86 Correção cirúrgica de persistência de arco aórtico direito em

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JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2008 v.1, n.2 , p. 86-93
Correção cirúrgica de persistência de arco aórtico direito em felino de
dois anos: relato de caso
Surgical correction aortic arch persistence in an 2-year-old feline: a case
report
1
STURION, D. J. ; STURION, M. A. T. 1; STURION T. T. 1; STURION, A. L. T.2;
SALIBA, R. 1; DIAMANTE, G.3; BORDOLINI, S. L. S.4
Resumo
A persistência do quarto arco aórtico direito pode obstruir o esôfago e a traquéia e
interferir em suas funções normais devido à constrição causada por esta anomalia.
Este trabalho descreve um caso de megaesôfago secundário à persistência de arco
aórtico direito (PAAD) diagnosticado em um gato siamês de dois anos de idade, com
sinais de disfagia, fraqueza e regurgitação persistente após a ingestão de alimentos. O
exame radiográfico contrastado com sulfato de bário demonstrou dilatação esofágica e
sua constrição na base do coração. A anomalia vascular foi confirmada após
exploração e correção cirúrgicas.
Palavras-chave: megaesôfago, disfagia, arco aórtico.
Abstract
The persistence of the fourth aortic arch obstructs the esophagus and trachea and
interferes with its normal functions due to constriction caused by this anomaly. The
present work describes a case of megaesophagus secondary right aortic arch
persistence (RAAP) diagnosed in an 2-year-old male siamese cat with signs of
dysphagia, weakness and persistent regurgitation following feeding. The oesophagram
showed an dilatation esophageal and constriction at the base of the heart through
barium sulphate. The vascular anomaly was confirmed at surgical exploration. The
clinical and surgical aspects of this patology are related.
Key-words: megaesophagus, dysphagia, aortic arch.
Professor do Curso Medicina Veterinaria Roque Quagliato/FIO/FEMM
Médico Veterinário
3
Discente do Curso de Medicina Veterinária/UNOPAR
1
2
4
Discente do Curso Medicina Veterinária Roque Quagliato/FIO/FEMM
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de tamanho médio e seu calibre
Introdução
As
anomalias
anéis
varia de 2 a 2,5 cm de diâmetro,
alterações
quando vazio5,6. É um órgão largo e
congênitas provocadas por defeitos
dilatável, exceto em sua origem, o
na
lúmen faringoesofágico, no qual há
vasculares
dos
são
embriogênese
aórticos1.
A
dos
anomalia
arcos
do
anel
uma constrição7.
vascular mais comum em cães é a
persistência do arco aórtico direito
Persistência de arco aórtico
(PAAD), que envolve o esôfago
direito e ducto arterioso patente
dorsalmente, sendo à sua direita
compreendem as anomalias do anel
localizado
à
vascular mais freqüentes em cães2
esquerda o ligamento arterioso e
(KOÇ et al., 2004). A PAAD ocorre
ventralmente a base cardíaca2.
quando o 4º arco aórtico direito
o
arco
aórtico,
persiste ao invés do esquerdo,
As anomalias, de um modo
geral,
são
hereditárias,
alterações
resultam
aceitas
como
possivelmente
cromossomais
nessas
durante a formação do arco aórtico4.
alterações3.
por
As anomalias vasculares são
que
raras em gatos2,3 sendo, desta
A
forma,
difícil
estabelecer
uma
presença dessas más formações
predileção racial nesta espécie. No
ocasiona
compressão
caso dos cães, o pastor alemão e o
extraluminal esofágica ao nível da
seter irlandês estão entre as raças
a
1
base cardíaca . A constrição do
mais acometidas3.
esôfago provoca um megaesôfago
secundário,
geralmente
com
Esta afecção caracteriza-se
localização cranial a este local de
por
dilatação
generalizada
do
compressão4.
esôfago e perda parcial ou total do
peristaltismo deste órgão, podendo
O esôfago é um conduto
ser secundário a qualquer condição
musculomembranoso que conecta a
que provoque o rompimento do
faringe
reflexo
ao
comprimento
estômago.
é
Seu
de
aproximadamente 30cm em um cão
nervoso
deglutição,
ou
funcionamento
controlador
que
dos
afete
da
o
músculos
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esofágicos, resultando na retenção
tratar de uma afecção de caráter
do material ingerido no esôfago e
hereditário, através de genes recessivos15.
na distensão esofágica 8,9.10, 11 . A
doença
é
menos
diagnosticada
comumente
em
gatos
As
vascular
anomalias
do
são
principais
as
anel
e,
causas de disfagia e dilatação
quando encontrada, pode ser
do esôfago em animais jovens 3 .
atribuída a anomalias do anel
Os
vascular, corpos estranhos ou
vasculares
12
espasmo pilórico .
animais
com
anomalias
usualmente
histórico
de
têm
regurgitação,
principalmente após ingestão de
O
megaesôfago
é
um
alimentos sólidos 2 .
termo descrito pela dilatação do
esôfago, e é uma manifestação
Sinais
de
megaesôfago
de uma série de doenças. O
incluem regurgitação seguida de
termo megaesôfago secundário
perda de peso, desidratação e
compreende todas as formas de
fraqueza.
dilatação do esôfago, na qual a
ocorrer logo após a ingestão do
10,13,14
A
regurgitação
pode
.
alimento ou até 2 horas depois12. O
Os gatos siameses e siameses
paciente pode parecer clinicamente
mestiços
normal, embora magro, mas em
causa pode ser identificada
apresentam
alta
incidência 12 .
geral se torna progressivamente
debilitado. Em alguns pacientes,
O
para
pode-se palpar o esôfago cervical
animais com megaesôfago deve
dilatado contendo alimento ou gás.
ser,
Sinais respiratórios como tosse,
no
prognóstico
mínimo,
reservado,
sendo que os pacientes com
respiração
ofegante
e
distúrbios adjacentes primários
conjuntamente
podem melhorar se tal distúrbio
geralmente indicam uma pneumonia
for tratado com êxito 8,10,13 . No
por aspiração secundária2.
com
cianose,
febre,
caso particular de felinos, o
prognóstico é reservado e tem
Há
muitas
causas
de
sido aconselhado que gatos com
regurgitação em cães e gatos.
megaesôfago não sejam utilizados
Na
para
radiografias torácicas deverão
reprodução,
acreditando-se
ocorrência
de
vômito,
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ser
realizadas
possa
para
observar
os
que
se
achados
cirúrgica para correção do anel
vascular9.
clássicos de megaesôfago8,13,14.
O
tratamento
cirúrgico
consiste na identificação de qual
As
radiografias
torácicas
tipo de anomalia vascular está
mediastino
cranial
acometendo o animal, visualizada
ampliado, com ou sem evidência de
durante o procedimento cirúrgico.
revelam
2
pneumonia por aspiração . Pode
Posteriormente, deve ser realizado
haver evidência de um esôfago
o isolamento do anel vascular para
dilatado, cheio de ar, líquido ou
posterior
ingerido8,13,14.
material
O
secção
e
liberação
esofágica do tecido fibroso no local
constrição19.
deslocamento ventral da traquéia
da
também pode ser evidenciado2,16. O
cirúrgico e a divisão do ligamento
diagnóstico
arterioso
é
firmado
pela
radiografia contrastada do esôfago,
é
o
O
tratamento
método
mais
18
adequado .
que permitirá evidenciar, além de
megaesôfago,
uma
constrição
O objetivo deste trabalho é
esofágica na base do coração17. O
relatar um caso de megaesôfago
exame radiográfico não distingue
secundário à persistência de arco
PAAD de outras anomalias do anel
aórtico direito em um felino de 2
vascular18.
anos de idade, abordando desde
seu
em
histórico,
sinais
clínicos
e
O tratamento clínico consiste
método diagnóstico até a técnica
pequenas
cirúrgica empregada.
sólidas
ou
fornecidas
refeições
líquidas
com
o
semi-
freqüentes,
animal
em
Relato de caso
posição elevada2,16 num ângulo de
45-90º
em
relação
ao
solo,
Um felino de nome Joshua, do
mantendo-o por 15 minutos nesta
sexo masculino e com 2 anos de
2,13,16
posição após a alimentação
.
idade, mestiço Siamês, foi atendido
Na presença de pneumonia por
em uma clínica particular na cidade
aspiração, esta condição deve ser
de Bandeirantes, no Paraná, com
tratada
histórico de disfagia, regurgitação e
antes
da
intervenção
89
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Ao
colocado em plano anestésico com
exame físico, observou-se presença
anestesia inalatória controlada, e
de halitose e sialorréia. Segundo a
realizada
proprietária, o paciente apresentava
esquerda em nível do 5º espaço
regurgitação
minutos
intercostal,
ingestão
de
emagrecimento
progressivo.
após
a
alimentos,
toracotomia
com
iniciando-se
incisão
costal,
dorsalmente
partir
encaminhado
costela, continuando sobre o
Veterinário
Hospital
da
UENP
–
seu
porção
corpo
dorsal
a
principalmente sólidos. O animal foi
ao
da
lateral
costal
até
costocondral,
da
a
Universidades Estaduais do Norte
articulação
com
do Paraná – “Campus FALM”, para
incisão dos músculos grande
realização de radiografia.
dorsal e intercostais (externo e
interno), e da pleura parietal.
O
exame
contrastado
foi
radiográfico
realizado
Em seguida foi posicionado o
com
afastador de Finochetto para
sulfato de bário (3ml.kg ), no qual
exposição da cavidade torácica.
evidenciou-se
Foi
-1
presença
de
realizada
uma
cuidadosa
estenose do lúmen esofágico na
hemostasia e divulsão da área
base
onde
do
coração
e
dilatação
se
localizava
esofágica cranial à estenose. Não
persistência
houve
com
direito com dupla ligadura do
pneumonia aspirativa. Com base no
ligamento arterioso que, após
histórico,
seccionado,
achado
compatível
nos
apresentados
sinais
e
no
clínicos
laudo
do
arco
a
liberou
aórtico
a
compressão esofágica.
radiográfico obtido, o diagnóstico
sugerido
secundário
foi
de
a
megaesôfago
uma
anomalia
vascular.
O pós-operatório foi realizado
com fluidoterapia e administração
de dimetilsufóxido (DMSO) na dose
de 0,8 ml.kg-1 intravenosa e uso
O animal foi encaminhado
antibioticoterapia. A alimentação foi
para cirurgia corretiva da anomalia
preconizada após dois dias da
vascular na clínica CEDIVET da
intervenção cirúrgica, com ração
cidade de Londrina, no Paraná.
triturada e umedecida. O animal
Após
recuperou-se do procedimento
sua
preparação,
ele
foi
90
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operatório após 8 dias, com a
antibioticoterapia. Na manhã do dia
retiradas dos pontos e já se
seguinte, o paciente Joshua veio a
alimentando normalmente.
óbito
após
comprometimento
respiratório e sinais de sepse. O
proprietário não autorizou que fosse
Resultado e discussão
realizada necropsia.
Após
21
dias
da
correção
cirúrgica, o paciente retornou à
clínica
Conclusão
com
peso
mantido
e
apresentando
bons
sinais
de
Anomalias vasculares devem
convalescença. Os episódios de
ser corrigidas cirurgicamente logo
regurgitação apresentaram-se mais
que
brandos e apenas ao se alimentar
sucesso do tratamento cirúrgico e
com dieta semi-sólida e quando o
da
período de elevação pós-prandial
pacientes eventualmente vêm a
(cerca
eram
óbito antes que haja diminuição do
respeitado. Porém, aos 63 dias pós-
lúmen esofágico e apresentem-se
cirúrgicos, o felino retornou com
resultados positivos em relação à
sinais
regurgitação
20
minutos)
de
não
caquexia
e
diagnosticadas.
terapia
Apesar
alimentar,
dos
do
muitos
alimentos.
O
comprometimento pulmonar severo.
principal agravante do megaesôfago
Ao
apresentava
é a pneumonia secundária devido
temperatura retal de 40,6º Celcius e
aspiração do refluxo esofágico de
crepitações pulmonares. O exame
ingestas, tornando o prognóstico
radiográfico confirmou a suspeita de
sempre reservado para os animais
broncopneumonia.
acometidos com esta doença.
exame
físico,
Foi
internado
com fluidoterapia, broncodilatador e
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Recebido em: Outubro de 2008
Aceito em: Dezembro de 2008
Publicado em: Julho - Dezembro de 2008
93
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