Perfil de pacientes em pré-operatório para transplante de fígado em

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Perfil de pacientes em pré-operatório para transplante de fígado em
hospital de ensino
Profile of patients preoperatively to liver transplant in a teaching hospital
Lucas Lima Ferreira1, Paulo César Arroyo Júnior2, Rita de Cássia Martins Alves da Silva3, Neuseli Marino Lamari3,4,
Odete Mauad Cavenaghi2
1
Curso de Mestrado em Fisioterapia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Presidente Prudente-SP, Brasil; 2Hospital
de Base da Fundação Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto-SP, Brasil; 3Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto-SP, Brasil; 4Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade de Medicina de São José do
Rio Preto, São José do Rio Preto-SP, Brasil.
Resumo
Objetivo – Descrever dados epidemiológicos de pacientes com cirrose hepática internados em um hospital de ensino, com base nos pareceres fisioterapêuticos solicitados. Métodos – Trata-se de um estudo retrospectivo transversal, realizado em um hospital-escola. Foram selecionados os pareceres realizados no período entre janeiro de 2009 a novembro de 2010, e obtidos dados referentes à etiologia, sexo, faixa
etária, espirometria e alterações físico-funcionais. Resultados – Verificou-se maior prevalência para a hepatite por vírus C e a hepatite
alcoólica, sendo o gênero masculino o mais afetado, com idade de 51 ± 10,9 anos, abdome globoso ascitíco foi a alteração físico-funcional
mais relevante. Conclusão – Tais dados se mostraram similares aos da literatura.
Descritores: Cirrose hepática; Epidemiologia; Fisioterapia
Abstract
Objective – To describe epidemiological data of patients with liver cirrhosis admitted to a teaching hospital, based on advice requested physical therapy. Methods – This is a retrospective study, conducted in a teaching hospital. We selected the opinions in the period between
January 2009 to November 2010, and obtained data regarding the etiology, sex, age, spirometry, and physical and functional changes.
Results – A higher prevalence of hepatitis C virus and alcoholic hepatitis, and males were the most affected, aged 51 ± 10.9 years, distended
abdomen ascites are the change most relevant physical and functional. Conclusion – These data are similar to those shown in the literature.
Descriptors: Liver cirrhosis; Epidemiology; Physical therapy
Introdução
negativamente na morbidade e na mortalidade3-6.
Os doentes com doença hepática são classificados
pelo escore de Child-Turcotte-Pugh (CTP), que utiliza
cinco critérios – sendo dois clínicos e três laboratoriais7.
Recentemente, outra classificação está sendo utilizada
no Brasil com a finalidade de avaliar a gravidade da
doença e como critério de alocação de órgãos. A gravidade dos receptores para transplante de fígado é avaliada
numericamente por um índice denominado Model for
End-stage Liver Disease (MELD), que mensura o risco de
mortalidade das doenças hepáticas graves de diferentes
etiologias e serve para graduar a severidade da doença7.
O transplante de fígado representa um grande avanço
terapêutico às doenças hepáticas crônicas, pois, anteriormente, era possível apenas tratar as complicações,
sendo que, atingida uma determinada fase, a doença
evoluía para o óbito8. Na Europa as taxas de sobrevida
de pacientes adultos, um e cinco anos após o transplante
hepático são 81% e 62% e, nos Estados Unidos 86,9% e
73,4% respectivamente. Não há informações consolidadas para todo o Brasil, sobre a sobrevivência de enxertos
e de pacientes após o transplante hepático9.
Os pacientes com cirrose hepática de diferentes etiologias apresentam-se desnutridos e susceptíveis a infecções, o que, por consequência, debilita a sua função
muscular e respiratória. Eles podem ainda apresentar ascite e derrame pleural, decorrentes de uma série de fatores, entre eles, a hipertensão portal. Devido à evolução
O fígado desempenha papel central no metabolismo,
interferindo na função de quase todos os demais órgãos
e sistemas do organismo. Assim, pacientes com doenças
graves do fígado habitualmente apresentam diversas manifestações sistêmicas da insuficiência hepática1. Entre
as doenças que acometem o fígado, a cirrose hepática é
considerada o tipo mais comum, sendo caracterizada
pela substituição difusa da estrutura hepática normal por
nódulos de estrutura anormal circundados por fibrose, é
o estádio final comum de uma série de processos patológicos hepáticos de diversas causas, como o etilismo,
as hepatites crônicas virais e autoimunes, além daquelas
de ordem metabólica, vascular ou biliar2.
As complicações que acometem os pacientes com cirrose hepática incluem acúmulo de líquidos extravasculares, hemorragia digestiva, alterações na função renal, infecções, distúrbios da coagulação e um largo espectro de
alterações neuropsiquiátricas. Aproximadamente 50 a
60% dos pacientes com cirrose hepática desenvolvem
ascite, por dificuldade de manipulação renal do sódio e
da água, gerando um prognóstico reservado aos pacientes
e levando a uma sobrevida de 50% em dois anos3. A desnutrição protéico-calórica tem sido descrita como uma
condição presente em todos os pacientes com cirrose hepática; outra alteração importante é a perda da massa
muscular e óssea. Todos esses fatores podem influenciar
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da doença, em alguns casos a massa muscular pode estar
comprometida3 e a força dos músculos respiratórios diminuída10. Outra comorbidade comum é a síndrome hepatopulmonar (SHP), que consiste na tríade composta
por doença hepática, dilatações vasculares intrapulmonares e hipoxemia em portadores de doença hepática
crônica ou hipertensão portal11-14.
A pressão intra-abdominal elevada afeta a função de
órgãos e tecidos adjacentes, o que faz com que a pressão
intratorácica aumente e comprima os pulmões, prejudicando a relação ventilação/perfusão15. Alguns autores
observaram que a ascite volumosa e tensa altera a mecânica respiratória e diminui a complacência da caixa torácica3. A principal alteração se apresenta nos volumes
pulmonares e na capacidade residual funcional, que melhoram após paracentese, sem melhora na oxigenação16.
Existem várias formas para avaliar o status nutricional
de pacientes com cirrose hepática, sendo eles: por meio
da ingestão protéico-calórica, avaliação da composição
corporal, força muscular, tanto de músculos respiratórios,
quanto de musculatura de membros superiores e inferiores, como também por meio de volumes e capacidades
pulmonares4,6,10. Com o agravamento da doença, grande
parte dos pacientes cirróticos apresenta diminuição do
trofismo e força muscular, por isso é necessária uma avaliação global8.
Com base no exposto, o objetivo deste estudo foi descrever os dados epidemiológicos de pacientes com cirrose hepática internados em um hospital de ensino, com
base nos pareceres fisioterapêuticos solicitados.
sente estudo. Houve maior prevalência no sexo masculino
com 67% (n=33). A faixa etária variou entre 12 e 71 anos,
e a média de idade encontrada foi de 51 ± 10,9 anos.
Foram encontradas diferentes etiologias (Tabela 1), das
quais, as de maior prevalência foram a hepatite por vírus
C (VHC) e a hepatite alcoólica (23%) respectivamente. A
opção outras etiologias, que correspondeu a 20% (n=10)
dos casos verificados, correspondeu aos casos de hemocromatose, cirrose biliar secundária, cirrose descompensada e outras causas a esclarecer.
Tabela 1. Etiologia dos pacientes com cirrose hepática
n
Percentual
VHC
VHB
VHC+HCC
AI
VHC+ALD
ALD
Outras
11
3
7
4
3
11
10
23%
6%
14%
8%
6%
23%
20%
VHC: Hepatite por vírus C; VHB: Hepatite por vírus B; HCC: Carcinoma hepatocelular; AI: auto-imune; VHC+ALD: Hepatite por vírus C + Hepatite alcoólica;
ALD: Hepatite alcoólica; n: número de pacientes
Em relação à avaliação pulmonar realizada pelo exame
de espirometria (Tabela 2), os dados demonstraram que
houve maior prevalência (60%) de provas ventilatórias
dentro dos limites da normalidade (n=29).
Tabela 2. Resultados do exame de espirometria
Métodos
Trata-se de um estudo retrospectivo, quantitativo e de
caráter transversal, que foi realizado junto ao Centro de
Processamento de Dados (CPD) do Hospital de Base de
São José do Rio Preto-SP, identificando os indivíduos
com laudos médicos de cirrose hepática e os pareceres
fisioterapêuticos solicitados destes pacientes.
Foram selecionados os pareceres fisioterapêuticos realizados no período entre janeiro de 2009 a novembro de
2010. Destes, foram obtidos dados referentes à etiologia,
sexo, faixa etária, espirometria e alterações físico-funcionais. Os dados epidemiológicos abordados encontram-se disponíveis em um livro documento da Unidade
de Transplantes da Fundação Faculdade Regional de Medicina (Funfarme), denominado Parecer Fisioterapêutico,
que permanece arquivado na Unidade de Transplantes,
sendo utilizado pelos fisioterapeutas sempre que um parecer fisioterapêutico é solicitado.
Os dados foram analisados de forma quantitativa, e
apresentados por meio de análise descritiva. Foram utilizadas as frequências de ocorrência e os dados são apresentados como percentuais, médias e desvio padrão.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de São José do
Rio Preto-SP (Famerp) sob protocolo nº 6623/2010.
Resultados
n
Percentual
PVDLN
DVTO
DVTR
DVTM
DVI
29
8
6
4
2
60%
16%
12%
8%
4%
PVDLN: Prova ventilatória dentro dos limites de normalidade; DVTO: Distúrbio
ventilatório do tipo obstrutivo; DVTR: Distúrbio ventilatório do tipo restritivo;
DVTM: Distúrbio ventilatório do tipo misto; DVI: Distúrbio ventilatório inespecífico
Quanto às alterações físico-funcionais analisadas foi
observado que o abdome globoso ascitíco foi a mais recorrente, sendo verificada em 20 dos pacientes com cirrose hepática (Quadro 1).
Quadro 1. Alterações físico-funcionais dos pacientes com
cirrose hepática
Alteração físico-funcional
n
Abdome globoso ascitíco
Icterícia
Dispnéia
Edema MMSS
Edema MMII
Fadiga aos esforços
Dificuldade para deambulação
Dor
Outras
20
6
6
2
12
4
3
3
10
MMSS: membros superiores; MMII: membros inferiores
Resultados
As alterações físico-funcionais definidas como outras
(n=10) incluíram: déficit visual no olho esquerdo, amplitude de movimento articular (ADM) limitada até 90º para
Foram identificados 49 pareceres fisioterapêuticos de pacientes com cirrose hepática no período avaliado pelo preFerreira LL, Arroyo Júnior PC, Silva RCMA, Lamari NM, Cavenaghi OM.
Etiologia
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portal com formação de colaterais porto-sistêmicos que
desviam o sangue portal para a circulação sistêmica23-24.
Outro fator importante, a dispnéia, comum nos grandes
volumes líquidos abdominais, devido à compressão diafragmática e consequente restrição da expansão pulmonar25. Estes dados corroboram o presente estudo, no qual,
o abdome globoso ascitíco, a icterícia e a dispnéia foram
as alterações físico-funcionais de maior prevalência para
a amostra estudada.
Leitão et al.19 (2003) encontraram ainda outras alterações como déficit de força de membros inferiores (32%),
de equilíbrio (34,8%), da velocidade da marcha (66,7%)
e desnutrição (62,5%). Tais alterações se assemelham às
encontradas neste trabalho e que foram classificadas
como outras.
É importante ressaltar a escassez de estudos voltados à
intervenção fisioterapêutica no pré-operatório de transplante hepático com base nas complicações que já se
encontram instaladas nesse período, assim como, evidenciou-se a ausência de dados epidemiológicos específicos na literatura pertinente voltados ao objeto de interesse do fisioterapeuta.
A presente investigação apresentou limitações no que
tange a ausência de uma intervenção terapêutica préoperatória focada nas alterações respiratórias e funcionais que se observa em pacientes que se encontram na
espera pelo transplante de fígado, além, da necessidade
de um maior número de pacientes para confirmação
dos dados epidemiológicos apresentados a fim de extrapolação destes achados para todos os portadores de cirrose hepática.
Em contrapartida, esta pesquisa traz como perspectivas
a formação inicial de um banco de dados epidemiológicos de interesse à fisioterapia, que ciente das alterações
funcionais a que pacientes cirróticos estão expostos já
no pré-operatório, pode voltar atenção a este período
atuando sobre estes pacientes com técnicas específicas
que podem potencializar uma melhor recuperação pósoperatória.
flexão de ombro esquerdo, déficit de equilíbrio na posição ortostática, ADM diminuída para flexão de joelhos,
presença de pinos em região de tíbia direita e úmero esquerdo, enxerto de pele em região de perna direita e
desnutrição generalizada.
Discussão
O presente estudo verificou maior prevalência para a
hepatite por vírus C e a hepatite alcoólica, havendo maior
acometimento no gênero masculino, com idade de 51 ±
10,9 anos. O abdome globoso ascitíco foi a alteração físico-funcional mais recorrente.
Strauss et al.17 (1998) em uma análise etiológica de
200 casos de cirrose hepática em um hospital previdenciário de São Paulo, encontraram maior prevalência do
sexo masculino com 78,5% (n=157), com idades variando entre 17 e 79 anos, na qual o principal agente
etiológico encontrado foi o alcoolismo representando
71% (n=141) seguido das hepatites virais com 15%. Estudo recente18 com 22 pacientes cirróticos identificou
que 17 eram do sexo masculino, a idade média era de
62,09 anos, em 10 casos a cirrose hepática estava associada ao vírus da hepatite C (VHC), em quatro a combinação do uso crônico do etanol e vírus da hepatite C,
em três ao vírus da hepatite B, em dois ao uso do etanol
isoladamente, em um com o uso de medicamentos e,
em dois casos, não foi identificada a causa. Estes estudos
corroboram o presente trabalho na qual, dos 49 casos
de cirrose identificados, 33 (67%) era do sexo masculino,
a idade média foi de 55,51 anos e os principais agentes
etiológicos foram o VHC e o alcoolismo.
De acordo com a literatura, muitos pacientes com cirrose hepática apresentam redução na complacência pulmonar devido à presença de diversas situações como a
hepatomegalia, ascite, atelectasia basal ou derrame pleural, essas alterações pulmonares determinam um padrão
ventilatório restritivo, acompanhadas de significante redução na capacidade vital, no volume de ar corrente e
na capacidade residual funcional19. Barcelos et al.20
(2008) encontraram resultados que diferem da literatura
avaliando e comparando a função pulmonar de candidatos ao transplante hepático, pois encontraram provas
ventilatórias com parâmetros considerados dentro dos limites da normalidade.
Quanto à verificação de distúrbios espirométricos em
pacientes com cirrose hepática, Viegas et al.21 (2009) encontraram somente um paciente com diagnóstico de distúrbio restritivo de grau leve. Lima et al.22 (2004) em um
estudo com pacientes portadores do mesmo diagnóstico,
encontraram a presença de doença restritiva leve em
10,63% e doença restritiva moderada em 2,13%. No
presente estudo verificou-se que 29 casos (60%) apresentaram provas ventilatórias dentro dos limites de normalidade, resultado similar aos achados de Viegas et al.21
(2009).
Em relação aos sinais clínicos mais comuns em pacientes com cirrose hepática, uma análise etiológica17
encontrou que a ascite foi a queixa mais comum na apresentação da doença (85,4%), seguida de icterícia em
81,7%. A principal causa da ascite se deve à hipertensão
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Conclusão
Este estudo encontrou maior prevalência etiológica
para a hepatite por vírus C e a hepatite alcoólica, sendo
o gênero masculino o mais afetado, com idade de 51 ±
10,9 anos e o abdome globoso ascitíco a alteração físico-funcional de maior relevância. Tais dados se mostraram similares aos observados na literatura.
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Endereço para correspondência:
Lucas Lima Ferreira
Laboratório de Fisiologia do Estresse
Rua Roberto Simonsen, 305 – Centro Educacional
Presidente Prudente-SP, CEP 19060-900
Brasil
E-mail: [email protected]
Recebido em 14 de julho de 2012
Aceito em 8 de agosto de 2012
Ferreira LL, Arroyo Júnior PC, Silva RCMA, Lamari NM, Cavenaghi OM.
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