relato de caso - Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de

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RELATO DE CASO
Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2016. [No prelo].
Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
avançado: relato de caso
Mucosectomy as a treatment of Chagas disease’s megaesophagus in advanced stage:
a case report
Catharina Cardoso Januário de Souza¹, Laís Yumi Sakano¹, Melanie Mayumi Horita¹,
Vitor Ramalho Bardauil¹, Paulo Henrique Fogaça de Barros², Ruy França de Almeida²,
Celso de Castro Pochini², Danilo Gagliardi3
Resumo
Abstract
Introdução: O Megaesôfago avançado é tratado cirurgicamente, com a possibilidade da realização de diferentes
técnicas; dentre elas, a mucosectomia. Ela é vantajosa em
vista da eliminação de um tempo cirúrgico, a toracotomia,
reduzindo complicações pulmonares. Relato do caso:
Trata-se de paciente portadora de megaesôfago de etiologia
chagásica, sendo optada pela realização da mucosectomia,
reconstrução pelo tubo gástrico e jejunostomia. A paciente
evoluiu com coleção mediastinal e invaginação jejunojejunal
ao nível da jejunostomia. Discussão: Apesar de a mucosectomia ser uma técnica sem toracotomia, que reduz a morbi-mortalidade, ela não é isenta de outras complicações, como
as descritas no caso. A coleção mediastinal entre a camada
muscular do esôfago ressecado e o tubo gástrico é uma das
complicações mais raras desta técnica cirúrgica, assim como
a invaginação jejunojejunal, infrequente após a realização de
jejunostomias. Conclusão: O relato deste caso demonstra
que a mucosectomia apresenta complicações que, raras ou
não, devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente para
um resultado terapêutico satisfatório.
Introduction: The advanced stage of megaesophagus is
treated surgically, through several different techniques,
such as Mucosectomy. This one is advantageous, once there
is no need of thoracotomy, avoiding pulmonary complications. Case Report: Pacient presenting megaesophagus
by Chagas’ disease, treated with mucosectomy, gastric tube
reconstruction and jejunostomy, evaluated to mediastinal
collection and jejunjejunal invagination at jejunostomy
site. Discussion: Despite the fact that mucosectomy is a
technique without thoracotomy, which reduces morbidity
and mortality, it is not free from other complications, such as
those presented in the case report. The mediastinal collection
between the resected esophagus’ muscle fibers and the gastric
tube is one of the most rare complications of this surgical
technique, such as jejunjejunal invagination is infrequent
after jejunostomy. Conclusion: This case report illustrates
that the mucosectomy technique presentes complications
that, rare or not, must be diagnosed and treated precociously
in order to obtain a satisfactory therapeutic result.
Keywords: Esophagus/surgery, Esophagectomy, Esophageal achalasia, Intestinal mucosa/surgery, Gastric mucosa/
surgery, Chagas disease/complications
Descritores: Esôfago/cirurgia, Esofagectomia, Acalasia
esofágica, Mucosa intestinal/ cirurgia, Mucosa gástrica/
cirurgia, Doença de Chagas/complicações
Introdução
Define-se Megaesôfago como uma dilatação e
alongamento do tubo muscular esofágico, impedindo
o correto trânsito alimentar. Apesar do megaesôfago
existir na forma não chagásica, em enfermidades mais
raras, o megaesôfago chagásico ainda é o de maior
prevalência no Brasil, uma vez que o país apresenta
sítios endêmicos da doença. Na doença de Chagas,
ocorre a destruição dos plexos mioentéricos do esôfago
pela ação parasitária direta ou indireta do Trypanosoma
Cruzi, agente etiológico da doença.
A principal característica clínica dessa afecção
é a disfagia progressiva que pode evoluir em anos,
1. Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo – 6º Ano do Curso de Graduação em Medicina
2. Médico 2º Assistente da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Departamento de Cirurgia
3. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo – Departamento de Cirurgia
Trabalho realizado: Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo - Departamento de Cirurgia
Endereço para correspondência: Danilo Gagliardi. Rua Dr.
Cesário Mota Jr, 112 – Vila Buarque – 01221-020 – São Paulo, SP
– Brasil. E-mail: [email protected]
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Souza CCJ, Sakano LY, Horita MM, Bardauil VR, Barros PHF, Almeida RF, Pochini CC, Gagliardi D. Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
avançado: relato de caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2016. [No Prelo].
diferentemente das disfagias que evoluem em menor
tempo, mais relacionadas a processos neoplásicos.
Além da disfagia, o paciente pode relatar regurgitação, pirose e perda de peso, pela dificuldade para se
alimentar adequadamente. A doença de Chagas pode
se manifestar de outras formas, podendo afetar o sistema cardiovascular e o colón. Contudo, quando há
suspeita de acometimento esofágico, é importante a
investigação do megaesôfago, por meio da Endoscopia
Digestiva Alta, manometria, e das Radiografias de
esôfago, estômago e duodeno contrastadas(1).
O megaesôfago é classificado de acordo com os
resultados dos exames manométrico e radiográfico,
sendo a manometria o padrão-ouro para diagnóstico e classificação. No megaesôfago desaparece o
movimento peristáltico coordenado, prevalecendo
ondas sincrônicas de pressão por todo o esôfago, que
impossibilitam a condução do bolo alimentar da faringe ao estômago. Além da alteração da peristalse, há
redução significativa da pressão do corpo do esôfago.
Os padrões utilizados na literatura nacional para a
classificação do megaesôfago (avançado e não avançado) são: o do HC-FMUSP, que considera avançado
quando o corpo do esôfago apresenta pressão menor
ou igual a 10 mmHg; e a do Professor Eduardo Crema
(UFTM), quando a pressão é menor que 15 mmHg,
classificação esta adotada pelo grupo do esôfago do
Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo da FCMSCSP, na maioria das vezes(2,3).
O tratamento do megaesôfago é cirúrgico, a não
ser nos casos onde a condição clínica do paciente não
permita a intervenção. As alternativas cirúrgicas para
o tratamento do megaesôfago são: a cardiomiotomia a
Heller com valvuloplastia(4) para a forma não avançada; e, para a forma avançada, a esofagectomia subtotal,
a cirurgia de Serra Doria, a esofagoplastia redutora ou
a mucosectomia(5-7).
É importante considerar as características clínicas
dos pacientes com megaesôfago antes da abordagem
cirúrgica, uma vez que a doença de Chagas, como
já citado, também afeta o aparelho cardiovascular,
sendo importante balancear os riscos e benefícios do
tratamento operatório de cada paciente.
Como em todos os procedimentos cirúrgicos, há
chance de complicações e morbidade pós-operatória,
além de recidivas(8,9).
A esofagectomia subtotal sem toracotomia, embora não seja a terapêutica cirúrgica ideal para todos
os casos de megaesôfago avançado, é uma opção
naqueles doentes com condição clínica para sua realização, com a vantagem de evitar o comprometimento
da dinâmica respiratória, reduzindo a frequência de
complicações pulmonares. Quando comparada com
a cirurgia transhiatal, a esofagectomia transtorácica
resulta em um maior tempo de exposição do paciente à
ventilação mecânica no pós operatório e maior tempo
de estadia hospitalar, incluindo permanência em UTI.
O procedimento transtorácico apresenta maior
morbidade precoce, principalmente por causas pulmonares, e maior mortalidade. Dentre as complicações,
são relatadas: mediastinite, quilotórax, fístula traqueal,
paralisia do nervo laríngeo, sangramentos, infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar e causas gerais,
como pneumonia e atelectasia(10). Entretanto, durante
o descolamento mediastinal do esôfago que, com intensa periesofagite acarreta aderências da víscera aos
folhetos pleurais, pode ocorrer a abertura da pleura
e, como consequência, o desenvolvimento de hemo
ou hidropneumotórax, acarretando maior morbidade
pós-operatória(11,12).
Além disso, é notório que, no megaesôfago avançado, a esofagite de estase predisponha a instalação
de lesões pré-neoplásicas ou neoplasias propriamente
ditas (carcinoma espinocelular)(7).
Tendo em vista tais considerações é que se cogitou
a técnica da Mucosectomia, método que, do ponto de
vista básico, consiste na retirada da mucosa e preservação do tubo muscular do esôfago, evitando a manipulação da camada muscular intimamente aderida
ás estruturas mediastinais. Desse modo, seria feita a
profilaxia de lesões mucosas pré-neoplásicas, das lesões intraoperatórias de vias aéreas e das complicações
pleuroplumonares.
Para a realização da mucosectomia, o paciente é
colocado em decúbito dorsal horizontal com o pescoço
para a direita, já que o tempo cervical da cirurgia é feito
do lado esquerdo do pescoço. Um coxim é colocado
sob os ombros para proporcionar maior extensão do
pescoço.
Primeiramente realiza-se a laparotomia mediana
desde o apêndice xifoide até aproximadamente cinco
centímetros abaixo da cicatriz umbilical. A seguir, é
feita a exploração criteriosa da cavidade abdominal,
prosseguindo com a dissecção e o isolamento do
esôfago abdominal, com secção dos ramos anterior
e posterior do nervo vago, facilitando a mobilização
esofágica.
Depois de isolado o esôfago abdominal, é realizada a secção longitudinal da musculatura em sua
face anterior desde a cárdia até o hiato esofágico,
expondo-se a mucosa em toda a sua circunferência,
da camada muscular, em uma extensão de cinco a
sete centímetros.
No tempo abdominal ainda, é feito o preparo do
estômago para a gastroplastia (tubo gástrico) e a realização de jejunostomia para a alimentação a mais ou
menos 20 cm do ângulo duodenojejunal.
É feita a cervicotomia lateral esquerda acompanhando a borda interna do músculo esternocleidomastoideo, desde a fúrcula esternal até uma extensão de
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Souza CCJ, Sakano LY, Horita MM, Bardauil VR, Barros PHF, Almeida RF, Pochini CC, Gagliardi D. Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
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10cm, com isolamento do esôfago, junto à fáscia pré-vertebral e face anterior e lateral esquerda da traqueia.
Em seguida, realiza-se a secção longitudinal da
musculatura na face anterior do esôfago cervical com
extensão de aproximadamente 5 cm ao nível da fúrcula esternal, expondo a mucosa no mesmo princípio
do tempo abdominal. Disseca-se a mucosa como no
tempo abdominal, em toda a sua circunferência da
túnica muscular.
Neste ponto da cirurgia, o cilindro mucoso já está
isolado tanto no abdome quanto no pescoço. A partir
de então, é realizada uma pequena abertura nas faces
anterior e inferior da mucosa do esôfago abdominal
para colocação de uma sonda nasogátrica em sua luz,
com direcionamento no sentido da extremidade distal
para proximal até exteriorizá-la, através de pequeno
orifício realizado na face anterior e inferior da mucosa
do esôfago cervical.
Em seguida, secciona-se a mucosa do esôfago
cervical, em toda a sua circunferência, sendo a porção
distal da mucosa esofágica amarrada na extremidade
da sonda.
É feita a extração evertida do cilindro mucoso
esofágico através da tração contínua e lenta da extremidade cervical da sonda no sentido craniocaudal. Após
a retirada do cilindro mucoso, é feita uma secção transversal da transição esofagogástrica em todas as suas
túnicas e fechamento da abertura gástrica, deixando a
túnica muscular esofágica aberta no nível abdominal.
Por fim, realiza-se a delimitação e reparo da porção
do esôfago cervical remanescente para a anastomose
com o tubo gástrico.
A ascensão do estômago previamente tubulizado
(tubo de grande curvatura), já com piloroplastia realizada até a região cervical é feita através da passagem de nova sonda nasogástrica pelo tubo muscular
remanescente do esôfago, no sentido crânio-caudal.
A anastomose esofagogástrica é executada em
dois planos de sutura, preferencialmente executada
na face posterior do tubo gástrico, tendo-se o cuidado
de apor a mucosa gástrica à mucosa esofágica, sendo
esta o plano mais importante de sutura.
Após revisão sistemática da cavidade abdominal
e da região cervical, coloca-se em todos os pacientes
dreno de Penrose, tanto na região cervical quanto na
região abdominal, sendo nesta com a extremidade distal do dreno junto ao hiato diafragmático do esôfago. A
seguir é realizado o fechamento da parede por planos
em ambos os locais(7,13).
médico com queixa de “dificuldade para engolir há
aproximadamente 07 anos”, disfagia progressiva e
regurgitação, com piora há 1 ano. Apresentou perda
ponderal de 6kg neste período, negando outros antecedentes patológicos. Ao exame físico encontrava-se
em bom estado geral, hidratada, eupneica, afebril,
anictérica, boa perfusão periférica, murmúrio vesicular presente bilateralmente, sem ruídos adventícios;
abdome plano, flácido, indolor, sem visceromegalias
palpáveis, com ruídos hidroaéreos presentes e normais; peso de 50 kg (IMC = 21,09).
Foram realizados exames laboratoriais, que
mostraram função renal, função hepática, eletrólitos,
hemograma, TGO e TGP dentro dos valores de referência, sendo a única alteração a sorologia para Chagas
positiva.
A Manometria esofágica registrou: Pressão do
corpo do esôfago de 12 mmHg, ondas peristálticas
síncronas, ausência de relaxamento do esfíncter inferior do esôfago e esfíncter superior sem alterações.
Diagnosticou-se megaesôfago avançado de etiologia chagásica, sendo proposta a cirurgia de Mucosectomia Esofágica com reconstrução do trânsito via
tubo gástrico (ressecção da pequena curvatura), com
piloroplastia e jejunostomia única.
Após avaliação clínica que permitiu a intervenção cirúrgica, a mucosectomia foi realizada através
da cervicotomia e laparotomia, tendo o trânsito sido
reconstituído por tubo gástrico da grande curvatura,
introduzido no tubo muscular esofágico, que permaneceu.
A paciente recebeu alta no décimo segundo dia de
pós-operatório sem intercorrências, recebendo dieta
geral por via oral.
Relato do caso
Paciente MJL, 44 anos, sexo feminino, natural de
Pernambuco, residente em São Paulo há 25 anos, trabalhando como auxiliar de limpeza. Procurou o serviço
Fotografia 1 – Intra-operatório.
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Souza CCJ, Sakano LY, Horita MM, Bardauil VR, Barros PHF, Almeida RF, Pochini CC, Gagliardi D. Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
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Fotografia 2 – Mucosa esofágica retirada.
Fotografia 4 – Esôfago, Estômago, Duodeno Radiografia
com contraste.
Aos trinta dias do pós-operatório, a paciente passa
a relatar disfagia, emagrecimento (perda de 5kg) e
fraqueza. Ao exame físico encontrava-se desidratada
e descorada. Optou-se, então, pela internação para
compensação clínica e investigação diagnóstica. Foram solicitados exames laboratoriais, radiografia de
tórax, radiografia de esôfago, estômago e duodeno
e tomografia computadorizada de tórax e abdome.
A endoscopia digestiva alta mostrou: Anastomose
esofagogástrica a 18cm da arcada dentaria superior,
pérvia, ampla e sem lesões aparentes. Estômago tubuliforme com pregueamento regular, piloro centrado
e transponível.
Na tomografia computadorizada do tórax
visualizou-se grande coleção liquida preenchendo
todo o tubo muscular esofágico, adjacente ao estômago, desde a região cervical até a diafragmática.
Tal coleção exercia compressão extrínseca na carina e
principalmente no brônquio do lobo superior direito,
com importante redução do seu calibre (fotografia 5).
Na tentativa de realizar a drenagem de tal coleção
guiada por ultrassonografia houve intercorrências,
tendo a paciente evoluído com insuficiência respiratória, pneumotórax hipertensivo e choque. Na punção
descompressiva no segundo espaço intercostal na
linha hemiclavicular direita e drenagem do hemitórax
direito no quinto espaço intercostal houve saída de ar
e secreção seropurulenta.
Após a drenagem ocorreu estabilização hemodinâmica, que permitiu realização de videotoracoscopia
para diagnóstico e drenagem adequada da coleção
(aspiração e drenagem pleural).
Evoluiu bem, tendo no trigésimo nono dia de
pós-operatório, apresentado dor no andar superior do
abdômen, náuseas, vômitos, distensão, e descompressão brusca dolorosa à palpação abdominal. Realizada
tomografia computadorizada de abdome que mostrou
sinais sugestivos de suboclusão intestinal, a nível de
delgado proximal e líquido livre na cavidade.
Indicada laparotomia exploradora, na qual foram
aspirados 1500 ml de líquido sero-hemorrágico turvo
Fotografia 3 – Radiografia de tórax em 30 dias de pós-operatório.
Na análise das radiografias pode-se observar a
imagem do esôfago aumentado, como se o megaesôfago não tivesse sido operado (fotografia 3), além
do trânsito alimentar comprometido por provável
compressão extrínseca do tubo gástrico (fotografia 4).
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Souza CCJ, Sakano LY, Horita MM, Bardauil VR, Barros PHF, Almeida RF, Pochini CC, Gagliardi D. Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
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Fotografia 5 - Imagens tomográficas evidenciando coleção líquida entre camada muscular do esôfago e tubo gástrico.
da cavidade, contatando-se invaginação jejuno-jejunal
ao nível da jejunostomia (fotografia 6). A cabeça da
invaginação era a extremidade distal da sonda nasoenteral fraturada. Foi feita lavagem e limpeza da
cavidade, redução da invaginação sem necessidade de
ressecção intestinal e retirada de jejunostomia.
A paciente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar
no quinquagésimo quarto dia do pós-operatório da
Mucosectomia com alimentação oral sem resíduos.
Discussão
A técnica da mucosectomia tem diversas vantagens, sendo a principal delas evitar o comprometimento do mediastino, reduzindo a frequência
de lesão de vias aéreas e complicações pleuropulmonares. O epitélio da mucosa do esôfago é plano
estratificado, resistente, e a submucosa tem poucas
fibras colágenas e muitas elásticas, tornando-a mais
flexível e solta, que facilita o descolamento do plano
muscular. Além disso, na ressecção por inteiro do
cilindro mucoso-submucoso, faz-se tanto a profilaxia
Fotografia 6 – Intra-operatório da laparotomia exploradora.
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Souza CCJ, Sakano LY, Horita MM, Bardauil VR, Barros PHF, Almeida RF, Pochini CC, Gagliardi D. Mucosectomia no tratamento de megaesôfago chagásico
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quanto a erradicação das lesões inflamatórias crônicas que se apresentam em vista da estase alimentar,
que favorecem, a longo prazo, o desenvolvimento de
afecções malignas.
Mesmo evitando o comprometimento do mediastino, complicações pleuropulmonares são descritas
em estudos sobre a mucosectomia, como o hemo-hidropneumotórax (aproximadamente 5% dos casos),
e a infecção pulmonar associada a pequeno derrame
pleural, ambos com boa evolução com drenagem
torácica.
Outras complicações descritas são a estenose e
a deiscência da anastomose esôfago-tubogástrico. A
primeira apresenta melhora após sessões de dilatação endoscópica, e a segunda tem boa evolução com
tratamento conservador. Ambas estão relacionadas
à técnica de sutura (mecânica ou manual) e não à de
ressecção da mucosa. Além das complicações citadas
pode ocorrer ainda outras tardias, como a compressão
do estômago interposto, a perviedade da transição
gastroduodenal, a esofagite, a gastrite e a coleção
líquida intramediastinal ou, como no caso relatado,
entre a túnica muscular esofágica remanescente e
o tubo gástrico. São diagnosticadas por tomografia
computadorizada, endoscopia digestiva alta e/ou
radiografia contrastada do esôfago.
Em estudo realizado no Serviço de Cirurgia do
Hospital e Maternidade Celso Pierro – PUC-Campinas,
que pesquisou complicações tardias da mucosectomia
em 50 pacientes, 9,7% apresentaram coleção líquida
entre o tubo gástrico e a capa muscular esofágica,
porém, assintomáticos. O estudo relacionou essa
alteração a duas prováveis complicações: a permanência de fragmentos da mucosa esofágica à sua túnica
muscular, promovendo secreção constante entre o tubo
gástrico e a camada muscular esofágica remanescente,
ou uma irritação constante da serosa gástrica sobre a
túnica muscular esofágica associada ao peristaltismo
do estômago, promovendo a criação de recessos que
facilitam a formação da coleção(14).
Em discussão com a equipe que acompanhou o
caso em questão, acredita-se ainda em uma terceira
hipótese; a não abertura adequada do hiato esofágico
no intraoperatório, visto que o megaesôfago da paciente era gigante. Foi relatado também sangramento
considerável da camada muscular durante a mucosectomia, que poderia ter facilitado a formação de uma
coleção hemática entre o tubo gástrico e a camada
muscular esofágica.
É necessário compreender que qualquer afecção
esofágica tem influência importante na qualidade de
vida dos pacientes, sendo essencial, portanto, realizar
um bom acompanhamento pós-operatório. Deve-se
avaliar a qualidade da deglutição, regurgitação pós-prandial com ou sem decúbito, evolução ponderal e
satisfação com a intervenção e retorno às atividades
profissionais(14).
Em relação a outra complicação apresentada pela
paciente, pode-se considerá-la tão rara quanto a primeira. As complicações da jejunostomia podem ser
mecânicas, como deslocação, obstrução ou migração
da sonda; infecciosas, tais como a formação de abscessos intra-abdominais e peritonite; e metabólicas como
hipoglicemia, hipocalemia, desequilíbrio hidroeletrolítico, hipofosfatemia e hipomagnesemia. As mais
encontradas são a estenose ou a obstrução do intestino
e a formação de pertuitos ou coleções extraluminais. A
invaginação jejuno-jejunal após jejunostomia, por sua
vez, tem um risco extremamente baixo de ocorrer, sendo
referida na literatura incidência menor que 1%. A sintomatologia pode variar, porém é comum a presença de
vômitos de aspecto bilioso, dor e massa abdominal transitória, podendo, ainda, ocorrer casos assintomáticos.
A cabeça da invaginação pode ser induzida pela ponta
da sonda dobrada ou fraturada; por um processo inflamatório causado pelo tubo gerando uma hipertrofia
da mucosa; por um peristaltismo retrógrado do jejuno
devido a ocorrência de vômitos; ou até pela força de
injeção durante a alimentação pela jejunostomia. Além
disso, um tecido adiposo diminuído em pacientes com
alterações de nutrição seria um fator de risco adicional,
uma vez que permite um movimento mais livre do
intestino, por ter omento e mesentério reduzidos(15,16).
No caso relatado, a paciente apresentava, na cabeça da
invaginação, a sonda enteral fraturada, o que acredita-se
que possa ter induzido tal complicação.
Os fatos ocorridos ressaltam a importância do
acompanhamento pós-operatório e da identificação de
possíveis complicações relacionadas ao tratamento. A
mucosectomia é um procedimento bastante difundido,
porém realizado por um número reduzido de profissionais. É essencial que se identifiquem as complicações mais comuns e mais graves, que podem acometer
um paciente já debilitado por sua condição prévia,
sendo de extrema importância que estas sejam registradas na literatura. Ainda mais, que em procedimentos
habituais como a jejunostomia, saiba-se diagnosticar
uma alteração, mesmo que rara, tratando-a de forma
adequada e evitando sua recidiva. Acredita-se que o
relato deste caso seja importante na lembrança destas
complicações no acompanhamento de portadores de
megaesôfago avançado, submetidos à mucosectomia,
assim como naqueles que se utilizam da jejunostomia
como via alimentar.
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Trabalho aprovado: 04/08/2016
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