Do universal ao singular

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INSTITUTO PACKTER
INSTITUTO INTERSEÇÃO – SÃO PAULO
CURSO BÁSICO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA
JANICE CAOVILA
DO UNIVERSAL AO SINGULAR –
AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO
DE UMA ESCOLA INCLUSIVA
São Paulo
2012
JANICE CAOVILA
DO UNIVERSAL AO SINGULAR –
AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO
DE UMA ESCOLA INCLUSIVA
Monografia
apresentada
ao
programa de Especialização em
Filosofia
Clínica
do
Instituto
Packter, como parte dos requisitos
para obtenção do Título de
Especialista em Filosofia Clínica.
Orientador: Cesar Mendes
São Paulo
2012
JANICE CAOVILA
DO UNIVERSAL AO SINGULAR –
AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO
DE UMA ESCOLA INCLUSIVA
Data da aprovação: 04/08/2012
Assinatura ______________________________________________
Orientador: Cesar Mendes
Para Gabriel
AGRADECIMENTOS:
A todas as pessoas que trilharam e trilham os caminhos da construção de uma
escola pública de qualidade, pelo incentivo do exemplo, e aos companheiros
deste percurso que encontrei no Instituto Interseção.
Ao professor César que orientou este estudo.
“Os sonhos precisam se materializar, afinal o que há de
mais sólido no mundo é matéria dos sonhos de alguém”.
Will Goya
CAOVILA, J. Do Universal ao Singular – as contribuições da Filosofia Clínica para a
construção de uma escola inclusiva. Trabalho de conclusão do curso de
especialização em Filosofia Clínica – Instituto Packter/Instituto Interseção, São
Paulo, 2012
RESUMO
Neste estudo investigam-se as possíveis contribuições da Filosofia Clínica para a
educação de alunos/sujeitos com deficiência, com vistas a oferecer subsídios para a
compreensão destes alunos/sujeitos e das suas necessidades/condições de
aprendizagem. Partimos do pressuposto de que a garantia da educação, como um
direito de todos e um dever do Estado e da sociedade, independente de gênero,
etnia, classe social ou condições físicas, sensoriais e/ou cognitivas, conforme
preconiza a Constituição Federal de 1988, ainda não se encontra efetivamente
estabelecida na prática e que sua concretização demanda o concurso do
conhecimento construído por especialistas em várias áreas do conhecimento, entre
eles, o filósofo clínico. Através da análise de documentos oficiais que tratam da
construção de escolas inclusivas e do estudo sobre a teoria, procedimentos e
instrumentos da Filosofia Clínica, buscou-se apontar pressupostos comuns e
possibilidades de atuação do Filósofo Clínico no âmbito da educação, com vistas a
compreender como esse profissional poderá contribuir nesse processo.
Palavras-chave: Inclusão, Educação Inclusiva, Escola Inclusiva, Filosofia Clínica
CAOVILA, J. Do Universal ao Singular – as contribuições da Filosofia Clínica para a
construção de uma escola inclusiva. Trabalho de conclusão do curso de
especialização em Filosofia Clínica – Instituto Packter/Instituto Interseção, São
Paulo, 2012
ABSTRACT
This study investigates the possible contributions from Clinical Philosophy for the
education of students/individuals with disabilities, in order to offer subsidies for
understanding these students/individuals and their needs/learning conditions. We
assume that the guarantee of education as a universal right and a duty of the state
and society, regardless of gender, ethnicity, social class or physical, sensory and/or
cognitive condition, as recommended by the Federal Constitution of 1988, has not
yet been effectively established in practice and that its implementation requires the
conflux of knowledges built by experts in various fields, including the clinical
philosopher. Through the analysis of official documents dealing with the construction
of inclusive schools and the study of the theory, procedures and instruments of
Clinical Philosophy, we sought to point out common pressupositions and action
possibilities of the Clinical philosopher in education, in order to understand how this
professional may contribute to this process.
Keywords: Inclusion, Inclusive Education, Inclusive School, Clinical Philosophy
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO
9
2 - O CONTEXTO DO PROBLEMA
16
3 - CONHECENDO A FILOSOFIA CLÍNICA
23
4 - AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A
CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA
27
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
39
6 - REFERÊNCIAS
41
7 - ANEXOS
7.1- ANEXO A
7.2- ANEXO B
45
45
65
9
1 INTRODUÇÃO
A escolarização das pessoas com deficiência motiva inúmeros debates e implica em
demandas que não tem sido de fácil equacionamento, especialmente, quando
consideramos a realidade objetiva do contexto educacional do país.
Produto de um modelo de desenvolvimento neoliberal1, nosso sistema educacional
reproduz e perpetua o cenário de desigualdades e injustiças presente na sociedade,
em que pesem os dispositivos legais que visam a garantia de direitos iguais para
todos.
Neste sentido, contamos a partir do ano de 1988, com a promulgação da atual
Constituição, na qual o ensino no Brasil tornou-se um direito de todos e um dever do
Estado e da família.2 Tal direito abrange o segmento do ensino fundamental e
compreende nove séries escolares, correspondendo a faixa etária dos seis aos
catorze anos. A mesma Constituição, no seu Artigo 206, estabelece que o ensino no
Brasil seja ministrado com base, entre outros no princípio de “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola”3.
1
Sobre o processo excludente promovido pelo modelo neoliberal, ver “Pedagogia da Exclusão –
Crítica ao neoliberalismo em educação, de Pablo Gentili.
2
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
3
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes
públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos
termos de lei federal
10
Além deste compromisso Constitucional, o Brasil também assumiu as orientações
expressas na Declaração Mundial de Educação para Todos, proclamada durante a
Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jontiem, Tailândia, no
ano de 1990, que reafirma a educação como “um direito fundamental de todos,
mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro” e estabelece entre outros
objetivos “universalizar o acesso à educação e promover a equidade” (Declaração
de Jontiem, 1998, Artigo 3).
Para tanto, indica, que,
um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve
ser assumido. Os grupos excluídos - os pobres; os meninos e meninas de
rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais;
os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias
étnicas, raciais e linguísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os
povos submetidos a um regime de ocupação - não devem sofrer qualquer
tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais (Declaração
de Jontiem, 1998, item 4).
Especificamente sobre as pessoas com deficiências, esta Declaração recomenda:
as necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de
deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que
garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e
qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo
(Declaração de Jontiem, 1998, item 5)
A questão do direito à educação das pessoas com deficiência também se encontra
explicitada na Declaração de Salamanca, que trata de princípios, políticas e práticas
na área das necessidades educativas especiais, e foi estabelecida durante a
Conferência Mundial de Educação Especial realizada em Salamanca, Espanha, no
ano de 1994.
São afirmações do referido documento:
- toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,
- toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades
de aprendizagem que são únicas,
- sistemas educacionais deveriam ser designados e programas
educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta
a vasta diversidade de tais características e necessidades,
11
- aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia
centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,
- escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os
meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
alcançando educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma
educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em
última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional
(Declaração de Salamanca,1994).
Esta declaração estabelece como princípio que orienta a estrutura de ação em
educação especial
o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente
de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou
outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas,
crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de
população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas
ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados.
Tais condições geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas
escolares. [...] Existe um consenso emergente de que crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos
educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de
escola inclusiva. O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz
respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e
capaz de bem sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas
que possuam desvantagens severas. O mérito de tais escolas não reside
somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de
alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um
passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar
comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva
(Declaração de Salamanca,1994).
O Congresso Nacional aprovou ainda a Convenção Interamericana para a
eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência,
realizada em 28 de maio de 1999 na cidade de Guatemala, que foi promulgada
através do decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. No artigo primeiro deste
decreto consta que esta Convenção “será executada e cumprida tão inteiramente
como nela se contém”. (Decreto nº 3.956 de 8 de outubro de 2001).
Esta Convenção, conhecida como “Convenção de Guatemala”, reafirma que as
pessoas portadoras de deficiência4 possuem os mesmos direitos humanos e
4
Para os efeitos desta Convenção, o termo deficiência significa uma restrição física, mental ou
sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (Art. 1)
12
liberdades fundamentais de todo ser humano, assegurando seus direitos, inclusive o
de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência.
Entre outras medidas que deverão ser “executadas e cumpridas” encontramos
Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes
comprometem-se a:
Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou
de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a
discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a
sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo
enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas: a) medidas das
autoridades
governamentais
e/ou
entidades
privadas
para
eliminar
progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou
fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais
como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a
educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as
atividades políticas e de administração b) medidas para que os edifícios, os
veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em
seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso
das pessoas portadoras de deficiência; c) medidas para eliminar, na medida
do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações
que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das
pessoas portadoras de deficiência; ed) medidas para assegurar que as
pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna
sobre esta matéria estejam capacitadas a fazê-lo (Convenção de
Guatemala, 1999, Art.III).
Como signatário destes documentos o país assume a obrigação moral, ética e legal,
de tomar as medidas cabíveis para cumprir as exigências neles contidas.
No entanto, a realidade social brasileira e, por conseguinte, a educacional, objeto
deste estudo, está longe de atender a estas condições, vale lembrar que, apesar do
aumento da oferta de vagas na rede pública de ensino que vem sendo observado
nas últimas décadas, ainda existem crianças e jovens fora da escola, significativos
índices de evasão e repetência, além de um número expressivo de adultos que não
concluíram o nível fundamental de escolarização.
13
Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística dão conta de que a taxa de analfabetismo das
pessoas de 15 anos ou mais de idade, no Brasil, em 2009, foi de 9,7%
correspondendo a 14,1 milhões de analfabetos. Quanto à frequência escolar, o
relatório aponta que a taxa de escolarização das crianças de 6 a 14 anos de idade
foi de 97,6% em 2009. [...] Para os jovens de 15 a 17 anos de idade, a proporção
dos que frequentavam escola foi de 85,2%. (IBGE, PNAD - 2011).
Essas questões estão aqui apontadas para ilustrar a complexidade do cenário que
se apresenta na educação em nosso país e para termos uma dimensão dos desafios
postos para todos que direta ou indiretamente nele atuam.
Embora consideremos necessário citar dados quantitativos, neste estudo nos
deteremos em aspectos relacionados à qualidade da educação que vem sendo
oferecida, na direção de atender, efetivamente, às necessidades educativas de
todos, conforme preconizado na legislação. Entre estes aspectos, focalizaremos a
situação das pessoas com deficiências, em função de sua entrada na escola comum
ser muito recente e estar demandando mudanças que nem sempre têm sido
atendidas.
Em 2002, quando nossa Constituição já tinha 14 anos, Mendes apontava que
ainda que se obtenham todas as informações disponíveis para planejar a
educação inclusiva, com o estabelecimento de metas a curto, médio e longo
prazos, falta conhecimento sobre como fornecer os suportes necessários
para garantir não apenas o acesso, mas também a permanência e o
sucesso de alunos com necessidades educacionais especiais em classes
comuns das escolas regulares (MENDES, 2002, p.74/75).
A referida autora destacava, entre outras questões a serem aprofundadas, a
formação dos professores e a maneira como fornecer os suportes para atender às
necessidades educacionais de todos os alunos com deficiências nas escolas
comuns e afirmava que “as respostas para tais questões ainda são essencialmente
teóricas, embasadas na literatura de outros países que já vivenciam esse movimento
há mais tempo” (MENDES, 2002, p.75) e indicava que “as propostas deveriam ser
implantadas e avaliadas em nossa própria realidade” (MENDES, 2002, p.75).
Mais recentemente, Mantoan (2010) afirma,
14
a educação escolar no Brasil tem ainda um caráter eminentemente
excludente, segregativo e conservador. A proposta de se incluir todos os
alunos em uma única modalidade educacional, o ensino regular, tem se
chocado com o conservadorismo de nossas escolas e com uma cultura
assistencialista/terapêutica da Educação Especial (MANTOAN, 2010 p.1).
É possível garantir o atendimento à singularidade dos sujeitos/alunos quanto às
suas necessidades educacionais num espaço que tende a padronizar e
homogeneizar o processo de ensino aprendizagem? Neste
estudo
pretende-se
investigar como o saber que vem sendo produzido pela Filosofia Clínica pode
contribuir para a construção de uma escola que sustente uma proposta educacional
levando em consideração cada um e todos os alunos, especificamente os alunos
com deficiência. Como o método e o instrumental da Filosofia Clínica poderão ser
utilizados a serviço da adequação das condições das escolas para garantir a
aprendizagem destes alunos? Como um educador poderá se valer deste
conhecimento para conduzir sua prática, considerando as necessidades específicas
de cada aluno? São algumas das questões que este estudo busca responder.
Sabe-se que a inclusão escolar não se resume ao atendimento dos alunos com
deficiência, no entanto, para fins deste estudo faremos este recorte por entendermos
que, embora outras categorias de alunos sofram com atitudes preconceituosas e
discriminadoras nas nossas escolas, historicamente, o acesso à escola comum das
pessoas com deficiência sempre foi difícil, e em alguns casos impossível.
O aprofundamento dessa discussão justifica-se, ainda, pois nem sempre os
profissionais das escolas têm clareza sobre a condução do processo de ensino
aprendizagem de alunos com deficiências, especialmente quando estes apresentam
deficiências consideradas mais severas. Garante-se a matrícula dos alunos na
escola, mas não está sendo possível garantir as condições necessárias para que o
aprendizado de todos de fato aconteça, o que, no caso dos alunos com deficiência,
costuma ser atribuído à própria deficiência, sem levar em consideração outros
fatores que possam estar comprometendo o processo.
É verdade que em muitos contextos escolares pouco se faz na direção de atender a
qualquer aluno, mesmo aqueles considerados normais. No dizer de Mantoan, (2010)
15
pautadas para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir de um
projeto escolar elitista, meritocrático e homogeneizador, as escolas
produzem quadros de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a
trajetória educacional de muitos estudantes (MANTOAN, 2010, p.1).
Assim, define-se como objetivos para este estudo:
- oferecer subsídios que venham facilitar a compreensão sobre o aluno/sujeito com
deficiência e suas necessidades/condições para a aprendizagem
- ampliar a discussão acerca das contribuições da Filosofia Clínica para a educação
Esta discussão está endereçada a todos que, direta ou indiretamente, estão
envolvidos no processo de ensino aprendizagem, entendendo-se por “todos” não só
profissionais, como também os próprios alunos e seus familiares.
Para atender a estes objetivos optamos por fazer uma pesquisa teórica sobre a
construção de escola inclusiva a partir de alguns documentos oficiais, e sobre
Filosofia Clínica, aprofundando a discussão acerca dos pontos de interseção entre
ambos os temas.
Nosso estudo está assim organizado:
No primeiro capítulo apresentamos um panorama da história da escolarização das
pessoas com deficiência, com a intenção de contextualizar o assunto. No segundo
capítulo introduzimos os conceitos referentes à Filosofia Clínica e seus usos na
educação. No terceiro capítulo fazemos uma discussão sobre as contribuições da
Filosofia Clínica para a construção da escola inclusiva. No quarto capítulo
apresentamos as conclusões do estudo.
Após as referências inserimos dois anexos, um que apresenta os Tópicos da
Estrutura de Pensamento com uma breve explicação sobre cada um e a Tábua de
Submodos, que complementam o estudo.
16
2 O CONTEXTO DO PROBLEMA
O termo inclusão é recente e surge no bojo das discussões acerca da construção de
uma sociedade mais democrática e justa. No dizer de Aranha, (2000),
A ideia de inclusão se fundamenta em uma filosofia que reconhece e aceita
a diversidade na vida em sociedade. Isso significa garantia de acesso de
todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades de
cada indivíduo ou grupo social (ARANHA, 2000, p.2).
Para Mendes,
Trata-se [...] de um movimento de resistência contra a exclusão social, que
historicamente vem afetando grupos minoritários, caracterizado por
movimentos sociais que visam à conquista do exercício do direito ao acesso
a recursos e serviços da sociedade (MENDES, 2002, p.61).
Estes grupos minoritários são representados por pessoas que se diferenciam
daquelas detentoras do poder, seja em razão da etnia, classe social, gênero,
deficiência, entre outros atributos, sendo suas diferenças motivo para a segregação
e o não acesso a recursos, serviços e espaços de circulação sociais, de maneira
explícita ou velada.
As barreiras arquitetônicas presentes nas vias e construções públicas que impedem
o acesso de pessoas com mobilidade reduzida são uma forma explícita de excluir
essas pessoas. Como exclusão velada podemos citar os currículos escolares que
privilegiam a cultura dominante, o que faz com que alunos de outras culturas
acabem se desinteressando pelos conteúdos e em consequência pela escola. No
Brasil, esta situação pode ser constatada com a obrigatoriedade de se incluir nos
currículos escolares, estudos da história e cultura Afro-Brasileira e Indígena, só para
citar um exemplo5.
Mantoan, (2012), enfatiza que a inclusão
está articulada a movimentos sociais mais amplos, que exigem maior
igualdade e mecanismos mais equitativos no acesso a bens e serviços.
Associada a sociedades democráticas, que estão pautadas no mérito
individual e na igualdade de oportunidades, a inclusão propõe a diferença
de tratamento como forma de restituir uma igualdade que foi rompida por
formas segregadoras do ensino especial e regular. (MANTOAN, 2012, p.19)
5
Lei Nº 11.645, de 10 março de2008.
17
Rodrigues, 2006, aponta a exclusão como uma “espécie de epidemia do início deste
século” e destaca três razões para que este fenômeno ocorra, quais sejam:
uma consciência crescente dos direitos de cidadania, em que aos direitos
civis e políticos se equiparam aos direitos sociais, ao desenvolvimento, por
parte de muitas sociedades, de uma cultura meritocrátca e competitiva e a
fatores culturais que conduziriam à ideia de que a diferença é perigosa.
(RODRIGUES, 2006, p.11).
Este autor distingue duas dimensões da inclusão que implicam em tempos de
implementação e metodologias de ação distintos. Uma dimensão é chamada de
inclusão essencial e outra de inclusão eletiva.
A inclusão essencial é a dimensão que assegura a todos os cidadãos de
dada sociedade o acesso e a participação sem discriminação a todos os
seus níveis e serviços e a dimensão eletiva da inclusão assegura que,
independentemente de qualquer condição, a pessoa tem o direito de se
relacionar e interagir com os grupos sociais que bem entende em função
dos seus interesses (RODRIGUES, 2006, p. 11).
Neste contexto emergem os conceitos de inclusão escolar, educação inclusiva e
escola inclusiva. Vale ressaltar que estes conceitos são construções históricas e
suas repercussões nas práticas educativas estão condicionadas a sua apropriação
pelos atores nelas envolvidas.
Como assinala Rodrigues, 2006,
a educação inclusiva se tornou um campo polêmico por várias razões. Uma
das principais é sem dúvida a contradição entre a letra da legislação e a
prática das escolas. O discurso da inclusão [...] não tem frequentemente
uma expressão empírica, e por vezes fala-se mais da educação inclusiva
como um mero programa político ou como uma quimera inatingível do que
como uma possibilidade concreta de opção numa escola regular. Tanto a
legislação como o discurso dos professores se tornaram rapidamente
“inclusivos”, enquanto as práticas na escola só muito discretamente tendem
a ser mais inclusivas (RODRIGUES, 2006, p.302).
Para este autor,
O conceito de inclusão no âmbito específico da educação implica, antes de
mais, rejeitar, por princípio a exclusão (presencial ou acadêmica) de
qualquer aluno da comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende
seguir uma política de educação inclusiva desenvolve políticas, culturas e
práticas que valorizam a contribuição ativa de cada aluno para a formação
de um conhecimento construído e partilhado – e, desta forma, atinge a
qualidade acadêmica e sociocultural sem discriminação (RODRIGUES,
2006, p.302).
18
No entender de Ropoli et al6, (2010)
A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual
os alunos constroem o conhecimento segundo suas capacidades,
expressam suas ideias livremente, participam ativamente das tarefas de
ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças. [...] A
inclusão escolar impõe uma escola em que todos os alunos estão inseridos
sem quaisquer condições pelas quais possam ser limitados em seu direito
de participar ativamente do processo escolar, segundo suas capacidades, e
sem que nenhuma delas possa ser motivo para uma diferenciação que os
excluirá das suas turmas (ROPOLI et al, 2010, p.8 e 9).
Sob a luz dessas concepções podemos ter a dimensão do tamanho do desafio que
está posto para a construção de uma escola, de verdade, inclusiva, considerando o
perfil da nossa escola tradicional.
Este perfil encontra-se bem caracterizado por Mantoan, (2001),
Sabemos que o ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio) é prisioneiro da transmissão dos conhecimentos acadêmicos,
e os alunos, de sua reprodução, nas aulas e nas provas. A divisão do
currículo em disciplinas como Matemática Língua Portuguesa etc. fragmenta
e especializa os saberes e faz de cada matéria escolar um fim em si
mesmo, e não um dos meios de que dispomos para esclarecer o mundo em
que vivemos e nos entender melhor. O tempo de aprender é o das séries
escolares, porque é necessário hierarquizar a complexidade do
conhecimento, sequenciar as etapas de aprendizagem, mesmo sendo este
o básico, o elementar do saber. Uma escala de valores também é atribuída
às disciplinas, em que a Matemática reina absoluta, como a mais importante
e poderosa, enquanto as Artes, a Educação Física quase sempre não são
valorizadas. O conhecimento transmitido pelos professores corresponde a
verdades prontas, absolutas, imutáveis, e reprovam-se os alunos que
tentam vencer a subordinação intelectual.[...] De fato, a escola atulhou-se
do formalismo da racionalidade e cindiu-se em modalidades de ensino, tipos
de serviços, grades curriculares, burocracia (MANTOAN, 2001, p.2)
Neste cenário as propostas inclusivas não têm sido muito bem recebidas, pois
implicam em ruptura estrutural tornando-se uma ameaça para aqueles que têm
interesse na manutenção da ordem estabelecida.
Como assinala Mantoan, (2006),
Especificamente com relação à educação inclusiva, talvez a principal
implicação trazida pela introdução da “ideia” de inclusão no cenário da rede
de ensino pública brasileira tenha sido o temor dos educadores, gestores,
professoras e pais de crianças sem necessidades educacionais especiais
6
Trata-se de uma publicação da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.
19
de ser obrigadas a aceitar crianças com deficiência em suas escolas
(MANTOAN, 2006, p.219).
A referida autora faz uma análise dos entraves desta situação destacando,
desconhecimento, interesses corporativistas envolvendo pais, professores,
especialistas [...] problemas conceituais, desrespeito a preceitos
constitucionais, interpretações tendenciosas de nossa legislação
educacional e preconceitos distorcem o sentido da inclusão escolar,
reduzindo-a unicamente à inserção de alunos com deficiência no ensino
regular e desconsideram os benefícios que essa inovação educacional
propicia à educação dos alunos em geral, ao provocar mudanças de base
na organização pedagógica das escolas e na maneira de se conceber o
papel da instituição escolar na formação das novas gerações (MANTOAN,
2006, p.219).
No caso das pessoas com deficiência, a sua inclusão nas escolas regulares significa
o desmonte da chamada rede especializada, que em muitos Municípios ainda é
constituída por instituições particulares, em sua maioria, subsidiadas por verbas
públicas.
O processo de inserção social destas pessoas é muito recente. Aranha, (2001),
identifica três paradigmas que caracterizam as relações da sociedade com as
pessoas com deficiência, quer sejam, a institucionalização, o paradigma de serviços
e o de suportes. Cada um implica em práticas diferenciadas segundo a concepção
de deficiência que o perpassa.
O paradigma da Institucionalização é caracterizado pela
retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e
pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas ou escolas
especiais, frequentemente situadas em localidades distantes de suas
famílias. Assim, pessoas com retardo mental ou outras deficiências,
frequentemente ficavam mantidas em isolamento do resto da sociedade,
fosse a título de proteção, de tratamento, ou de processo educacional
(ARANHA, 2001, p.8).
Este paradigma começou a ser questionado na década de 1960 inicialmente por
Goffman, seguido de outros autores, que apontavam a sua inadequação e
ineficiência para o que se propunham a fazer, isto é, a recuperação das pessoas
para a vida em sociedade. (ARANHA, 2001 p.9)
20
Como substitutivo para a institucionalização foi se configurando o Paradigma de
Serviços, com o objetivo de aproximar as condições de existência das pessoas com
deficiência das normas e padrões da sociedade. (ARANHA, 2001, p. 12)
Atravessado pelas concepções de desvio e normalidade neste paradigma a pessoa
com deficiência deve ser submetida a procedimentos para reabilitar-se e depois ser
integrada na sociedade, inclusive nas escolas, o que, para a referida autora,
significava “localizar no sujeito o alvo da mudança”. Ainda que fossem necessárias
mudanças na comunidade, estas, “não tinham o sentido de se reorganizar para
favorecer e garantir o acesso do diferente a tudo o que se encontra disponível na
comunidade para os diferentes cidadãos, mas sim o de lhes garantir serviços e
recursos que pudessem “modificá-los” para que estes pudessem se aproximar do
“normal” o mais possível”. (ARANHA, 2001 p.16).
Este modelo sugere uma analogia com o mito do leito de Procusto 7, cujos
prisioneiros deviam ajustar-se ao tamanho do seu leito. Os que não se ajustavam
tinham os pés ou a cabeça cortados.
Diferente do Paradigma da Institucionalização, que persistiu por séculos, o de
Serviços não demorou a ser questionado, especialmente o conceito de normalidade.
Havia também
muitas críticas quanto à expectativa de que a pessoa com deficiência se
assemelhasse ao não deficiente, como se fosse possível ao homem o “ser
igual” e como se ser diferente fosse razão para decretar a menor valia
enquanto ser humano e ser social (ARANHA, 2001 p. 17).
Neste contexto surge o denominado Paradigma de Suporte, que “tem se
caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à
convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais
cidadãos” (ARANHA, 2001 p. 19).
7
Procusto era um bandido que vivia na serra de Elêusis. Ele tinha uma cama onde colocava as
pessoas que capturava. Se fossem altas demais, ele amputava o excesso de comprimento para
ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados até atingirem o comprimento
suficiente. Este mito representa a intolerância do ser humano para com o seu semelhante.
(Wikipedia)
21
Ou seja, não cabe mais apenas ao indivíduo ajustar-se ao meio social, mas também
à sociedade fazer os ajustes necessários para que sejam possibilitados o acesso e a
convivência nos espaços comuns.
Neste paradigma se contextualiza a ideia de inclusão.
Apontando para a
responsabilidade de todos os cidadãos para com o processo de inclusão social, a
autora enfatiza que,
Não haverá inclusão da pessoa com deficiência enquanto a sociedade não
for inclusiva, ou seja, realmente democrática, onde todos possam
igualmente se manifestar nas diferentes instâncias de debate e de tomada
de decisões da sociedade, tendo disponível o suporte que for necessário
para viabilizar essa participação (ARANHA, 2001, p. 20/21).
Embora tenha havido essa sucessão no aparecimento destes paradigmas, sendo
ode Suporte mais recente na história, não significa que os demais tenham
desaparecido. No Brasil, atualmente ainda existem instituições totais, escolas e
classes especiais em que pese a legislação e os movimentos sociais que atuam no
sentido de garantir que as pessoas com deficiências sejam de verdade incluídas na
sociedade e, em consequência nas escolas.
Na última década tem havido um maior investimento do Governo Federal para
garantir a presença de alunos com deficiências nas escolas, entre as ações
desenvolvidas estão os serviços de atendimento educacional especializado, a oferta
de cursos de formação de professores, equipamentos e materiais para salas de
recursos multifuncionais além da disponibilização de verbas para a reforma de
prédios escolares a partir de uma concepção de desenho universal8.
Em 2006 o país assinou sua adesão à Convenção sobre os direitos das pessoas
com deficiência, aprovada pelas Nações Unidas, em 06 de dezembro de 2006.
Em 2007 foi nomeado um grupo de trabalho composto por representantes do poder
público e de professores universitários que elaborou um documento contendo a
8
Concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoa , com
diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se
nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade (BRASIL, decreto nº 5296 de 02 de dezembro de
2004).
22
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.
(BRASIL, MEC/SEESP, 2010)
Em 2009, foi aprovada a resolução nº 04 de 02 de outubro de 2009, que instituiu as
diretrizes operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
Básica, modalidade Educacional Especial e, mais recentemente, foi aprovado o
decreto lei nº 7.612de 11 de novembro de 2011, que institui o Plano Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, também conhecido como Plano Viver sem
Limite, que tem entre suas diretrizes, a garantia de um sistema educacional
inclusivo, a garantia de que os equipamentos públicos sejam acessíveis para
pessoas com deficiência, incluindo o transporte adequado, a promoção do acesso,
do desenvolvimento e da inovação em tecnologia assistiva. (Art. 3º).
Em que pese a sua importância, estas medidas ainda são insuficientes frente aos
desafios postos pela concretização de um sistema de ensino que contemple de
verdade a todos os alunos. Para tanto, há necessidade de mudanças de concepção,
de posturas, de referenciais, o que, considerando a diversidade de pessoas que
atuam nos sistemas educacionais em todo o país, constitui-se em um trabalho a
longuíssimo prazo e que demanda o concurso de inúmeros profissionais das
diversas áreas de conhecimento.
Sobre a mudança exigida por essa transformação, assim se expressa Mantoan,
(2004),
Essa reviravolta exige, em nível institucional, a extinção das categorizações
e das oposições excludentes –iguais/diferentes, normais/ deficientes – e,
em nível pessoal, que busquemos articulação, flexibilidade e
interdependência entre as partes que se conflitavam nos nossos
pensamentos, ações, sentimentos. Essas atitudes diferem muito daquelas
típicas das escolas tradicionais, em que ainda atuamos e nas quais fomos
formados para ensinar (MANTOAN, 2004, p.38)
Neste estudo, apesar das nossas limitações, buscamos oferecer algumas
contribuições para esta construção a partir do referencial da Filosofia Clínica.
23
3 CONHECENDO A FILOSOFIA CLÍNICA
Considerando os objetivos deste trabalho, faremos neste capítulo, uma breve
apresentação contendo um pouco da história e do instrumental utilizado na Filosofia
Clínica.
A Filosofia Clínica é uma psicoterapia fundamentada na filosofia acadêmica e criada
pelo brasileiro Lúcio Packter9 na década de 1980, inspirado pelo movimento surgido
na Alemanha na mesma década, denominado filosofia Prática, o qual buscava
resgatar o papel terapêutico da filosofia.
Aiub, 2005, assim se refere ao início da filosofia clínica,
Após conhecer o trabalho de aconselhamento filosófico desenvolvido na
Holanda, em Amsterdã, completamente diferente do que viria a criar mais
tarde, Packter começou a pensar na possibilidade de uma clínica filosófica.
De volta ao Brasil, ainda na década de 80, iniciou suas pesquisas em Santa
Catarina, coletando dados, entrevistando pessoas, pesquisando, nos textos
de filosofia, as possibilidades para auxiliá-las. Entre erros e acertos, uniu os
dados dos relatos coletados aos estudos dos textos filosóficos, encontrando
formas para compreender e auxiliar as pessoas. Depois de muitos testes,
pesquisas teóricas e práticas, organizou um instrumental flexível, possível
de ser adaptado às necessidades de diferentes pessoas, mas que possui
um grau de segurança capaz de fornecer informações suficientes para o
filósofo clínico auxiliar as pessoas sem direcionar suas vidas e escolhas
(AIUB, M., 2005, p. 3).
Em 1994, Packter fundou o Instituto Packter, iniciando as primeiras turmas do curso
de Especialização em Filosofia Clínica, após o que, passou a aceitar convites para
implantar o curso nas diversas regiões do país. Atualmente há vários Centros e
profissionais atuando como Filósofos Clínicos em todo o país, com diversas
associações estaduais registradas e em funcionamento. (AIUB, M., 2005, p.16).
Para atuar como Filósofo Clínico é necessário ser filósofo formado em cursos
regulamentados pelo Ministério da Educação. Após a graduação é feito o curso de
Especialização em Filosofia Clínica Graus A e B, com duração de um ano e meio
cada. Completa esta formação, a clínica didática na qual o aluno vivencia a proposta
terapêutica além de um período de estágio supervisionado. É possível aos
profissionais não filósofos graduados em curso superior, cursar apenas o Grau B da
9
Lúcio Packter é médico psiquiatra, especializado em psicanálise. Quando tentou fundar o Instituto
Packter para difundir a Filosofia Clínica, descobriu que para atuar nesta área precisava ser formado
em filosofia, curso que concluiu em 1994. Neste ano, inaugurou o referido Instituto, cujo nome é uma
homenagem ao seu avô, grande incentivador de seu projeto. (AIUB, 2008, p.16).
24
Especialização em Filosofia Clínica, o que lhes permitirá atuar como pesquisador na
área.
A Filosofia clínica tem por objetivo levar o indivíduo a uma condição de maior
autonomia para lidar com as situações de seu cotidiano. Trata-se de um trabalho
terapêutico no qual o filósofo clínico, através de uma escuta orientada do
partilhante10encontra os elementos que vão ajudar esta pessoa a reelaborar aquelas
questões que podem estar causando dificuldades nos diversos setores da sua vida.
(PACKTER, 2001)
Considera cada sujeito, a maneira como se conduz no mundo, os valores que
sustentam suas escolhas, sua singularidade. Considera ainda que este sujeito vive
em um tempo histórico e em um contexto familiar e social que igualmente o
influenciam. Nesta perspectiva, o desafio do filósofo clínico é possibilitar que o
partilhante revisite sua história, que a reconstitua em um espaço que se pretende
isento de julgamentos e, dessa forma ressignifique fatos, dados, personagens e
cenários, enfim, que possa reinventar-se e assumir as rédeas da sua própria
existência. (PACKTER, 2001)
Para dar conta desse ambicioso projeto o filósofo clínico dispõe de um instrumental
próprio construído a partir de diferentes correntes do pensamento filosófico tendo
por princípio o respeito à representação que o partilhante faz do mundo, ou seja, não
se parte de uma verdade pré-estabelecida, de um conhecimento fechado e absoluto
do que quer que seja. (PACKTER, 2001)
Este instrumental é dividido em três eixos, os Exames Categoriais, a Estrutura de
Pensamento e os Submodos.
O saber sobre o sujeito vai emergindo do seu próprio discurso, discurso que o
filósofo clínico vai deixando que flua com o mínimo de interferências necessárias, a
fim de que possa conhecer a historicidade do partilhante, ponto de partida para o
trabalho terapêutico. A partir daí passa-se aos Exames Categoriais que vão dar uma
visão mais geral sobre o partilhante, que o localizam nos diferentes contextos.
10
Chama-se partilhante à pessoa que procura o Filósofo Clínico. Este termo é utilizado, pois durante
o processo a pessoa compartilha sua vida e suas questões.
25
Através dos exames categoriais o filósofo saberá o idioma da pessoa, seus
hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde viveu, a
geografia, o contexto religioso, histórico, entre outros aspectos que podem
ter importância (PACKTER, 2001, p.34).
São cinco as categorias utilizadas: Assunto, dividido entre Imediato e Último,
Circunstância, Lugar, Tempo e Relação. O Assunto Imediato é o motivo que levou o
partilhante ao consultório, já o Assunto Último refere-se à questão que será
trabalhada na clínica. O contexto em torno das questões vivenciadas pela pessoa
constitui a categoria Circunstância. (PACKTER, 2001)
Por lugar deve-se entender a situação subjetiva da pessoa, ou como ela se sente
subjetivamente diante de vivências, ambientes e relações e a categoria Tempo diz
respeito a percepção que a pessoa tem da temporalidade, como ela relaciona o
tempo cronológico com o tempo subjetivo.
Na categoria Relação se observa o comportamento do partilhante diante de algo e
se descreve como se dá este comportamento em cada situação, ou seja, como
reage diante de determinados acontecimentos.
Assim, vai sendo “desenhado” o universo do sujeito, que é considerado em sua
singularidade. Ou como nos ensina Packter,
A primeira lição fundamental na Filosofia Clínica é que aquilo que uma
pessoa sente, vive, afirma, imagina, faz – isso é assim para ela independente de ser compartilhado com as outras pessoas, de ser aceito,
criticado, ironizado, proibido e assim por diante. Cada pessoa é “a medida
de todas as coisas”, como disse nosso primeiro filósofo . [...] cada pessoa
vive cada coisa de um modo único, e é ela quem saberá o prazer ou o não
prazer do que está vivendo, pois cabe a ela mensurar o que vive, somente a
ela... mesmo que adote as mesmas medidas de mensuração de uma outra
pessoa (PACKTER, 2001, p.18).
A análise de cada Categoria e das relações entre elas permite ao filósofo construir
uma visão bem detalhada sobre o partilhante que será ampliada na etapa seguinte
que é a pesquisa da Estrutura de Pensamento da pessoa, ou seja, como ela pensa,
age e sente, como se expressa, se relaciona, quais são seus valores, crenças e
desejos. (AIUB, 2008, p.81)
26
Ou, no dizer de Packter, “significa a maneira como estão associados em você todos
os seus sentimentos, os seus entendimentos, seus dados éticos e epistemológicos,
religiosos e o que mais houver” (PACKTER, 2001, p.53/54).
A investigação da Estrutura de Pensamento se dá a partir de trinta tópicos, e
permitem ao filósofo clínico, juntamente com o estudo dos Submodos, fazer o seu
Planejamento Clínico e assim definir o Assunto Último, ou a questão que será
trabalhada. Uma descrição destes tópicos com a sua fundamentação teórica
encontra-se no anexo A deste estudo.
Após o estudo dos tópicos da Estrutura do Pensamento o Filósofo Clínico analisa os
Submodos (Anexo B) do partilhante.
Submodos são modos subordinados à Estrutura do Pensamento, são
maneiras de se observar o modo como o partilhante lida com suas
questões. Enquanto intervenção clínica, a observação divide-se em dois
momentos: a observação dos Submodos Informais e sua utilização como
procedimentos clínicos.. Nessas maneiras o filósofo clínico observa:
pertinência, relevância, eficácia e aplicabilidade a outras situações. Como
procedimentos clínicos, os Submodos são maneiras, modos subordinados à
Estrutura de Pensamento, aos Exames Categoriais e aos Submodos
Informais, isto é, só fazem sentido e somente podem ser utilizados se
estiverem de acordo com o que foi estudado e observado anteriormente nos
outros eixos, em outras palavras, se forem pertinentes às condições, às
necessidades e ao modo de ser do partilhante (AIUB, M. 2005).
Como ensina Packter, 2001, os submodos, são “formas vazias”, preenchidas com os
conteúdos colhidos durante a colheita da historicidade do partilhante, dos Exames
Categoriais e dos tópicos da Estrutura de Pensamento.
Essa análise é prerrogativa do filósofo clínico, não cabendo nos limites desse estudo
o seu aprofundamento.
27
4 AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE
UMA ESCOLA INCLUSIVA
Além do trabalho centrado na relação entre o Filósofo Clínico e o partilhante, os
procedimentos da Filosofia Clínica podem ser adaptados para o trabalho com
grupos, empresas e instituições, como escolas, hospitais, entre outras.
Neste capítulo trataremos das possíveis interseções entre a Filosofia Clínica e a
educação focalizando os aspectos que correspondem às contribuições da Filosofia
Clínica para a construção de uma escola inclusiva.
Embora a educação em seu sentido mais amplo não se restrinja ao contexto escolar,
nos ateremos a este, dados os objetivos a que nos propusemos.
Entre as contribuições da Filosofia Clínica para a educação, Carvalho, 2008, destaca
os conhecimentos sobre interseção e a forma de operacionalizar essa interseção,
para que possamos compartilhar o mundo uns com os outros.
No dizer do próprio autor:
A filosofia clínica nos ensina que compartilhar mundos pode resultar num
estado subjetivamente percebido como bom, ruim, confuso ou indefinido.
[...]Portanto, se conseguirmos estabelecer boas interseções na vida escolar
ou fora dela, ajudaremos as pessoas a aprender aquilo que mais lhes
importa e da forma como mais facilmente conseguem fazê-lo. Elas terão
que se apropriar da experiência dos outros e isso é importante porque
compartilhar é sempre menos doloroso do que ter que sofrer para aprender
(CARVALHO, 2008, p.209).
Sobre a forma de operacionalizar a interseção, o autor refere-se aos diferentes perfis
da estrutura de pensamento tanto de educadores quanto de educandos, e aponta a
importância de o educador entender como funciona a estrutura de pensamento do
aprendiz. (CARVALHO, 2008 p.211).
Na Clínica são observados vários tipos de interseção. As interseções positivas são
as que proporcionam prazer às pessoas envolvidas. As negativas, que se
caracterizam por relações desagradáveis, conflitantes ou ruins. Interseções confusas
28
ocorrem quando não se sabe o tipo de ralação que se está vivenciando e
indefinidas, quando há oscilação entre bem-estar e mal-estar. (PACKTER, 2001)
Essas mesmas interseções são observadas nas relações que se estabelecem nos
contextos escolares as quais estão intimamente relacionadas à qualidade do
processo de ensino aprendizagem.
A escola é um lugar privilegiado para o exercício da convivência, através do
compartilhamento de conhecimentos, experiências e valores. Em nenhum outro
espaço social essa possibilidade é tão ampla, dado o caráter transgeracional que
permeia a transmissão e a construção do conhecimento. Assim, se as interseções aí
produzidas forem positivas todos serão beneficiados.
No caso de alunos com deficiência o estabelecimento de boas interseções assume
importância capital nesse processo. Ser colocado no lugar de objeto, sendo alvo
apenas do cuidado alheio, de incapaz, como historicamente tem-se observado, ou
no de sujeito que é capaz de aprender, de participar, de ter sua própria
representação de mundo, seu jeito de ser, ter possibilidade de fazer escolhas,
definirá a qualidade do seu percurso escolar.
Fazer exigências, impor limites, oferecer desafios, considerando as condições e
possibilidades do aluno são exemplos de interseções positivas, ainda que se
configurem como antipáticas.
São comuns situações em que alunos com deficiência adquirem privilégios que não
são facultados aos outros, como poder sair da sala de aula em qualquer momento,
brincar quando todos os colegas estão trabalhando ou mesmo dormir durante as
aulas.
Estas atitudes, mesmo que justificadas pelas melhores intenções, não contribuem
em nada com o processo educacional de nenhum aluno, pois perpetuam a ideia de
que uma pessoa com deficiência precisa de nossa condescendência, não devendo
ser levada a sério.
Vale ressaltar que embora não se discuta a importância da qualidade das
interseções no ambiente escolar, as mesmas não podem ser tomadas como um
29
elemento isolado. Há que se considerar o “contexto, as Estrutura de Pensamento
que se encontram, representações de mundo, tópicos determinantes dessas
estruturas, espaço, tempo”. (AIUB, 2005, p.59).
Assim, para o trabalho com um aluno com deficiência, além do estabelecimento de
uma interseção positiva, há que se considerar, por exemplo, a sua historicidade.
Quando em função das suas características o aluno não conseguir relatá-la, contase com o auxílio de familiares, porém, sempre com o conhecimento deste aluno.
Outro importante aspecto a observar refere-se aos tópicos da Estrutura de
Pensamento, como Epistemologia, que trata da maneira como a pessoa aprende,
como conhece as coisas, quais os limites e a natureza desse conhecimento.
(PACKTER, caderno E).
Como esse aluno vai conseguir acessar o conhecimento? Que canais sensoriais
serão mais adequados nesse processo? Serão necessários equipamentos
específicos? O professor precisa se colocar no papel de investigador, assumindo
que não existe um modelo de aluno e que cada um aprende a seu modo.
Outro tópico importante refere-se à Semiose, no qual se pesquisa os meios que uma
pessoa usa para se comunicar. Esta questão assume importância capital no
atendimento, se considerarmos a tradição escolar do uso da escrita praticamente
como o único meio de expressão.
Não se trata aqui de retomar cada tópico da Estrutura de Pensamento, pois cada um
demanda um olhar específico. Essas citações têm por objetivo apenas sinalizar
possíveis modos de utilização do instrumental da Filosofia Clínica a serviço do
processo de ensino aprendizagem
Outros focos do Filósofo Clínico no contexto escolar podem ser tomar a Instituição
escola como partilhante ea utilização pelo professor de elementos do instrumental
da Filosofia Clínica como auxílio para o seu fazer, ressalvadas as diferenças entre
as posições de professor e terapeuta. (AIUB, 2005, p.9 e 10).
AIUB, em seu livro “Filosofia Clínica e Educação” apresenta o instrumental da
Filosofia Clínica estabelecendo relações com a atividade educativa e indicando
30
como esse instrumental pode ser colocado a serviço dos contextos e processos
educacionais. (AIUB, 2005)
Educação e filosofia clínica têm outros pontos de interseção, como ressalta
Carvalho, 2008,
Ambas esperam transformar o homem, funcionam como instrumento de
mudança a que o homem aspira. [...] pode-se entender que o conhecimento
gerado pela filosofia clínica ajuda na educação porque todo conhecimento
que explicita os mecanismos da consciência humana pode ser aplicado no
processo de aprendizagem. Cada conjunto de experiências pelas quais
passa o homem nele cria necessidades diferentes (CARVALHO, 2008,
p.213).
Destacaremos a seguir os aspectos comuns entre a Filosofia Clínica e os
pressupostos que embasam a construção de uma escola considerada inclusiva.
Para tanto, faremos um paralelo entre documentos oficiais que orientam a
construção de uma escola na perspectiva da educação inclusiva e os referencias da
Filosofia Clínica.
Como já explicitado nos capítulos anteriores, a legislação vigente em nosso país
assegura a TODOS os cidadãos o acesso à educação, o que implica em que os
sistemas educacionais devem garantir que TODOS tenham condições adequadas
não apenas para matricular-se nas escolas como também para acessar o currículo
nelas desenvolvido.
Essa exigência legal norteia a construção das políticas públicas que se expressam
em documentos oficiais e são/deveriam ser traduzidas em práticas nas escolas, de
modo a concretizar esse direito.
Um dos pressupostos do processo de construção de escolas inclusivas é o de que
os alunos não devem ser agrupados segundo atributos escolhidos arbitrariamente.
Ambientes escolares inclusivos são fundamentados em uma concepção de
identidade e diferenças, em que as relações entre ambas não se ordenam
em torno de oposições binárias (normal/especial, branco/negro,
masculino/feminino, pobre/rico). Neles não se elege uma identidade como
norma privilegiada em relação às demais. [...] Em ambientes escolares
excludentes, a identidade normal é tida sempre como natural, generalizada
e positiva em relação às demais, e sua definição provém do processo pelo
qual o poder se manifesta na escola, elegendo uma identidade específica
através da qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas
(ROPOLI et al, p.7).
31
Esse pressuposto coincide com algumas das características da Filosofia Clínica,
entre elas, a ausência de tipologias e de critérios médicos como normal/patológico,
doente/saudável. (PACKTER, 2001, p. 130).
Como assinalado por Aiub, 2008,
a Filosofia Clínica não possui conceitos de normalidade e patologia, de
doença e cura, nem tipologias e teorias pré-existentes para lidar com as
questões trazidas pela pessoa.[...] O trabalho do filósofo clínico consiste em
assumir a atitude filosófica diante de seu partilhante: acompanhar seu relato
sem pré-julgamentos, sem enquadrá-lo em tipologias (AIUB, 2008, p. 26 e
27).
Não ter respostas a priori, não se deixar guiar por pré-juízos acerca da condição dos
alunos e sua potencialidade para o aprendizado é uma condição necessária no
paradigma da inclusão, evitando-se rótulos que dificultam ou impedem o processo
de ensino aprendizagem.
Os preconceitos em relação aos alunos, especialmente àqueles com deficiências
são muitos e tem raízes profundas. Desconstruir esses preconceitos na cultura
escolar impõe-se como uma necessidade urgente, para construirmos contextos
escolares verdadeiramente inclusivos. Essa construção demanda assumir valores
diferentes daqueles da escola tradicional. Aqui ganha especial relevância o Tópico
de número 18 da Estrutura de Pensamento, Axiologia, que trata justamente de
valores. Como essa questão é tratada no contexto escolar? O que é tido como valor
para as pessoas que compõem o universo da escola? Existe disposição para
mudança?
Trata-se de refletir coletivamente sobre os referenciais que sustentam as práticas
educacionais, para que passem a fazer sentido para o grupo, evitando-se a
imposição de valores e regras comuns aos documentos escolares, que na maioria
dos casos, servem apenas ao cumprimento de exigências burocráticas.
Conceitos como normalidade, padrão, classes homogêneas, entre outros, que
tradicionalmente tem permeado as concepções e práticas escolares, naturalizando
uma situação de exclusão que é histórica e culturalmente produzida, precisam ser
32
abolidos,, sob pena de ficarmos em meros exercícios de retórica, sem nenhuma
transformação efetiva.
Os sistemas educacionais constituídos a partir da oposição – alunos
normais e alunos especiais sentem-se abalados com a proposta inclusiva
de educação, pois não só criaram espaços educacionais distintos para seus
alunos, a partir de uma identidade específica, como também esses espaços
estão organizados pedagogicamente para manter tal separação, definindo
as atribuições de seus professores, currículos, programas, avaliações e
promoções dos que fazem parte de cada um desses espaços. (ROPOLI et
al, 2010, p.7)
Romper com esse modelo não é tarefa fácil. A convivência com pessoas cujas
características sejam bastante diferentes daquelas que costumamos associar a
alunos de escolas comuns tem sido um desafio para todos. A Filosofia Clínica pode
contribuir para facilitar essa convivência, conforme apontado por Carvalho, 2008,
O homem tem dificuldade de aceitar aquilo que não entende e/ou com que
não concorda. [...]. É muito difícil conviver com o diferente, embora a
existência se realize em grupo com pessoas com características muito
diversas. A filosofia clínica abre um canal de contato com os outros. Revela
que cada homem tem uma estrutura de pensamento, isto é, um mundo
diverso. Ao mostrar o diferente de modo menos ameaçador, ela o faz
parecer mais confiável. (CARVALHO, 2008, p. 212).
Se às vezes uma opinião ou hábito diversos dos nossos constitui-se em motivo para
nos afastarmos do outro, o que dizer quando nos defrontamos com pessoas que, por
algum motivo, não falam, não andam, não enxergam, não escutam ou não
raciocinam segundo padrões considerados normais e que, no caso das pessoas
com deficiência, foram excluídas do cenário das escolas? Se nunca convivemos,
como o faremos neste cenário que se pretende inclusivo?
Um temor comum observado entre familiares de alunos sem deficiências e mesmo
entre alguns profissionais da educação é o de que a entrada de alunos com
deficiência nas classes comuns de ensino prejudique o processo de ensino
aprendizagem, o que não se verifica na prática.
Ao contrário, pesquisas indicam que estudantes que convivem com companheiros
muito diferentes desenvolvem habilidades de aceitação e flexibilidade, tornando-se
mais abertos às diferenças individuais, mais conscientes a respeito das
33
necessidades de terceiros e mais solidários. Esse aspecto também foi observado
entre os pais dos alunos. (FILHO, BELISÁRIO e LOWENTHAL, 2012, p.182)
Essa pesquisas coincidem com o que é apontado em documento do Ministério
Publico Federal, 2004, onde se lê:
Um ensino que contempla e acolhe todos os alunos não poderá ser
prejudicial a ninguém. Uma escola em que todos os alunos são bem-vindos
tem como compromisso educativo ensinar não apenas os conteúdos
curriculares, mas formar pessoas capazes de conviver em um mundo plural
e que exige de todos nós experiências de vida compartilhada, envolvendo
necessariamente o contato, o reconhecimento e valorização das diferenças.
Este conhecimento potencializa a educação escolar, em seus objetivos e
práticas e, assim, também é mais um meio de aprimoramento do ensino
para todos os alunos.[...] é bom lembrar que não são os alunos com
deficiência que prejudicam o bom andamento do Ensino Fundamental e dos
demais níveis. Ao contrário, a presença deles enseja mudanças
substanciais nas práticas escolares, pois de nada adianta transmitir
conteúdos, sem significado, descontextualizados da experiência de vida do
aluno e que rapidamente serão esquecidos (BRASIL, 2004, p.45).
Considerar a singularidade dos alunos é precípuo à educação numa perspectiva
inclusiva, não mais justificando a existência de espaços exclusivos para uma
população em razão de uma caraterística específica.
Quando entendemos esses processos de diferenciação pela deficiência ou
por outras características que elegemos para excluir, percebemos as
discrepâncias que nos faziam defender as escolas dos diferentes como
solução privilegiada para atender às necessidades dos alunos. Acordamos,
então, para o sentido includente das escolas das diferenças. Essas escolas
reúnem, em seus espaços educacionais, os alunos tais como eles são:
únicos, singulares, mutantes, compreendendo-os como pessoas que
diferem uma das outras, que não conseguimos conter em conjuntos
definidos por um único atributo, o qual elegemos para diferenciá-las”.
(ROPOLI et al, 2010 p.9)
Mais uma vez, encontramos nessa ideia elementos de interseção com a Filosofia
Clínica, como ressalta Carvalho, 2008,
A filosofia clínica ajuda naquilo que é o objetivo mais importante da
educação aos olhos de quem enxerga a pessoa como o maior valor da
sociedade ocidental. Descobrir tal realidade, penetrar num mundo único,
saber aquilo que faz esse homem ser ele mesmo, realizar-se, tornar-se
autônomo é o grande objetivo da educação (CARVALHO, 2008, P.212).
Ou no dizer de Goya,
a ética em Filosofia Clínica deve ser compreendida como algo distante de
uma hierarquia universal de valores fixos de bem/mal ou de amor/ódio e
34
desloca a problemática da identidade para a alteridade”. (GOYA,
2010,p.179).
Outro aspecto que aproxima Filosofia Clínica e educação inclusiva refere-se à
representação de mundo, que é única para cada sujeito. Como ensina Aiub, 2005,
em Filosofia Clínica, aprendemos a respeitar a representação do outro, o
que não significa aceitá-la, vivenciá-la, mas compreender que o outro pode
não ver o mundo da mesma maneira que vemos, que não somos os “donos
da verdade”, que não temos sempre a resposta, e que muitas vezes, a
resposta é, simplesmente “não sei”.[...] nada sei a respeito da pessoa que
se apresenta diante de mim, por isso tudo o que afirmar, sugerir, propuser,
concluir, julgar, avaliar, neste momento, será a respeito de minha própria
representação de mundo e não da própria pessoa. Mais ainda, nada sei de
tudo o quanto sei, ou seja, meu próprio saber é questionável, precisa ser
constantemente reavaliado, aperfeiçoado (AIUB, 2005, p.21).
Considerando a cultura instituída na maioria das nossas escolas, pode-se inferir o
quão difícil é assumir essa postura diante das divergências geradas a partir das
diferenças de representações entre todos os sujeitos que fazem parte do contexto
escolar que costumam produzir impasses de diversas naturezas.
Muitos professores pautam-se por uma visão homogeneizadora de seus alunos,
como se houvesse um “homem universal” e as características que são peculiares a
cada sujeito não fizessem diferença no processo de aprendizagem. Alguns
acreditam ainda que todos os alunos aprenderão de forma semelhante e no tempo
definido pela escola impondo um processo escolar nivelador. Essa atitude tem como
consequência a exclusão de todos que destoam daqueles padrões previamente
estabelecidos. Uma escola só será inclusiva quando considerara singularidade dos
seus alunos, construindo-se assim, grupos onde todos possam aprender e ensinar
de acordo com suas possibilidades, independente de qualquer condição.
Assim como na Filosofia Clínica, não há uma única teoria que dê conta da
compreensão de todos os sujeitos, o que implica no uso de metodologias diferentes,
segundo a necessidade e as possibilidades de aprendizado de cada aluno.
Mais do que constatar que existem diferenças e que estas são inerentes à condição
humana, na escola que se pretende inclusiva é necessário mudar os referenciais,
romper com o modelo de escola que conhecemos e ousar construir outro, no qual
TODOS os alunos sejam tomados como sujeitos capazes de contribuir com o
35
processo de ensino aprendizagem, mesmo aqueles como deficiências classificadas
como severas.
A escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos
alunos diante do processo educativo e busca a participação e o progresso
de todos, adotando novas práticas pedagógicas. Não é fácil e imediata a
adoção dessas novas práticas, pois ela depende de mudanças que vão
além da escola e da sala de aula. Para que essa escola possa se
concretizar, é patente a necessidade de atualização e desenvolvimento de
novos conceitos, assim como a redefinição e a aplicação de alternativas e
práticas pedagógicas e educacionais compatíveis com a inclusão (ROPOLI,
et al, 2010, p.9).
Para tanto é necessário que a escola olhe além de seus muros, que recorra ao
saber acumulado em outras áreas do conhecimento para buscar as soluções que
melhor atenderão as demandas desse novo alunado.
Assumir uma postura questionadora e investigativa torna-se essencial para a
condução do processo de ensino aprendizagem nessa perspectiva, o que mais uma
vez coincide com um dos pressupostos da Filosofia Clínica que é a constante
indagação, o questionamento das próprias conclusões, o agir a partir de um
percurso reflexivo, com a consciência da provisoriedade e limitação das suas
“verdades”. Destaca-se aqui os Tópicos 24 e 25 da Estrutura de Pensamento,
Hipótese e Experimentação, respectivamente, que estão relacionados à capacidade
de levantar hipóteses a partir do processo de pensamento e, nesse mesmo processo
de pensamento, antecipar possíveis resultados para cada hipótese formulada. Esse
exercício permitirá, por exemplo, que um professor decida sobre qual abordagem
teórica atenderá melhor às necessidades de um ou mais de seus alunos, ou ainda,
que estratégias serão as mais adequadas para que todos possam aprender.
Nunca é demais lembrar que isso pressupõe um conhecimento prévio dos alunos
por parte desse professor.
Como destacado em documento do Ministério Público Federal, 2004,
não existem receitas prontas para atender a cada necessidade educacional
de alunos com deficiência que a natureza é capaz de produzir. Existem
milhares de crianças e adolescentes cujas necessidades são quase únicas
no mundo todo. Assim, espera-se que a escola, ao abrir as portas para tais
alunos, informe-se e oriente-se com profissionais da Educação e da Saúde
sobre as especificidades e instrumentos adequados para que aquele aluno
36
encontre ali um ambiente adequado, sem discriminações e que lhe
proporcione o maior e melhor aprendizado possível (BRASIL, 2004, p.29).
Neste caso, o instrumental utilizado em Filosofia Clínica poderá ser muito útil no
processo de compreensão da condição destes alunos, no conhecimento do contexto
em que se encontram e no direcionamento de uma proposta pedagógica que atenda
às suas necessidades e às dos demais colegas.
Como ressalta Carvalho, “a filosofia clínica ajuda a entender como o estudante vive,
mostra o que lhe falta alcançar. [...] facilita o reconhecimento dos pré-requisitos de
que o educando precisa para alcançar determinados conteúdos”. (CARVALHO,
2008, p.211).
Se essa compreensão é necessária para qualquer estudante, para aqueles com
alguma deficiência se torna essencial. Como tornar os conteúdos acessíveis? Como
esses alunos aprendem? Que meios se utilizam para comunicar suas ideias,
pensamentos, sentimentos, emoções?
Em Filosofia Clínica essas perguntas podem ser respondidas quando se conhece a
Estrutura de Pensamento do partilhante, que por sua vez, é montada com os dados
obtidos através da realização dos Exames Categoriais. Parte-se do que é trazido
pelo partilhante, não de modelo pré-existente.
A condução desse processo em coletivos, embora semelhante à clínica, possui
características específicas, e dependerá das particularidades de cada instituição
(AIUB, 2005). No caso de uma escola, a demanda poderá estar centrada nas
dificuldades de um aluno específico, na resistência de professores em acolher
alunos com deficiências, ou ainda, de um determinado grupo de pais, só para citar
alguns exemplos.
A título de exercício, poderíamos imaginar que uma determinada escola contratasse
os serviços deum Filósofo Clínico com o objetivo de adequar-se à legislação vigente,
tornando-se verdadeiramente inclusiva.
Nessa situação poderia ser definido como Assunto Imediato a necessidade de
adequar-se à legislação atual e como Assunto Último, tornar inclusivas as suas
práticas e concepções.
37
Começaríamos por conhecer a historicidade dessa escola, o que poderia ser feito
através de entrevistas com sujeitos dos diversos segmentos, levantamento de
registros existentes em documentos da própria escola, da diretoria de ensino, da
Secretaria de Educação, na imprensa, entre outras fontes de pesquisa.
Neste processo, na categoria Circunstância, observaríamos o ambiente dessa
escola, a sua estrutura física, a região onde está inserida, a sua cultura, a
comunidade escolar, enfim, os dados levantados tornariam possível compreender a
instituição e seu contexto.
Na categoria Lugar, poderíamos elencar o que aquela escola representa no contexto
onde está inserida, que representações os sujeitos que fazem parte da comunidade
escolar tem sobre esta escola. O que significa ser aluno, ser professor, ser gestor,
ser educador nesta escola?
Na categoria Tempo, colheríamos dados sobre a organização dos tempos e espaços
escolares, o que é considerado para a organização/definição dos mesmos, quem
participa dessas decisões, como as necessidades de todos são levadas em conta
nesse processo.
Na categoria Relação observaríamos a maneira como as relações são estabelecidas
entre os sujeitos dos diferentes segmentos da comunidade escolar, por exemplo,
gestores e professores, professores e alunos, gestores e responsáveis pelos alunos,
entre os alunos e os conteúdos trabalhados, e outras possíveis relações. As
estratégias de acolhimento às diferenças e necessidades de cada indivíduo e para a
resolução de conflitos também podem ser analisadas aqui.
A realização dos exames categoriais oferecerá os subsídios necessários para a
montagem da Estrutura de Pensamento, que será feita tendo como base os trinta
tópicos nos quais está dividida, organizando-se os dados recolhidos de modo a
estabelecer tópicos dominantes, tópicos importantes, relações entre tópicos, enfim,
uma “arquitetura” que permitirá a elaboração do planejamento clínico para o
encaminhamento das questões visando atingir o objetivo último, que neste caso será
38
a construção de uma cultura inclusiva11. .Nesse percurso reflexivo o grupo poderá
perceber, por exemplo, que os tempos e espaços escolares não favorecem a
aprendizagem e encontrar maneiras para reformulá-los. Que os valores expressos
na proposta pedagógica da escola condizem com os de uma escola inclusiva, mas
não se concretizam nas práticas efetivadas. Ou ainda, que os alunos e/ou seus
familiares dificilmente podem participar dos processos decisórios da escola.
Cada uma dessas situações será trabalhada a partir da análise dos Tópicos da
Estrutura de Pensamento e da pesquisa dos Submodos utilizados pelo coletivo ou
pelos grupos dos diferentes segmentos, de acordo com as especificidades do
contexto em questão.
Todo esse processo deve ser desenvolvido/compartilhado com os diversos
segmentos do coletivo escolar e servirá para compor o
projeto pedagógico da
escola.
Outra ação do filósofo clínico nas escolas pode ser a oferta de cursos sobre o
instrumental e os procedimentos da Filosofia Clínica destinado aos professores
como complemento a sua formação, não para transformá-los em filósofos, mas para
que possam utilizar esse conhecimento no seu cotidiano.
Enfim, existem inúmeras possibilidades de atuação deste profissional no universo da
educação, e, considerando-se a coincidência de princípios entre a proposta que
norteia a construção de uma escola na perspectiva inclusiva e a Filosofia Clínica,
pode-se inferir a importância dos saberes e das práticas desta área do
conhecimento nesse processo.
11
Uma explicação detalhada dos procedimentos utilizados neste tipo de trabalho encontra-se no livro
“Filosofia Clínica e Educação”, de Monica Aiub.
39
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de escolas consideradas inclusivas representa uma tarefa de enorme
complexidade e demanda uma revisão radical nas concepções e práticas
educacionais atuais tornando-as condizentes com o que se encontra expresso nas
políticas educacionais vigentes em nosso país.
Isso implica em garantir, na prática, que qualquer aluno tenha as condições
necessárias para aprender, cabendo às equipes escolares encontrarem a melhor
maneira para efetivar essa aprendizagem. A perspectiva inclusiva impõe uma escola
em que a aprendizagem não seja privilégio daqueles que se adequam aos padrões,
mas um direito a ser exercido por TODOS.
Uma mudança desse porte não se faz de uma hora para outra. Considerando a
legislação atual pela qual toda escola deve se pautar e as condições objetivas de
nossas escolas públicas observa-se uma enorme lacuna entre o que se anuncia e o
que acontece de fato, que precisa ser preenchida o quanto antes, sob pena de
perpetuar-se o processo de exclusão característico de nossas escolas, onde ainda é
o aluno quem deve adequar-se às condições de ensino que lhe são oferecidas e não
o contrário, como preconizam os documentos oficiais.
Considerar cada aluno a partir de suas necessidades, possibilidades, interesses e
potencialidades é uma responsabilidade a ser assumida por todos os que compõem
o sistema educacional.
Esse olhar focalizado no sujeito/aluno singular, procurando conhecer quem ele é,
como aprende, o que pensa sobre si mesmo, sobre a escola, o mundo, enfim,
tomando a sua história sem partir das ideias preconcebidas dos padrões ou das
classificações como normal/patológico e outras que historicamente vem sustentando
mecanismos de
segregação no ambiente escolar, constitui-se em um princípio
basilar para a Filosofia Clínica, o que torna os profissionais dessa área do
conhecimento parceiros privilegiados para essa construção.
40
Através desse estudo foi possível constatar inúmeras aproximações entre o
referencial da Filosofia Clínica e os preceitos que subsidiam as políticas públicas
voltadas para a educação no nosso país e que embasam a construção de uma
escola na perspectiva inclusiva.
Além das questões aqui apontadas, muitas outras utilizações da teoria e do
instrumental da Filosofia Clínica poderão ser colocadas a serviço desse processo
que, em última instância, implica na construção de uma nova escola, e por
consequência, uma nova sociedade.
Para tanto muitos passos ainda precisam ser dados e por profissionais de diversas
áreas de conhecimento. O estudo ora apresentado demanda ser confrontado com
situações práticas. Levá-lo para o universo escolar é o desafio que está posto.
41
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WIKIPEDIA, Enciclopédia Virtual http://pt.wikipedia.org/wiki/Procusto consultado em
16/07/2012
45
7 ANEXOS
7.1 ANEXO A
Tópicos da Estrutura de Pensamento12
1 - Como o mundo parece (fenomenologicamente): observamos a visão de mundo
da pessoa, qual a representação que criou do mundo exterior. Anotamos aqui todas
as referências ao mundo externo. Exemplos: a minha cidade tem árvores que
servem para alimentar pequenos pássaros; a terra é um lugar onde só existe dor,
exploração e falsidade.
2 - O que acha de si mesmo: apresenta como a pessoa se vê, a visão que tem de si
mesma. Exemplo: sou uma pessoa imatura, não consigo me imaginar vivendo longe
de meus pais; me sinto bem poderosa, poderia mover o mundo se quisesse.
Fundamentação teórica: ideia de representação de Protágoras e Schopenhauer e
indiretamente na fenomenologia de Merleau-Ponty.
3 - Sensorial e abstrato: observamos todas as referências às sensações e às
abstrações, e, principalmente, como estas se relacionam entre si, se há
predominância das sensações, das abstrações, em quais circunstâncias ou
momentos, como a pessoa lida com seu corpo e suas ideias. Neste tópico
estudamos como as ideias se originam e se imprimem em nossas mentes: via
sensações ou via ideias abstratas.
Exemplo:
Sensorial: a sensação produzida pelo chá é de uma limpeza profunda, eu sentia o
efeito de limpeza em cada célula do meu corpo.
12
Esta parte do estudo, apresentada como trabalho mensal durante o curso de Especialização em
Filosofia Clínica, foi escrita a partir dos Cadernos de Filosofia Clínica, que são transcrições das aulas
do curso de especialização em filosofia clínica de Lúcio Packter e do livro “Para entender Filosofia
Clínica – O apaixonante exercício do filosofar” de Monica Aiub.
46
Abstrato: eu estive pensando muito, eu penso muito. Penso como seria bom
entendermos os caminhos do ser humano.
Fundamentação teórica: Locke, Berkeley, Hume, Descartes, Kant e Merleau-Ponty.
4 - Emoções: observamos todas as referências às emoções: amor, ódio, tristeza,
alegria, raiva, inveja, ciúme, medo, entre outras. Exemplo: quando fico deprimida
costumo consumir muito chocolate, é incontrolável.
Fundamentação teórica: Espinosa e Pascal.
5 - Pré-juízos: são verdades a priori, sem conotação do bem ou mal, verdade ou
falsidade. Apenas verdades subjetivas anteriores à experiência. Aqui o filósofo
observará quais são os Pré-Juízos do partilhante e como eles determinam suas
escolhas e ações. Exemplo: quem ama perdoa; homem não presta, nunca amaria
um homem; pessoas pobres são mais generosas do que pessoas ricas.
Fundamentação teórica: Gadamer, Popper e Kuhn.
6 - Termos agendados no intelecto: observam-se as expressões utilizadas pela
pessoa e seus significados próprios. Termo é o conceito expresso (ideia, imagem ou
verbo mental) como palavra, som, desenho, gesto, movimento, cheiro etc. No sexto
tópico da EP o filósofo clínico pesquisará o que se passa à pessoa, conceitualmente,
quando ela se expressa. O filósofo pesquisará os termos que são importantes,
determinantes ao modo de ser da pessoa, e a eles implicados, de acordo com a
pertinência em clínica. E, como sabemos, a priori eu sei um mínimo sobre a
importância que as coisas têm à pessoa; é a intimidade na interseção quem me
determina isso. É necessário pesquisar o que aquele termo significa para a pessoa.
Exemplo: quando a pessoa diz que ama alguém, o que significa amor para ela? Ou
seja, quando o filósofo anotar um termo ele conhecerá o sentido, o uso, as variáveis
categoriais, o local de inserção na EP da pessoa e terá ainda alguma ideia sobre a
utilização próxima junto aos submodos apropriados.
7 - Termos universal, particular e singular: neste tópico observa-se que termos o
partilhante usa com mais frequência, em quais contextos e situações. Em Filosofia
47
Clínica, é importante inicialmente saber a quantidade da proposição dada pelo
sujeito e qual o uso que a pessoa emprega a isso. Exemplo:
“As pessoas são boas.” .........................Universal
“Algumas pessoas são boas.”...............Particular
“Esta pessoa é boa.” ............................Singular
As variações vão longe: há quem use o termo Universal quando quer incluir todas as
pessoas, mas há também quem o use porque por alguma razão preferiu dizer isso a
dizer que “esta” pessoa ao lado é que é boa e não “todas” as pessoas; há quem
somente consiga expressar seus sentimentos de amor e de ódio usando termos no
Particular, “alguns, algumas, certas pessoas, etc”.
8 - Termos: unívoco e equívoco: Em clínica, as implicações deste tópico da EP vão
longe: a. Saber a quais dados conceituais se remetem os termos unívocos e
equívocos.
Pesquisar o tipo de informação: aproximada, metafórica, exata etc.
Estudar como se insere à EP os termos.
Procurar as manifestações associadas.
Uma pessoa pode usar termos equívocos como maneira de expressar conceitos
unívocos, equívocos ou, às vezes, inexistentes. Exemplo: a guria esbofeteia o
homem que ama enquanto afirma sinceramente que o ama; ele se confunde quanto
ao que de fato ela quer transmitir com isso, termo equívoco; mas ela quer
exatamente transmitir que embora o ame, sente ódio por algo que ele tenha feito
recentemente a ela, termo unívoco.
9 - Discurso: completo e incompleto: O Discurso Incompleto tem como algumas
características iniciais importantes o de ser fragmentado, às vezes confuso, não
apresenta um sentido que mostre início, meio e fim, não parece ordenado
logicamente ao ambiente linguístico que o porta, pode quebrar o entendimento do
raciocínio, pode induzir a entendimentos dúbios, pode ser tido como pobre - do
ponto de vista do desenvolvimento da ideia, é normalmente quebrado, solto etc.
Agora, é evidente que tais características somente têm validade quando inseridas no
contexto adequado.
48
Exemplo de Discurso Incompleto:
a . (a pessoa exclama, sem mais nem porque) ...foi, pois foi.
(som quase inaudível dado como resposta)...ãh...
O rapaz vai beijar a moça, mas subitamente para, faz um movimento estranho com o
nariz e em seguida pergunta a ela algo que nada tem a ver com a cena.
Em meio a uma palestra sobre genética, o palestrante encerra o discurso no meio e
passa a falar de culinária. Estes exemplos podem passar igualmente por Discurso
Completo quando devidamente inseridos na EP de modo a ter: um sentido inteiro
com início, meio e fim, uma acepção completa da mensagem a ser transmitida e
então recebida, contexto o suficiente de modo a dar um parecer de entendimento ao
que se passa etc.
Mais ou menos geral, a impressão e o entendimento que permanecem após um
Discurso Incompleto é o de ter ficado algo errado, distorcido, pouco convincente, a
sensação íntima de estar faltando algo que pode ou poderia ser completado
exatamente se o Discurso fosse Completo: a comunicação feita de maneira inteira.
Como por exemplo:
a . Joana me traga a xícara que está em cima do fogão!
Qual foi a sua nota na disciplina de Cosmologia no último mês de aula?
Você prefere café puro ou com leite?
Qual é o seu nome?
E, assim como antes, tais exemplos em outros contextos poderiam também passar
perfeitamente por incompletos.
Portanto, o que o filósofo clínico precisa averiguar é o que está acontecendo com a
pessoa quando ela se expressa.
Um Discurso Completo é aquele que inicia, tem um desenvolvimento e termina,
ordenada e sistematicamente. Exemplo: “João é uma boa pessoa porque é
generoso”.
No entanto, o filósofo clínico não pode caracterizar um discurso até terminar ao
menos os Exames Categoriais. Então ele saberá, por exemplo, que o Discurso é
Completo, Equívoco, Abstrato, subalterno ao tópico 4, Emoções, e por aí afora. A
priori, de jeito nenhum.
49
10 - Estruturação de raciocínio: trata-se de verificar se o partilhante possui,
predominantemente, uma lógica formal e descrever a estruturação de raciocínio
própria do partilhante. Os critérios iniciais a um raciocínio bem estruturado são:
- Capacidade de agendar e de responder apropriadamente a um estímulo. Exemplo:
se o filósofo, perguntar pelas horas à pessoa é apropriado que obtenha como
resposta a hora no momento.
- Relação íntima e/ou justificável entre termo antecedente e termo subsequente.
Exemplo: “Eu viajei à Canasvieiras no último final de semana. Lá encontrei meus
amigos. Eles me convidaram para almoçar em um pequeno restaurante à beira do
mar. A brisa era suave...”
- Firme relação entre causa e efeito. Exemplo: “Eu quero um copo de água porque
estou com sede”.
- Contiguidade e Semelhança. Significa uma espécie de parentesco, de afinidade,
entre os termos, os conceitos, as proposições. Exemplo: você pode estar caminhado
na rua e conversando com um amigo sobre Metafísica, mas interromper
abruptamente o que está falando quando ouve o som de um piano saindo por uma
janela. E então pode passar a falar de música, a falar de algo que em nada se
relaciona com o tema anterior. Às vezes também uma ideia pode arremessá-lo a
outra por algo que lhe seja parecida: um aroma de camomila pode fazer a pessoa
lembrar de uma antiga namorada.
- Associação coerente e justificável de ideias. Significa a capacidade de ordenação,
de interpretação literal, lógica, e de bom-senso quando necessário. Como em tipos
específicos de conversações.
- Capacidade de interpretação lógica, literal e via bom-senso. Que diz respeito
agudamente à vida de desenvolvimento em aprendizagem individual que a pessoa
teve até então.
É evidente que esses critérios só têm sentido clínico quando alicerçados na
associação do logicismo formal ao empirismo inglês e à analítica da linguagem.
50
O filósofo precisa ainda usar de Epistemologia (um dos tópicos da EP). Porque
assim ele terá acesso ao conteúdo do termo: ao conceito. Saberá também como a
pessoa conhece as coisas com as quais está em relação. Os dados intuitivos em
clínica estarão ligados a isso. Por fim, tão importante quanto os demais, os
Princípios de Verdade: a leitura que ambos, filósofo e pessoa, compartilham à
respeito dos objetos de relação considerados. Contudo, somente com a EP apurada
é que o filósofo poderá dar um parecer conclusivo sobre o assunto.
Fundamentação teórica: os tópicos 06 ao 10 estão fundamentados na lógica
aristotélica, no empirismo inglês e na analítica da linguagem.
11 - Busca: observa para onde se direcionam as metas, as buscas, os objetivos
traçados pelo partilhante para sua vida. É como se denomina o devir, a esperança, o
projeto pessoal, o para onde queremos ir, qual a procura imediata e a mais remota,
o sonho guardado (confesso ou não). Algo pequeno ou grande, mas sempre
significante a quem o possui. Pode se confundir com a categoria Assunto; muitas
vezes a pessoa sofreu tantas adversidades que conferimos no Assunto Imediato seu
desejo de apenas não sofrer (seja qual for o significado que isso tenha para ela). A
Busca é plástica, muda e evolui, cresce e morre. As questões mais fundas do ser
humano podem a ela se relacionar. Exemplos:
— Qual o escopo da vida?
— O que faço de minha vida?
— Estou bem comigo mesmo?
— Estou me realizando, fazendo o que gosto, amando e sendo amado?
— Vivo onde quero e com quem quero?
Cedo ou tarde, no trabalho clínico, aparece o projeto pessoal de vida, tão variável
quanto são as crenças, os valores, os pensamentos que estruturam os indivíduos
Em algumas ocasiões você não encontrará Busca alguma definida na pessoa!
Ela pode ter estruturado a vida em um deixar-viver em que o hedonismo guia seu
caminho existencial - de acordo com os humores do vento. Outras vezes, encontrará
uma pessoa que desde os sete anos de idade já definiu sua Busca, da qual não se
afastou nunca. O seu trabalho não é, até um ponto, fabricar uma Busca à pessoa,
mas sim saber se ela tem uma ou não. Aonde a pessoa se dirige existencialmente
não quer dizer aonde de fato ela vai, ou aonde quer ir, nada disso. A resposta a isso
51
não é exata, de jeito nenhum! Quando o filósofo examina as categorias e a Estrutura
do Pensamento, ele intui, em um dado apenas epistemológico, o devir em seu
sentido de aproximação. A Busca é um dado subjetivo de aproximação. Pode ser a
resultante de uma coincidência, de uma má sorte, de um amor conflituoso, de uma
boa sorte.
Fundamentação teórica: Searle, Merleau-Ponty, Nietzsche, Schopenhauer.
12 - Paixões dominantes: diz respeito à frequência com que uma ideia, um conceito,
um verbo mental age, atua, habita a malha intelectiva. Paixão Dominante não tem
nada a ver com a força do conceito, tem a ver com a frequência. Caracteriza-se por
ideais recorrentes que habitam com frequência, a mente do partilhante. Uma pessoa
pode pensar cem vezes o mesmo conceito em um dia, a sua Paixão Dominante, e
no entanto isso ter um mínimo de importância e força subjetiva tópica para a EP da
pessoa. Quando o filósofo encontrar um conceito que se repete muitas vezes na EP
da pessoa, ali estará uma paixão dominante qualquer.
Exemplo: uma pessoa que só pensa em trabalho, ou em futebol, ou ainda aquele
que é arrebatado por ideais depressivas e suicidas, ou pela ideia de um grande
amor.
Fundamentação teórica: Espinosa
13 - Comportamento e função: nele é observada a relação causa e efeito, no que se
refere a comportamentos. Se o comportamento do partilhante possui uma ou mais
funções, se uma função possui ou não um comportamento para efetivar-se, se
existem outros comportamentos que possam exercer a mesma função, ou se
existem funções diferentes para o mesmo comportamento. Os exames categoriais
seguidos da montagem cuidadosa da Estrutura do Pensamento abrem as
possibilidades listadas a seguir, entre incontáveis outras igualmente possíveis:
1.Um comportamento pode ter uma ou muitas funções.
2.Uma função pode ter um ou muitos comportamentos.
3. Os comportamentos podem se enfraquecer, negar, afrontar, anular, gerar
psicoses entre si mesmos para dar cumprimento a uma ou mais de uma função (e
vice-versa).
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4. Nem todas as funções podem ser elucidadas em clínica.
O filósofo precisa, necessariamente, pesquisar como se dá a interseção
comportamento & função na malha intelectiva da pessoa.
Exemplo:
Ir à padaria comprar pão = comportamento 1
Comprar pão e leite (1) = Função Simples
Comprar pão e leite (1)
Respirar ar puro (2)
= Função Composta
Madrugar (3)
Evitar encontrar a mulher saindo pela manhã) (1) = Função Oculta Simples
Evitar ver a mulher (1)
Sentir-se mal por ficar deitado(2)
= Função Oculta Composta
Necessidade compulsiva de sair (3)
Falta de ar (4)
Fundamentação teórica: Aristóteles.
14 - Espacialidade: é um tópico da EP que pesquisa a posição, a localização
intelectiva da pessoa. Teu corpo está aqui, algo que pesquisamos na Categoria
Lugar, mas onde estão os conceitos da malha intelectiva? Aborda a localização
geográfica da mente do partilhante, ou seja, para onde está direcionado o seu
pensamento. São quatro os estados de espacialidade, que podem ocorrer, inclusive,
concomitantemente:
Inversão: partilhante com a atenção voltada para outras pessoas.
Recíproca de Inversão: partilhante com a atenção voltada para si mesmo.
Inversão e Recíproca de Inversão se referem à interseção entre pessoas. Quando o
sujeito traz o outro ao seu mundo existencial, eis aí um movimento inversivo: “eu
sinto minha pele suave; esses meus sentimentos são tantos...! estou com fome” são sentenças que indicam movimento inversivo. A
Recíproca de Inversão é o
oposto da Inversão; é o sujeito quem vai ao mundo existencial do outro.
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Deslocamento curto: partilhante com a atenção voltada para objetos presentes.
Refere-se ao direcionamento do meu pensar, a minha atenção, ou intencionalidade,
ocupada com objetos que estão presentes aqui neste momento, ao alcance de meus
sentidos, mas que não são pessoas.
Deslocamento longo: partilhante com a atenção voltada para ideias, acontecimentos
distantes, passados ou futuros, outros lugares, etc.É o voo que minha atenção
dirigida dá em direção a objetos que não estão presentes, ou mesmo a ideias
complexas longínquas.
Exemplo: Inversão e Recíproca de Inversão: Se eu, filósofo clínico, sou o sujeito e
trago a pessoa com quem falo ao meu mundo existencial presente, promovo uma
Inversão. Ela, por sua vez, ao sair de seu mundo existencial para estar em
interseção no meu, efetuou uma Recíproca de Inversão.
Deslocamento curto: qual o tamanho das coisas, da mesa, das pessoas, do ponto de
vista de um passarinho? Qual a sensação de se estar coberto por uma
aconchegante plumagem? O peso das asas é maior que o da cabeça? A pessoa
precisa realmente se deslocar. E se o fizer, ao retornar a si mesmo trará uma
segunda opinião muito forte sobre a consideração geral das coisas.
Deslocamento Longo: trecho de um livro de Hermann Hesse:
“Na entrada da garganta, perto do penhasco escuro, parei hesitante e olhei em volta.
O sol brilhava neste mundo verde e agradável, sobre o prado flutuava cintilante a
grama nova e castanha. Ali havia bem-estar, ali havia cor e prazer, ali a alma
sussurrava em tom profundo e apaziguada, como um zangão em pleno perfume e
luz. E eu talvez fosse um tolo em querer deixar tudo isso, para subir a montanha”.
Hesse entrou realmente na pele do personagem, viu com seus olhos e sentiu com
sua pele tudo o que nos reporta, viveu tudo o que o personagem viveu. Neste
deslocamento a vivência é mais intensa e tem o dom de se mesclar à realidade.
Fundamentação teórica: Merleau-Ponty e conceito de estados mentais em Searle.
15 – Semiose: diz respeito ao que é usado como signo ou sinal. O que a pessoa
utiliza para significar nós denominamos Semiose. Trata dos veículos de expressão.
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O que o partilhante utiliza para expressar-se? Fala, gestos, expressões faciais,
postura corporal, música, dança, literatura, poesia, desenho, pintura, escultura, etc.
É o que a pessoa utiliza para dar sentido ao que quer comunicar. Exemplo: se amo
minha mulher e quero expressar isso que me vai na EP, posso utilizar: beijo, flores,
carinho tátil íntimo, passeio, conversa, riso, estar junto etc. São, todos, dados de
Semiose.
16 – Significado: como o partilhante significa os conteúdos que expressa pelos
diferentes dados de semiose. Está no uso que a pessoa faz do signo. O significado é
o sentido que você cria. Há muitas maneiras de se entender as coisas que nos
chegam, há muitos modos de cada um de nós compreender os sinais que são
emitidos, os signos. Cada um de nós provavelmente entende o termo amor, à sua
maneira, cada um curte o solzinho de inverno de um jeito próprio e o representa
assim para si mesmo. Significado é o sentido que a pessoa concede aos dados de
Semiose que lhe chegam. O filósofo precisa necessariamente, via interseção,
conhecer o Significado que a pessoa reputa a alguns signos específicos e
clinicamente importantes. Exemplo: o marido dá a mão à mulher quando ambos
andam à rua. Ela significa este signo das maneiras a seguir:
a. Posse por parte do marido.
b. Sente-se presa, atada.
c. O marido é inseguro de sua relação com ela.
Fundamentação teórica: Wittgenstein, Foucault, Pierce, Ricouer, Ryle, Austin,
Blomfield, Carnap e Humberto Eco
17 – Padrão e armadilha conceitual: é uma rede de conceitos na qual a pessoa está
presa, atada. Existem armadilhas conceituais boas e ruins. Cabe ao filósofo clínico,
verificar quais são as Armadilhas Conceituais de seu partilhante, que papel exercem
nessa Estrutura de Pensamento e, somente se necessário, formas para quebrá-las,
libertando-o delas.
Exemplo: uma pessoa acredita que todo o caminho leva necessariamente a algum
lugar. E acreditando nisso, passa toda a sua existência andando com energia sobre
a linha que perfaz um círculo...
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Fundamentação teórica: o “Mito da Caverna” de Platão e o estruturalismo de
Foucault.
18 – Axiologia: refere-se ao valor subjetivo que as coisas têm para a pessoa. E valor
é simplesmente aquilo que é importante. Ela nos mostra o que é importante à
pessoa, quais os critérios desse valorar, os motivos subjacentes às palavras, a
estruturação do valor que leva alguém a preferir X ou Y. Qual o peso subjetivo de
cada um desses valores com relação à Estrutura de Pensamento. O que é
importante à pessoa não quer dizer que é aquilo que é bom, agradável, gostoso,
aprazível, porque pode ser exatamente o que é miserável para ela. Uma criatura
pode julgar importantíssimo morrer em agonia para ressarcir gente que prejudicou
durante a vida, sabe-se lá quais os motivos... Uma pessoa pode estar dividida por
valores fortes e antagônicos: fidelidade x prazer. Os valores podem ser excludentes,
amistosos, conflitantes entre si mesmos, entre tantas opções mais. É fundamental
que o filósofo clínico estude como os dados axiológicos da pessoa se inserem na
EPI Qual o funcionamento deles na dinâmica da malha intelectiva? Dificilmente os
dados axiológicos estarão sozinhos e avulsos na malha intelectiva. Eles interagem
todo o tempo com os demais tópicos.
Exemplo: a pessoa pode sorrir e dizer que a vida é o maior valor de todos e depois
vocês vão apurar na EP que não é nada disso!! Tem muito valorzinho cuja força na
EP é praticamente nenhuma, embora a pessoa anuncie com fogos de artifício e
mesmo com toda uma artilharia pesada. O oposto também existe: pessoas que
deixam à sombra e pouco fazem referência ao que de fato é importante a elas.
Fundamentação teórica: Max Scheler, Pascal, Espinosa, Kant e Nietzsche.
19 – Tópico de singularidade existencial: neste tópico entram todos os fenômenos
que não conseguimos explicar racionalmente. O papel do filósofo clínico aqui é
contextualizar o dado e respeitar a representação do partilhante. Uma vez
contextualizado no histórico do partilhante, se houver justificativas para tais
vivências, e estas não incomodarem ou não forem assunto clínico, não há motivo
para interferir. Se não houver justificativas para elas - por exemplo: uma pessoa que
não possui tais vivências em seu histórico e, de uma hora para outra, passa a ter
visões inexplicáveis - , é recomendável o encaminhamento a um médico para
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exames. Muitos distúrbios orgânicos e químicos trazem, como sintomas, delírios,
visões e experiências sobrenaturais.
Exemplo: vivências singulares com extraterrestres, fenômenos inexplicáveis da
religiosidade, conversas com espíritos, experiências paranormais, alucinações
causadas por drogas, vivências intensas e raras causadas por acidentes vasculares,
ou mesmo estruturações mentais pouco usuais a uma época e contextos
determinados - a ponto de causar estranheza por parte do filósofo quando da
interseção.
Fundamentação teórica: para compreensão do tópico, ver Feuerbach, em A
Essência da Religião
20 – Epistemologia: aqui pesquisamos como a pessoa conhece as coisas, quais os
limites e a natureza desse conhecer. As maneiras como a pessoa constrói seu
conhecimento. A Filosofia Clínica usa três vastos campos: Lógica Formal adaptada à
clínica, Esteticidade associada à Somaticidade e Matemática Simbólica.
Além disso, é importante saber como eu, enquanto pessoa, conheço. Como a
pessoa que estará partilhando os meus serviços de filósofo conhece?
Exemplo: algumas pessoas precisam ver algo funcionando mecanicamente para a
partir daí terem a vontade de conhecer, segundo esse parâmetro. Outras dão
validade apenas aos dados teóricos. Outras ainda, em geral conhecem com a
vivência emocional, desvalorizando aprendizagens teóricas.
Fundamentação teórica: filósofos modernos e contemporâneos, entre eles, Kant.
21 – Expressividade: o quanto do que sou e do que penso expresso no outro? De
que maneira expresso? Primeiro, a gente constata pelos exames categoriais e
também pela EP da pessoa como ela é com ela mesma, é como se começa. Depois,
nós vamos pesquisar como ela é na relação com o outro daquilo que ela foi consigo
mesma. A Expressividade se refere à relação da pessoa com ela mesma e depois
em direção ao outro. O quanto de mim mesmo segue ou não segue ou se modifica
quando em relação com o outro, mas esse outro é sempre, sempre, sempre mesmo,
uma pessoa! Não é um objeto, uma formiga, uma nota de cem dólares, uma
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situação social, não é nada disso. Quando a gente estiver tagarelando sobre
Expressividade, a gente estará exatamente falando da pessoa com ela mesma e da
pessoa com o outro. Pergunte e descubra um modo de expressão onde a pessoa
consiga ir ao próprio íntimo e fotografá-lo para fora de si mesma: música, dança,
teatro, conversa, toque, desenho, religião, poesia etc. É preciso descobrir ou
inventar este dado de Semiose. Se a pessoa tem uma Expressividade tolhida no uso
da fala, que tal tentar a escultura em argila, se é como ela se faz autêntica de fato?
(Desde que para ela exista uma importância clínica em ser autêntica, oque nem
sempre é o caso!). Expressividade é uma medida de aproximação, não de exatidão
Exemplo: anote um fax de uma moça solicitando um horário para trabalharmos em
clínica:
“Estou muito triste. Não consigo nem rezar. Fazia tempo que não me sentia assim.
Não sei se é o verão (não gosto do verão), lembranças, festas de Natal... a gente
espera que o Natal seja outra coisa... Preciso urgentemente me encontrar, sei que
não se consegue da noite para o dia, mas preciso...
Quero ser uma pessoa com os pés no chão, ver as coisas claramente, saber fazer
as coisas certas, na hora certa, transmitir para as pessoas segurança, firmeza...”
Esta moça era perfeitamente monossilábica em consultório, porém suas cartas e fax
eram tesouros informativos. Hoje, em situações semelhantes, posso realizar o
trabalho clínico por carta, telefone etc. É evidente que cada situação tem suas
especificidades.
Fundamentação teórica: Heidegger, Buber e Levinás, no que se refere a
autenticidade das relações.
22 – Papel existencial: aquilo que o partilhante nomear como sendo seu papel, o
será. Dizer que tem filhos, ou que dá aulas, não significa que o partilhante tenha
como Papel Existencial ser pai ou professor. É preciso que ele assuma para si tal
papel para que o filósofo clínico considere como Papel Existencial. O Papel
Existencial muda muitas vezes. Em um mesmo instante a gente pode cumprir
diferentes papéis existenciais que nem sempre são amistosos entre si mesmos. Às
vezes explode um conflito ou mais de um. Algumas vezes os papéis existenciais
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podem se chocar com uma certa equivalência de forças que me impeçam de saber o
que sou em determinada ocasião. Posso ficar confuso e aflito com isso. Mas outras
vezes, todo o Papel Existencial do mundo não faz qualquer diferença à pessoa, e
talvez ela nem queira saber de fato sobre isso.
Exemplo: se a pessoa ao pagar a passagem de ônibus for entrevistada por alguém
que lhe pergunte o que ela é e ela responder que é uma passageira, é esse o Papel
Existencial dela. Se responder que é uma estudante à caminho da escola, então é
esse o Papel Existencial! Se não souber dizer o que é, mas estiver pensando que é
uma boboca dando uma entrevista inútil, então mais outra vez é esse o Papel
Existencial. Tem mais ainda: se ela não souber responder o que é nem mesmo em
pensamento, para si mesma, então simplesmente não se terá Papel Existencial
coisa nenhuma, está bem?
Fundamentação teórica: Heidegger
23- Ação: é o jeito como os conceitos estão associados na malha intelectiva! Basta
ao filósofo acompanhar os dados descritivos da pessoa. . Na Ação, o interesse do
filósofo vai estar concentrado na movimentação descritiva do conceito. O que
importa agora é a descrição da associação dos conceitos; é algo muito maior do que
uma simples questão de raciocínio. Na Ação, o filósofo clínico se direciona à cata da
forma e do conteúdo, mas no sentido exato de como é o movimento, o desenrolar, o
acontecer dos mesmos. Podemos também conjecturar o que promove o movimento
conceitual à malha intelectiva na pessoa. Neste tópico observa-se: qual a sequência
das ideias do partilhante? Como ele encadeia tais ideias? Qual o ritmo do
movimento do seu pensar? É tão rápido que mal consegue dar conta de tantas
ideias? Ou está tão lento que tem a sensação de não ter ideias?
Exemplo: Vamos considerar que há um conceito W na EP. Em seguida, algumas
manifestações podem ocasionar movimentos em W:
a . Um dado sensorial que agende W por semelhança.
Um contexto que sugira W por aproximação.
Uma inferência direta que nomeie ou agende massivamente W.
Associações de conceitos que tenham W como corolário, ou introdução, ou agente
de desenvolvimento.
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Movimentações nas adjacências conceituais de W que o atinjam indiretamente.
Movimentação por inércia de W.
Outro exemplo: a pessoa recorda a voz do pai pedindo-lhe ajuda; depois, sente o
aroma do pão feito por ele no forno a lenha, e novamente ouve os sons dos passos
dele sobre o tablado de madeira durante às noites em que ele permanecia acordado
devido às dores musculares que lhe acometiam.
24 – Hipótese: é o que a pessoa está fazendo, ou o que ocorre nela, como
resultante dos dados conceituais que a habitam: a Ação. Durante o movimento do
pensamento, o partilhante levanta hipóteses? Uma ou várias? Como constrói suas
hipóteses? Alguns dados que constituem a Hipótese:
a . Como resultado de conceitos associados sobre a morte de uma pessoa amada:
depressão; medo de novos relacionamentos afetivos; dor; tristeza aliada ao
alcoolismo; falta de ânimo para realizar as tarefas rotineiras; vontade de novos
relacionamentos afetivos; entendimento sobre certos fatos da vida de modo ameno;
novos empreendimentos audaciosos etc.
Após um acidente vascular (lembre-se que dados sensoriais também são tidos como
conceitos da EP) que deixou agendado na pessoa sensações desagradáveis,
somaticamente: a pessoa pode evitar agitações; pode dormir mal e pouco; pode
tornar-se mística; pode querer viver tudo o que sempre temeu etc...
Exemplo: “Mulher - ...não é fácil quando o homem de casa começa a beber. Quem
diz que é fácil está mentindo. Não é fácil. O mundo vira de ponta-cabeça. Vem
humilhação. Muita dor, vem. Vem os vizinhos bisbilhotar, parece que estão rindo da
gente. Vem medo. Vem tudo abaixo. A minha família era boa, não faltava nada
dentro de casa. Nós era (sic) pobre, mas tinha calor dentro de casa.”
Note, agora, como ela passa da Ação à Hipótese:
“Mulher - ...parece que o que eu estou fazendo com o que está acontecendo é
apanhar na cara e me esconder de vergonha. Eu apanho e me escondo; eu me
escondo, me escondo das pessoas, e apanho. Nenhuma coisa dura pra sempre.
Nem o que é bom nem o que é mau dura pra sempre. Eu vou aguentar até que esse
diacho de vida mude.
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A vida vai mudar, eu tenho que saber carregar a minha cruz...”
Um exemplo triste, e simples de verificar quanto aos tópicos Ação e Hipótese.
A pessoa pode simplesmente cruzar os braços, ou resolver “apanhar” até que as
coisas mudem, ou reagir com a justiça, ou explodir - ou qualquer outra coisa.
Pode ocorrer que nem sempre é tranquilo diferenciar entre o que é exatamente Ação
e o que é Hipótese na EP da pessoa! Só que muitíssimo mais importante é entender
o dado processual e não a diferenciação didática. Entre as infinitas combinações,
vamos apreciar as mais usuais:
a . Ação e Hipótese podem ser indistintas ao filósofo.
Ação e Hipótese podem estar trocadas quanto a ordem cronológica, fatual, ou do
ponto de vista logicista formal.
A Ação pode estar oculta e inacessível ao filósofo e à pessoa, ou a um destes.
A Hipótese pode estar oculta e inacessível, como no item anterior.
Tanto a Ação como a Hipótese podem se apresentar unicamente como dado da
Autogenia, e não como dado descritivo em tópico da EP.
25 – Experimentação: o efeito, a consequência, a decorrência imediata e/ou última,
a resultante do processo anterior, a Hipótese. O partilhante pensa nas
consequências de suas hipóteses caso estas fossem colocadas em prática? Ele
antecipa resultados? Calcula os passos e as possibilidades de reações? No entanto,
nem sempre essa relação é tão direta, pode ocorrer que:
a. O que resulta da Hipótese pode não ter relação com a Ação.
A Experimentação pode estar relacionada apenas à Ação e não à Hipótese.
A Experimentação pode estar desvinculada da Ação e da Hipótese e estar
associada intimamente aos Pré-Juízos ou à Epistemologia.
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A Experimentação pode expor dados contraditórios, complementares, dissidentes a
dados da Ação e da Hipótese, em qualquer ordem concebida.
Os dados da Experimentação podem acarretar conclusões sofismáticas - o que
acontece muitas e muitas vezes.
Quando o filósofo se detém na análise dos dados de Experimentação, deve ter
evidente o peso subjetivo e as demais associações tópicas. A Experimentação tem
relação direta com o dado concreto, na medida em que ele é o resultado e o fim de
todo o processo.
Também pode ocorrer alguma miscigenação qualquer que torne indistinta e
indivisível toda demarcação possível.
Exemplo: A muitas pessoas o resultado de um trabalho, o retorno, a comprovação, a
consequência, o fecho, nada disso importa... a pessoa pode ter como determinante
o ato de fazer, ou de construir sonhos conceituais que jamais chegam a termos, ou
pode desprezar o fato concreto que resulta de suas resoluções e atos.
Fundamentação teórica: Bacon, Leibiniz, Popper, Ryle, Habermas e Searle.
26 – Princípios de verdade: são verdades compartilhadas. Neste tópico, o filósofo
observa as verdades subjetivas de seu partilhante. Os Princípios de Verdade dão
indícios firmes a respeito da interseção estabelecida entre o filósofo clínico e a
pessoa: intensidade, qualidades, estilo, características próprias etc.
Exemplo: Neste tópico, o filósofo cuidará de averiguar os dados básicos que
seguem:
a . O que ele divide com a pessoa como sendo verdadeiro ou falso.
O que ambos compartilham da espiritualidade, dos dados intuitivos, das vivências
somáticas.
Os fatos trazidos pelos Exames Categoriais: o que há a se compartilhar quanto a
história, aos dados sócio-políticos e geográficos de cada um.
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As qualidades de interseção nos contextos e circunstâncias determinantes.
O que aproxima, afasta, atrai, confunde, harmoniza, confronta, estabiliza ou
antagoniza as Estruturas de Pensamento relacionadas.
Fundamentação teórica: Popper, Kuhn e Levinás.
27 – Análise da estrutura: neste tópico o filósofo clínico fará uma análise do todo da
Estrutura do Pensamento do partilhante, verifica certas variantes de qualidade,
quantidade, estados gerais e especificidades, mas sempre e unicamente por
tendência, por aproximação:
a . Estrutura forte, fraca, instável.
b. Estrutura poética, amistosa, infensa às questões da alma, religiosa etc.
c. Estrutura rica, pobre.
d. Estrutura problemática; existencialmente caótica, sofredora, dilemática - e/ou
aberta a vivências estranhas a ela, estável, feliz etc.
A questão urgente é a seguinte: como posso afirmar que uma EP é forte ou fraca,
rica ou pobre ou qualquer outra coisa? A afirmação somente é responsável e
possível pelos dados reunidos a começar dos exames categorias, e em uma ordem
tal como a que vai em seguida - como linha de pesquisa:
a . Exames Categoriais: vão localizar tal EP existencialmente.
b. Princípios de Verdade: filósofo e pessoa em leitura conjunta da existência.
c. Interseções de Estruturas de Pensamento: tópico 28.
d. Dados de Matemática Simbólica: tópico 29.
e. Autogenia: tópico 30.
O fundamental é conhecer descritivamente a estrutura, a EP! Ao invés da afirmação
sobre a fragilidade ou força de determinada EP, o que clinicamente é essencial é
saber como é e como atua existencialmente tal EP - segundo a observação e os
dados fenomenológicos descritivos.
Exemplo: quando alguém diz, por exemplo: “Eu amo a Maria!”
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a . Ele se refere a um aspecto de Maria, como os olhos e a boca?
b. Ele se refere ao jeito de Maria ser?
c. Ele se refere ao jeito de Maria ser com ele?
d. ... ou se refere à Maria como um todo: ele ama a totalidade de Maria, após
considerar o que ama e o que não ama?
Alguns indícios mostram quando provavelmente o filósofo chega à consideração da
Análise da Estrutura, tópico 27.
a .Quando ele concebe o todo da EP.
b. Quando chega a uma síntese sobre todos os aspectos considerados.
c. Quando a manifestação existencial da outra pessoa é apreendida em sua
totalidade, conforme, evidentemente a acepção clínica. Nesse sentido, alguns
pareceres logo despontam:
a . Ás vezes as partes são mais que o todo, quanto a EP.
b. Uma só parte pode ser mais determinante que todo o resto.
O todo pode ser menor que as partes.
28 – Interseções de estruturas: neste tópico avalia-se a qualidade das interseções
nas relações do partilhante consigo mesmo, com outras pessoas, com instituições,
com atividades, etc...As interseções de Estruturas de Pensamento podem ser
classificadas como positivas, negativas, confusas e indefinidas. Porém, mais
importante que classificá-las, é descrevê-las.
Exemplo: Uma pessoa pode manter uma interseção determinante e positiva com a
sociedade em que vive e, com o cônjuge, manter uma interseção negativa. E, não
apenas negativa como também pouco significativa a ele.
Fundamentação teórica: Buber e Levinás
29 - Dados de matemática simbólica: trabalha a leitura de grupos. Indicada
principalmente para trabalhos em grupos, empresas ou instituições, permite ao
filósofo clínico situar seu partilhante nos grupos aos quais pertence. Muito raramente
é utilizada para trabalhar com pessoas.
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Exemplo: se tu fores chamado num colégio , e disserem: o aluninho tal da 4ª série B
é muito fraco, e tu disseres que “realmente ele é muito fraco”, tu estás te referindo a
EP dele como um todo, é fraco em relação a quem? Olha, ‘então, esse aluno é
fraco para essa aula porque ele não consegue acompanhar as aulas de matemática,
exatamente por não gostar da professora’. Ótimo! Tu descreveste o processo. Não é
fundamental localizá-lo topicamente, mas descrever topicamente o processo.
30 – Autogenia: é a leitura do todo, a relação intra e inter tópicos, observando:
choques, tópicos dominantes, tópicos importantes (embora não sejam determinantes
são importantes na configuração ou atuação de outros tópicos).. É como se
denomina a configuração, a associação, a inter-relação que os tópicos da EP têm
entre eles mesmos. Trata da organização da malha intelectiva em virtude dos
tópicos nela predominantes. Contribui para o entendimento da singularidade
existencial, pois revela que cada pessoa é única também pelo modo como ela
organiza sua malha intelectiva.
Exemplo: dependendo de como você está funcionando autogenicamente (…) ou
seja se não há choque significativo na sua autogenia, se os tópicos estão mais ou
menos alinhados, se as coisas estão bem, as coisas fluem como a flutuar (…)
algumas pessoas traduzem esse estado por um bem estar, outras traduzem este
estado como uma paz de espírito, como uma sublimidade existencial e quando isso
acontece a sua EP pode estar mais etérea
Fundamentação teórica: propriedades dos conjuntos da matemática de Georg
Cantor.
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7.2 ANEXO B
Tábua de Submodos
1.
Em direção ao termo singular
2.
Em direção ao termo universal
3.
Em direção às sensações
4.
Em direção às ideias complexas
5.
Esquema resolutivo
6.
Em direção ao desfecho
7.
Inversão
8.
Recíproca de inversão
9.
Divisão
10. Argumentação derivada
11. Atalho
12. Busca
13. Deslocamento curto
14. Deslocamento longo
15.
Adição
16.
Roteirizar
17.
Percepcionar
18.
Esteticidade
19.
Esteticidade seletiva
20.
Tradução
21.
Informação dirigida
22.
Vice- conceito
23.
Intuição
24.
Retroação
25.
Intencionalidade dirigida ( filtro)
26.
Axiologia
27.
Autogenia
28.
Epistemologia
29.
Reconstrução
66
30.
Análise indireta :
Função
Ação
Hipótese
Experimentação
31.
Expressividade
32.
Princípios de verdade
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