução permanente” que não conseguia identificar concretamente os
agentes de transformação e na qual a práxis social instala-se como “possibilidade utópica”.
Dessa forma, “a concepção implícita de uma superação não é concretizada por Marcuse” que
acaba optando por uma transcendência total e perde a dimensão materialista (SLATER, 1978,
p. 209).
Limites à crítica sobre a mercantilização da vida: episódio três – a vingança dos sith
A ‘resignação universal’ ao espírito do capitalismo, o rompimento com um agente
concreto de emancipação social e o transcendentalismo de ‘possibilidades utópicas’ será ainda
mais marcante em Habermas. Apesar de criticar o Estado de bem estar social desenvolvido
no após o pós-guerra por estabelecer uma sociabilidade apolítica e passiva sustentando uma
cultura de consumo, Habermas não encontra alternativas para as condições políticoeconômicas estabelecidas.
Sob os preceitos de uma crítica que busca a humanidade na razão e o resgate dos
princípios iluministas, ele propõe um (re)encontro da sociabilidade por meio da idealização da
esfera público-social burguesa vivenciada ainda no século XVIII (HABERMAS, 1984). Nela,
a opinião e o debate público se expressam através de uma livre comunicação de tal modo a
idealizar essa esfera como separada da esfera político-econômica, sendo a primeira
compreendida como o ‘mundo da vida’ e a última como o ‘mundo do sistema’ (HABERMAS,
1987, 1990).
Sociedade de um lado, Estado e mercado de outro. Como observa Mészáros (2004,
p.202), Habermas toma o “sistema social moderno”, baseado no desenvolvimento científico e
tecnológico em grande escala, como algo legitimado de forma que um “projeto emancipatório
de libertar a vida social das determinações desumanizadoras e destrutivas da ciência e da
tecnologia de base capitalista teve de ser rejeitado”.
A esfera pública como o ‘mundo da vida’ possibilita a participação pública de iguais
deixando de lado aquilo que é inerente ao ‘mundo privado’, torna-se um órgãovi de
automediação e um modo de por o ‘poder estatal’ em contato com suas necessidades
(HABERMAS, 1984, 1987). No primeiro mundo, um poder é gerado pela ação comunicativa
a partir de ideal de um diálogo livre e ilimitado de indivíduos para atingir a razão, enquanto
que no segundo, ele se dá administrativamente (HABERMAS, 1987, 1990).
Com a plenitude da comunicação, pretende-se que o debate e a predominância do
melhor argumento estabeleçam as bases do bem comum. Esse pressuposto associacional por
meio de uma ação comunicativa desloca a promessa emancipatória para um outro universo em
que interesses, estratégias e poder não estão presentes. Por isso mesmo, as críticas de que a
categoria do poder não é contemplada efetivamente por Habermas nessa esfera de
comunicação intersubjetiva parecem ser evidentes e por ele reconhecidas quando indica a
polarização entre poder administrativo e comunicativo, sem, no entanto, estabelecer
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mediações. Para Habermas (1990), o fundamental é o poder gerado pelo intercâmbio
discursivo-intersubjetivo de modo a formar a vontade pela razão distanciando-se assim da
racionalidade instrumental inerente ao sistema.
Muitos salientam a importância da razão discursiva-crítica definida por Habermas no
contexto das democracias modernas à medida que relaciona uma teoria crítica à teoria da
democracia. Como salienta Bohman (1996), essa proposta tem um caráter reformista da
democracia em que
o papel da teoria crítica é mostrar os potenciais e limites do uso da
autonomia e do público da razão prática. [Assim], a razão pública não é
exercida pelo estado, mas pela esfera pública e cidadãos iguais e livres. O
movimento de direitos civis, por exemplo, cidadãos coletivamente mudando
todo o caráter da interpretação da política de igualdade. (BOHMAN, 1996,
p. 211)
Entretanto, cabem antes críticas até mesmo dos próprios habermasianos. Por exemplo,
Fraser (1992) critica essa formação da vontade entre iguais pelo ‘bem comum’ num ‘espaço
idealizado da vida’ como se as diferenças econômicas, sociais e culturais pudessem ser
deixadas de lado. Por outro lado, Calhoun (1992) não compreende como um ‘bem comum’,
baseado em direitos políticos e sociais, pode ser concretizado num espaço onde o poder não é
exercido para gerar decisões e compromissos, mas apenas consensos.
Avritzer e Costa (2004) observam que o conceito de esfera pública habermasiano tem
relevância na integração de grupos, associações e movimentos com intuito de preservar a
perda de autonomia do campo cultural já indicada por Adorno e Horkheimer (1985), na
década de 40 do século passado. Destarte, essa fixação no ‘cultural’ e uma “ênfase nas
atividades não comerciais dos públicos culturais, rompe com a possibilidade de conectar o
avanço da modernidade com uma tensão crescente entre o mercado e a esfera pública”
(AVRITZER; COSTA, 2004, p. 706). Além disso, há uma insistência de que os movimentos
espontâneos da sociedade não se organizem lhes afastando do poder administrativo
contraposto ao poder comunicativo a fim de evitar o risco de burocratização (p.710).
Os autores também criticam um posicionamento de Habermas apegado à teoria de
Parsons. Através dela subestima questões relativas à participação e à vivência do poder de
modo que não existem referências sobre uma horizontalização dos processos decisórios
(AVRITZER; COSTA, 2004, p. 713).
Essa mesma crítica lhe faz Mészáros (2004) em substituir categorias marxianas “forças
e relações de produção” por a díade abstrata de Parsons “trabalho e interação”. Segue o autor,
há assim uma negação dos conflitos e a procura ingênua por consensos numa “comunidade
ideal de comunicação”. O discurso teórico distancia-se, portanto, da realidade concreta e, ao
expressar seus “dissabores com a modernidade” desconsidera a reificação, outra categoria
marxiana, privilegiando a “racionalização” e a crítica à racionalidade instrumental, que sob
inspiração weberiana, contrapõe-se à racionalidade comunicativa.
Como relembra Mészáros (2004), isto, porém, não preenche os vazios naquilo que é
mais apropriadamente abordado por Lukács em História e consciência de classe de forma a
situar
o problema da racionalização em seu contexto social adequado e
historicamente específico, enfocando tanto os antagonismo tangíveis da
sociedade de consumo quanto os pontos de vistas diametralmente opostos
dos principais agentes sociais, que apresentam perspectivas teóricas
alternativas a partir das quais se pode vislumbrar uma solução para as
contradições identificadas. (MÉSZÁROS, 2004, p.77)
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A oposição entre tipos de racionalidade deixa mais vazios do que alternativas que não
(re)encontram bases para pavimentar um caminho em que há a primazia do ideal substantivo
de vida. Permanece ainda a necessidade de se reavivar um quadro teórico integrado à prática.
Somente assim, uma intervenção ideológica ativa e abrangente pode articular aquilo que
espontaneamente se movimenta na sociedade, tornando possível uma organização estratégica
capaz de gerar mediações que não fiquem limitadas ao imediato, mas potencializem forças
libertadoras. A emancipação no seu sentido lato.
No ‘mundo de comunicação intersubjetiva’ habermasiano, no entanto, a busca pelo
(re)encantamento da vida é isolada em grupos, associações e movimentos. Nessa délivrance
autônoma, coletiva, comunicativa, o imperativo da razão não resgata por si o humano como
agente numa alternativa contra-hegemônica. Pelo contrário, nesses tempos, o mercado acaba
por ser naturalizado como o centro das relações associativas (BOURDIEU, 2001) e, ainda se
demanda por uma ‘teoria crítica material’ para responder as necessidades de transformação
sócio-históricas contemporâneas na busca de soluções para a mercantilização da vida.
Crítica a mercantilização da vida: episódio original – uma nova esperança
Como ressalta Canclini (2001), é preciso repensar e rediscutir interconexões entre o
cultural, o político e o econômico diante da complexidade de interações globais, repensando
os significados e o próprio sentido moderno. Aqui se colocam os movimentos de resistência,
mas também a necessidade de negar tanto teórica como praticamente essa onipotência
‘mercantil’.
Essa negação não pode, no entanto, ficar restrita ao campo das idéias. Precisa também
estar focada na emancipação econômica à medida que são os sujeitos em sua totalidade
aqueles que fazem uma diferença prática. A ‘organização’ desses ‘sujeitos’ é o meio para
atingir-se os fins da emancipação. Uma instrumentalidade presente em que a organização
inerentemente política é básica para o exercício da autodeterminação capaz de uma
transformação histórica em face da persistência de misérias e desigualdades.
Um pressuposto crítico-material, também ético no sentido de criar “uma base material
de solidariedade” que é universal, ou melhor, internacional (MÉSZÁROS, 2004). Este é o
desafio; esta é a esperança. ‘Global e ‘local’ ligados sob novas bases solidárias, uma vez que
os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade – o refrão iluminista – não se concretizaram
na materialidade do capitalismo dos últimos séculos.
Da resistência à ação de transformação. Desse modo, a crítica não assume o ‘absoluto
do sofrimento’ como para Adorno em sua “Dialética Negativa”, nem tão pouco se torna
amplamente pluralista a ponto de impossibilitar concretamente a construção material como
muitas proposições pós-modernistas. Trata-se de um posicionamento de sujeitos no mundo
‘em si’ e ‘para si’ à medida que a consciência é exteriorizada no mundo que é material para
transformá-lo e não apenas o ser ‘no mundo’ e ‘do mundo’ da consciência fenomenológica.
Assim a negação do sofrimento não se expande num pluralismo extremo que ao desafiar e
tentar subverter sistemas de valores dominantes o faz apenas na teoria, pois na prática o seu
pluralismo é o que fundamenta o próprio sistema, isto é,
A lógica do mercado é de prazer e pluralidade, do efêmero e do
descontínuo, de uma grande rede descentrada de desejo da qual os
indivíduos surgem como meros reflexos passageiros. Mas manter em ação
toda essa anarquia potencial requer bases sólidas e uma estrutura política
sólida. Quanto mais as forças do mercado ameaçam subverter toda a
9
estabilidade, mais teremos de insistir nos valores tradicionais. [...] Todavia,
quanto mais esse sistema apela para valores metafísicos para se legitimar,
mais suas atividades racionalizantes, secularizantes ameaçam esvazia-los.
Esses regimes não podem nem abandonar o metafísico nem acomodá-lo de
modo adequado, e por isso estão sempre potencialmente desconstruindo a si
próprios. (EAGLETON, 1998, p. 128)
Mesmo no campo exclusivo da consciência num sentido heiddegeriano, pode-se
compreender que a totalidade que pertence à humanidade atualmente e determina sua visão de
mundo é de uma irracionalidade na sua instrumentalidade de meios e fins. A necessidade de
crescimento econômico levando a extinção de recursos ambientais e comprometendo a vida
no planeta. A capacidade desse mesmo crescimento eliminar os perigos da escassez de
alimentos, que tanto assustaram civilizações, e ao mesmo tempo a incapacidade de distribuilos adequadamente, gerando distorções tais de modo que parte significativa da população
mundial ainda passa fome enquanto outra parte excede níveis nutricionais num consumismo
compulsivo aumentando a incidência de doenças cardíacas, diabetes entre outras.
Vê-se o ‘lado negro da força’. Como no Fausto de Goethe abandonando tradições para
aliar-se a forças econômicas, políticas e culturais que ‘organizam’ a destruição do velho e a
construção do novo inerente ao mundo moderno. A alegoria trágica do desenvolvimento.
Também uma força monstruosa que pode ser representada por meio de “um burocrata que
vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto” como a
personagem Darth Vader de Guerra nas Estrelas (CAMPBELL, 1990, p.153).
Destarte, não se quer aqui negar em si o desenvolvimento apenas indicar o ‘outro lado
da força’ para redimir a sociedade. Essa era a princípio a intenção iluminista de Fausto, que
acaba na obra de Goethe numa
[...] terrível e trágicas convergência, selada com o sangue das vítimas,
articulada com seus ossos, que têm a mesma cor e a mesma forma em
qualquer parte. O processo de desenvolvimento que os espíritos criativos do
século XIX conceberam como uma grande aventura humana tornou-se, em
nossa era, uma necessidade de vida ou morte para todas as nações e todos os
sistemas sociais do mundo. Em conseqüência disso, autoridades
fomentadoras, em toda parte, acumularam em suas próprias mãos poderes
imensos, fora de controle e muito freqüentemente letais. (BERMAN, 1986,
p.74).
Mas não basta roubar os planos do ‘projeto da estrela da morte’? É preciso uma forma
de enfrentar o contra-ataque imperial, num retorno que luta desmacarando o ‘lado negro da
força’ de forma a materializar outras bases de solidariedade e dando fim aos os projetos da
estrela da mortevii.
Para Dussel (2006) a questão é encontrar um outro sentido ético para o preenchimento
de um vácuo deixado pela irracionalidade entre meios e fins na implantação do projeto
moderno. Pensar “um mundo diferente sobre diferentes formas de organização implica refletir
aspectos éticos da ação humana” por meio dos quais princípios críticos são elaborados para
transformar a realidade (DUSSEL, 2006, p. 500).
Como ele salienta, ‘outros mundos possíveis’ declinando a exclusividade da razão
eurocêntrica que construiu uma versão da era moderna fundada numa “ideologia regional”
para analisar a “racionalidade” e o “desencantamento”, como em Weber, ou num ‘discurso
ético” da “ação comunicativa” como em Habermas. Um pensamento que não enfrenta o
capitalismo em suas contradições e ao mesmo tempo estabelece o ‘pessimismo cultural’
10
diante da necessidade crítica de busca por autonomia material em que o poder libertador da
razão deveria caminhar para uma emancipação real (MÉSZÁROS, 2004).
A organização ....... – a base de mercantilização da vida?
Aqueles que tentam deduzir a estrutura social e a máquina institucional-administrativa
do capitalismo a partir do ‘espírito do cálculo’ colocam a carroça na frente dos bois. Tratam
de uma comunidade abstrata e não consideram a liberdade em face das relações de
subordinação e superioridade na associação produtiva de modo que a racionalidade é uma
premissa inquestionável. Ela legitima a autoridade na garantia de ‘eficiência técnica’
desencarnada de uma especificidade sócio-histórica a partir da abstração de um ideal-tipo
(MÉSZÁROS, 2004).
É o império de Darth Vader?...
Mészáros (2004) destaca que a burocratização é um modo de controle e um fenômeno
inerente tanto às sociedades capitalistas como as pós-capitalistas (URSS e leste europeu) não
bastando apenas uma “ideologia de autonomia” para transformá-la. Na realidade, é necessário
um ‘deslocamento’ crítico do poder que sustenta a autoridade para romper laços de uma
interdependência racional na busca de uma nova totalidade que sustente “um plano geral de
indivíduos livremente associados”.
Como o próprio Weber (2004) demonstrou, tendo como referência à Alemanha do
final do século XIX e início do século XX, a burocracia é a institucionalização da dominação.
Seu trabalho analisa como uma comunidade social se transforma em uma sociedade dotada de
racionalidade de modo que sua ação social adquire a condição de dominação.
De acordo com Motta (1979, p. 22), “a dominação deve ser entendida como um estado
de coisas no qual as ações dos dominados aparecem como se estes houvessem adotado como
seu o conteúdo da vontade manifesta do dominante” [...], no entanto, “embora seja uma forma
de poder não é idêntica ao poder”. Porém, como forma de poder, a burocracia tornou-se igual
à organização, tornando a técnica a mais perfeita expressão da razão (TRAGTENBERG,
1974). Ao mesmo tempo, essa visão contribuiu para que as teorias organizacionais não
compreendessem a burocracia como forma de poder historicamente situada de modo que esta
incapacidade trouxe uma “crise, que diz respeito não apenas à critica administrativa, mas a
toda a produção intelectual de cunho funcionalista ” (MOTTA, 1979, p.21).
Nada como aprender com os mestres Yodas... para se (re)conectar com o outro lado da
força. Seguem eles.
A burocracia é a intenção de um grupo (burocratas) de constituírem “um sistema de
poder coletivo, que se define em oposição à ausência de poder dos dominados, bem como de
se organizarem num sistema de mando e subordinação que estabelece diferenças materiais e
de prestígio” e só pode ser compreendido a partir das condições históricas do seu
desenvolvimento (MOTTA, 1986c, p. 19). Sua competência está “na sua capacidade de
manutenção e expansão enquanto sistema de poder”, sendo “essencialmente competitiva e por
essa razão sua ética conforma-se ao espírito capitalista” (p.22).
Dessa forma, a burocracia no Estado, na empresa e na escola é uma ideologia para
cristalizar a dominação sob os auspícios do ideal cooperativo (MOTTA, 1984, 1986b, 1986c;
TRAGTENBERG, 1974, 1989). Este ideal baseia-se na razão de tal modo que
A cooperação industrial gera, na realidade, o tipo de organização
burocrática que Max Weber analisou magistralmente em nível de alta
abstração em seu tipo ideal. Trata-se de um fenômeno de profundas
repercussões administrativas, econômicas, sociais, políticas, ideológicas e
11
psicológicas. A burocratização da empresa leva a uma intensificação da
burocratização dos aparelhos de Estado. Ampliam-se e racionalizam-se os
aparelhos econômicos, repressivos e ideológicos do Estado. [Mesmo] nas
universidades, o saber é burocratizado. (MOTTA, 1986b, p.67)
Mais ainda que mercantilizar, conclui Motta (1986c), a burocracia rouba a vida. Basta
olha para a figura de Darth Vader. Basta assistir o filme The Corporation.
A organização é a forma como o sistema econômico produz e se reproduz em suas
relações sociais de modo a confirmar e reforçar a estrutura social (MOTTA, 1984). No
entanto, não é só por excelência o local das relações de produção e das forças produtivas, é
também a base de materialidade da sociedade naquele seu ideal cooperativo que dá-se de
forma heterônoma, estando ausente qualquer autonomia individual e social (MOTTA, 1979).
No entendimento de Dussel (2006), a organização é um contraditório; ao mesmo
tempo em que é uma necessidade ética da comunidade, produz a divisão do trabalho. Na
sociedade moderna, ela não trás em si o princípio da ordem inerente à solidariedade orgânica,
como almejou Durkheim, mas a base de um conflito, como indicou Marx, na luta por uma
redistribuição de renda e poder. Conseqüentemente, trata-se de uma luta moral em que
alienação no processo de trabalho é também uma alienação política, como ressalta
Tragtenberg (1989).
Qual então seria a resistência crítica a esse processo?
Ramos (1981) propõe a distinção entre organizações econômicas e organizações não
econômicas. A primeira é “um sistema microsocial que produz mercadorias, segundo normas
contratuais objetivas, dispõe de meios operacionais para a maximização de recursos limitados
e utiliza critérios quantitativos para avaliar a equivalência de bens e serviços”, priorizando o
cálculo utilitário. Por sua vez, as organizações não econômicas, apesar de exercerem funções
econômicas, não se distanciam do cálculo maximizador de lucros a procura de uma
racionalidade substantiva direcionada à emancipação do ser humano (RAMOS, 1981, p.134 e
135).
A questão ética toma a forma na distinção de racionalidades, proposta por Weber
(2004), e reforçada por Ramos (1966) na diferenciação entre ética de responsabilidade e ética
da convicção. Todavia, na sua proposta de “vida associada”, Ramos (1981) acaba por colocar
a ‘carroça na frente dos bois’, igualando instrumentalidade a cálculo, como já salientado por
Mészáros (2004). Dessa forma, suas “organizações de resistência”, substanciadas numa
multidimensionalidade paradigmática, parecem querer fugir da influência econômica, inerente
à existência humana como um todo, nos quadrantes de um modelo de distintos enclaves
sociais.
Trata-se, contudo, de uma resistência fenomenológica, pois, materialmente, a
emancipação só pode se dar no campo econômico. A recuperação do ser social fragmentado
pela divisão do trabalho não se dá sem conflitos, e “sem conflitos não há história”
(TRAGTENBER, 1989, p. 28), logo, as relações intersubjetivas dependem da posição de cada
um na sociedade e a superação do conflito se insere na questão da hegemonia traduzida em
ação política (MOTTA, 1984; TRAGTENBERG, 1989).
O organizar está nas esferas produtiva, distributiva, jurídica e, também, ideológica, a
espera de uma ação coletiva que somente se traduz em prática política (MOTTA, 1984).
Assim, uma teoria crítica das organizações deve aceitar plenamente as conseqüências políticas
e submeter os processos organizacionais a um inquérito racional para refletir sobre a
diversidade de suas práticas e forças sociais.
12
O organizar ....... – novos episódios?
Vê-se que falar sobre a organização e o processo do organizar não implica assumir
uma distinção entre moderno e pós-moderno como expõem Cooper e Burrell (1988). A
organização e o organizar constituíram sempre as relações humanas, por isso, eles não podem
ser exclusivos de uma era determinada.
Pode-se sim falar de uma ‘sociedade organizacional’ com o predomínio de
‘organizações complexas’ onde ‘processos organizacionais complexos’ são ordenados por
uma forma de poder: a burocracia. Entretanto, a tentativa de normalizar essa forma
organizacional, por aqueles que não querem visualizar as relações de poder que lhes são
inerentes, como fizeram os funcionalistas, não pode ser confundida com o modernismo.
Como forma de dominação, a burocracia é um processo não uma ordem. E, isso é
reconhecido por Cooper e Burrell (1988) na introdução de seu artigo ao citar o próprio Weber.
Seguem eles afirmando que a ‘organização racional moderna’ é uma força que não podemos
realmente entender. Porém, a organização racional torna-se facilmente compreensível quando
entendida como forma de poder que é estruturada sob bases materiais e ideológicas.
A questão não é tanto estabelecer os ‘pós’, mas, fundamentalmente, os ‘contra’. Isto é,
um contra-poder em que as bases de cooperação social não necessitem de processos
organizacionais ordenados pela subordinação e a dominação.
No entanto, é preciso aqui fazer atenção para não cair numa aventura cega com ‘pós’,
e tentar encontrar efetivamente o ‘outro lado da força’. A mudança não está em si numa nova
forma, mas nas relações de poder. Relembrando, a forma burocrática é resultado de relações,
ou melhor, formada por um tipo de poder estabelecido, isto é, através da dominação.
A atrativa ‘forma’ do rizoma de Guattari e Deleuze (1995), com caules e galhos que se
ramificam e se reticulam por toda parte num constante processo de organizar pode ser uma
falácia. Este é o ensinamento de mestre Motta (1986a, p. 62) indicando essa falácia do rizoma
e chamando atenção para a necessidade de “uma outra teoria, ou se se preferir, uma contrateoria”.
Os sistemas arborescentes são sistemas hierárquicos que comportam centros
de significação e de subjetivação, autômatos centrais e memórias
organizados. É que os modelos correspondentes são tais que um elemento
só recebe suas informações de uma unidade superior... [...] Mesmo que se
pretenda uma multiplicidade, essa pode ser falsa – o que chamamos tipo
radicular – porque sua apresentação ou enunciado de aparência nãohierárquica nada de fato admitem a não ser uma solução totalmente
hierárquica [...] As árvores podem responder ao rizoma ou, inversamente,
germinar em rizoma. [...] A teoria convencional das organizações espelha
maravilhosamente bem o modelo da arvora, ainda que com o freqüência e,
aliás, cada vez com maior freqüência, o mascare. [...] Da mesma forma que
a organização pode seguir o rizoma, também a sua teoria pode. Trata-se,
porém, já de uma outra nova teoria, ou, se se preferir, uma contra-teoria.
(MOTTA, 1986a, p. 62)
Assim, uma contra-teoria necessita refletir como é possível existir um contra-poder no
sentido de transformação das bases materiais e ideológicas da burocracia. Motta salienta que
se dissociar da apropriação do desenvolvimento técnico nessa ‘luta de reorganização’ é no
mínimo “idealista” e ao seu ver ingênuo. Como agenda, ele propõe que a teoria
organizacional deve estar atenta ao que indicam as práticas dos movimentos sociais e “deve
ser sempre a expressão desse movimento” (MOTTA, 1986a, p. 63). Às sugestões de Motta,
pode-se acrescentar a base reflexiva do mestre Tragtenberg (1989), isto é, fazer atenção às
13
“respostas ideológicas do capital”, atualmente no que concerne às responsabilidades social e
ambiental das corporações para não se cair nas armadilhas da alienação que também “é a
ocultação do político” (p. 27).
E, também assim, pode-se pensar em estabelecer “novas formas de relação social que
criam condições objetivas para que surja um novo tipo de sociedade, que ultrapasse o binômio
dirigente-dirigido” (MOTTA, 1986, p. 63).
Essa reflexão tem sido realizada por diversos estudiosos críticos das organizações no
Brasil nestes últimos anos. Todavia, esses ‘jedis’ devem se recordar que o episódio seguinte
ao original, a nova esperança, é o império contra-ataca. O ‘lado negro da força’ quer destruir a
‘aliança rebelde’ que tem de fugir e a força jedi somente retorna em outro um novo episódio.
Quais serão os novos episódios dos estudos organizacionais críticos brasileiros só
tempo dirá, mas nada custa sempre aprender com os nossos ‘mestres Yodas’.
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i
Faz-se aqui uma referência jocosa a série de filmes dirigidos por George Lucas: Guerra nas Estrelas neste item e
três a seguir.
ii
É sempre bom lembrar que a teoria crítica da Escola de Frankfurt analisa a sociedade industrial da primeira
metade do século XX.
iii
Refere-se aqui a toda tradição da fenomenologia de Husserl a Heidegger.
iv
Para essa classificação ver: STEPHENS, Julie. Anti-Disciplinary protest: sixties radicalism and
postmodernism. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998.
v
Infere-se o Estado de bem estar social.
vi
O termo é utilizado por Habermas.
vii
Uma referência direta ao episódio original de Guerra nas Estrelas e aqueles realizados logo após: O império
contra-ataca e o Retorno de jedi e, posteriormente, seguidos pelos episódios I, II e III.
15
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