108 LESÕES CÁUSTICAS E CORROSIVAS DO TRATO GASTROINTESTINAL Dr. Osvaldo José Luporini Prof. Dr. Eugênio Américo Bueno Ferreira As lesões cáusticas e corrosivas do trato digestivo constituem um desafio à medicina, pois são acompanhadas de morbi-mortalidade elevada, determinam seqüelas importantes e exigem para seu tratamento procedimentos demorados, repetitivos e delicados. Decorrem da ingestão acidental de cáusticos ou alcalinos em crianças e pessoas embriagados em 35% das vezes, e da ingestão voluntária, como tentativa de suicídio, em 65% dos casos. O tipo e extensão das lesões dependem da natureza da substância (alcalina ou ácida), da concentração, da quantidade ingerida, da apresentação líquida ou sólida do produto e da duração da exposição ao tecido. Os alcalinos causam necrose liqüefativa e agridem mais o esôfago, ao passo que os ácidos causam necrose de coagulação e lesam mais o estômago. CLASSIFICAÇÃO Io Grau - lesão limitada à mucosa provocando hiperemia, edema e necrose superficial; sem estenose ou formação de cicatriz. IIo Grau - lesão profunda da mucosa com formação de exudato e necrose profunda, com exposição da musculatura do esôfago. IIIo Grau - lesão de todas as camadas da parede do esôfago e estômago, podendo levar ao desenvolvimento de mediastinite, peritonite e lesões de órgãos vizinhos, como fígado, vesícula biliar, pâncreas e baço. QUADRO CLÍNICO Sensação de queimadura, edema de lábios, boca e faringe, odinofagia, disfagia, sialorréia, vômitos e até hematêmese são sintomas freqüentes. Quando ocorre lesão do trato respiratório pode ocorrer rouquidão, estridor e afonia. Sibilos, estertores, dispnéia, diminuição do murmúrio vesicular e macicez são manifestação de aspiração da substância cáustica pelas vias respiratórias. Hipotensão e hipovolemia são sinais de lesões letais por perfuração, mediastinite ou peritonite. 109 DIAGNÓSTICO Baseado na história, exame físico, laringoscopia, RX de tórax, RX de abdome e endoscopia precoce. A esofagogastroscopia cada vez mais vem sendo utilizada no atendimento inicial (primeiras 24 h). Serve como instrumento de dilatação precoce e o endoscópio infantil pode ser usado de rotina, por possuir menor calibre. CLASSIFICAÇÃO ENDOSCÓPICA DAS LESÕES CORROSIVAS (ZARGAR): Grau I : edema e eritema Grau IIA: hemorragias, erosões, bolhas, úlceras superficiais e exudato Grau IIB: lesões circunferenciais Grau III : úlceras múltiplas e profundas de cor preta ou cinza escuro . Grau IV : perfuração COMPLICAÇÕES: PRECOCES: Vias aéreas: lesões obstrutivas da laringe, epiglote e cordas vocais. Aspiração para traquéia, brônquios e parênquima pulmonar podendo levar a pneumonia. Esôfago e estômago: diferentes graus de queimadura podendo chegar a perfuração, mediastinite, peritonite e morte. TARDIAS: Estenose esofágica e raramente antro-pilórica. Discute-se a predisposição par ao aparecimento de incidência neoplasias subseqüentes. Ao que tudo indica o refluxo gastroesofágico pelo encurtamento do esôfago pode favorecer o aparecimento de adenocarcinoma esofágico. A mortalidade é mais baixa nas crianças. Nos adultos com propósitos suicidas, alcança 5%. Conduta na fase aguda Avaliar função respiratória e se necessário, realizar entubação endotraqueal; Avaliação Clínica Completa: história, exame físico, rotina de laboratório, laringoscopia, RX de tórax, RX de abdome e endoscopia digestiva. 110 Na ausência de lesão promover a alta hospitalar no 2o ou 3o dia; Na vigência de lesão de mucosa sob visão endoscópica: Jejum; Nutrição Parenteral, se necessário; Antibioticoterapia com Cefalosporina de 1ª geração (7dias). Se febre, reavaliar esquema; Bloqueador H2 ou inibidor da bomba de prótons; Analgesia; Hidrocortisona (500mg de 8/8h) apenas na vigência de edema de laringe. O uso de cortisona não impede nem diminui a ocorrência de estenose; Antieméticos (dramamine, ondansentron); Apoio psicológico; Na vigência de lesão de mucosa com perfuração esofágica: Acesso venoso central; Cirurgia de urgência: as possibilidades cirúrgicas implicam nas técnicas de esofagostomia cervical, toracotomia com esofagectomia, laparotomia com esofagectomia trans-hiatal, gastrectomia, gastrostomia e jejunostomia. Drenagem mediastinal e pleural – Mandatória; Antibioticoterapia de amplo espectro; Nutrição Parenteral; Conduta na Fase Crônica Tratamento endoscópico de dilatação com dilatadores de Eder-Puestow, Savary-Gilliard ou Balão Hidrostático. Na impossibilidade da dilatação, considerar esofagocoloplastia. Nos pacientes com estenose antral, considerar a realização de gastrectomia parcial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Zhou JH, et al. Management of corrosive esophageal J Thorac Cardiovasc Surg. 2005 Aug; 130(2): 449-55. burns in 149 cases. 2. Mazigh Mrad S, et al. Therapeutic management and clinical course of severe caustic oesophageal burns in children treated with methyl-prednisolone. Experience at a digestive endoscopic unit. Tunis Med. 2004 Oct; 82(10):951-7. French. 3. Brankov O. Severe combined corrosions of the esophagus and stomach-diagnostic and treatment. Khirurgiia (Sofiia). 2003; 59(5): 7-10. Bulgarian. 111 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Admissão de paciente; Avaliação clínica; Diferenciar ácidos de álcalis Tempo de duração; Ressuscitação Lesão esofagiana Grau I Tratamento de suporte com alta precoce Rx tórax; Rx abdômen; EDA precoce; Lesão esofagiana Grau II - III Analgesia Jejum Nutrição enteral por sonda, considerar NPP Antibioticoterapia IBP Corticoterapia Lesão esofagiana Grau IV Cirurgia + drenagem de cavidades