conjuntura local

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REUNIÃO DE CONJUNTURA
13/03/2017
Conjuntura Local
A força da política monetária (Aílton Braga – 09/03/2017)............................................................. 1
Juros e Indignação cidadã (Luiz Carlos Bresser Pereira – 06/03/2017) ............................................ 2
A tragédia dos estados. O que fazer? (Mailson Ferreira da Nóbrega – 08/03/2017) ...................... 4
Reforma da Previdência (III), a expectativa de vida (Fábio Giambiagi – 05/03/2017) ...................... 5
O tal do retrovisor (Monica Baumgarten de Bolle – 08/03/2017) .................................................. 7
Antes que seja tarde (Paulo Guedes – 06/03/2017) ...................................................................... 8
Vamos acertar a microeconomia? (Marcos Lisboa – 05/03/2017) ................................................. 8
Refis, patentes e as ‘meias-entradas’ (Affonso Celso Pastore – 05/03/2017) ................................. 9
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A força da política monetária (Aílton Braga – 09/03/2017)
Ailton Braga é consultor legislativo do Senado e ex-analista do Banco Central
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Há muitas dúvidas sobre o grau de eficiência da política monetária no Brasil e
críticos de sua condução, mencionam, principalmente nos últimos dois anos, o elevado
custo em termos de redução do nível de atividade e aumento dos gastos públicos com
pagamento de juros, tudo isso associado à inflação alta e resistente à queda. Muitos
economistas passaram a levantar hipóteses teóricas para explicar a dificuldade da
política monetária para reduzir a taxa de inflação. Entre essas hipóteses estão a
dominância fiscal e até uma relação positiva entre taxa de juros e taxa de inflação no
longo prazo, com base na equação de Fischer, que relaciona a taxa de juros nominal
com taxas de juros reais e expectativas de inflação. O tema é polêmico e relevante e o
objetivo desse artigo é contribuir com o debate por meio da análise da relação
histórica entre taxa de juros e inflação no Brasil.
Do final de 2003 ao final de 2016, tivemos 4 ciclos de alta e 4 ciclos de queda
da taxa Selic. Todos os ciclos de alta, considerando-se a taxa Selic acumulada em 12
meses, foram seguidos por, com atraso de 5 meses a 10 meses, redução na Utilização
da Capacidade Instalada (UCI) do setor industrial, medida pela média de 12 meses. E
todos os ciclos de baixa da taxa Selic foram acompanhados de expansão da UCI, com
atraso de 4 meses a 10 meses. Dessa forma, a política monetária no Brasil afeta o
nível de atividade econômica na direção esperada: maiores taxas de juros reduzem a
atividade e elevam o hiato do produto. Os 4 ciclos de elevação da UCI e redução do
hiato do produto, no período mencionado anteriormente, foram seguidos de períodos
de aumento da taxa de inflação, medida pelo IPCA acumulado em 12 meses. Até
2013, os 3 períodos de redução da UCI e aumento do hiato do produto foram
acompanhados de redução da taxa de inflação. Entretanto, o ciclo de alta da Selic e
aumento do hiato do produto iniciado em meados de 2013 foi seguido de forte
elevação da taxa de inflação, em 2014 e 2015, apesar da recessão brutal do nível de
atividade. A taxa de inflação só voltou a cair a partir de fevereiro de 2016O período de
2 anos, de 2014 a 2015, de aumento de juros e retração do nível de atividade e,
concomitante, elevação da taxa de inflação, alimentou dúvidas sobre a eficiência da
política monetária e fortaleceu a hipótese da dominância fiscal, situação em que a
política monetária torna-se ineficiente devido aos efeitos negativos dos juros altos
sobre o déficit e a dívida pública gerarem expectativas de monetização da dívida. Mas
antes de afirmar que a política monetária no Brasil é ineficiente, é preciso considerar o
contexto em que ocorreu esse aumento da taxa de inflação. De 2011 a 2013, a taxa de
inflação, medida pelo IPCA acumulado em 12 meses, situou-se entre 5% e 7%,
sempre acima da meta de 4,5%. Ao mesmo tempo o controle do reajuste de tarifas
públicas passou a ser utilizado como mecanismo de política anti-inflacionária. Tudo
isso gerou dúvidas sobre a atuação do Banco Central e elevou as expectativas de
inflação, em um contexto de, praticamente, pleno emprego dos fatores de produção.
Esse foi o cenário em que, apesar do aumento da taxa Selic iniciado em meados de
2013, a inflação subiu ao longo de 2014.Em 2015, à baixa credibilidade da autoridade
monetária somaram-se os choques sobre a taxa de câmbio e as tarifas públicas. A
taxa de câmbio R$ por US$ subiu 47% em 2015, e os preços monitorados, 18,1%,
gerando forte pressão sobre a taxa de inflação, que medida pelo IPCA, foi de 10,7%
naquele ano, contra 6,4% em 2014.
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Passados os choques sobre a taxa de câmbio e tarifas públicas, a taxa de
inflação acumulada em 12 meses passou a cair ao longo de 2016, com a tendência de
queda continuando em 2017 e as expectativas de inflação para este ano e o próximo
atingindo o centro da meta, indicando a recuperação da credibilidade do Banco
Central.
No cenário atual, com valorização da taxa de câmbio, políticas fiscal e de
crédito dos bancos públicos mais restritivas, elevados hiato do produto e taxa de
desemprego, a tendência é que a inflação continue em queda e o Banco Central tenha
que acelerar o ritmo de redução da taxa Selic para evitar aumento dos juros reais e
deterioração adicional do nível de atividade econômica.
Talvez o foco da discussão não deva ser a eficiência da política monetária, mas
porque as taxas de juros são tão altas no Brasil e porque temos um PIB potencial tão
baixo, como indica o fato de, entre 2011 e 2014, com a economia operando em pleno
emprego e com todos os estímulos fiscais, creditícios e monetários, termos crescido
em média 2,3% ao ano.
Juros e Indignação cidadã (Luiz Carlos Bresser Pereira – 06/03/2017)
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da FGV. Foi ministro da Fazenda
(1987) e ministro da administração federal (1995-98).
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O Valor publicou no dia 14 de janeiro excelente artigo do André Lara Resende,
"Juros e conservadorismo intelectual", no qual ele rompe com a ortodoxia liberal
brasileira, que defende de maneira quase religiosa o alto nível de taxa de juros real
praticado pelo Banco Central desde 1994, e conclui, a partir da lógica das
"expectativas racionais", que os juros altos aceleram a taxa de inflação, ao invés de
causarem sua redução.
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Ele mostrou que a teoria macroeconômica vive profunda confusão, já que o
"quantitative easing" deixou definitivamente demonstrado que aumento da quantidade
de moeda não causa inflação. Algo que ele, eu e um pequeno grupo de economistas
sabíamos bem quando, no início dos anos 1980, desenvolvíamos a teoria da inflação
inercial e afirmávamos que a quantidade de moeda é um fator sancionador da inflação.
Naquela ocasião travávamos uma luta contra a "verdade" ortodoxa da época o monetarismo - que nos anos 1980 voltara a se tornar dominante. Mas os bancos
centrais não demoraram em perceber que o controle da oferta de moeda não levava
ao controle da inflação e abandonaram as metas monetárias. Em seu lugar colocaram,
pragmaticamente, a ideia da meta de inflação a ser perseguida pelos meios que
estivessem disponíveis, principalmente pela elevação da taxa de juros quando a
inflação se acelerava.
A crise da ortodoxia monetária foi tão grande que os monetaristas mudaram de
denominação: ao invés de economistas monetaristas, eles passaram a ser chamados
de economistas neoclássicos ou ortodoxos. E trataram imediatamente de envolver a
política de metas de inflação em um quadro neoclássico. Mas a coisa mais simples e
prática que fizeram foi adotar a equação de reação de Taylor, que não tem nada de
neoclássico. É simplesmente uma equação que relaciona a inflação e o hiato de
produto com a taxa de juros, no quadro de uma inflação keynesiana de demanda.
Para ficarem mais afinados com o pensamento neoclássico puro, que
aprendem nas universidades, os neoclássicos desenvolveram um discurso sobre a
necessidade de transparência e de credibilidade por parte das autoridades monetárias
e sobre a importância das expectativas - duas coisas que seriam razoáveis se não
implicassem a crença que as empresas pautarão suas expectativas e suas ações às
expectativas que as autoridades monetárias lhes propõem. Não obstante toda a
credibilidade que elas tenham, a experiência mostra que as autoridades monetárias
cometem grandes erros de política quando as expectativas que sinalizam para as
empresas estão em contradição com sua experiência e seus interesses.
Depois de 2008 o problema dos países ricos e de seus economistas deixou de
ser a inflação para ser a deflação. Este fato abriu espaço para que os teóricos das
expectativas racionais voltassem à carga. Segundo essa teoria, ao formarem suas
expectativas de forma "racional" os agentes econômicos teriam pleno conhecimento
dos fatos e da teoria verdadeira, de forma que, por exemplo, uma política fiscal
expansionista no quadro de uma recessão seria ineficaz porque os agentes
econômicos preveriam que teriam que pagar mais impostos no futuro para pagar a
expansão.
No caso dos juros e da inflação, os expectativistas racionais foram buscar a
equação de Irving Fischer, segundo a qual a taxa nominal de juros "de equilíbrio" é
igual à taxa de inflação mais a taxa real de juros. Essa é uma mera identidade, se
tirarmos o "de equilíbrio" da frase. Incluindo-o, e entendendo que a taxa de juros real é
determinada endogenamente - o que é muitíssimo discutível -, ao elevar a taxa de
juros o Banco Central causa o aumento da inflação.
André Lara Resende não é ortodoxo por natureza, mas foi nessa teoria que ele
foi buscar apoio para mostrar sua indignação cidadã contra o nível da taxa de juros
praticado pelo Banco Central do Brasil desde 1994. Seu artigo teve grande
repercussão, o que mostra seu prestígio, mas todos os seus críticos igualmente
ortodoxos discordaram dele.
Eu também discordo, porque rejeito o modelo hipotético-dedutivo axiomático
das expectativas racionais, mas diferentemente dos seus críticos, comungo com ele
sua indignação. Ele a expressou na seguinte frase: "Com a dívida pública em torno de
70% do PIB, uma taxa nominal de juros de 14% ao ano exige um superávit fiscal de
quase 10% do PIB para que a dívida nominal fique estável. Com a economia
estagnada e a inflação perto dos 6% ao ano, isso significa que é preciso um superávit
fiscal primário de quase 5% da renda nacional para estabilizar a relação entre a dívida
e o PIB".
André tentou encontrar uma explicação econômica para o problema. Não existe
explicação econômica; a causa fundamental dos altos juros no Brasil é o poder de
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rentistas e financistas. A explicação ortodoxa é que a taxa de juros seria alta porque o
Brasil não cumpre suas metas fiscais, mas o país cumpriu suas metas entre 1999 e
2012 e a taxa de juros não baixou.
É falso também que o Estado "não conseguiria financiar sua dívida se baixasse
os juros"; em última análise os rentistas não têm alternativa para aplicar seu dinheiro.
Sem dúvida, seria preciso acabar com a indexação da dívida pública. Mas o essencial
é termos um governo republicano, que mostre com clareza sua responsabilidade
fiscal, e tenha coragem de baixar o nível da taxa de juros em torno da qual o Banco
Central deve realizar sua política monetária.
A tragédia dos estados. O que fazer? (Mailson Ferreira da Nóbrega –
08/03/2017)
Mailson Ferreira de Nóbrega foi Ministro da Fazenda e consultor Técnico e Chefe da
Divisão de Análise de Projetos do Banco do Brasil.. Foi diretor-executivo do European
Brazilian Bank, Eurobraz, em Londres. Hoje é membro de conselhos administrativos
de empresas no Brasil e no exterior e sócio da Tendências Consultoria Integrada.
***
A crise financeira dos estados, que atinge intensamente o Rio de Janeiro,
Minas Gerais e o Rio Grande do Sul, é um filme conhecido, que vem sendo reprisado
desde o início dos anos 1980. Os defensores de maior descentralização deveriam
meditar sobre o assunto.
Todas essas crises têm origem semelhante. Combinam elevação temporária de
receitas — tributos ou crédito — com elevação irresponsável de gastos de pessoal.
Em 1983, os governadores começaram seus mandatos com recessão na
economia e arrecadação minguante. Descobriram, então, que os bancos estaduais
não recusavam seus cheques sem fundos. O primeiro a recorrer a isso foi Leonel
Brizola, do Rio, que quebrou o Banerj, o banco estadual fluminense.
Ao descobrir o rombo no banco, o Banco Central propôs a intervenção, o que
levaria ao fechamento da conta do estado. Haveria suspensão de pagamento a
fornecedores e funcionários. A Constituição da época previa a intervenção federal em
caos orçamentário como seria esse. Implicava afastar Brizola, recentemente eleito, em
plena transição para a democracia. Óbvio, nada foi feito. Outros governadores
perceberam que poderiam fazer o mesmo. Foi uma hemorragia. Aprovou-se, em
seguida, um programa de ajuda.
Em 1986, o boom de consumo provocado pelo Plano Cruzado inchou as
receitas estaduais. Os governadores aproveitaram para gastar mais. Quando o plano
fracassou, as receitas caíram, mas as despesas adicionais — com pessoal — não
puderam ser reduzidas. Nova crise. O governo mudou a regra. As intervenções
manteriam as agências abertas. Novo programa de ajuda aos estados foi criado.
Em 1994, o Plano Real criou ambiente semelhante. Os estados quebraram de
novo. O novo programa de ajuda foi condicionado à privatização de empresas e
bancos estaduais. A União assumiu as dívidas dos estados, mediante garantia de
retenção, pelo Tesouro, de recursos dos fundos de participação, em caso de
inadimplência. Em 2000, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
incluindo um limite para gastos de pessoal.
Crise nunca mais, imaginou-se. Ledo engano. Surgiram os royalties de petróleo
para estados como o Rio de Janeiro. O governo Dilma pôs-se a conceder aval para
novos empréstimos. O filme se repetiu. Além do aumento de gastos de pessoal,
governadores criaram artifícios para esconder despesas com o funcionalismo e assim
cumprir o limite fixado na LRF. A maioria quebrou novamente. Vem aí novo programa
de ajuda.
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Está na hora de rever a LRF, fixar novos parâmetros para a gestão fiscal dos
estados e municípios e criar severas restrições ao endividamento e à concessão de
aval pelo Tesouro Nacional. A nova legislação fecharia as brechas na LRF e criaria
novos mecanismos de fiscalização da gestão fiscal dos estados e municípios. Os
tribunais de contas estaduais fracassaram nesse mister.
Está provado que a maioria dos governadores mete os pés pelas mãos quando
dispõem de meios para expandir as despesas. Ainda estamos longe, infelizmente, de
formar uma cultura favorável à descentralização responsável.
Reforma da Previdência (III), a expectativa de vida (Fábio Giambiagi
– 05/03/2017)
Fábio Giambiagi é mestre em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da
UFRJ e graduado pela FEA/UFRJ. Trabalhou no Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e também foi professor de diversas cadeiras na UFRJ e da
PUC-RJ. Atualmente, faz parte do Departamento Econômico do BNDES.
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“Que estranho que ainda existam pessoas de sua idade”
Jorge Luis Borges, no final da sua vida, ao ser entrevistado por um jovem
jornalista argentino.
Temos hoje o terceiro dos quatro encontros para tratar dos temas associados
ao debate sobre a reforma da Previdência. O primeiro abordou a tese de que a nossa
Previdência seria superavitária; o segundo, o argumento de que se poderia prescindir
da reforma mediante a cobrança da dívida ativa; e hoje iremos tratar da expectativa de
vida.
Pense o leitor quantas vezes não escutou, palavras mais, palavras menos, o
seguinte discurso: “Tem gente que quer idade de aposentadoria aos 65 anos. Isso é
um absurdo. Afinal de contas, considerando a expectativa de vida ao nascer, isso
significa que a pessoa contribuiria durante 35 ou 40 anos e pouco tempo depois de se
aposentar morreria. Seria uma exigência profundamente injusta”. Um ou outro militante
contra a reforma, tentando mostrar maior conhecimento, dirá algo como “mesmo que
se considere a expectativa de vida do IBGE, a pessoa teria que trabalhar 35 anos para
depois viver aposentada por apenas mais 4 ou 5 anos; é uma crueldade”.
Vamos ver isso com calma. No momento em que o país se encontra, com os
ânimos à flor da pele e o debate sobre a reforma previdenciária já estabelecido na
Câmara de Deputados, é muito importante que as questões em jogo sejam discutidas
com clareza, sempre que preciso utilizando dados e procurando vencer a batalha das
ideias pelo convencimento.
Esse tipo de argumentos já era exposto quando se discutia a possibilidade de
uma reforma previdenciária no final da década de 1990, no governo Fernando
Henrique. Vamos aos números, então peço ao leitor que me acompanhe seguindo o
raciocínio a seguir.
Em 1999, quando esse debate estava começando a se intensificar, a
expectativa de vida ao nascer no Brasil, pela tábua de mortalidade original do IBGE,
era de 68 anos. Como isso se combina com os argumentos acima? Vejamos o que
cabe considerar.
Primeiro, o IBGE revisou as tábuas de mortalidade retrospectivamente e a
tábua válida para o mesmo ano de 1999 alterou a expectativa de vida ao nascer para
70 anos. Segundo, essa expectativa foi aumentando com o passar do tempo e a tábua
de mortalidade do IBGE hoje vigente mudou esse parâmetro para 76 anos.
Terceiro, a variável relevante quando se pensa nas questões previdenciárias
não é a expectativa de vida ao nascer e sim a expectativa de vida do universo das
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pessoas que alcançam a idade de se aposentar e, aos 65 anos, ela é hoje de 83 anos
(18 de sobrevida), como pode ser visto na tabela. Pensa-se, simplificadamente, num
grupo social de três subgrupos: um, que pesa 1%, vai morrer de mortalidade infantil
antes de completar 1 ano de vida; o outro, de pessoas que irão morrer antes de se
aposentar, por razões diversas, pesando 9%, e vivendo, em média, até os 30 anos; e
o terceiro, pesando 90%, que irá se aposentar aos 65 e viver até os 85 anos. A
expectativa de vida ao nascer é igual a 0,01×0 + 0,09×30 + 0,90×83 = 77 anos, mas a
de quem se aposenta é de 83 anos, porque é composta por pessoas que já venceram
o obstáculo do primeiro ano de vida — que ceifa aqueles afetados pela mortalidade
infantil — e das causa mortis da vida adulta — principalmente, acidentes, doenças do
coração e câncer.
Quarto, à medida que um mesmo grupo etário envelhece, o conjunto dos
sobreviventes tende a ser cada vez mais dominado pelas mulheres. Pelas projeções
do IBGE, em 2050, na faixa de 80/84 anos, 58,3% dos membros desse subgrupo
etário será composto por mulheres, o que significa que para cada homem haverá 1,4
mulheres; na faixa de 85/89 anos, 1,6; e na faixa de 90 anos e mais serão 2,1
mulheres para cada homem. E, aos 65 anos, a expectativa de vida, que na média de
ambos os sexos é de 83 anos, para as mulheres é de 85. Ou seja, no final desta
pequena viagem, o parâmetro de referência, que para o sindicalista inicialmente era de
68 anos, para as mulheres passou para 85.
Tudo muda na vida: a demografia, a Constituição… A única coisa que não
muda são os argumentos dos militantes radicais, que são os mesmos de 20 anos
atrás. Se o leitor escuta um militante falar contra a reforma previdenciária dizendo que
“no futuro a pessoa vai ter que trabalhar até os 65 anos e ao se aposentar vai morrer
logo depois”, pense na realidade de hoje de uma mulher que comece a trabalhar aos
20 anos, se aposente aos 50 e viva bem mais do que 80 anos. Toda vez que escutar
alguém usar o conceito de expectativa de vida ao nascer como argumento contra a
reforma, não se iluda: ele estará tentando enganá-lo com argumentos de má-fé.
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O tal do retrovisor (Monica Baumgarten de Bolle – 08/03/2017)
Monica de Bolle é PhD em economia pela London School of Economics and Political
Science. Foi Diretora do IEPE - Casa das Garças, sócia-diretora da Galanto MBB
Consultoria, economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professora da PUCRio. Hoje é Senior Fellow do Peterson Institute for International Economics, além de
Professora da SAIS - Johns Hopkins University.
***
“O legado de Dilma Rousseff finalmente ficou para trás.” Foi mais ou menos
assim que as autoridades brasileiras optaram por descrever o catastrófico resultado de
2016. O PIB encolheu 3,6%. A taxa de poupança fechou o ano em míseros 13,9% do
PIB. A taxa de investimento foi de apenas 16,4% do PIB. O encolhimento no ano
passado não poupou nenhum setor produtivo e nenhum componente da demanda. A
vermelhidão foi geral, hemorrágica. Mas, esse é o passado, dizem. Agora temos as
reformas, a recuperação, a safra recorde, avante. Avante?
Entre 2013 e 2016, o PIB per capita brasileiro, isto é, o valor de tudo o que
produzimos e geramos de renda dividido pelo número de habitantes caiu cerca de
9,5%. Para ter a dimensão do que isso significa, convido o leitor a fazer o seguinte
experimento: procure no site do IBGE as projeções para o crescimento populacional
de agora até 2024 – horizonte bíblico de sete anos. Com esses dados em mãos,
suponha que a economia brasileira fique estagnada em 2017, isto é, presuma que
tudo pare de piorar esse ano. Em seguida, suponha que em 2018 consigamos crescer
perto de 1%, e que daí em diante retomemos uma taxa de crescimento de uns 2,5%.
Diante da baixa produtividade da economia brasileira, difícil é imaginar que o Brasil
possa crescer mais do que esses 2,5% anuais. Usando esses dados e hipóteses, é
possível calcular a trajetória do PIB per capita nos próximos sete anos. Ela nada tem
de auspiciosa.
As contas mostram que o PIB per capita em 2023, 10 anos depois de a
economia brasileira registrar a última taxa de expansão razoável (de 2,5% em 2013),
ainda estará cerca de 1,5% menor do que logo antes da débâcle construída por Dilma
e Lula. De acordo com as hipóteses para o crescimento e com as projeções de
aumento populacional do IBGE, a economia brasileira apenas voltará a ter o mesmo
nível de PIB por habitante em 2024, isto é, no último ano do período bíblico. Diante
dessas constatações, é difícil engolir a tese do retrovisor. O estrago não ficou para
trás. A renda per capita brasileira provavelmente continuará a encolher durante o
próximo governo, e, possivelmente, durante parte do que virá depois do próximo.
Claro que é sempre possível imaginar cenários mais otimistas do que esse.
Imaginar é fácil, difícil é justificar. Sim, o governo brasileiro está levando a cabo
diversas reformas importantes para o País. Sim, o governo merece ser reconhecido
pelos avanços que conseguiu promover em meio ao caos político brasileiro. Mas, a
recuperação para valer, aquela que trata de níveis, não de taxas de crescimento
apenas, aquela que diz algo sobre em quanto tempo a economia brasileira terá
retornado aos anos pré-crise, não está logo ali. Se tudo correr bem, retornaremos ao
PIB per capita de 2013 daqui a muitos anos, não no ano que vem, nem no próximo. E,
isso exige pausa para reflexão. Exige sair da euforia dos mercados, das análises
corriqueiras de conjuntura. Isso exige pensar o que se fará para que o País consiga
crescer de forma sustentável a uma taxa modesta ao longo dos próximos vários anos.
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Antes que seja tarde (Paulo Guedes – 06/03/2017)
Paulo Guedes é economista com Ph.D pela Universidade de Chicago, EUA. É
fundador e sócio majoritário do grupo financeiro BR Investimentos e um dos quatro
fundadores do Banco Pactual. Foi professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio), na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no Instituto de
Matemática Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janeiro. Ex-CEO e sócio majoritário do
Ibmec.
***
O governo Temer precisa aprovar a reforma da Previdência antes que acabe
sua munição. Os principais homens do presidente estão na mira das investigações e
caem dos ministérios em constrangedora sequência. Além dos experientes políticos do
PMDB, há também importantes apoiadores no PSDB e no DEM entre os alvos das
colaborações premiadas. São eminentes articuladores, sobreviventes de uma selva
infestada de práticas degeneradas, espécimes aperfeiçoados da Velha Política dos
quais depende a eficácia do governo.
Sem essa coluna da reforma previdenciária, desaba o teto de gastos e vem
abaixo todo o regime fiscal. A economia voltaria em poucos meses a mergulhar no
caos. A perspectiva de controle da expansão dos gastos públicos pela primeira vez em
quase 40 anos é a mais importante âncora de um programa anti-inflacionário bemsucedido e com pouco sacrifício em perda de produção e de empregos. Trata-se da
dimensão fiscal que faltou em capengas tentativas anteriores de estabilização. Mesmo
o Plano Real teve de botar os juros na Lua por falta dessa mudança de regime fiscal,
que veio apenas no segundo mandato de FHC e, ainda assim, de forma branda e à
base do aumento de impostos.
A ininterrupta expansão de gastos públicos por décadas corrompeu a
República e levou a economia à estagnação. A concentração de recursos no governo
central enfraqueceu a Federação. O establishment político está em ruínas. É patético
que haja congressistas sonhando com o parlamentarismo quando o Parlamento está
em seu pior momento desde a redemocratização. A crise de representatividade se
aprofunda. Como o establishment perdeu a decência, será avassaladora a renovação
pelas urnas nas eleições de 2018.
A independência do Ministério Público, da Polícia Federal e do Poder Judiciário
é a grande novidade de nosso traumático, mas inegável, avanço institucional. A
revelação de um sistema político degenerado é um inestimável serviço ao
aperfeiçoamento de uma democracia emergente. Mas a tarefa de reconstrução caberá
às novas lideranças que emergirão das urnas em 2018. O que esperamos de Temer e
seus aliados é que aprovem com urgência as reformas previdenciária e trabalhista,
antes que seja tarde, pela eventual interdição de seus articuladores à luz das
investigações da Lava-Jato.
Vamos acertar a microeconomia? (Marcos Lisboa – 05/03/2017)
Marcos de Barros Lisboa é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi
secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e
atualmente é Presidente do Insper.
***
A economia apresenta importantes sinais de melhora. Existem, porém,
obstáculos para a retomada sustentável do crescimento, sobretudo na indústria.
8
No começo de 2016, a crise fiscal, o forte crescimento da dívida pública, a
trajetória dos gastos com Previdência e a agenda ambígua do governo anterior
resultaram na maior probabilidade de insolvência do setor público em alguns anos.
A consequência foi o aumento das taxas de inflação, juros e câmbio.
O novo governo tem demonstrado seu compromisso com as reformas. A
agenda será longa, afinal foram muitos os equívocos desde 2009, além dos problemas
estruturais que postergamos enfrentar, como as regras da Previdência.
A mudança na política econômica reduziu a probabilidade de insolvência. A
consequência tem sido a redução da taxa neutra de juros, aquela associada à
estabilidade da inflação.
Zeina Latif tem apontado que a taxa neutra pode apresentar uma queda similar
à observada no primeiro mandato do governo Lula e pode cair para cerca de 8%. Isso
permitiria uma redução acentuada da Selic em simultâneo à queda da taxa de inflação.
A macroeconomia conspira para que o país venha a recuperar ao menos parte
da queda de quase 10% da renda per capita nos últimos anos.
Existem, porém, obstáculos a serem superados para que a melhora da
macroeconomia resulte na retomada do crescimento nos anos à frente.
Primeiro, a agenda fiscal apenas se inicia. Além da reforma da Previdência,
existem outros desafios, como o difícil e grave problema dos Estados.
Segundo, as intervenções setoriais do governo anterior resultaram em
empresas pouco competitivas em vários setores. Muitas, talvez, não sobrevivam.
Paradoxalmente, setores que tiveram seus pedidos de incentivo e proteção
atendidos pelo antigo governo agora enfrentam severas dificuldades. Deve-se ter
cuidado com o que se deseja. Afinal, os pedidos podem ser atendidos.
Terceiro, diversas decisões judiciais têm protegido as empresas em
dificuldades em detrimento das garantias previstas nos contratos de crédito. A
consequência será o menor, e mais caro, crédito para as demais empresas no futuro.
Por fim, a estrutura tributária, que já não era boa, piorou significativamente. As
seguidas alterações nas normas e a sua complexidade crescente geram insegurança
sobre as regras do jogo, consomem recursos impensáveis nos demais países e
resultam em um contencioso tributário que prejudica a retomada do investimento,
sobretudo na indústria.
A melhor trajetória da macroeconomia se beneficiaria de uma agenda
microeconômica que reduza distorções, simplifique as regras e garanta maior
segurança jurídica.
Refis, patentes e as ‘meias-entradas’ (Affonso Celso Pastore –
05/03/2017)
Affonso Celso Pastore possui graduação e doutorado em economia na Universidade
de São Paulo. Atua como professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e
como consultor na área de economia e é membro do Conselho de Administração do
Grupo Gerdau. Foi secretário da Fazenda do estado de São Paulo e presidente do
Banco Central do Brasil de 1983 a 1985.
***
Com a sucessão de Refis iniciada em 2000, os empresários aprenderam que
deixando de recolher os impostos terão o benefício de prazos mais extensos e da
generosa redução de multas e juros. Tornou-se vantajoso deixar de recolher os
impostos diante da possibilidade do benefício de um financiamento barato que nada
mais é do que uma das inúmeras “meias-entradas”, que como tem sido apontado por
Marcos Lisboa favorecem alguns em detrimento da sociedade como um todo. A atual
equipe econômica abandonou esse caminho e editou a Medida Provisória 766/2017,
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criando o Programa de Regularização Tributária, através do qual somente aceita
estender o prazo de recolhimento dos impostos em atraso com o pagamento de multa
e juros. Concordo com essa postura, e exponho as razões traçando um paralelo com o
caso da concessão de patentes.
Ao preservar o direito de propriedade, a patente dá ao inventor a exclusividade
temporária na exploração comercial de sua invenção, mas o benefício do aumento da
produtividade decorrente da inovação tecnológica ocorre ao lado de um custo, que é
um preço mais elevado vindo do monopólio da venda da inovação. Suponha que fosse
possível ficar apenas com o benefício do aumento da produtividade sem o custo dos
preços mais elevados. É o que ocorreria caso todas as patentes registradas até aquele
momento fossem eliminadas, com o evento ocorrendo apenas uma vez, dando livre
acesso a quem quisesse explorá-las comercialmente. A livre concorrência derrubaria
os preços, transferindo aos consumidores os benefícios das inovações tecnológicas
até aquele momento.
Por que eliminá-las apenas uma vez? A razão é simples: sem a proteção da
propriedade intelectual incorporada nas patentes não haveria mais incentivo para
inovar. Com a sua eliminação apenas uma vez obteríamos temporariamente o
benefício da competição, reduzindo os preços, e o pronto restabelecimento das novas
patentes traria de volta os incentivos às inovações tecnológicas.
Esta seria uma solução brilhante se não existisse o que na Teoria Econômica é
denominado por “inconsistência temporal”, que é um fenômeno que ocorre também no
exercício da política monetária, e que em 2004 levou Finn Kindland e Edward Prescott
ao Prêmio Nobel em Economia. Como não há maneira alguma capaz de garantir que a
suspensão das patentes ocorrerá somente uma vez, não há como gerar a certeza de
que o evento não se repetirá no futuro. Se a regra for rompida uma vez, o mais
provável é que seja rompida outras vezes, o que elimina o risco de deixar de recolher
os impostos. Afinal, a repatriação de capitais que também deveria ocorrer apenas uma
vez foi imediatamente seguida de outra.
O Refis, da forma como existiu desde a sua primeira ocorrência, em 2000, é
um exemplo clássico desse tipo de erro. No exercício de seu poder de lobby, os
empresários pressionam o governo para recolher os impostos em atraso com prazos
longos e sem a cobrança de multa e juros. Se existisse um mecanismo crível que
permitisse que o “truque” fosse realizado uma única vez, o governo obteria um ganho
once and for all de receita, e os empresários se livrariam de um passivo fiscal,
começando vida nova.
Mas pelo menos até recentemente a história brasileira dava um exemplo
prático de que não havia como garantir que não fossem aprovados novos Refis com
aquelas características. Com isso, a melhor estratégia por parte dos empresários
diante de um problema de caixa era parar de pagar os impostos. É um financiamento
vantajoso para os empresários, mas com consequências nefastas para a sociedade,
porque em vez de provocar um aumento de arrecadação estimula fortemente a sua
queda, induzindo os bons pagadores a usarem a mesma estratégia dos que deixam
deliberadamente de recolher os impostos.
Governos míopes seguem pelo caminho do Refis. Governos competentes
conhecem o teorema da inconsistência temporal, e ainda que sob protestos de muitos
empresários cobram os impostos devidos e encaminham soluções para os problemas
de caixa das empresas removendo riscos, derrubando a inflação e reduzindo a taxa de
juros.
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