Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 05 a 07 06 2010 ------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 07/06/2010 Ajuste fiscal não será suficiente Por Gilberto Borça Jr. A Grécia explicita as dificuldades enfrentadas pelos demais Piigs. A redução dos déficits orçamentários é condição necessária para o fim da crise das dívidas soberanas, mas não será suficiente. Os Piigs precisam também recuperar a competitividade externa e retomar o crescimento econômico O pânico gerado pelo agravamento da crise internacional, em 2008, ficou para trás. Suas consequências, porém, ainda se fazem presentes. O episódio mais recente se refere aos problemas de dívida soberana de alguns países da zona do euro, os chamados Piigs (sigla dos nomes em inglês de Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). A situação mais crítica é a da Grécia. Ao fim de 2009, a combinação de uma relação dívida pública/PIB de 113,4% com vencimentos concentrados no curto prazo, e um déficit fiscal/PIB de 13,6%, levou o país a uma situação vulnerável. O caso da Grécia é emblemático, pois explicita as dificuldades enfrentadas pelos demais membros do grupo dos Piigs. (1) No entanto, os problemas vão além da situação fiscal. A redução dos déficits orçamentários é condição necessária para o fim da crise das dívidas soberanas, mas não será suficiente. O entendimento central dessa questão nos remete ao início do processo de utilização do euro. A entrada dos Piigs na zona do euro teve como consequência a melhora das condições de captação dos governos junto aos mercados, com seus custos convergindo na direção dos títulos emitidos pela Alemanha. Além disso, a adoção de uma moeda única, ancorada na estabilidade e credibilidade do marco alemão, elevou o poder de compra dos agentes econômicos. Houve, portanto, um amplo impulso ao crescimento da demanda doméstica. Esse processo minou a competitividade externa dessas economias frente à Alemanha. As majorações de preços e salários aconteceram em níveis superiores aos ganhos de produtividade. Em uma união monetária, divergências de custos domésticos entre os países signatários levam a desalinhamentos - nesse caso a apreciação - das taxas reais de câmbio. Entre 2000 e 2008, o crescimento dos déficits em transações correntes dos Piigs era o espelho dos superávits externos cada vez maiores na Alemanha. Tal perda de competitividade externa foi fruto, também, das políticas deliberadas de contenção dos custos domésticos na Alemanha ao longo da década de 2000. Tal postura representou uma reversão às políticas expansionistas realizadas na década de 1990, que contemplavam o ônus da reunificação e da absorção da massa de trabalhadores do antigo lado Oriental. Os Piigs, portanto, além de reduzirem os déficits fiscais, necessitam recuperar sua competitividade externa. Um ajuste fiscal estrutural cíclico somente terá êxito se vier acompanhado de algum vetor de demanda agregada que viabilize a retomada do nível de atividade. O raciocínio é simples. Ajustes fiscais são tão mais bem-sucedidos quanto maior for o crescimento da economia, pois a base de incidência das receitas orçamentárias torna-se mais elevada. Já em ambientes recessivos, apertos fiscais contribuem ainda mais para queda da atividade econômica, requerendo, posteriormente, maiores contrações fiscais. Entra-se, portanto, em um círculo vicioso. Na zona do euro, a utilização da moeda única impede que o mecanismo clássico de recuperação da competitividade externa - via depreciação cambial nominal e elevação das exportações - ocorra. Restam a esses países duas alternativas. A primeira é implementar um rigoroso processo de ajustamento e reformas estruturais na economia, reduzindo os custos domésticos. Essa opção, no curto prazo, provocará resultados recessivos, elevando as tensões sociais e as pressões políticas. Os protestos recentes nas ruas de Atenas se intensificarão. A situação atual da Grécia é, em parte, semelhante à que a América Latina viveu na década de 1980. As chances de o país abandonar a moeda única não são desprezíveis. A segunda opção é a combinação de financiamento a curto prazo com a adoção de políticas expansionistas na Alemanha. Quanto mais compartilhado for o processo de ajustamento, menor será o ônus em termos de nível de atividade para as economias debilitadas. A crise da zona do euro chama atenção para outro aspecto interessante. A resposta das economias periféricas da Europa à elevação dos fluxos internacionais de capitais constituiu-se na adesão ao euro. A estratégia era reduzir o risco da ocorrência de crises de confiança ancorando suas economias no marco alemão. Como contrapartida, abdicouse da utilização autônoma de instrumentos de políticas monetária e cambial. Se, inicialmente, esse não era um preço alto a se pagar, a crise mostra o quão importante seria, nesse momento, a utilização da política cambial como mecanismo restaurador da competitividade externa. Em compensação, outras economias emergentes - como, China, Índia e Brasil adotaram, cedo ou tarde, outro caminho. Ao invés de abdicarem da utilização dos instrumentos de política econômica, optaram por realizar um agressivo acúmulo de reservas internacionais. Com isso não apenas blindaram suas economias de crises semelhantes às ocorridas nos anos de 1990, mas também elevaram o grau de autonomia de suas políticas econômicas domésticas. Quando a crise financeira internacional se agravou em 2008, a capacidade de resposta desses países foi mais efetiva do que a da periferia europeia. (1) Para maiores detalhes, vide a publicação Visão do Desenvolvimento nº 81: "Entendendo a Crise da Zona do Euro" Gilberto Borça Jr. é gerente da Área de Pesquisa Econômica do BNDES. ------------------------------- Jornal do Brasil - 06/06/2010 A conta dos juros Fernando Sampaio ECONOMISTA Desde que o Banco Central começou a aumentar a taxa de juros básica, no final de abril (levando-a de 8,75% para 9,5%), as expectativas de inflação não pararam de se deteriorar – apenas a velocidade dessa deterioração diminuiu. Essa constatação, entre outros fatores, tem levado muitos analistas a revisar para cima as suas projeções para a Selic. Hoje a projeção mediana do mercado é que a taxa chegará a 12% ao ano, em janeiro de 2011 – o que perfaria um aumento total, sobre aquela vigente até o dia 28 de abril, de 3,25 pontos percentuais. E há quem avalie que o aumento de juros será ainda maior (o BC registra, como projeção máxima, a Selic chegando a espantosos 16% em meados de 2011). A LCA vinha projetando que o aumento de juros seria um pouco menos pronunciado do que esperava o mercado. Mantemos essa avaliação, embora – diante das evidências de que, nas últimas semanas, tanto as pressões inflacionárias como o dinamismo da demanda doméstica se mantiveram um pouco maiores do que antecipávamos – tenhamos aumentado de 2,5 para 3 pontos percentuais nossa projeção para o aumento total da Selic que será levado a cabo nos próximos meses. É evidente que aumentos da taxa de juros básica oneram os agentes devedores da economia, ao elevar o custo em que incorrem para se financiar. O principal prejudicado, por ser o maior devedor, é justamente o setor público – o que equivale a dizer que somos nós, os contribuintes. Nos últimos cinco anos o Estado brasileiro gastou, com o pagamento de juros sobre a sua dívida, o equivalente a 6,2% do PIB, em média, a cada ano. Mesmo com a redução do estoque da dívida líquida (que hoje se situa em 42,2% do PIB, contra 56% em setembro de 2002) e da taxa de juros média que sobre ela incide (ainda alta, mas muito inferior aos cerca de 20% ao ano observados entre 1995 e 1998), ainda é um dispêndio muito alto. À luz desses números, chama a atenção a tendência recorrente a que o peso dos esforços de desaceleração da inflação recaiam em tamanha proporção sobre a política monetária, gerando um ônus financeiro pesado sobre o setor público. Noutras palavras: por que as autoridades não costumam mobilizar, com maior ênfase, a política fiscal como mecanismo para administrar o ímpeto da demanda doméstica? As razões são várias, e vão desde aspectos técnicos (como a menor tempestividade da política fiscal, dadas as restrições institucionais a mudanças abruptas na tributação) até aspectos políticos. São estes que se pretende destacar. Um primeiro aspecto é o impacto político diferenciado de cortes orçamentários e de aumentos de juros. Aqueles prejudicam projetos e atividades específicos, e portanto suscitam resistências de atores políticos específicos; e estes, por terem efeito difuso, não suscitam vetos particulares. O segundo ponto é o fato de que, salvo exceções bastante raras, no Brasil as maiorias no Legislativo são formadas, tanto na esfera federal como nos estados e municípios, por acordos partidários com um componente “fisiológico” significativo. Ou seja, os cargos no Executivo são “loteados” entre vários partidos para se conseguir forjar uma maioria parlamentar. Isso reflete, entre outros fatores, a grande fragmentação partidária e o fato de que ao fechar alianças os partidos não costumam guiar-se primordialmente por considerações ideológicas. -------------------------------O Estado de S.Paulo - 05/06/2010 A quem interessa uma taxa de câmbio desvalorizada? José T. de Araújo Jr. As previsões sombrias sobre as perspectivas das exportações de manufaturados se tornaram lugar-comum na imprensa brasileira durante o último ano. À primeira vista, esse pessimismo parece sensato. Após haver alcançado o patamar máximo de 60% em 1993, a participação desses bens na pauta de exportação caiu para cerca de 45% em 2009. Enquanto isso, a parcela de produtos primários, que havia sido de 25%, em 1993, subiu para 40%, em 2009. Assim, nossa pauta de exportações estaria passando por um processo acelerado de "reprimarização", cuja fonte seria a apreciação do real, observada desde 2003, que estaria erodindo a competitividade internacional do setor industrial. Entretanto, um exame mais cuidadoso do desempenho externo da economia brasileira desde 2003 mostra que a tese da reprimarização é descabida. Em primeiro lugar, nossa pauta de exportações continua sendo altamente diversificada para os padrões contemporâneos ? não apenas por sua composição, mas também pela distribuição geográfica dos mercados consumidores. Em segundo lugar, entre 2003 e 2008, os preços de todas as classes de produtos exportados cresceram a taxas muito superiores ao ritmo da apreciação cambial, que foi de cerca de 35% neste período. No caso de produtos manufaturados, por exemplo, os preços subiram mais de 70%. De fato, a alegada reprimarização não passa de uma ilusão aritmética. Quando, em 1993, a parcela de produtos manufaturados representava 60% da pauta, o comércio exterior do Brasil era de apenas US$ 77 bilhões, ante US$ 371 bilhões em 2008. Após o impacto da recente crise internacional, as exportações de manufaturados ainda alcançaram US$ 67 bilhões em 2009 ? um dos maiores montantes na história do País, que só foi superado pelos valores obtidos entre 2006 e 2008. A mudança da pauta resultou, como se sabe, da excepcional expansão das exportações de produtos básicos, que foi estimulada por fatores externos e internos. Além do cenário internacional favorável, algumas empresas nacionais passaram a exercer uma influência crescente sobre os preços internacionais de seus produtos, outro fato inédito na história do Brasil. Em 1997, por exemplo, quando a Vale foi privatizada, o País exportou pouco menos do que US$ 3 bilhões de minério de ferro, a um preço médio de US$ 20 por tonelada. Em 2008, essas exportações haviam saltado para quase US$ 17 bilhões, a um preço médio de US$ 60 por tonelada. Esse desempenho decorreu, em parte, das condições de concorrência nesse mercado, em que atuam três firmas líderes: a Vale e duas mineradoras australianas, BHP Billiton e Rio Tinto. Apesar do crescimento das exportações brasileiras nesta década, é pertinente questionar: por que o desempenho do setor industrial não foi tão bom quanto o do setor primário? A resposta não está na taxa de câmbio, porque, como vimos, os preços subiram mais do que a apreciação do real. Uma razão plausível é que a indústria brasileira ainda não superou inteiramente uma distorção que vigorou no País durante a época da substituição de importações: as taxas de crescimento econômico eram elevadas, mas as empresas privadas não inovavam. De fato, até o final dos anos 80, os investimentos em tecnologia eram realizados essencialmente por órgãos públicos. A origem desse fenômeno é conhecida e bem documentada na literatura econômica: empresários só inovam quando essa é a única estratégia viável para manter a sobrevivência da empresa, e ela só será adotada após terem sido esgotadas outras alternativas menos onerosas, como o acesso privilegiado a recursos públicos e a eliminação da concorrência por meio de barreiras comerciais ou institucionais. Não obstante a reforma comercial do governo Fernando Collor, vários segmentos do mercado brasileiro permaneceram imunes à competição externa. Nesses segmentos, portanto, os incentivos à inovação tecnológica continuaram incipientes. Na verdade, o coeficiente de penetração das importações de bens manufaturados, que atualmente é inferior a 18%, é um dos mais baixos do mundo. Não há nenhuma justificativa racional para esse fato. Apenas a influência política das empresas protegidas. Uma taxa de câmbio apreciada penaliza, sem dúvida, as indústrias que operam com tecnologias difundidas e cujos níveis de eficiência estão aquém dos padrões internacionais. Uma eventual desvalorização pode favorecer tais setores, mas será inútil para enfrentar o principal obstáculo ao crescimento das exportações de manufaturados, que reside no precário desempenho inovador da indústria brasileira. Além disso, cabe lembrar que a combinação entre apreciação cambial e preços crescentes de exportação produz um benefício importante para o País, que é a elevação do índice dos termos de troca da economia. Esse índice mede a relação entre os preços dos produtos exportados e importados e expressa, por conseguinte, o poder de compra da moeda nacional. Entre 1990 e 2009, essa relação subiu 40%. Os ganhos de bemestar advindos dessa melhoria incluíram salários reais crescentes ao longo de 20 anos, barateamento relativo dos bens importados e a superação gradual de uma restrição que havia marcado a economia brasileira desde a década de 1930: a vulnerabilidade externa. Outra consequência relevante foi o fortalecimento da competitividade internacional das empresas brasileiras que possuem filiais em outros países. Segundo dados do Banco Central, em 2006 os investimentos diretos no exterior superaram, pela primeira vez na história, o fluxo de entrada de capitais estrangeiros no País. E, em 2008, o estoque daqueles ativos alcançou a cifra de US$ 80 bilhões. Na verdade, além do investimento direto, vários outros fatores sustentaram o desempenho exportador do Brasil nos últimos anos, como a exploração de economias de escala, a diferenciação de produtos e a capacidade de influir nos preços internacionais. O único instrumento que ainda precisa ser mais explorado é a inovação tecnológica. Em suma, a escolha entre desvalorização cambial e incentivos à inovação implica dois conjuntos distintos de beneficiários. De um lado estão aquelas empresas que não conseguem acompanhar o ritmo de progresso técnico internacional. De outro, o resto da Nação. ECONOMISTA, É DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES) -------------------------------Veja - 05/06/2010 É a destruição criativa Otimista, o economista do MIT diz que o Brasil encontrou seu caminho institucional, mas adverte que o futuro só será melhor sem os dinossauros e com a economia aberta André Petry, de Boston O economista Daron Acemoglu tem 42 anos, mas um currículo de quem já viveu o dobro. Nascido em Istambul, na Turquia, e educado na Inglaterra, ele começou a dar aulas no prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) aos 25 anos. Ganhou doze prêmios, publicou dois livros e está escrevendo mais dois em parceria com colegas: um sobre princípios da economia, outro sobre o que leva as nações a fracassar, já com editora no Brasil. Seu mote central é que os países crescem, ou deixam de crescer, em razão de suas instituições políticas e econômicas. A boa notícia é que, segundo ele, o Brasil encontrou seu caminho institucional. Quanto mais destruição criativa, processo tão próprio de um capitalismo dinâmico, melhor. A seguir, a entrevista. Se um país pudesse optar por ter a melhor tecnologia, a melhor educação ou as melhores instituições, o que o senhor recomendaria? As melhores instituições. A tecnologia e a educação são fundamentais para o crescimento econômico, mas, sem instituições saudáveis, um país não consegue reunir a melhor tecnologia nem a melhor educação. O que são instituições saudáveis? Grosso modo, são instituições políticas e econômicas. As econômicas precisam garantir o direito de propriedade e uma ordem legal que permita que as pessoas comprem, vendam, contratem etc. O empresário tem de saber que pode contratar alguém sem o risco de ser roubado pelo empregado, e o empregado precisa saber que pode ser contratado com a segurança de que receberá seu salário e não será escravizado. Sem essas instituições, não há mercado. As instituições políticas, em certa medida, confundem-se com as econômicas porque também precisam garantir uma ordem legal homogênea, em que a lei seja aplicada a todos. O importante não são leis duras, mas leis que valham para todos. Há países com punições duríssimas contra roubo, como cortar a mão fora, mas a lei não vale para a elite dirigente, que pode esbaldar-se roubando quanto quiser sem perder mão nenhuma. Num sentido mais específico, instituições políticas saudáveis garantem a partilha do poder político. É o sistema em que o dirigente que não está agradando à sociedade é substituído por outro sem ruptura. Isso não é democracia? É parecido, mas não é democracia. As instituições saudáveis, que meu colega James Robinson e eu chamamos de "instituições inclusivas", porque incluem todas as pessoas, não surgiram na democracia. Elas foram um grande passo para a democracia, mas vieram à luz na Inglaterra da Revolução Gloriosa, em 1688. O rei não era eleito. O voto não era universal. Só 2% dos ingleses votavam, quase todos os membros do Parlamento eram riquíssimos. Foi nesse ambiente não democrático que começaram a surgir instituições inclusivas. A mudança-chave ocorreu quando o Parlamento passou a controlar o poder do rei, atribuindo-se a prerrogativa de tributar, declarar guerra, definir gastos militares. Com isso, mais a aprovação de uma carta de direitos, a Inglaterra começou a criar um sistema de controle e vigilância do poder e do Parlamento. Mais de 300 anos depois da Revolução Gloriosa, a democracia não virou condição para criar boas instituições? A democracia não é necessária, nem suficiente. Veja o caso da Venezuela e da Argentina. Hugo Chávez assumiu em 1999, Néstor Kirchner em 2003. Ambos chegaram ao poder democraticamente, nenhum virou presidente com fraude eleitoral. Chávez, para ficar no caso mais agudo, não é um ditador maluco. É um megalomaníaco. Mas eu entendo de onde ele veio. A Venezuela, país profundamente desigual, tinha uma larga fatia da sociedade sem direitos políticos ou econômicos. Chávez chegou querendo dar voz a esse vasto segmento social. Mas, assim que assumiu, o que fez? Começou a centralizar o poder e a violar os direitos de propriedade, criando um clima de insegurança. Na Argentina, Kirchner, o marido, não fez igual, mas fez parecido. Trouxe de volta a retórica populista e tomou medidas arbitrárias na economia. A democracia não controlou Chávez nem Kirchner. Não é o que acontece no Brasil. O que acontece no Brasil? O caráter ou a personalidade do dirigente não estão em jogo. Não estou dizendo que Kirchner é mau e Lula é bom, nem estou dizendo o contrário. A questão é institucional. As instituições informam o presidente de que ele não pode governar como bem entender. Há pesos e contrapesos. O próximo presidente do Brasil, seja quem for, vai governar num ambiente já inteiramente diferente do da Venezuela. O Brasil está encontrando seu caminho, e essa moldura institucional é a melhor garantia de que o país poderá seguir avançando. Existe uma receita básica para criar e manter boas instituições? Entendemos melhor o que dificulta o florescimento das instituições do que o mecanismo que as faz nascer. Mas é um processo sem fórmula mágica. A democracia brasileira hoje é mais sólida do que era 25 anos atrás, quando acabou a ditadura. Fortaleceu-se no processo. Acho que o surgimento das instituições conta com um elemento de sorte. Na Inglaterra do século XVII, houve uma confluência de fatores que favoreceram o nascimento de instituições inclusivas. Nessa época, a França não tinha as mesmas condições. A Alemanha não as teve nem 100 anos depois. Existe um componente de sorte. O Brasil e os EUA tiveram um começo parecido. Eram ambos colônias europeias, de economia agrícola e escravocrata, com extensão continental. O salto à frente dos EUA também foi um golpe de sorte? A sorte teve um papel, mas foi mais que isso. Nos EUA, a escravidão ficou mais restrita ao sul. No norte, havia pequenos fazendeiros, pequenos empresários, uma economia mais independente da escravidão. No Mississippi, o algodão era o rei do pedaço, mas no norte, em Massachusetts ou Nova York, o papel econômico do algodão era quase nenhum. No Brasil, a economia escravocrata teve dimensão mais nacional, uma influência estrutural. Nos EUA, como o norte não foi tão contaminado, houve condições de empurrar o país para a frente, com a adoção das tecnologias que chegavam da Inglaterra no século XIX. O norte só cumpriu esse papel porque quase a metade da sua economia era aberta, não era monopolizada por políticos, nem por meia dúzia de famílias, nem por empresas protegidas da concorrência por todo tipo de barreira. Os EUA já eram excepcionalmente bons em abrir espaço para gente nova, como Eli Whitney e Thomas Edison, que tinham origem modesta e apostaram num negócio. É incrível que, já naquela época, gente assim pudesse abrir uma empresa e explorar nova tecnologia. Esse foi o elemento decisivo para a ascensão meteórica dos Estados Unidos. Como os EUA conseguiram superar as desigualdades entre o norte e o sul? Com duas instituições nacionais: a polícia e a imprensa. A polícia nacional, ou o exército, serve para pôr as coisas em ordem. Nos EUA, o poder de polícia foi amplamente usado no sul para proteger os negros que lutavam contra a opressão racial e combater o monopólio do poder político. Sem o exército, talvez o sul chegasse aonde está hoje, mas o ritmo avassalador das reformas deveu-se à intervenção federal. O outro polo é a imprensa. Havia um movimento pelos direitos civis, parte no sul e parte no norte, mas o movimento no norte era muito mais vibrante. Até 1900, o norte pouco sabia do sul, mas, quando a mídia começou a se fortalecer, informando a todos o que se passava, o movimento dos direitos civis tornou-se muito mais poderoso. A imprensa, em qualquer democracia funcional, é central. Por isso, é tão atacada. Quem vai impedir o governante de exercer o poder de modo arbitrário, beneficiar seu primo ou cunhado, e silenciar o rival em potencial? A única força capaz de fazer isso é a sociedade, que só saberá do que se passa pela imprensa. No Brasil, os políticos de estados menos desenvolvidos são os donos do jornal, da rádio ou da TV local, que não têm nenhum interesse em minar seu próprio poder. Isso é um problema sério, mas não é incomum. No caso americano, os sulistas não liam o The New York Times. Liam os jornais locais, que estavam no bolso da elite local que controlava o Partido Democrata, a polícia e a Ku Klux Klan. Essa desigualdade entre regiões acontece mesmo. É comum uma região ficar para trás em termos de instituições econômicas, respeito aos direitos humanos, aplicação homogênea da lei, combate à corrupção. Em todos os países de certa extensão territorial excluo lugares minúsculos como Singapura, Hong Kong houve, em algum momento, uma situação de desigualdade interna. Mas, nos casos mais bem-sucedidos, a imprensa quase sempre foi um dado fundamental. A televisão, por ter dimensão nacional, poderia fazer um trabalho excepcional nesse campo, mas nunca o faz. Talvez a TV seja um veículo mais próprio para entreter do que para noticiar e informar. Sempre que um regime é ameaçado por uma revelação incômoda, pode apostar: a revelação sempre sai num jornal ou numa revista. O senhor vê o futuro com otimismo? Sou otimista. Acredito que mais países conseguirão construir instituições inclusivas e abraçarão o crescimento econômico. Só não sou tão otimista quanto ao meio ambiente. Em algum momento, dentro dos próximos quinze anos, China, Rússia, França, Alemanha, EUA, Inglaterra, Brasil e Índia terão de fazer algum sacrifício em nome do meio ambiente. Não sei o que acontecerá se algum desses países simplesmente se negar a qualquer sacrifício. Hoje, não estamos preocupados com isso, mas acho que deveríamos estar. Com a crise financeira mundial, o capitalismo de estado chegou para ficar? É cedo para dizer. Nos EUA, o estado terá maior interferência no setor financeiro, mas não acredito que vá além disso. O governo americano salvou a GM e a Chrysler, é verdade, mas isso não é tão raro assim. Há muitas indústrias que nem teriam existido sem o governo. Nem a internet existiria. A questão central é se os governos estarão envolvidos na economia como coadjuvantes ou protagonistas. Qual a sua aposta para o futuro do Brasil? Acredito que, dentro de cinquenta anos, não teremos grandes mudanças no mundo. Não veremos países como França ou Inglaterra ficar subitamente pobres, por exemplo, mas tudo sugere que Brasil, Índia e China estarão no primeiro pelotão. Serão nações poderosas pelo seu impacto econômico e terão atingido níveis de renda próximos aos dos países mais pobres da União Europeia de hoje, como Portugal. O que pode impedir que isso aconteça? A economia se fechar. A globalização não é perfeita, ela produz desigualdade, mas eliminou enormes bolsões de pobreza. A China jamais estaria tendo desempenho miraculoso com uma economia fechada, apostando só no mercado doméstico. O mesmo vale para o Brasil. Crescimento econômico nunca é fácil, há muitos obstáculos para remover. A China terá de se livrar de todas aquelas estatais e das barreiras comerciais, terá de abrir seu sistema político. Vai acontecer? É fundamental um processo contínuo de destruição criativa, gente nova chegando com novas ideias, novos produtos, nova energia, deslocando quem já está dentro. O Brasil dos anos 60 ou 70 tinha grandes empresas cujas conexões políticas as protegiam de disputas com a concorrência. O Brasil estagnou. Hoje, a economia não é rósea, mas é mais competitiva, mais dinâmica. Continuará? Ou os dinossauros vão parar tudo outra vez? Essa é a questão-chave. ---------------------------Correio Braziliense - 05/06/2010 Zonzeira do poder Antônio Machado Governo trai prioridade do pré-sal e etanol ao quase incentivar o carro elétrico, que Lula vetou A inovação tecnológica está provocando o governo a falar línguas estranhas, como os possuídos em cultos evangélicos. Levado ao pé da letra o que dizem alguns ministros, o petróleo do pré-sal está condenado. Melhor nem começar. O etanol, e por associação o motor flex, então, é coisa do passado. O futuro seria o carro elétrico. Tais impressões vieram da decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de chamar a Brasília, no último dia 25, os dirigentes do setor automobilístico para o que seria o anúncio de um plano de incentivo à produção de carro elétrico. Era um pacote de corar até os mais “pidões”: haveria redução de IPI, ICMS, IPVA e do Imposto de Importação. Epa! Mas não seria para incentivar aqui a produção? Que seja. O presidente Lula mandou Mantega se despir da fantasia de ministro da indústria e cancelar o tal anúncio. Os executivos das montadoras, que o aguardavam no auditório da Fazenda, ficaram sem entender. Lula também. Informado por alguém, o que torna tudo estranho, já que não se faz nada neste governo sem seu aval, Lula suspendeu o programa do carro elétrico, temendo seus efeitos sobre a produção dos veículos flex e o desenvolvimento do etanol. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, foi apontado como o mensageiro, junto a Lula, do imbróglio que Mantega estava criando. O ministro negou a colegas de governo. Mas isso é irrelevante. Fato é que não há convivência pacífica entre o carro elétrico e o motor flex, como supõem analistas do BNDES. O motor elétrico é uma tecnologia de ruptura, conforme desenvolvimento nos EUA e na China — os países onde essas pesquisas estão mais avançadas. O álcool de biomassa (de cana no Brasil, milho nos EUA) é tratado como tecnologia de transição. O etanol que compete com a opção elétrica é sintético, derivado do processamento de resíduos, como o lixo orgânico e os restos agrícolas, entre os quais o bagaço da cana-de-açúcar, cuja celulose pode transformar-se em combustível. O que será? O governo de Barack Obama destinou US$ 7,5 bilhões em subsídios, de um total de créditos de US$ 25 bilhões a montadoras e fabricantes de componentes, para desenvolver motores que elevem a 25% a economia de combustível sobre o nível de 2005. O programa também contempla as novas energias. Por ora, os sinais são de que a indústria automobilística dá preferência ao carro elétrico. Adivinhando o futuro A superioridade da propulsão elétrica foi reconhecida por Mantega e pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, aliado na discussão dentro do governo sobre o futuro dos combustíveis. Para Rezende, conforme declarações à imprensa, o veículo flex é o presente, e o carro elétrico é o futuro. O país, afirmou, não pode ficar à margem “desse novo mercado”. Disse mais, segundo o boletim Inovação Unicamp: “Estamos tocando o desenvolvimento do carro elétrico (...) com o dinheiro dos fundos setoriais. Precisamos de mais”. A ser isso, e não é como constata o veto de Lula, uma parte do governo já decidiu um padrão que até nos EUA está indefinido. EUA esperam o campeão Em nota divulgada no último dia 26, por coincidência, um dia após Mantega chamar as montadoras para o anúncio frustrado do incentivo ao carro elétrico, o Departamento de Energia dos EUA informou que não há, pelo menos ainda, nenhuma tecnologia e processo vencedor. “O intenso processo de revisão técnica e financeira [do programa de apoio à eficiência energética] não é focado na escolha de uma única tecnologia em detrimento de outras”, diz a nota. Ela “visa promover múltiplas abordagens para se alcançar uma economia de combustível eficiente”. Ao mercado caberá eleger o padrão campeão. Implicações profundas A posição do governo Obama é chave para a decisão sobre o padrão de motor ou combustível que ditará o curso futuro dos transportes no mundo. Além de maior mercado consumidor, o desenvolvimento mais avançado está nos EUA. A China também está nessa corrida, mas tem com os EUA um acordo de desenvolvimento conjunto de tecnologia na área de engenharia automotiva e de novas energias. O padrão do carro elétrico será o vencedor? É possível. Nos EUA, o rebate de US$ 7,5 mil, tanto quanto na China, dado pelo governo aos carros da geração sem petróleo é um fluido poderoso. Mas isso terá implicações profundas. No Brasil, desmonta as prioridades do etanol e da exploração do petróleo do pré-sal — ao menos no volume de investimento previsto. É o que o ministro Rezende e seu colega Mantega encaminharam, ainda que não tivessem essa intenção. Decisão sem reflexão A hiperatividade do governo Lula, ainda mais em fim de mandato, é um risco. Muitas decisões estão sendo tomadas ou cogitadas sem que as consequências pareçam bem avaliadas. Os investimentos volumosos no pré-sal, com a Petrobras como operadora exclusiva, por exemplo, só se justificam se o petróleo mantiver a sua hegemonia como fonte de energia no mundo. Não há essa certeza — e o desastre ambiental do vazamento de petróleo no Golfo do México a tornou mais incerta. No governo, se discute de carro elétrico a uma montadora nacional. Da internacionalização do etanol a novas refinarias para receber o óleo do pré-sal, refiná-lo e exportá-lo. Tudo isso é conflitante. Talvez a Petrobras devesse também considerar outras energias, sem pôr todas as fichas no pré-sal. Está faltando abrir a discussão. ----------------------------O Estado de S.Paulo - 06/06/2010 Até onde vão as reservas? Celso Ming Dia 1.º de junho, as reservas externas ultrapassaram os US$ 250 bilhões, 5% acima da posição do final do ano passado, de US$ 239 bilhões. Pergunta há meses sem resposta: até onde vai essa escalada? Há alguns anos os administradores públicos calculavam que as reservas não precisavam passar dos três meses de importação (o que hoje daria US$ 45 bilhões), volume considerado suficiente para enfrentar eventuais surpresas ruins no comércio exterior. Logo se consolidou a percepção de que os fluxos financeiros podem ser substancialmente mais volumosos do que os comerciais e que é preciso amontoar provisões para enfrentar as enormes transferências de capitais que acontecem nas crises. Essa não deixa de ser uma postura macroeconômica insustentável a longo prazo porque as reservas só crescem se há superávits no balanço de pagamentos e esses superávits só existem quando outros países enfrentam déficits correspondentes no balanço de pagamentos. Ou seja, desequilíbrios assim não podem se manter por muito tempo. Independentemente disso, é preciso saber o que mais convém ao Brasil. Ao final de 2008, o País tinha reservas de US$ 207 bilhões e elas foram suficientes para blindar a economia no auge da turbulência global. Foi, em grande parte, por esse volume de reservas que a maior crise desde os anos 30 chegou por aqui como a "marolinha" da qual se gabou o presidente Lula. Pode-se argumentar que um reforço nesse bolão não tem contraindicações. Mas parece próximo o momento em que é preciso perguntar se excesso de musculatura não atrapalha mais do que ajuda. O aumento de reservas exige expansão da dívida bruta na medida em que o Banco Central precisa retirar com a venda de títulos públicos os recursos usados para comprar os dólares das reservas. (Não se trata de expansão da dívida líquida porque do outro lado há o ativo em dólares.) Os títulos públicos lançados para esse enxugamento produzem o inconveniente de que custam juros mais altos do que os obtidos com a aplicação dos dólares. Além disso, reservas mais altas atraem mais dólares, não só porque dão mais segurança para o investidor externo, mas também porque desestimulam a expatriação de recursos. Quando as reservas alcançaram os US$ 100 bilhões, o Brasil chamou a atenção pelo vigor de sua economia e virou o B dos Brics. Quando chegarem aos US$ 300 bilhões, vai ser difícil impedir a invasão de dólares. Ainda se repete por aqui que são os juros altos no mercado interno que atraem moeda estrangeira que vem para especular com a diferença entre juros externos e internos (arbitragem financeira). No entanto, reservas externas atraem bem mais. Em 2006, quando estavam em US$ 86 bilhões, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) não passou dos US$ 22 bilhões. Neste ano, com essa montanha de dólares, vai para US$ 45 bilhões (estimativa do Banco Central). Enfim, essa política pode estar com os dias contados. Mas parece improvável que mude ainda neste ano de eleições e de fim de governo. Para a atual administração pode ser mais cômodo deixar tudo para o próximo governo e para a nova diretoria do Banco Central. CONFIRA Sem resposta Os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do Grupo dos 20 (G-20) se reuniram nos dois últimos dias na Coreia do Sul, mas, também desta vez, não trouxeram respostas satisfatórias para as questões levantadas pela atual crise que se localiza na Europa. Como vai atuar o bombeiro? Há, sim, um fundo de US$ 900 bilhões, criado em maio pelos países-membros da União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), mas ninguém até agora foi capaz de explicar duas coisas: de onde vêm os recursos; e como/quando esse fundo vai ser operado. Estão perdidos? Isso significa que as principais autoridades da área financeira do mundo não estão sendo capazes de apagar os novos focos de incêndio, dentro e fora da área do euro, que se alastram pelos mercados. Dizer que é preciso mais disciplina fiscal é pouco e redundante. O problema da hora é o que fazer nos casos concretos de desequilíbrio fiscal. ----------------------------------Correio Braziliense - 07/06/2010 Pirataria no Senado Ricardo Allan Essa gente deveria legislar para coibir a prática de crimes, não se entregar a ela Após se enredar em corrupção, improbidade administrativa, tráfico de influência, nepotismo, desvio de recursos públicos e outros crimes pomposos, o Senado fornece mais um indício da deterioração da qualidade dos homens públicos brasileiros. Dessa vez, um grupo de pelo menos 20 senadores é acusado de cometer um delito rasteiro: a pirataria. Eles são suspeitos de ter se apropriado de um livro escrito por um consultor legislativo. Segundo alegação do autor, inicialmente aceita pela Justiça, fizeram várias edições da obra na gráfica do Senado, puseram suas fotos na capa e a distribuíram país afora. Tudo sem o conhecimento ou autorização do escritor, que está processando a União para receber direitos autorais, numa conta que pode ultrapassar R$ 13 milhões. Entre os acusados, estão dois ex-presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Tião Viana (PT-AC), além de parlamentares de diversos partidos e estados: o primeirosecretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI), os líderes do DEM, José Agripino Maia (RN), e do PDT, Osmar Dias (PR), Valdir Raupp (PMDB-RO), Lucia Vânia (PSDB-GO), Paulo Paim (PT-RS), Mário Couto (PSDB-PA) e Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Em decisão preliminar, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília, deu razão aos acusadores. Determinou a suspensão da edição e da distribuição do livro, além de sua retirada da página do Senado na internet. “Os documentos evidenciam, até segunda ordem, que a obra foi indevidamente reproduzida por parlamentares, que nela anotaram seus nomes e inseriram suas fotografias, e disponibilizada no site do Senado (visitei a página e a obra ainda está disponível)”, escreveu a juíza em 9 de março. Ela reconheceu que, ao contrário do que argumentam os senadores e a Advocacia-Geral da União (AGU) em sua defesa, existem provas mais do que suficientes de que o consultor é autor do livro. Deferiu o pedido liminarmente para evitar a “perpetuação do dano”, com a possível distribuição do livro, em ano eleitoral, por outros parlamentares. A juíza estabeleceu uma multa diária de R$ 100 por descumprimento da determinação. O economista Edward Pinto da Silva, que já foi secretário do Trabalho do Distrito Federal, se aposentou como consultor legislativo do Senado. Na época em que trabalhava no gabinete do então senador Henrique Santillo, em 1983, escreveu o “Manual do vereador”. A obra didática era dedicada a variados temas de interesse dos parlamentares municipais, passando pelas atribuições constitucionais dos vereadores, o processo legislativo, a redação de projetos, resoluções e pareceres e até a organização de fóruns comunitários. O livro é tido como referência imprescindível na área e já sofreu várias atualizações, com as últimas versões denominadas “Guia do vereador do terceiro milênio”. “O manual tem uma aceitação extraordinária porque muitos vereadores recém-eleitos caem de paraquedas e não sabem fazer nada na Câmara”, diz um dos advogados do consultor aposentado, do escritório A.W. Galvão & Filhos. Alguns parlamentares, como o próprio Santillo, o então deputado Cunha Bueno, e o então senador Roberto Requião, pediram autorização para editar o livro e distribuí-lo nas suas bases eleitorais. Nesses exemplares, juntados ao processo, fica claro que a obra é mesmo do economista. Seu nome consta da ficha técnica como autor. Mais recentemente, o senador Demóstenes Torres (PMDB-GO) também foi autorizado por Silva a fazer edições, como ficou demonstrado nas ordens de serviço da gráfica do Senado. Diante do sucesso do livro, Silva quis lançá-lo no mercado. Encontrou uma editora, que iria colocar a obra na praça a um preço de R$ 80 cada. A empresa desistiu na última hora, sob o argumento de que o texto estava, na íntegra, no site do Senado. O escritor, autor de vários outros livros sobre administração pública, garante que só aí percebeu o uso indevido da obra. Ao investigar, descobriu que o manual vinha sendo repetidamente impresso na gráfica do Senado. Os advogados já encontraram ordens de serviço de 132 mil exemplares sem o recolhimento de direitos autorais. Os parlamentares distribuem o guia para os vereadores de suas regiões, numa ação de marketing eleitoral. Silva tentou receber administrativamente o dinheiro a que teria direito, mas a Mesa do Senado negou o pedido. O argumento, repetido na defesa feita pela AGU, é de que a elaboração do livro fazia parte das suas atribuições como funcionário do Senado, o que os advogados negam. “Ele é um autor conhecido na área. Sempre escreveu seus livros nos momentos de folga”, diz um deles. No entendimento da AGU, as cópias não autorizadas do manual não feriram a Lei 9.610, que protege os direitos autorais. Os advogados da União também argumentam que o trabalho de Silva foi apenas de atualização de um material originalmente escrito por Santillo. Para rebater essa alegação, o processo traz várias cartas atestando a autoria. Uma delas foi escrita pelo então presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães (PMDB-SP). “Edward Pinto da Silva publica trabalho de indiscutível valia para a política e a administração dos municípios. É um roteiro seguro, traçado por mãos hábeis e de especializada erudição”, assinalou o deputado. Na apresentação dos exemplares distribuídos que mandou editar, o então senador Roberto Requião escreveu: “Agradeço a gentileza do Dr. Edward Pinto da Silva, (...), autor deste guia, em ceder os originais para que pudesse editá-lo, como agora o faço, e oferecê-lo aos vereadores do meu estado do Paraná”. A juíza preferiu acreditar nesses depoimentos, em detrimento dos argumentos da AGU. Os advogados da União recorreram da decisão e o caso está em análise no Tribunal Regional Federal. Além da ação civil de indenização, a ser paga pelo contribuinte, os senadores estão sujeitos a um processo criminal, com base no artigo 184 do Código Penal, que prevê prisão de até um ano. A Lei de Direitos Autorais tipifica o que eles fizeram como contrafação. Em segredo, diversos consultores legislativos, ainda na ativa, torcem por Silva. De forma entusiasmada. Por um motivo simples: obras suas também foram usurpadas pelos senadores. Pelo que se sabe, isso é comum. Essa gente deveria legislar para coibir a prática de crimes, não se entregar a ela. Ricardo Allan é subeditor de economia ------------------------------Folha de S.Paulo - 06/06/2010 Sem medo nem esperança Vinicius Torres Freire O BRASIL andou causando inveja aos banqueiros centrais do G20, reunidos na Coreia do Sul neste final de semana para discutir com os ministros das Finanças problemas financeiros que serão tema da próxima cúpula do bloco. Digamos ironicamente que é uma inveja derivada de uma deformação profissional. A recessão do Brasil foi curta, a economia cresce bem, tanto que o Banco Central daqui deve se dedicar a uma forte campanha de alta de juros. O sentimento frustrado dos demais banqueiros centrais é que a alta de juros nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa ficou para meados do ano que vem. Maio foi um mês muito ruim para a finança mundial. O volume de emissões de dívida corporativa, os empréstimos das empresas, caiu ao nível mais baixo desde o traumático mês de outubro de 2008. As Bolsas despencaram; o dinheiro fugiu para títulos do Tesouro americano. A taxa de juros de empréstimos de três meses entre bancos (Libor) subiu para o nível mais alto desde julho de 2009. A alta da Libor é uma das medidas de medo no mercado financeiro: quando um banco teme a quebra do vizinho, não empresta ou cobra mais caro. Os indicadores de medo na finança subiram, como se sabe, devido à crise da dívida europeia. No dia 10 de maio, o Banco Central Europeu anunciou que relaxaria empréstimos para bancos, que compraria dívida de países sob o risco de quebra -isto é, o BCE na prática está emprestando dinheiro a governos como os de Grécia e Portugal, além de aceitar papéis meio podres de bancos como garantia de empréstimos. Em suma, o BCE já se via impedido, devido a essa "crise de liquidez", de elevar sua taxa básica de juros. A anêmica recuperação da economia europeia não recomendaria o aperto monetário. As recentes medidas de cortes de gastos dos governos devem tirar o último ímpeto do BCE. Diminuiu muito o risco de catástrofe financeira, muito real em maio. Não seria de intensidade equivalente ao do final de 2008, mas bastante para trumbicar a economia real. Junho, porém, não começou bem. Há o caso da Hungria, que parece piada. Mas o governo húngaro parece maluco, diz que pode quebrar e, de novo, houve medo de que bancos estejam de calças curtas. Mais importante, soube-se que a economia mundial deu uma arrefecida em maio, considerados os dados antecedentes de atividade industrial. Nos EUA, os números sobre a recuperação do emprego continuam frustrantes. Os lucros das empresas se recuperam, mas até quando? Sem estímulos fiscais, sem bolhas imobiliárias ou financeiras e com desemprego persistentemente alto, fica difícil imaginar uma recuperação forte e duradoura da economia americana. Note-se ainda que a venda de imóveis despencou em maio, logo depois de ter expirado o subsídio para compradores da casa própria. Mesmo assim, a situação dos EUA é muito melhor que a da Europa, condenada a anos de arrocho fiscal e sem o dinamismo e a flexibilidade dos americanos. Não se trata de uma situação de medo, ou de medo agudo. Mas nem de esperança, ou de esperança aliviada. Mais uma vez, a ilusão de recuperação rápida que se expandia pela mídia do mundo, neste início de 2010, era devida ao contágio do ânimo dos financistas, que haviam voltado a ganhar dinheiro. ------------------------------Valor Econômico - 07/06/2010 Sem sinais de fuga de capitais em massa Cristiane Perini Lucchesi Em meio às tensões nos mercados com a crise de dívida dos governos na Europa, o Brasil não vive, pelo menos por enquanto, nada próximo a uma fuga em massa de capitais de curto prazo. Isso explica a relativa calmaria no câmbio e nos mercados de juros futuros mesmo em maio e junho, depois que a crise se aprofundou e derrubou o euro e os preços das ações. Os dados do setor externo do mês passado ainda não foram divulgados pelo Banco Central. Mas Darwin Dib, economista do Itaú, notou que na prévia de maio até o dia 25 mesmo o investimento externo em portfólio se mantinha positivo. Animados com os juros mais altos no país e a perspectiva de novas altas, os investidores estrangeiros trouxeram US$ 1,7 bilhão a mais do que tiraram em investimentos de renda fixa. O ingresso de recursos externos em carteira em maio só não foi maior por causa da saída de investimentos na Bolsa de Valores de São Paulo, de um total líquido de US$ 500 milhões no período, segundo o BC. No ano, até 25 de maio, o fluxo estrangeiro de carteira em ativos locais acumula entrada líquida de US$ 15,6 bilhões. Ainda em abril, antes de a crise se ampliar, a taxa de rolagem da dívida externa brasileira de médio e longo prazo (relação entre as captações e os vencimentos) havia chegado a 210%. Ou seja, as empresa não apenas estavam rolando dívidas externas, mas estavam também antecipando captações aproveitando a janela de oportunidade. Por isso, as pressões de rolagem de dívida de curto prazo não deverão ser significativas, o que sinaliza menos pressão no câmbio, mesmo com o estresse na Europa. Mas, com o mercado para captações de eurobônus caro demais, a taxa de rolagem da dívida externa deve se reduzir em maio e junho. Por enquanto, pelo menos os exportadores continuam com linhas de crédito de sobra disponíveis, diz Marlene Millan, que é a diretora do departamento de câmbio do Bradesco. Ela informa que há diversos bancos europeus que tiveram aumento no seu custo de captação global que têm pressionado por spreads cerca de 0,10 ponto percentual mais altos. "Mas eu ainda não tomei a linha e não sancionei o aumento", afirma. Ela acredita, no entanto, que o momento é delicado e pressões desse tipo deverão se ampliar. Os spreads para um banco de grande porte continuam em torno de 0,50 ponto percentual acima da Libor, a taxa interbancária de Londres, em linhas à exportação de prazo de vencimento em até seis meses. Com o dólar mais alto em maio, os exportadores ingressaram com volume maior de sua receita no exterior no país no mês passado e a diferença entre o câmbio contratado para a exportação e o total efetivamente exportado em 12 meses caiu de US$ 16,5 bilhões no final de abril para US$ 15,5 bilhões no final de maio. Ou seja, além do crédito externo bancário disponível, há US$ 15,5 bilhões de receitas dos exportadores no exterior e parte disso pode ingressar no país se o dólar subir muito. A crise traz, no entanto, menor investimento externo direto ao país. Os números de abril já sinalizaram isso: os ingressos líquidos foram de um total de US$ 2,223 bilhões, frente a US$ 3,409 bilhões de abril de 2009. O BC havia previsto a entrada de US$ 2,8 bilhões em abril e vê em maio o ingresso de US$ 1,6 bilhão. As remessas de lucros e dividendos também devem crescer e pressionar o câmbio financeiro: foram a US$ 3,346 bilhões em abril, em relação a US$ 1,716 bilhão há um ano. Na sexta-feira, o dólar terminou a R$ 1,859 na venda, valorização de 1,75% no dia e de 2,71% na semana. O mercado espera que o Comitê de Política Monetária suba os juros básicos Selic em 0,75 ponto percentual na reunião desta semana. Cristiane Perini Lucchesi é repórter ----------------------------------- ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS Zero Hora – 05/06/2010 Lições de finanças para jovens ensinam geração da estabilidade a economizar Empresas, escolas e governo apostam na educação financeira para que os jovens aprendam a lidar com o próprio dinheiro Economizar no lanche do colégio para ir ao cinema? Cada vez que um jovem decide como tirar o máximo proveito da mesada toma uma decisão econômica. Entender como isso funciona é fundamental numa época em que economias fortes são sacudidas por crise porque países não seguiram um velho conselho de mãe: não gaste mais do que ganha. A geração que apenas ouviu falar da inflação agora é alvo de iniciativas de educação financeira. De um lado, bancos e empresas querem se aproximar dos futuros clientes. E na Assembleia, tramita projeto para incluir a educação financeira no Ensino Médio. Para chegar na gurizada, a regra é encontrar uma linguagem simples e falar do que interessa. Projetos como o Desafio Banrisul, que visita escolas no Estado em parceria com o Kzuka, atraem a atenção de alunos com jogos e prêmios (foto). Em abril, Lucas Muniz, Daniel Lopes e João Pedro Miranda, 16 anos, foram os primeiros colocados do game no Colégio La Salle São João, na Capital. Levaram um mp4, uma mochila e uma bola. Na largada do jogo, os garotos receberam simbolicamente R$ 100. Ao longo das casas no tabuleiro montado no pátio da escola, podiam perder ou ganhar mais dinheiro, conforme decidiam sobre temas cotidianos como o racha para o churrasco da turma, o presente da namorada... Jogo estimula o aprendizado Os participantes reconhecem que jogo tem tudo a ver com o cotidiano deles. Na hora de comprar um presente para um aniversariante, por exemplo, costumam dividir a despesa e cada um dá R$ 10 para “fechar legal”. Para eles, ter o próprio dinheiro é importante. Não tem problema se tiver de deixar de fazer algo para investir em alguma coisa melhor depois. Daniel, que teve a mesada cortada por castigo dos pais, indica a que ponto a poupança pode chegar: em vez de usar o dinheiro do lanche no bar do colégio, guarda. – Em compensação, gasto depois em coisas melhores – conta. O Conselho Regional de Economia (Corecon-RS) deve assinar, nos próximos dias, um termo de cooperação com a Secretaria Estadual da Educação para fazer um concurso de redação sobre o tema. – O concurso será um raio X para sabermos como os jovens enxergam o tema – diz o coordernador da comisssão de Educação Financeira do Corecon-RS, Everton Lopes. Carlos Henrique da Costa Miguel, de 18 anos, aproveitou a afinidade com matemática para aproveitar a chance oferecida pelo Bancos em Ação, programa do Citi e da Junior Achievement que ensina a estudantes do Ensino Médio os princípios do setor bancário e apresenta os desafios de operar um banco em um torneio. Campeão estadual, não levou o título nacional em São Paulo, mas conheceu a bolsa de valores e firmou um conceito importante: a vontade de seguir os estudos para ter mais chances no mercado de trabalho. – Não existe dinheiro fácil. Por isso abri uma poupança para pagar uma faculdade – conta o estudante, hoje no 3º ano do Ensino Médio, ainda indeciso entre Direito e Engenharia. Aulas de gente grande A aprendizagem de matemática costuma ser difícil para a maioria dos alunos. Logaritmos, geometria, funções: muita matéria complicada para um só trimestre. No Colégio Concórdia Porto Alegre, o conteúdo curricular foi misturado a assuntos de gente grande. A proposta do colégio foi ensinar os alunos sobre finanças, trazendo para a sala de aula um projeto da XP Investimentos. Dessa forma, os alunos tiveram acesso a conhecimentos sobre função exponencial de uma forma mais fácil e divertida, relacionada ao dia a dia. O curso foi composto de quatro encontros com profissionais do escritório associado XP, a POA Investimentos, que pretende levar a iniciativa a outras escolas da Capital. alunos conseguiram ter uma noção melhor sobre finanças pessoais, tipos investimento, bolsa de valores e mais: no final, puderam botar em prática conhecimentos adquiridos. da Os de os Thales Rocha (foto ao lado), 15 anos, destacou-se no processo. O menino, que sonha em ser jogador de futebol, gostou de aprender sobre investimentos e, assim como os outros alunos, começou a aplicar um valor virtual em um site especializado. No encerramento, por ter sido o jovem que mais “ganhou dinheiro” com compras e vendas das ações, ganhou um curso da XP para aprimorar o que aprendeu. – Não entendia nada sobre a bolsa, só sabia que existia pela TV. O único dinheiro que ganho é da pensão do meu pai e gasto a grana em almoços na escola e em locomoção. Gostei do assunto e pesquisei mais a partir do que o corretor ensinou – revela o menino. Questionado sobre se largaria o sonho de boleiro para virar economista, Thales não sabe responder. Mas tem uma certeza: caso se dê bem no futebol, vai saber muito bem como investir as altas cifras que recebem os bons jogadores.