AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia Dr. Eduardo Barros Puertas (CRM-SP 20.927) Professor associado livre-docente, chefe do Grupo da Coluna da Disciplina de Ortopedia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Cervicalgias: Tratamento farmacológico atual e novas técnicas cirúrgicas Objetivos do aprendizado • Saber conceitos básicos sobre os tipos principais de cervicalgias. • Adquirir conhecimento sobre diagnóstico e principais opções de tratamento clínico e cirúrgico. Dr. David Del Curto (CRM-SP 111.511) Mestre em Ciências e médico do Grupo da Coluna da Disciplina de Ortopedia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Definição Dor na região do pescoço, que pode ter múltiplas causas. Pode ser dividida topograficamente em anterior e posterior, sendo a última, dividida em occipital e subaxial1. Pode apresentar irradiação para o dorso ou para os ombros. Quando todo o membro superior é acometido, é considerada uma cervicobraquialgia. Apresenta caráter surdo (contínua, imprecisa, de baixa intensidade) ou em pontada, esta mais aguda, limitando o arco de movimento. Sua intensidade varia desde uma dor leve até um grau em que praticamente todas as posições são desconfortáveis, limitando as atividades, podendo também ser graduada de 0 a 10 pelo paciente. Em relação à duração, quando aguda, normalmente é contínua, apresentando melhora após uma a duas semanas, em média. Para ser considerada crônica, os sintomas devem estar presentes por pelo menos três meses, podendo até apresentar breves fases de latência durante esse período2. Dependendo da etiologia, pode-se intensificar progressivamente, sendo considerados fatores desencadeantes ou agravantes, as posições forçadas e contínuas do pescoço, tanto durante a atividade laborativa, quanto durante o sono. Além disso, também estão relacionadas com frio, tensão nervosa e diversas doenças degenerativas e inflamatórias. A aplicação de calor local, o repouso e o uso de medicações analgésicas, podem ser considerados fatores de melhora para esse tipo de dor, que em certas situações, pode estar acompanhada de sintomas nos membros superiores (como fraqueza, formigamento e dor) ou até disfagia e cefaleia, dependendo da etiologia. Etiologia As cervicalgias podem ser divididas de acordo com a sua etiologia em: mecânicas, miofasciais, degenerativas, traumáticas, inflamatórias, infecciosas ou tumorais3. As causas mecânicas são as mais prevalentes, oriundas de contraturas ou estiramentos musculares, e da sobrecarga de estruturas musculares, ósseas e ligamentares. Normalmente estão relacionadas a más condições ergonômicas (postura incorreta, movimentos repetitivos, levantamento de peso), estresse e baixa temperatura. Na maioria dos casos, essas dores são de início agudo e | 16 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia tendem a melhorar após aproximadamente uma a duas semanas com repouso, retirada dos fatores agravantes e medicações sintomáticas. Pontos-chave • As cervicalgias podem ser divi- Já as dores miofasciais são crônicas, e podem ser generalizadas. No caso das fibromialgias, cuja etiologia ainda é desconhecida, não há fatores mecânicos desencadeantes ou mantenedores diretamente relacionados com o quadro doloroso. O diagnóstico é feito por exclusão e a abordagem terapêutica exige o uso de recursos medicamentosos, de medicina física e psicoterapia. Síndromes dolorosas miofasciais localizadas estão relacionadas à disfunção de um músculo ou grupo de músculos, com reconhecimento de fatores etiológicos mecânicos desencadeantes e mantenedores, que respondem ao tratamento local e correção desses mecanismos etiológicos. Estão relacionadas diretamente com a presença dos pontos-gatilho miofasciais. Esses são definidos como locais hiperirritáveis situados nos músculos, fáscias e tendões. Quando estimulados, desencadeiam dor local, dor remota e fenômenos autonômicos4. As dores de origem degenerativa são mais comuns em pacientes acima dos 40 anos de idade, e estão relacionadas a artrose facetária, formação de osteófitos, ossificação ligamentar e hérnias discais. Dessa forma, podem causar cervicalgias associadas a radiculopatia ou mielopatia5. Quando associadas a um trauma, esse pode ser direto, por colisões laterais, mergulhos ou outros acidentes. O impacto pode resultar em lesões ósseas ou de partes moles que, por sua vez, podem levar a uma variedade de manifestações clínicas, desde contusões, normalmente resolvidas num curto período de tratamento medicamentoso, até lesões mais graves como fraturas ou luxações com necessidade de tratamento cirúrgico de urgência. O trauma indireto, como lesão do “chicote”, geralmente ocorre por colisões automobilísticas traseiras em baixas velocidades, nas quais ocorre um mecanismo de aceleraçãodesaceleração com transferência de força para a região cervical. Pacientes portadores de doenças inflamatórias como artrite reumatoide ou espondilite anquilosante também podem apresentar cervicalgias. No caso da primeira, acomete principalmente mulheres de meia-idade e provoca fadiga, febre baixa, dor, inchaço e enrijecimento nas articulações menores das mãos e dos pés. A coluna cervical é a região mais acometida do esqueleto axial na artrite reumatoide, principalmente a primeira e a segunda vértebras cervicais (C1-C2), ocasionando o deslocamento entre estas duas vértebras pelo comprometimento do ligamento transverso, principal elemento de sustentação do processo odontoide. A segunda mudança mais comum é causada pela erosão e migração superior do odontoide para dentro da base do crânio. Isso pode causar problemas com equilíbrio, coordenação e dificuldades de caminhar4. Já a espondilite anquilosante afeta principalmente homens nas idades entre 20 e 40 anos, tendendo a atingir membros de uma mesma família, o que sugere influência genética no seu desenvolvimento. A doença provoca a fusão das articulações situadas entre os corpos vertebrais na coluna com limitação progressiva dos movimentos e cifotização da coluna vertebral4. No caso das infecções, sejam elas por tuberculose, as de origem piogênica ou micótica, pode haver formação de abcesso, com compressão de estruturas anatômicas adjacentes, resultando em diversos sintomas álgicos. Lesões neoplásicas podem provocar destruição dos corpos vertebrais ou massas | 17 | didas de acordo com a sua etiologia em: mecânicas, miofasciais, degenerativas, traumáticas, inflamatórias, infecciosas ou tumorais. • As dores de origem degenerativa são mais comuns em pacientes acima dos 40 anos de idade, e estão relacionadas a artrose facetária, formação de osteófitos, ossificação ligamentar e hérnias discais. • A maioria dos pacientes com cervicalgia, com ou sem radiculopatia, pode ser tratada conservadoramente. AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia tumorais que também podem comprimir estruturas nervosas, causando uma variedade de sintomas neurológicos e álgicos. Outras causas de dor referida na coluna cervical são disfunção da articulação temporomandibular, tireoidite, faringite, carcinoma de laringe, traqueíte, aneurisma dissecante da aorta, infarto do miocárdio, angina pectoris e a pericardite. Epidemiologoia De acordo com um estudo norte-americano de 1998, a cervicalgia atinge pacientes adultos de todas as idades, sem preferência significativa por sexo. Esse estudo mostrou que 66% da população adulta apresenta, ou apresentará, pelo menos um episódio de cervicalgia durante a vida, sendo que em 5% a intensidade será maior, causando uma maior morbidade6. Sabemos que essas estatísticas variam de acordo com a população estudada. Anualmente, a cervicalgia afeta entre 30 e 50% da população geral. Pode-se afirmar que 15% da população geral experimentará cervicalgia crônica em algum momento de suas vidas. A cada ano, entre 11 e 14% da população economicamente ativa apresenta limitação funcional devido à cervicalgia, sendo considerada uma importante causa de absenteísmo7. A maior prevalência ocorre em doentes de meia-idade, e as mulheres são mais afetadas que os homens. Os fatores de risco incluem o trabalho repetitivo, longos períodos de permanência em flexão cervical, estresse aumentado no trabalho, fumo, e traumatismos prévios do pescoço e dos ombros7. A maioria dos estudos indica a necessidade urgente de orientação e programas de reeducação postural, com finalidade de diminuição de custos advindos das síndromes dolorosas cervicais. Estimativas da Holanda mostram gastos diretos e indiretos de cerca de US$ 4 milhões ao ano com tais condições8. Fisiopatologia É complexa e ainda pouco compreendida. Nas causas mecânico-degenerativas e não mecânicas, seu desenvolvimento ocorre primariamente por meio da instalação de forças anormais sobre a coluna (alterações discais, alterações osteocartilaginosas e alterações capsuloligamentares). Essa biomecânica alterada gera novas lesões locais, que liberam mediadores de inflamação, principalmente dos discos vertebrais. Os mediadores então estimulam nociceptores, encontrados nas articulações sinoviais, no ânulo fibroso do disco intervertebral, nos ligamentos paravertebrais ou nos vasos e nervos protegidos pela estrutura óssea da coluna. Pacientes com dores crônicas de origem miofascial parecem ter um menor nível de fosfatos de alta energia na musculatura. No entanto, ainda não está claro se isso é uma causa ou consequência da dor9. As causas psicogênicas ou psicossomáticas têm a fisiopatologia ainda menos clara e o que se infere até agora é que a dor é percebida no córtex cerebral. | 18 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia Anatomia e Biomecânica A coluna cervical está envolvida com o processo de sustentação e movimentação da cabeça e proteção das estruturas neurais e vasculares. Estima-se que a mobilização da coluna cervical ocorra cerca de 600 vezes por hora, ou a cada seis segundos10. . É constituída por sete vértebras, sendo que as duas primeiras (atlas e áxis) apresentam propriedades distintas das restantes. O atlas tem a forma de anel, não possui corpo vertebral e se articula com a base do crânio através da articulação atlantoccipital, sendo responsável por grande parte do movimento sagital da coluna cervical. O áxis, a segunda vértebra, possui proeminência que emerge do seu corpo vertebral, chamada processo odontoide, a qual se projeta para o interior do atlas, formando um pivô sobre o qual a articulação atlantoaxial consegue efetuar a rotação do crânio; entre essas duas vértebras não existe disco intervertebral, e elas são separadas e sustentadas por diversos ligamentos internos. As demais vértebras cervicais, de C3 a C7, são mais homogêneas, possuem corpo vertebral anterior e arco neural posterior e se diferenciam das vértebras torácicas e lombares por apresentarem o forame transverso, através do qual passa a artéria vertebral. Os corpos vertebrais são separados pelos discos intervertebrais, que são compostos por duas porções: uma central, chamada de núcleo pulposo, a qual é constituída por 90% de água e proteoglicanos e outra periférica, denominada de ânulo fibroso, formada por fibras resistentes, dispostas em lamelas concêntricas. Tais estruturas são responsáveis por absorção de impacto e dispersão de energia mecânica, sendo importantes alvos de processos degenerativos. A biomecânica da coluna cervical envolve a distribuição de forças sobre o disco intervertebral, sendo que a região do ânulo fibroso é responsável pela recepção de carga, distribuindo-a posteriormente para o núcleo pulposo. Durante o processo de envelhecimento, ocorre uma redução da quantidade de água do núcleo pulposo e uma diminuição na capacidade de embebição do disco, associadas a um aumento do número de fibras colágenas, determinando uma menor elasticidade e compressibilidade. Tais alterações tornam o ânulo fibroso susceptível a rupturas, podendo, através destes pontos, produzirem-se herniações discais com compressões radiculares. O processo degenerativo se caracteriza ainda por formações osteofitárias, diminuição da altura do disco intervertebral e esclerose subcondral11. Quadro Clínico O paciente com cervicalgia costuma adquirir uma atitude de defesa e rigidez dos movimentos. Ocorre também uma alteração na mobilidade do pescoço e dor durante a palpação da musculatura, podendo também ser abrangida a região do ombro e nos casos mais graves ou prolongados haver irradiação para todo o membro superior. Em relação à dor, o paciente pode queixar-se de desde uma dor leve local e uma sensação de cansaço, até uma dor mais forte e limitante. O braço, além de doer, | 19 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia pode apresentar alterações de sensibilidade e força muscular, caracterizando as chamadas “alterações neurológicas”12. O paciente refere adormecimento de alguma área ou de todo o membro, podendo ser contínuo ou desencadeado por algum fator. A fraqueza muscular acontece em casos mais graves ou prolongados sendo geralmente progressiva. Podem existir também alterações nos reflexos encontrados em algumas inserções musculares no punho, cotovelo e ombro nos casos mais graves. Deve-se obter uma história detalhada incluindo o início, a qualidade e o local da dor, os fatores que desencadeiam e que aliviam o quadro álgico, o tempo, o grau de comprometimento e os sintomas associados. A dor cervical axial pode ter origem discogênica ou musculogênica e também pode estar relacionada com doença do ombro, occipitocervical, miofascial ou visceral. Em alguns casos, ela pode ser desencadeada pela radiculopatia da raiz de C413. Assim, para diferenciar as múltiplas fontes de cervicalgia, é necessário estabelecer se os sintomas são mecânicos (aumentam com a atividade e diminuem com o repouso ou mudança de postura) ou não mecânicos (não aliviam com o repouso ou mudança de posição). Deve-se tomar cuidado com a cervicalgia não mecânica, pois ela pode estar associada com processos tumorais ou infecções. A dor cervical mecânica é frequentemente discogênica, sendo desencadeada ou exacerbada pela extensão da coluna cervical e pela rotação para o lado mais sintomático14. O quadro clínico pode ser uma dor relacionada ao ombro, região superior do braço ou região interescapular. Os pacientes com degeneração cervical superior podem apresentar dor occipital ou temporal além de cefaleia retrocular. A cervicalgia de origem muscular, como por exemplo a dor causada por um estiramento muscular agudo ou crônico, é exacerbada com a flexão e rotação da coluna cervical, ocasionando aumento dos sintomas do lado oposto. Os sintomas radiculares, que se caracterizam pela irradiação da dor no trajeto de uma raiz nervosa, podem ser causados por herniação lateral do disco, degeneração crônica com formação de osteófitos ou instabilidade segmentar. A maior parte dos pacientes apresenta o quadro clínico de monorradiculopatia, apesar de várias raízes poderem estar envolvidas. Os sintomas desse paciente consistem de dor aguda, lancinante, irradiada para o braço, associada com vários graus de disestesias, parestesias e dormência com o padrão consistente com o dermátomo da raiz do nervo envolvido. Os sintomas podem ser desencadeados ou exacerbados por meio de vários testes. Os pacientes descrevem aumento da dor com a manobra de Valsalva. A extensão e rotação da cabeça para o lado afetado também reproduz a dor (sinal de Spurling). O teste da compressão axial pode reproduzir os sintomas radiculares cervicais. O sinal da abdução do ombro alivia os sintomas da compressão por meio da diminuição do estiramento da raiz do nervo com a colocação da mão ipsilateral no topo da cabeça. A mielopatia cervical não é facilmente detectada no exame inicial uma vez que os pacientes apresentam queixas vagas. O quadro clínico é caracterizado por dificuldades para a marcha, espasticidade, diminuição da destreza para atividades manuais, fraqueza de extremidades e urgência urinária. Deve-se realizar um exame neurológico completo verificando a presença de clônus na extremidade inferior e sinal de Babinski. O reflexo de Hoffmann (flexão interfalangiana do indicador e do polegar com a extensão súbita da articulação | 20 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia interfalangiana distal do dedo médio), quando presente, e especialmente quando assimétrico, é altamente sugestivo de mielopatia cervical. Os seguintes sinais de alerta devem ser sempre considerados, exigindo uma investigação minuciosa e precisa: traumatismo, cervicalgia aguda sem história de trauma, dor noturna, fraqueza dos braços ou pernas, diminuição da sensibilidade dos braços e pernas e sintomas sistêmicos como febre e perda de peso, abuso de drogas, restrição da mobilidade e deformidade estrutural. Exames Complementares Radiografias simples - é o primeiro exame solicitado. São necessárias incidências em anteroposterior, laterais e oblíquas para avaliar o estreitamento ósseo dos forames. Radiografias dinâmicas em flexoextensão são úteis quando se suspeita de instabilidade, ou quando se avalia rigidez da deformidade no plano sagital. Deve-se avaliar a presença de estreitamento do espaço discal, estenose do canal, subluxações, desalinhamentos e formação osteofítica vertebral. Esses achados anormais nas radiografias devem ser correlacionados com a clínica do paciente, pois podem ser simplesmente achados de exame e não ter relação com o quadro clínico. Tomografia computadorizada - permite a visualização das estruturas ósseas compressivas, além do forame neural. Também é útil para detectar alterações degenerativas facetárias e intervertebrais. Ressonância magnética - As imagens da ressonância magnética (RM) produzem informações diretas sobre a compressão da raiz do nervo ou da medula espinhal. É o exame de escolha para determinar afecções ocultas, avaliar elementos neurais e estruturas paravertebrais incluindo o complexo ligamentar. É a modalidade mais sensível para avaliar a morfologia da coluna vertebral e sua relação com o canal vertebral. Além disso, a RM mostra alterações na medula que podem estar relacionadas com o prognóstico da doença. Eletroneuromiografia - Pode ser utilizada para confirmar a suspeita de radiculopatia ou como exame adicional para melhor investigação da causa dos sintomas do paciente com quadro atípico. Tratamento não Cirúrgico A maioria dos pacientes com cervicalgia, com ou sem radiculopatia, pode ser tratada conservadoramente. O tratamento inicial dos sintomas moderados a graves compreende a imobilização através de uma órtese cervical, antiinflamatórios não hormonais (AINHs) e modalidades de fisioterapia como o calor e o ultrassom, que podem aliviar os sintomas agudos, além da tração manual que pode proporcionar alívio da compressão radicular por meio da abertura do forame intervertebral. O uso inicial de uma órtese cervical pode ajudar a diminuir a compressão dinâmica de uma raiz irritada, permitindo melhora da dor causada por fadiga ou espasmo da musculatura paravertebral. Outra medida que deve ser considerada é a restrição das atividades com a finalidade de evitar a extensão do pescoço e o levantamento de peso durante a fase aguda da cervicalgia. Ocasionalmente, o uso de corticoide oral, por períodos curtos, pode | 21 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia aliviar os sintomas de radiculopatia. Injeções de esteroides epidurais, podem ser recomendadas para o tratamento do componente inflamatório da radiculopatia cervical15. Os pacientes com sintomas de mielopatia podem ser imobilizados com órtese cervical macia para prevenir a compressão dinâmica da medula. Porém essa medida é paliativa e não constitui seu tratamento definitivo. Tratamento Cirúrgico As indicações cirúrgicas dos pacientes com cervicalgia secundária a estenose do canal ou dor discogênica cervical são limitadas. Whitecloud e Seago relataram resultados que variavam entre bons e excelentes em 70% dos casos de artrodese intersomática anterior para pacientes com dor cervical de acordo com a discografia. Entretanto, outros observaram que a artrodese para o tratamento da dor cervical discogênica produz resultados não muito melhores do que a história natural da enfermidade. Assim, a conduta conservadora para esses pacientes continua sendo a preferida. A dor cervical resistente raramente está relacionada a espondilolistese degenerativa ou a retrolistese. A instabilidade sugerida pelas radiografias dinâmicas em flexo-extensão pode ser tratada por artrodese segmentar anterior e posterior. As indicações para o tratamento cirúrgico na radiculopatia cervical incluem: falha do tratamento conservador por um período de três meses em aliviar a radiculopatia persistente ou recorrente no membro superior, com ou sem déficit neurológico, e o paciente com quadro de déficit neurológico progressivo. É importante que os achados neurorradiográficos se correlacionem com a clínica, e que a duração e intensidade dos sintomas sejam suficientes para justificar o procedimento cirúrgico15. A quantidade e a qualidade das evidências disponíveis com relação ao tratamento cirúrgico das hérnias discais cervicais ainda são limitadas. Existem alguns ensaios clínicos controlados randomizados, mas a maioria apresenta riscos de viés dentro da metodologia aplicada. Nardi realizou um estudo em que comparou o tratamento clínico usando anti-inflamatórios não hormonais, corticosteroides e fisioterapia, com a nucleoplastia percutânea. Os pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico obtiveram melhor recuperação. No entanto, não foi realizada comparação estatística entre os grupos16. Alguns estudos demonstraram resultados conflitivos na comparação entre a discectomia anterior com e sem fusão17-19. Apesar da hipótese de maiores índices de pseudoartrose, dor cervical e instabilidade nos procedimentos sem fusão, não há evidências concretas que demonstrem a superioridade de um procedimento em relação ao outro. Novos estudos, com melhor qualidade metodológica, são necessários para estimar corretamente os efeitos das intervenções no seguimento prolongado dos pacientes. Uma das principais complicações relacionadas à artrodese na coluna é a degeneração dos níveis adjacentes. Nesse sentido, o desenvolvimento das próteses de disco estabeleceu um novo parâmetro de abordagem, uma vez que sua técnica permitia a descompressão adequada pela via anterior associada à preservação da mobilidade no nível comprometido. Três estudos compararam | 22 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia a artroplastia cervical com a artrodese. Dois desses estudos não encontraram diferenças entre os procedimentos20,21, e o terceiro estudo demonstrou moderada evidência favorecendo o uso da prótese a longo prazo22. Entretanto os resultados apresentaram apenas os desfechos clínicos, sem demonstrar os efeitos das intervenções na degeneração do nível adjacente. Novas abordagens cirúrgicas minimamente invasivas estão disponíveis para o tratamento das hérnias discais cervicais, e elas incluem o uso da endoscopia tanto pela via anterior quanto pela via posterior. No entanto, a demanda técnica desses procedimentos com sua curva de aprendizado longa restringe seu uso a poucos centros pelo mundo. Um estudo comparou a foraminotomia endoscópica pela via posterior com a descompressão anterior associada à fusão, obtendo resultados equivalentes no alívio da dor23. As indicações cirúrgicas para o tratamento da mielopatia cervical incluem: a mielopatia progressiva, mielopatia moderada ou grave que esteja estável e seja de curta duração (menos de um ano) e mielopatia branda que afete as atividades de rotina. A maioria dos pacientes com mielopatia tem melhora do quadro neurológico após a descompressão cirúrgica. A exposição cirúrgica da parte anterior da coluna vertebral é um procedimento relativamente seguro24,25. Após a incisão da pele, a abordagem é realizada pela divisão do platisma. O disco intervertebral é mais proeminente do que o corpo vertebral. Dentre os procedimentos estão: (1) discectomia e artrodese cervical anterior com a descompressão direta da raiz nervosa através de uma pinça de Kerrison ou uma cureta. A técnica de artrodese intervertebral de Robinson envolve a colocação de enxerto tricortical da crista ilíaca dentro do espaço discal a fim de conseguir a artrodese óssea; (2) corpectomia e artrodese cervical anterior que deve ser executada realizando a discectomia cervical anterior acima e abaixo da vértebra-alvo. Após isso, retira-se o corpo vertebral. Aproximadamente um terço do corpo vertebral deve ser removido para fornecer descompressão adequada e segura da medula. A abordagem posterior da coluna cervical utiliza um plano na linha média e os procedimentos envolvem a foraminotomia, laminectomia e laminoplastia. A abordagem combinada anterior e posterior pode ser necessária nas situações nas quais a fixação obtida foi inadequada. Isso pode ocorrer quando a qualidade do osso é extremamente pobre ou se ocorrerem problemas técnicos durante a cirurgia e a estabilização adequada não puder ser utilizada. Referências 1. Travell JG, Simons DG. Myofascial Pain and Dysfunction: The Trigger Point Manual. v. 2. Baltimore, Williams & Wilkins, 1983. 2. Gore DR, Sepic SB, Gardner GM, Murray MP. Neck pain: a long-term follow-up of 205 patients. Spine (Phila Pa 1976). 1987;12:1-5. 3. Teixeira MJ, Filho TEPB, Yeng LT, Hamani C, Teixeira WGJ. Cervicalgias. Rev Med. 2001;80(ed. esp. pt.2):307-16. 4. Júlia MD, Oliveira RP, Taricco MA, Filho TEPB. Síndromes dolorosas miofasciais da região cervical: diagnóstico e tratamento. RBO. Mar 1993;28(3). | 23 | AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia 5. Roh JS, Teng AL, Yoo JU, Davis J, Furey C, Bohlman HH. Degenerative disorders of the lumbar and cervical spine. Orthop Clin North Am. 2005;36:255-62. 6. Cote P, Cassidy JD, Carroll L. The Saskatchewan health and back pain survey: the prevalence of neck pain and related disability in Saskatchewan adults. Spine (Phila Pa 1976). 1998;23:1689-98. 7. Cote P, van der Velde G, Cassidy JD, Carroll LJ, Hogg-Johnson S, Holm LW, et al. The burden and determinants of neck pain in workers: results of the Bone and Joint. Decade 2000–2010 Task Force on Neck Pain and Its Associated Disorders. Spine. 2008;33(4 Suppl):S60–74. 8. Ariens GA, Van Mechelen W, Borgers PM, Bouter LM, Van der Wal G. Physical risk factors for neck pain. Scan J Work Environ Health. 2000;26(1)7-19. 9. Bengtsson A, Henriksson KG, Larsson J. Reduced high-energy phosphate levels in the painful muscles of patients with primary fibromyalgia. Arthritis Rheum. 1986;29:817-21. 10. Barnsley L. Neck pain. In: Klippel JH, Dieppe PA (eds). Rheumatology. 2th ed. London, Mosby-Year Book, 1998, 4.1-12. 11. Buckwalter JA. Spine update: aging and degeneration of the human intervertebral disc. Spine. 1995;20(5)1307-14. 12. Fischgrund J, Herkowitz H. Anterior surgical procedures for cervical spondylotic radiculopathy and myelopathy. In: An H (ed.). Surgery of the cervical spine. Baltimore: Williams and Wilkins, 1994. p.195. 13. Gore D, Sepic SB, Gardner GM, Murray MP. Neck pain: a long term follow-up of 205 patients. Spine. 1987;12:1-5. 14. McNab I. Symptoms in cervical disc degeneration. In: Sherk H (ed.). The cervical spine. 2nd ed. Philadelphia: Cervical Spine Research Society, Lippincott, 1989. p. 599-606. 15. Vaccaro, Betz, Zeidman. Cirurgia da coluna: princípios e práticas. p. 324-87. 16. Nardi PV, Cabezas D, Cesaroni A. Percutaneous cervical nucleoplasty using coblation technology. Clinical results in fi fty consecutive cases. Acta Neurochir Suppl. 2005;92:73–8. 17. Rosenorn J, Hansen EB, Rosenorn MA. Anterior cervical discectomy with and without fusion. A prospective study. J Neurosurg. 1983;59:252–5. 18. Wirth FP, Dowd GC, Sanders HF, et al. Cervical discectomy. A prospective analysis of three operative techniques. Surg Neurol. 2000;53:340–6. 19. van den Bent MJ, Oosting J, Wouda EJ, et al. Anterior cervical discectomy with or without fusion with acrylate. A randomized trial. Spine. 1996;21:834–9. 20. Nabhan A, Ahlhelm F, Shariat K, et al. The ProDisc-C prosthesis: clinical and radiological experience 1 year after surgery. Spine. 2007;32:1935–41. 21. Peng-Fei S, Yu-Hua J. Cervical disc prosthesis replacement and interbody fusion: a comparative study. Int Orthop. 2008;32:103–6. 22. Heller JG, Sasso RC, Papadopoulos SM, Anderson PA, Fessler RG, Hacker RJ, et al. Comparison of BRYAN cervical disc arthroplasty with anterior cervical decompression and fusion: clinical and radiographic results of a randomized, controlled, clinical trial. Spine. 2009;34:101–7. 23. Ruetten S, Komp M, Merk H, Godolias G. Full-endoscopic cervical posterior foraminotomy for the operation of lateral disc herniations using 5.9-mm endoscopes: a prospective, randomized, controlled study. Spine. 2008;33:940–8. 24. Riley L, Robinson, R, Johnson K. The results of anterior interbody fusion of the cervical spine. J Neurosurg. 1969;20:127. 25. Robinson R, et al. The results of anterior interbody fusion of the cervical spine. J Bone Joint Surg Am. 1962;44:1569-87. | 24 |