A evolução do balanço de pagamentos brasileiro no período do Real

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CASO 7
A evolução do balanço de pagamentos brasileiro no período do
Real
Capítulo utilizado: cap. 13
Conceitos abordados
Comércio internacional, balanço de pagamentos, taxa de câmbio nominal e
real, efeitos de desvalorização, crises.
Introdução
O presente estudo tem como objetivo fornecer uma visão panorâmica da
evolução das contas externas brasileiras desde a implantação do Plano Real
até os dias de hoje, com ênfase no período pós-desvalorização. Inicialmente há
uma breve descrição teórica acerca da importância do balanço de pagamentos
(BP) como instrumento contábil de um país; em seguida, tratamos da divisão
do Plano Real em dois períodos: pré e pós-desvalorização cambial. Na
segunda parte, o texto se detém nas discussões mais recentes em torno do
tema, desde a crise cambial em decorrência das eleições de 2002 até o
chamado ‘paradoxo das exportações’ pelo que passa o país até meados de
2006. Por fim, há uma seleção de tabelas que resumem os dados mais
importantes do balanço desde 1994, além de gráficos que mostram a evolução
das contas externas e da taxa de câmbio.
1. O balanço de pagamentos
O balanço de pagamentos é um dos mais importantes instrumentos contábeis
de que dispõe um país e que dá conta de explicar muitos dos fenômenos
vividos pela economia. Além de cumprir seu propósito básico — o de registrar
as transações de determinada nação com o exterior —, é também útil na
medida em que projeta um panorama da economia dessa nação. Em outras
palavras, equivale a dizer que as relações econômicas que um país estabelece
1
com outros são um reflexo da condição de sua própria economia, tanto em
nível micro quanto macroeconômico.
Ele é composto, basicamente, de três partes. Da primeira delas, que
corresponde às transações correntes, faz parte a balança comercial, em que se
registram as importações e exportações de bens e serviços; a conta de
serviços e rendas, em que são contabilizados os valores relativos a serviços
fatores (dividendos, salários, lucros e juros) e não-fatores (fretes e seguros de
produtos exportados e importados, dólares gastos e recebidos com turismo,
serviços governamentais e outros serviços), salários e rendas de investimento,
entre outros; e as transferências unilaterais, que são, basicamente, as
transferências feitas na forma de bens ou moeda destinadas para o consumo
corrente.
Existe também a conta capital e financeira, que se divide em investimentos
diretos — de onde normalmente se obtinham recursos para cobrir o déficit nas
transações correntes —, investimentos em carteira, derivativos e outros
investimentos. Essas rubricas registram fluxos decorrentes de transações com
ativos e passivos entre residentes e não-residentes.
Por fim, há a conta erros e omissões, que se presta a compensar toda
sobrestimação ou subestimação dos componentes registrados no balanço. Em
tese, esses erros não deveriam acontecer, mas devido à natureza por vezes
discrepante das fontes de dados, é necessária uma conta que permita fechar o
balanço, equalizando créditos e débitos.
Assim, as informações contidas no balanço de pagamentos são, em grande
medida, fruto das decisões de política econômica doméstica — a exemplo dos
juros, taxas de inflação e de câmbio —, do nível de atividade produtiva e ainda
da estrutura da economia do dito país —, seja em termos de instituições
jurídicas ou do tipo de estratégia empresarial comumente adotado na região.
Obviamente, o conteúdo de um balanço de pagamentos depende muito das
condições enfrentadas no cenário internacional, que, em última análise, são
derivadas das decisões tomadas por agentes estrangeiros: governos,
empresas e consumidores.
2
Fica claro, então, que o balanço de pagamentos, mais do que um simples
demonstrativo de transações, constitui um modo de avaliar toda a economia de
um país. No caso particular do Brasil, é relevante perceber o papel do setor
externo na dinâmica de seus ciclos econômicos. Muitas vezes fez-se
necessário criar constrangimentos ao crescimento e à demanda agregada, com
vistas a diminuir o consumo de bens importados e, assim, reduzir os déficits na
conta corrente do balanço de pagamentos. Em outras ocasiões, como vem
ocorrendo desde 2002, uma situação de estrangulamento de fluxos de capitais
internacionais propiciou um ajuste externo, que hoje permite previsões de um
superávit comercial de US$ 40 bilhões para 2005.
É fundamental, pois, a participação do setor externo na economia do Brasil
enquanto determinante de quantidade de reservas, de taxas de juros, do
câmbio, da política fiscal e do investimento.
2. A crise cambial de 2002 e o ‘paradoxo das exportações’
No que tange às relações econômicas do Brasil com o exterior, o período
desde a implantação do Plano Real pode ser claramente dividido em dois, nos
quais o câmbio e a balança comercial tiveram comportamentos marcadamente
distintos: de 1994 a 1999, com uma taxa de câmbio fortemente apreciada, que
ocasionava déficits comerciais e subseqüentemente da conta corrente do
balanço de pagamentos, e depois de 1999. Com a desvalorização da taxa de
câmbio em janeiro desse ano, ocorreu uma reversão na balança comercial, que
passou a ser superavitária já no ano seguinte. De um déficit de US$ 700
milhões, ainda em 2000, atingiu-se um superávit de US$ 2,7 bilhões em 2001.
Essa tendência de crescimento das exportações e queda nas importações, que
possibilitou o aumento do saldo da balança de bens e serviços não-fatores, tem
sido também responsável pela reversão do déficit em transações correntes
desde meados de 2003. Veja as figuras 1 e 2, a seguir.
3
FIGURA 1
FIGURA 2
4
Fenômeno especialmente importante para explicar essa mudança nos quadros
externos é a forte desvalorização do real frente ao dólar no ano de 2002. As
incertezas eleitorais associadas ao então candidato de esquerda Luís Inácio
Lula da Silva causaram instabilidade nos mercados de capitais nesse ano,
elevando as taxas de juros domésticas para 26 por cento ao ano ainda no início
de 2003 e a cotação da moeda norte-americana para mais de R$ 3,80. Veja a
Figura 3, a seguir.
FIGURA 3
Para o setor exportador, o dito acontecimento representou a possibilidade de
ganhos de competitividade e de mercados internacionais. Nesse sentido,
atualmente discute-se muito se esses canais de exportação abertos àquela
época não seriam em grande parte os responsáveis pelos recordes de
comércio registrados mês a mês em 2006, mesmo com o câmbio atingindo a
marca dos R$ 2,14 em meados de outubro.
A esse respeito, pouco ainda é conclusivo. Há diversos fatores que reclamam
causalidade sobre esse inusitado fato: aumento do preço das commodities,
com a mudança nos termos de troca do comércio ocasionada pela entrada da
China desde 2001 no mercado internacional; a manutenção dos aludidos
5
canais de exportação; baixa elasticidade-câmbio das exportações vis-à-vis à
elasticidade-preço.
Fato é que as previsões do início de 2002 em relação ao desempenho do setor
externo subestimaram os reais níveis atingidos. Em janeiro desse ano, por
exemplo, o FMI previa superávit de US$ 6 bilhões para a balança comercial
brasileira. Ao fim do ano, apurou-se um saldo positivo de US$ 13,1 bilhões,
mais que o dobro do previsto. Muito embora se possa argumentar a favor da
descompensação cambial sofrida pelo país, há que se considerar esse
fenômeno como parte do chamado ‘ajuste externo’ iniciado incisivamente
nesse ano.
Tal ajuste consiste, essencialmente, na impossibilidade de financiar com
investimentos externos os sistemáticos déficits do BP, problema enfrentado de
forma contundente desde o fim de 2002. Os fluxos de capitais internacionais
quase minguaram ao chegar a esse ponto. Nessa situação, foi necessário
‘ganhar dinheiro’ com o comércio. E assim iniciou-se uma política de
exportação agressiva, como a desenvolvida durante a década de 1980 para o
pagamento do serviço da dívida externa.
Isso explica a dinâmica que vem sendo observada desde 1999, e, mais
fortemente, desde 2002 na balança comercial brasileira, e também nas
transações correntes do balanço de pagamentos. (Veja a Tabela 1, abaixo)
6
TABELA 1
Balanço de pagamentos
US$ milhões
Discriminação
1994
1995
10466
Balança comercial (fob)
1996
-3466
1997
-5599
1998
-6753
1999
-6575
-1199
2000
-698
2001
2002
2650
2003
13121
24794
2004
2005
2006
33641
44748
jan.
fev.
mar.
2820
2800
3634
abr.
jun.
jul.
ago.
set.
3074
3002
mai.
4071
5633
4513
4427
Exportação de bens
43545
46506
47747
52994
51140
48011
55086
58223
60362
73084
96475
118308
9271
8750
11366
9803
10275
11435
13622
13642
12548
Importação de bens
-33079
-49972
-53346
-59747
-57714
-49210
-55783
-55572
-47240
-48290
-62835
-73560
-6451
-5950
-7732
-6729
-7272
-7363
-7989
-9129
-8121
-14692
-18541
-20350
-25522
-28299
-25825
-25048
-27503
-23148
-23483
-25198
-34113
-3481
-2453
-2736
-3221
-2999
-3858
-2930
-2742
-2634
-5657
-7483
-8681
-10646
-10111
-6977
-7162
-7759
-4957
-4931
-4678
-8146
-463
-645
-637
-539
-854
-1047
-986
-986
-829
4392
4929
5038
6876
7897
7194
9498
9322
9551
10447
12584
16095
1649
1377
1747
1444
1615
1361
1570
1712
1564
-10049
-12412
-13719
-17522
-18008
-14171
-16660
-17081
-14509
-15378
-17261
-24241
-2112
-2023
-2384
-1983
-2469
-2408
-2556
-2698
-2393
-9035
-11058
-11668
-14876
-18189
-18848
-17886
-19743
-18191
-18552
-20520
-25967
-3019
-1808
-2099
-2682
-2145
-2811
-1944
-1755
-1805
2261
3369
5235
5159
4599
3935
3621
3280
3295
3339
3199
3194
316
307
704
418
1069
830
463
448
470
-11296
-14427
-16904
-20035
-22787
-22783
-21507
-23023
-21486
-21891
-23719
-29162
-3335
-2115
-2802
-3100
-3214
-3641
-2408
-2203
-2275
Serviços e rendas (líquido)
Serviços
Receita
Despesa
Rendas
Receita
Despesa
Transferências unilaterais correntes
1/
TRANSAÇÕES CORRENTES
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Conta capital
2/
Conta financeira
2414
3622
2446
1823
1458
1689
1521
1638
2390
2867
3236
3558
308
255
379
334
401
362
336
356
483
-1811
-18384
-23502
-30452
-33416
-25335
-24225
-23215
-7637
4177
11679
14193
-353
602
1278
187
404
575
3039
2127
2276
8692
29095
33968
25800
29702
17319
19326
27052
8004
5111
-7523
-9593
3098
139
1017
-3866
6404
-718
990
2529
-50
174
352
454
393
320
338
273
-36
433
498
371
663
75
48
70
61
102
73
58
71
66
8518
28744
33514
25408
29381
16981
19053
27088
7571
4613
-7895
-10256
3023
91
947
-3927
6301
-791
932
2458
-116
1460
3309
11261
17877
26002
26888
30498
24715
14108
9894
8339
12550
284
-924
1467
447
1186
424
930
-101
388
Investimento brasileiro direto
-690
-1096
469
-1116
-2854
-1690
-2282
2258
-2482
-249
-9807
-2517
-1191
-1778
-162
-344
-391
-637
-656
-1283
-1364
Participação no capital
-405
Investimento direto
-690
-1096
469
-1116
-2854
-1110
-1755
1752
-2402
-62
-6640
-2695
-1120
-1801
-165
-344
-390
-705
-160
-1287
Empréstimo intercompanhia
0
0
0
0
0
-580
-527
505
-81
-187
-3167
178
-71
23
3
0
-1
69
-496
3
-959
Investimento estrangeiro direto
2150
4405
10792
18993
28856
28578
32779
22457
16590
10144
18146
15066
1474
854
1629
790
1577
1061
1586
1182
1752
1972
4239
9893
16817
25479
29983
30016
18765
17118
9320
18570
15045
1113
568
940
689
1113
953
942
570
1636
178
166
898
2176
3377
-1405
2763
3692
-528
823
-424
21
361
286
689
101
464
108
644
613
116
50642
9217
21619
12616
18125
3802
6955
77
-5119
5308
-4750
4885
539
4380
1721
-5461
2635
-4533
-81
585
2711
-3405
-1155
-403
1708
-457
259
-1696
-795
-321
179
-755
-1771
309
688
-622
-167
1382
-556
-245
96
-81
-347
-244
-270
-361
20
-864
-1953
-1121
-389
-258
-121
-831
-2
-13
-57
-39
0
-276
-210
37
19
-3058
-912
-132
2069
-477
1123
258
326
67
437
-633
-940
311
701
-565
-128
1382
-280
-35
59
-100
54047
10372
22022
10908
18582
3542
8651
872
-4797
5129
-3996
6655
230
3691
2343
-5294
1253
-3976
163
490
2792
7280
3243
6145
6871
995
2572
3076
2481
1981
2973
2081
6451
1095
1700
-152
-48
1734
-189
611
44
-50
46767
7129
15876
4037
17587
971
5575
-1609
-6778
2156
-6076
204
-865
1991
2495
-5246
-481
-3787
-448
445
2842
-27
17
-38
-253
-460
-88
-197
-471
-356
-151
-677
-40
-12
122
64
51
36
-43
12
-16
21
4
280
99
164
257
642
386
567
933
683
467
508
8
108
43
37
42
33
23
50
27
-31
-263
-138
-416
-717
-730
-583
-1038
-1289
-834
-1145
-548
-19
14
20
14
-6
-75
-11
-66
-6
-43557
16200
673
-4833
-14285
-13620
-18202
2767
-1062
-10438
-10806
-27650
2212
-3486
-2304
1037
2444
3360
71
1990
-3237
Participação no capital
Empréstimo intercompanhia
Investimentos em carteira
Investimento brasileiro em carteira
Ações de companhias estrangeiras
Títulos de renda fixa
Investimento estrangeiro em carteira
Ações de companhias brasileiras
Títulos de renda fixa
Derivativos
Ativos
Passivos
Outros investimentos
Outros investimentos brasileiros
-13010
-1819
-10316
-1987
-11392
-4397
-2989
-6586
-3211
-9752
-2085
-5035
-252
-2406
-2779
1296
-1514
2916
-23
1469
-4854
Outros investimentos estrangeiros
-30547
18019
10989
-2846
-2893
-9223
-15213
9353
2150
-686
-8721
-22615
2464
-1081
475
-260
3957
444
94
521
1617
334
2207
-1800
-3255
-4256
194
2637
-531
-66
-793
-1912
-280
-54
28
30
-101
-39
-471
-112
-223
-269
7215
12919
8666
-7907
-7970
-7822
-2262
3307
302
8496
2244
4319
2691
769
2325
-3780
6769
-614
3917
4433
1957
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1/ Até 1978, inclui as transferências unilaterais de capital.
2/ Inclui transferências unilaterais de capital e cessão de marcas e patentes.
7
Questões para reflexão
1. A taxa de câmbio real efetiva encontra-se em um patamar sobrevalorizado em uma
perspectiva de longo prazo?
2. O controle por parte do governo da taxa de câmbio como variável-chave de incentivo às
exportações deve ser considerado como estratégia de desenvolvimento para o Brasil?
Questões aplicadas
1. Quais são as principais contas do balanço de pagamentos?
2. O que significa saldo comercial positivo?
3. Na visão adotada neste caso, qual foi o principal evento que gerou a reversão do saldo
comercial do Brasil no período 1994–2006?
4. Quais são as formas de financiamento de um déficit em transações correntes?
Leitura, referências adicionais e fontes de dados
Banco Central do Brasil – www.bcb.gov.br
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – www.ibge.gov.br
Banco de dados do IPEA – www.ipeadata.gov.br
8
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