INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO – SÃO PAULO CURSO BÁSICO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA JANICE CAOVILA DO UNIVERSAL AO SINGULAR – AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA São Paulo 2012 JANICE CAOVILA DO UNIVERSAL AO SINGULAR – AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA Monografia apresentada ao programa de Especialização em Filosofia Clínica do Instituto Packter, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Especialista em Filosofia Clínica. Orientador: Cesar Mendes São Paulo 2012 JANICE CAOVILA DO UNIVERSAL AO SINGULAR – AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA Data da aprovação: 04/08/2012 Assinatura ______________________________________________ Orientador: Cesar Mendes Para Gabriel AGRADECIMENTOS: A todas as pessoas que trilharam e trilham os caminhos da construção de uma escola pública de qualidade, pelo incentivo do exemplo, e aos companheiros deste percurso que encontrei no Instituto Interseção. Ao professor César que orientou este estudo. “Os sonhos precisam se materializar, afinal o que há de mais sólido no mundo é matéria dos sonhos de alguém”. Will Goya CAOVILA, J. Do Universal ao Singular – as contribuições da Filosofia Clínica para a construção de uma escola inclusiva. Trabalho de conclusão do curso de especialização em Filosofia Clínica – Instituto Packter/Instituto Interseção, São Paulo, 2012 RESUMO Neste estudo investigam-se as possíveis contribuições da Filosofia Clínica para a educação de alunos/sujeitos com deficiência, com vistas a oferecer subsídios para a compreensão destes alunos/sujeitos e das suas necessidades/condições de aprendizagem. Partimos do pressuposto de que a garantia da educação, como um direito de todos e um dever do Estado e da sociedade, independente de gênero, etnia, classe social ou condições físicas, sensoriais e/ou cognitivas, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, ainda não se encontra efetivamente estabelecida na prática e que sua concretização demanda o concurso do conhecimento construído por especialistas em várias áreas do conhecimento, entre eles, o filósofo clínico. Através da análise de documentos oficiais que tratam da construção de escolas inclusivas e do estudo sobre a teoria, procedimentos e instrumentos da Filosofia Clínica, buscou-se apontar pressupostos comuns e possibilidades de atuação do Filósofo Clínico no âmbito da educação, com vistas a compreender como esse profissional poderá contribuir nesse processo. Palavras-chave: Inclusão, Educação Inclusiva, Escola Inclusiva, Filosofia Clínica CAOVILA, J. Do Universal ao Singular – as contribuições da Filosofia Clínica para a construção de uma escola inclusiva. Trabalho de conclusão do curso de especialização em Filosofia Clínica – Instituto Packter/Instituto Interseção, São Paulo, 2012 ABSTRACT This study investigates the possible contributions from Clinical Philosophy for the education of students/individuals with disabilities, in order to offer subsidies for understanding these students/individuals and their needs/learning conditions. We assume that the guarantee of education as a universal right and a duty of the state and society, regardless of gender, ethnicity, social class or physical, sensory and/or cognitive condition, as recommended by the Federal Constitution of 1988, has not yet been effectively established in practice and that its implementation requires the conflux of knowledges built by experts in various fields, including the clinical philosopher. Through the analysis of official documents dealing with the construction of inclusive schools and the study of the theory, procedures and instruments of Clinical Philosophy, we sought to point out common pressupositions and action possibilities of the Clinical philosopher in education, in order to understand how this professional may contribute to this process. Keywords: Inclusion, Inclusive Education, Inclusive School, Clinical Philosophy SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO 9 2 - O CONTEXTO DO PROBLEMA 16 3 - CONHECENDO A FILOSOFIA CLÍNICA 23 4 - AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA 27 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 39 6 - REFERÊNCIAS 41 7 - ANEXOS 7.1- ANEXO A 7.2- ANEXO B 45 45 65 9 1 INTRODUÇÃO A escolarização das pessoas com deficiência motiva inúmeros debates e implica em demandas que não tem sido de fácil equacionamento, especialmente, quando consideramos a realidade objetiva do contexto educacional do país. Produto de um modelo de desenvolvimento neoliberal1, nosso sistema educacional reproduz e perpetua o cenário de desigualdades e injustiças presente na sociedade, em que pesem os dispositivos legais que visam a garantia de direitos iguais para todos. Neste sentido, contamos a partir do ano de 1988, com a promulgação da atual Constituição, na qual o ensino no Brasil tornou-se um direito de todos e um dever do Estado e da família.2 Tal direito abrange o segmento do ensino fundamental e compreende nove séries escolares, correspondendo a faixa etária dos seis aos catorze anos. A mesma Constituição, no seu Artigo 206, estabelece que o ensino no Brasil seja ministrado com base, entre outros no princípio de “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”3. 1 Sobre o processo excludente promovido pelo modelo neoliberal, ver “Pedagogia da Exclusão – Crítica ao neoliberalismo em educação, de Pablo Gentili. 2 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 3 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal 10 Além deste compromisso Constitucional, o Brasil também assumiu as orientações expressas na Declaração Mundial de Educação para Todos, proclamada durante a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jontiem, Tailândia, no ano de 1990, que reafirma a educação como “um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro” e estabelece entre outros objetivos “universalizar o acesso à educação e promover a equidade” (Declaração de Jontiem, 1998, Artigo 3). Para tanto, indica, que, um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser assumido. Os grupos excluídos - os pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e linguísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regime de ocupação - não devem sofrer qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais (Declaração de Jontiem, 1998, item 4). Especificamente sobre as pessoas com deficiências, esta Declaração recomenda: as necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (Declaração de Jontiem, 1998, item 5) A questão do direito à educação das pessoas com deficiência também se encontra explicitada na Declaração de Salamanca, que trata de princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, e foi estabelecida durante a Conferência Mundial de Educação Especial realizada em Salamanca, Espanha, no ano de 1994. São afirmações do referido documento: - toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, - toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, - sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades, 11 - aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, - escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional (Declaração de Salamanca,1994). Esta declaração estabelece como princípio que orienta a estrutura de ação em educação especial o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. Tais condições geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares. [...] Existe um consenso emergente de que crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva. O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas. O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva (Declaração de Salamanca,1994). O Congresso Nacional aprovou ainda a Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência, realizada em 28 de maio de 1999 na cidade de Guatemala, que foi promulgada através do decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. No artigo primeiro deste decreto consta que esta Convenção “será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”. (Decreto nº 3.956 de 8 de outubro de 2001). Esta Convenção, conhecida como “Convenção de Guatemala”, reafirma que as pessoas portadoras de deficiência4 possuem os mesmos direitos humanos e 4 Para os efeitos desta Convenção, o termo deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (Art. 1) 12 liberdades fundamentais de todo ser humano, assegurando seus direitos, inclusive o de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência. Entre outras medidas que deverão ser “executadas e cumpridas” encontramos Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a: Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas: a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência; c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; ed) medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta matéria estejam capacitadas a fazê-lo (Convenção de Guatemala, 1999, Art.III). Como signatário destes documentos o país assume a obrigação moral, ética e legal, de tomar as medidas cabíveis para cumprir as exigências neles contidas. No entanto, a realidade social brasileira e, por conseguinte, a educacional, objeto deste estudo, está longe de atender a estas condições, vale lembrar que, apesar do aumento da oferta de vagas na rede pública de ensino que vem sendo observado nas últimas décadas, ainda existem crianças e jovens fora da escola, significativos índices de evasão e repetência, além de um número expressivo de adultos que não concluíram o nível fundamental de escolarização. 13 Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística dão conta de que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, no Brasil, em 2009, foi de 9,7% correspondendo a 14,1 milhões de analfabetos. Quanto à frequência escolar, o relatório aponta que a taxa de escolarização das crianças de 6 a 14 anos de idade foi de 97,6% em 2009. [...] Para os jovens de 15 a 17 anos de idade, a proporção dos que frequentavam escola foi de 85,2%. (IBGE, PNAD - 2011). Essas questões estão aqui apontadas para ilustrar a complexidade do cenário que se apresenta na educação em nosso país e para termos uma dimensão dos desafios postos para todos que direta ou indiretamente nele atuam. Embora consideremos necessário citar dados quantitativos, neste estudo nos deteremos em aspectos relacionados à qualidade da educação que vem sendo oferecida, na direção de atender, efetivamente, às necessidades educativas de todos, conforme preconizado na legislação. Entre estes aspectos, focalizaremos a situação das pessoas com deficiências, em função de sua entrada na escola comum ser muito recente e estar demandando mudanças que nem sempre têm sido atendidas. Em 2002, quando nossa Constituição já tinha 14 anos, Mendes apontava que ainda que se obtenham todas as informações disponíveis para planejar a educação inclusiva, com o estabelecimento de metas a curto, médio e longo prazos, falta conhecimento sobre como fornecer os suportes necessários para garantir não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso de alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns das escolas regulares (MENDES, 2002, p.74/75). A referida autora destacava, entre outras questões a serem aprofundadas, a formação dos professores e a maneira como fornecer os suportes para atender às necessidades educacionais de todos os alunos com deficiências nas escolas comuns e afirmava que “as respostas para tais questões ainda são essencialmente teóricas, embasadas na literatura de outros países que já vivenciam esse movimento há mais tempo” (MENDES, 2002, p.75) e indicava que “as propostas deveriam ser implantadas e avaliadas em nossa própria realidade” (MENDES, 2002, p.75). Mais recentemente, Mantoan (2010) afirma, 14 a educação escolar no Brasil tem ainda um caráter eminentemente excludente, segregativo e conservador. A proposta de se incluir todos os alunos em uma única modalidade educacional, o ensino regular, tem se chocado com o conservadorismo de nossas escolas e com uma cultura assistencialista/terapêutica da Educação Especial (MANTOAN, 2010 p.1). É possível garantir o atendimento à singularidade dos sujeitos/alunos quanto às suas necessidades educacionais num espaço que tende a padronizar e homogeneizar o processo de ensino aprendizagem? Neste estudo pretende-se investigar como o saber que vem sendo produzido pela Filosofia Clínica pode contribuir para a construção de uma escola que sustente uma proposta educacional levando em consideração cada um e todos os alunos, especificamente os alunos com deficiência. Como o método e o instrumental da Filosofia Clínica poderão ser utilizados a serviço da adequação das condições das escolas para garantir a aprendizagem destes alunos? Como um educador poderá se valer deste conhecimento para conduzir sua prática, considerando as necessidades específicas de cada aluno? São algumas das questões que este estudo busca responder. Sabe-se que a inclusão escolar não se resume ao atendimento dos alunos com deficiência, no entanto, para fins deste estudo faremos este recorte por entendermos que, embora outras categorias de alunos sofram com atitudes preconceituosas e discriminadoras nas nossas escolas, historicamente, o acesso à escola comum das pessoas com deficiência sempre foi difícil, e em alguns casos impossível. O aprofundamento dessa discussão justifica-se, ainda, pois nem sempre os profissionais das escolas têm clareza sobre a condução do processo de ensino aprendizagem de alunos com deficiências, especialmente quando estes apresentam deficiências consideradas mais severas. Garante-se a matrícula dos alunos na escola, mas não está sendo possível garantir as condições necessárias para que o aprendizado de todos de fato aconteça, o que, no caso dos alunos com deficiência, costuma ser atribuído à própria deficiência, sem levar em consideração outros fatores que possam estar comprometendo o processo. É verdade que em muitos contextos escolares pouco se faz na direção de atender a qualquer aluno, mesmo aqueles considerados normais. No dizer de Mantoan, (2010) 15 pautadas para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir de um projeto escolar elitista, meritocrático e homogeneizador, as escolas produzem quadros de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes (MANTOAN, 2010, p.1). Assim, define-se como objetivos para este estudo: - oferecer subsídios que venham facilitar a compreensão sobre o aluno/sujeito com deficiência e suas necessidades/condições para a aprendizagem - ampliar a discussão acerca das contribuições da Filosofia Clínica para a educação Esta discussão está endereçada a todos que, direta ou indiretamente, estão envolvidos no processo de ensino aprendizagem, entendendo-se por “todos” não só profissionais, como também os próprios alunos e seus familiares. Para atender a estes objetivos optamos por fazer uma pesquisa teórica sobre a construção de escola inclusiva a partir de alguns documentos oficiais, e sobre Filosofia Clínica, aprofundando a discussão acerca dos pontos de interseção entre ambos os temas. Nosso estudo está assim organizado: No primeiro capítulo apresentamos um panorama da história da escolarização das pessoas com deficiência, com a intenção de contextualizar o assunto. No segundo capítulo introduzimos os conceitos referentes à Filosofia Clínica e seus usos na educação. No terceiro capítulo fazemos uma discussão sobre as contribuições da Filosofia Clínica para a construção da escola inclusiva. No quarto capítulo apresentamos as conclusões do estudo. Após as referências inserimos dois anexos, um que apresenta os Tópicos da Estrutura de Pensamento com uma breve explicação sobre cada um e a Tábua de Submodos, que complementam o estudo. 16 2 O CONTEXTO DO PROBLEMA O termo inclusão é recente e surge no bojo das discussões acerca da construção de uma sociedade mais democrática e justa. No dizer de Aranha, (2000), A ideia de inclusão se fundamenta em uma filosofia que reconhece e aceita a diversidade na vida em sociedade. Isso significa garantia de acesso de todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo ou grupo social (ARANHA, 2000, p.2). Para Mendes, Trata-se [...] de um movimento de resistência contra a exclusão social, que historicamente vem afetando grupos minoritários, caracterizado por movimentos sociais que visam à conquista do exercício do direito ao acesso a recursos e serviços da sociedade (MENDES, 2002, p.61). Estes grupos minoritários são representados por pessoas que se diferenciam daquelas detentoras do poder, seja em razão da etnia, classe social, gênero, deficiência, entre outros atributos, sendo suas diferenças motivo para a segregação e o não acesso a recursos, serviços e espaços de circulação sociais, de maneira explícita ou velada. As barreiras arquitetônicas presentes nas vias e construções públicas que impedem o acesso de pessoas com mobilidade reduzida são uma forma explícita de excluir essas pessoas. Como exclusão velada podemos citar os currículos escolares que privilegiam a cultura dominante, o que faz com que alunos de outras culturas acabem se desinteressando pelos conteúdos e em consequência pela escola. No Brasil, esta situação pode ser constatada com a obrigatoriedade de se incluir nos currículos escolares, estudos da história e cultura Afro-Brasileira e Indígena, só para citar um exemplo5. Mantoan, (2012), enfatiza que a inclusão está articulada a movimentos sociais mais amplos, que exigem maior igualdade e mecanismos mais equitativos no acesso a bens e serviços. Associada a sociedades democráticas, que estão pautadas no mérito individual e na igualdade de oportunidades, a inclusão propõe a diferença de tratamento como forma de restituir uma igualdade que foi rompida por formas segregadoras do ensino especial e regular. (MANTOAN, 2012, p.19) 5 Lei Nº 11.645, de 10 março de2008. 17 Rodrigues, 2006, aponta a exclusão como uma “espécie de epidemia do início deste século” e destaca três razões para que este fenômeno ocorra, quais sejam: uma consciência crescente dos direitos de cidadania, em que aos direitos civis e políticos se equiparam aos direitos sociais, ao desenvolvimento, por parte de muitas sociedades, de uma cultura meritocrátca e competitiva e a fatores culturais que conduziriam à ideia de que a diferença é perigosa. (RODRIGUES, 2006, p.11). Este autor distingue duas dimensões da inclusão que implicam em tempos de implementação e metodologias de ação distintos. Uma dimensão é chamada de inclusão essencial e outra de inclusão eletiva. A inclusão essencial é a dimensão que assegura a todos os cidadãos de dada sociedade o acesso e a participação sem discriminação a todos os seus níveis e serviços e a dimensão eletiva da inclusão assegura que, independentemente de qualquer condição, a pessoa tem o direito de se relacionar e interagir com os grupos sociais que bem entende em função dos seus interesses (RODRIGUES, 2006, p. 11). Neste contexto emergem os conceitos de inclusão escolar, educação inclusiva e escola inclusiva. Vale ressaltar que estes conceitos são construções históricas e suas repercussões nas práticas educativas estão condicionadas a sua apropriação pelos atores nelas envolvidas. Como assinala Rodrigues, 2006, a educação inclusiva se tornou um campo polêmico por várias razões. Uma das principais é sem dúvida a contradição entre a letra da legislação e a prática das escolas. O discurso da inclusão [...] não tem frequentemente uma expressão empírica, e por vezes fala-se mais da educação inclusiva como um mero programa político ou como uma quimera inatingível do que como uma possibilidade concreta de opção numa escola regular. Tanto a legislação como o discurso dos professores se tornaram rapidamente “inclusivos”, enquanto as práticas na escola só muito discretamente tendem a ser mais inclusivas (RODRIGUES, 2006, p.302). Para este autor, O conceito de inclusão no âmbito específico da educação implica, antes de mais, rejeitar, por princípio a exclusão (presencial ou acadêmica) de qualquer aluno da comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma política de educação inclusiva desenvolve políticas, culturas e práticas que valorizam a contribuição ativa de cada aluno para a formação de um conhecimento construído e partilhado – e, desta forma, atinge a qualidade acadêmica e sociocultural sem discriminação (RODRIGUES, 2006, p.302). 18 No entender de Ropoli et al6, (2010) A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual os alunos constroem o conhecimento segundo suas capacidades, expressam suas ideias livremente, participam ativamente das tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças. [...] A inclusão escolar impõe uma escola em que todos os alunos estão inseridos sem quaisquer condições pelas quais possam ser limitados em seu direito de participar ativamente do processo escolar, segundo suas capacidades, e sem que nenhuma delas possa ser motivo para uma diferenciação que os excluirá das suas turmas (ROPOLI et al, 2010, p.8 e 9). Sob a luz dessas concepções podemos ter a dimensão do tamanho do desafio que está posto para a construção de uma escola, de verdade, inclusiva, considerando o perfil da nossa escola tradicional. Este perfil encontra-se bem caracterizado por Mantoan, (2001), Sabemos que o ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) é prisioneiro da transmissão dos conhecimentos acadêmicos, e os alunos, de sua reprodução, nas aulas e nas provas. A divisão do currículo em disciplinas como Matemática Língua Portuguesa etc. fragmenta e especializa os saberes e faz de cada matéria escolar um fim em si mesmo, e não um dos meios de que dispomos para esclarecer o mundo em que vivemos e nos entender melhor. O tempo de aprender é o das séries escolares, porque é necessário hierarquizar a complexidade do conhecimento, sequenciar as etapas de aprendizagem, mesmo sendo este o básico, o elementar do saber. Uma escala de valores também é atribuída às disciplinas, em que a Matemática reina absoluta, como a mais importante e poderosa, enquanto as Artes, a Educação Física quase sempre não são valorizadas. O conhecimento transmitido pelos professores corresponde a verdades prontas, absolutas, imutáveis, e reprovam-se os alunos que tentam vencer a subordinação intelectual.[...] De fato, a escola atulhou-se do formalismo da racionalidade e cindiu-se em modalidades de ensino, tipos de serviços, grades curriculares, burocracia (MANTOAN, 2001, p.2) Neste cenário as propostas inclusivas não têm sido muito bem recebidas, pois implicam em ruptura estrutural tornando-se uma ameaça para aqueles que têm interesse na manutenção da ordem estabelecida. Como assinala Mantoan, (2006), Especificamente com relação à educação inclusiva, talvez a principal implicação trazida pela introdução da “ideia” de inclusão no cenário da rede de ensino pública brasileira tenha sido o temor dos educadores, gestores, professoras e pais de crianças sem necessidades educacionais especiais 6 Trata-se de uma publicação da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. 19 de ser obrigadas a aceitar crianças com deficiência em suas escolas (MANTOAN, 2006, p.219). A referida autora faz uma análise dos entraves desta situação destacando, desconhecimento, interesses corporativistas envolvendo pais, professores, especialistas [...] problemas conceituais, desrespeito a preceitos constitucionais, interpretações tendenciosas de nossa legislação educacional e preconceitos distorcem o sentido da inclusão escolar, reduzindo-a unicamente à inserção de alunos com deficiência no ensino regular e desconsideram os benefícios que essa inovação educacional propicia à educação dos alunos em geral, ao provocar mudanças de base na organização pedagógica das escolas e na maneira de se conceber o papel da instituição escolar na formação das novas gerações (MANTOAN, 2006, p.219). No caso das pessoas com deficiência, a sua inclusão nas escolas regulares significa o desmonte da chamada rede especializada, que em muitos Municípios ainda é constituída por instituições particulares, em sua maioria, subsidiadas por verbas públicas. O processo de inserção social destas pessoas é muito recente. Aranha, (2001), identifica três paradigmas que caracterizam as relações da sociedade com as pessoas com deficiência, quer sejam, a institucionalização, o paradigma de serviços e o de suportes. Cada um implica em práticas diferenciadas segundo a concepção de deficiência que o perpassa. O paradigma da Institucionalização é caracterizado pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas ou escolas especiais, frequentemente situadas em localidades distantes de suas famílias. Assim, pessoas com retardo mental ou outras deficiências, frequentemente ficavam mantidas em isolamento do resto da sociedade, fosse a título de proteção, de tratamento, ou de processo educacional (ARANHA, 2001, p.8). Este paradigma começou a ser questionado na década de 1960 inicialmente por Goffman, seguido de outros autores, que apontavam a sua inadequação e ineficiência para o que se propunham a fazer, isto é, a recuperação das pessoas para a vida em sociedade. (ARANHA, 2001 p.9) 20 Como substitutivo para a institucionalização foi se configurando o Paradigma de Serviços, com o objetivo de aproximar as condições de existência das pessoas com deficiência das normas e padrões da sociedade. (ARANHA, 2001, p. 12) Atravessado pelas concepções de desvio e normalidade neste paradigma a pessoa com deficiência deve ser submetida a procedimentos para reabilitar-se e depois ser integrada na sociedade, inclusive nas escolas, o que, para a referida autora, significava “localizar no sujeito o alvo da mudança”. Ainda que fossem necessárias mudanças na comunidade, estas, “não tinham o sentido de se reorganizar para favorecer e garantir o acesso do diferente a tudo o que se encontra disponível na comunidade para os diferentes cidadãos, mas sim o de lhes garantir serviços e recursos que pudessem “modificá-los” para que estes pudessem se aproximar do “normal” o mais possível”. (ARANHA, 2001 p.16). Este modelo sugere uma analogia com o mito do leito de Procusto 7, cujos prisioneiros deviam ajustar-se ao tamanho do seu leito. Os que não se ajustavam tinham os pés ou a cabeça cortados. Diferente do Paradigma da Institucionalização, que persistiu por séculos, o de Serviços não demorou a ser questionado, especialmente o conceito de normalidade. Havia também muitas críticas quanto à expectativa de que a pessoa com deficiência se assemelhasse ao não deficiente, como se fosse possível ao homem o “ser igual” e como se ser diferente fosse razão para decretar a menor valia enquanto ser humano e ser social (ARANHA, 2001 p. 17). Neste contexto surge o denominado Paradigma de Suporte, que “tem se caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos” (ARANHA, 2001 p. 19). 7 Procusto era um bandido que vivia na serra de Elêusis. Ele tinha uma cama onde colocava as pessoas que capturava. Se fossem altas demais, ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados até atingirem o comprimento suficiente. Este mito representa a intolerância do ser humano para com o seu semelhante. (Wikipedia) 21 Ou seja, não cabe mais apenas ao indivíduo ajustar-se ao meio social, mas também à sociedade fazer os ajustes necessários para que sejam possibilitados o acesso e a convivência nos espaços comuns. Neste paradigma se contextualiza a ideia de inclusão. Apontando para a responsabilidade de todos os cidadãos para com o processo de inclusão social, a autora enfatiza que, Não haverá inclusão da pessoa com deficiência enquanto a sociedade não for inclusiva, ou seja, realmente democrática, onde todos possam igualmente se manifestar nas diferentes instâncias de debate e de tomada de decisões da sociedade, tendo disponível o suporte que for necessário para viabilizar essa participação (ARANHA, 2001, p. 20/21). Embora tenha havido essa sucessão no aparecimento destes paradigmas, sendo ode Suporte mais recente na história, não significa que os demais tenham desaparecido. No Brasil, atualmente ainda existem instituições totais, escolas e classes especiais em que pese a legislação e os movimentos sociais que atuam no sentido de garantir que as pessoas com deficiências sejam de verdade incluídas na sociedade e, em consequência nas escolas. Na última década tem havido um maior investimento do Governo Federal para garantir a presença de alunos com deficiências nas escolas, entre as ações desenvolvidas estão os serviços de atendimento educacional especializado, a oferta de cursos de formação de professores, equipamentos e materiais para salas de recursos multifuncionais além da disponibilização de verbas para a reforma de prédios escolares a partir de uma concepção de desenho universal8. Em 2006 o país assinou sua adesão à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, aprovada pelas Nações Unidas, em 06 de dezembro de 2006. Em 2007 foi nomeado um grupo de trabalho composto por representantes do poder público e de professores universitários que elaborou um documento contendo a 8 Concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoa , com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade (BRASIL, decreto nº 5296 de 02 de dezembro de 2004). 22 Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. (BRASIL, MEC/SEESP, 2010) Em 2009, foi aprovada a resolução nº 04 de 02 de outubro de 2009, que instituiu as diretrizes operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educacional Especial e, mais recentemente, foi aprovado o decreto lei nº 7.612de 11 de novembro de 2011, que institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, também conhecido como Plano Viver sem Limite, que tem entre suas diretrizes, a garantia de um sistema educacional inclusivo, a garantia de que os equipamentos públicos sejam acessíveis para pessoas com deficiência, incluindo o transporte adequado, a promoção do acesso, do desenvolvimento e da inovação em tecnologia assistiva. (Art. 3º). Em que pese a sua importância, estas medidas ainda são insuficientes frente aos desafios postos pela concretização de um sistema de ensino que contemple de verdade a todos os alunos. Para tanto, há necessidade de mudanças de concepção, de posturas, de referenciais, o que, considerando a diversidade de pessoas que atuam nos sistemas educacionais em todo o país, constitui-se em um trabalho a longuíssimo prazo e que demanda o concurso de inúmeros profissionais das diversas áreas de conhecimento. Sobre a mudança exigida por essa transformação, assim se expressa Mantoan, (2004), Essa reviravolta exige, em nível institucional, a extinção das categorizações e das oposições excludentes –iguais/diferentes, normais/ deficientes – e, em nível pessoal, que busquemos articulação, flexibilidade e interdependência entre as partes que se conflitavam nos nossos pensamentos, ações, sentimentos. Essas atitudes diferem muito daquelas típicas das escolas tradicionais, em que ainda atuamos e nas quais fomos formados para ensinar (MANTOAN, 2004, p.38) Neste estudo, apesar das nossas limitações, buscamos oferecer algumas contribuições para esta construção a partir do referencial da Filosofia Clínica. 23 3 CONHECENDO A FILOSOFIA CLÍNICA Considerando os objetivos deste trabalho, faremos neste capítulo, uma breve apresentação contendo um pouco da história e do instrumental utilizado na Filosofia Clínica. A Filosofia Clínica é uma psicoterapia fundamentada na filosofia acadêmica e criada pelo brasileiro Lúcio Packter9 na década de 1980, inspirado pelo movimento surgido na Alemanha na mesma década, denominado filosofia Prática, o qual buscava resgatar o papel terapêutico da filosofia. Aiub, 2005, assim se refere ao início da filosofia clínica, Após conhecer o trabalho de aconselhamento filosófico desenvolvido na Holanda, em Amsterdã, completamente diferente do que viria a criar mais tarde, Packter começou a pensar na possibilidade de uma clínica filosófica. De volta ao Brasil, ainda na década de 80, iniciou suas pesquisas em Santa Catarina, coletando dados, entrevistando pessoas, pesquisando, nos textos de filosofia, as possibilidades para auxiliá-las. Entre erros e acertos, uniu os dados dos relatos coletados aos estudos dos textos filosóficos, encontrando formas para compreender e auxiliar as pessoas. Depois de muitos testes, pesquisas teóricas e práticas, organizou um instrumental flexível, possível de ser adaptado às necessidades de diferentes pessoas, mas que possui um grau de segurança capaz de fornecer informações suficientes para o filósofo clínico auxiliar as pessoas sem direcionar suas vidas e escolhas (AIUB, M., 2005, p. 3). Em 1994, Packter fundou o Instituto Packter, iniciando as primeiras turmas do curso de Especialização em Filosofia Clínica, após o que, passou a aceitar convites para implantar o curso nas diversas regiões do país. Atualmente há vários Centros e profissionais atuando como Filósofos Clínicos em todo o país, com diversas associações estaduais registradas e em funcionamento. (AIUB, M., 2005, p.16). Para atuar como Filósofo Clínico é necessário ser filósofo formado em cursos regulamentados pelo Ministério da Educação. Após a graduação é feito o curso de Especialização em Filosofia Clínica Graus A e B, com duração de um ano e meio cada. Completa esta formação, a clínica didática na qual o aluno vivencia a proposta terapêutica além de um período de estágio supervisionado. É possível aos profissionais não filósofos graduados em curso superior, cursar apenas o Grau B da 9 Lúcio Packter é médico psiquiatra, especializado em psicanálise. Quando tentou fundar o Instituto Packter para difundir a Filosofia Clínica, descobriu que para atuar nesta área precisava ser formado em filosofia, curso que concluiu em 1994. Neste ano, inaugurou o referido Instituto, cujo nome é uma homenagem ao seu avô, grande incentivador de seu projeto. (AIUB, 2008, p.16). 24 Especialização em Filosofia Clínica, o que lhes permitirá atuar como pesquisador na área. A Filosofia clínica tem por objetivo levar o indivíduo a uma condição de maior autonomia para lidar com as situações de seu cotidiano. Trata-se de um trabalho terapêutico no qual o filósofo clínico, através de uma escuta orientada do partilhante10encontra os elementos que vão ajudar esta pessoa a reelaborar aquelas questões que podem estar causando dificuldades nos diversos setores da sua vida. (PACKTER, 2001) Considera cada sujeito, a maneira como se conduz no mundo, os valores que sustentam suas escolhas, sua singularidade. Considera ainda que este sujeito vive em um tempo histórico e em um contexto familiar e social que igualmente o influenciam. Nesta perspectiva, o desafio do filósofo clínico é possibilitar que o partilhante revisite sua história, que a reconstitua em um espaço que se pretende isento de julgamentos e, dessa forma ressignifique fatos, dados, personagens e cenários, enfim, que possa reinventar-se e assumir as rédeas da sua própria existência. (PACKTER, 2001) Para dar conta desse ambicioso projeto o filósofo clínico dispõe de um instrumental próprio construído a partir de diferentes correntes do pensamento filosófico tendo por princípio o respeito à representação que o partilhante faz do mundo, ou seja, não se parte de uma verdade pré-estabelecida, de um conhecimento fechado e absoluto do que quer que seja. (PACKTER, 2001) Este instrumental é dividido em três eixos, os Exames Categoriais, a Estrutura de Pensamento e os Submodos. O saber sobre o sujeito vai emergindo do seu próprio discurso, discurso que o filósofo clínico vai deixando que flua com o mínimo de interferências necessárias, a fim de que possa conhecer a historicidade do partilhante, ponto de partida para o trabalho terapêutico. A partir daí passa-se aos Exames Categoriais que vão dar uma visão mais geral sobre o partilhante, que o localizam nos diferentes contextos. 10 Chama-se partilhante à pessoa que procura o Filósofo Clínico. Este termo é utilizado, pois durante o processo a pessoa compartilha sua vida e suas questões. 25 Através dos exames categoriais o filósofo saberá o idioma da pessoa, seus hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde viveu, a geografia, o contexto religioso, histórico, entre outros aspectos que podem ter importância (PACKTER, 2001, p.34). São cinco as categorias utilizadas: Assunto, dividido entre Imediato e Último, Circunstância, Lugar, Tempo e Relação. O Assunto Imediato é o motivo que levou o partilhante ao consultório, já o Assunto Último refere-se à questão que será trabalhada na clínica. O contexto em torno das questões vivenciadas pela pessoa constitui a categoria Circunstância. (PACKTER, 2001) Por lugar deve-se entender a situação subjetiva da pessoa, ou como ela se sente subjetivamente diante de vivências, ambientes e relações e a categoria Tempo diz respeito a percepção que a pessoa tem da temporalidade, como ela relaciona o tempo cronológico com o tempo subjetivo. Na categoria Relação se observa o comportamento do partilhante diante de algo e se descreve como se dá este comportamento em cada situação, ou seja, como reage diante de determinados acontecimentos. Assim, vai sendo “desenhado” o universo do sujeito, que é considerado em sua singularidade. Ou como nos ensina Packter, A primeira lição fundamental na Filosofia Clínica é que aquilo que uma pessoa sente, vive, afirma, imagina, faz – isso é assim para ela independente de ser compartilhado com as outras pessoas, de ser aceito, criticado, ironizado, proibido e assim por diante. Cada pessoa é “a medida de todas as coisas”, como disse nosso primeiro filósofo . [...] cada pessoa vive cada coisa de um modo único, e é ela quem saberá o prazer ou o não prazer do que está vivendo, pois cabe a ela mensurar o que vive, somente a ela... mesmo que adote as mesmas medidas de mensuração de uma outra pessoa (PACKTER, 2001, p.18). A análise de cada Categoria e das relações entre elas permite ao filósofo construir uma visão bem detalhada sobre o partilhante que será ampliada na etapa seguinte que é a pesquisa da Estrutura de Pensamento da pessoa, ou seja, como ela pensa, age e sente, como se expressa, se relaciona, quais são seus valores, crenças e desejos. (AIUB, 2008, p.81) 26 Ou, no dizer de Packter, “significa a maneira como estão associados em você todos os seus sentimentos, os seus entendimentos, seus dados éticos e epistemológicos, religiosos e o que mais houver” (PACKTER, 2001, p.53/54). A investigação da Estrutura de Pensamento se dá a partir de trinta tópicos, e permitem ao filósofo clínico, juntamente com o estudo dos Submodos, fazer o seu Planejamento Clínico e assim definir o Assunto Último, ou a questão que será trabalhada. Uma descrição destes tópicos com a sua fundamentação teórica encontra-se no anexo A deste estudo. Após o estudo dos tópicos da Estrutura do Pensamento o Filósofo Clínico analisa os Submodos (Anexo B) do partilhante. Submodos são modos subordinados à Estrutura do Pensamento, são maneiras de se observar o modo como o partilhante lida com suas questões. Enquanto intervenção clínica, a observação divide-se em dois momentos: a observação dos Submodos Informais e sua utilização como procedimentos clínicos.. Nessas maneiras o filósofo clínico observa: pertinência, relevância, eficácia e aplicabilidade a outras situações. Como procedimentos clínicos, os Submodos são maneiras, modos subordinados à Estrutura de Pensamento, aos Exames Categoriais e aos Submodos Informais, isto é, só fazem sentido e somente podem ser utilizados se estiverem de acordo com o que foi estudado e observado anteriormente nos outros eixos, em outras palavras, se forem pertinentes às condições, às necessidades e ao modo de ser do partilhante (AIUB, M. 2005). Como ensina Packter, 2001, os submodos, são “formas vazias”, preenchidas com os conteúdos colhidos durante a colheita da historicidade do partilhante, dos Exames Categoriais e dos tópicos da Estrutura de Pensamento. Essa análise é prerrogativa do filósofo clínico, não cabendo nos limites desse estudo o seu aprofundamento. 27 4 AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA Além do trabalho centrado na relação entre o Filósofo Clínico e o partilhante, os procedimentos da Filosofia Clínica podem ser adaptados para o trabalho com grupos, empresas e instituições, como escolas, hospitais, entre outras. Neste capítulo trataremos das possíveis interseções entre a Filosofia Clínica e a educação focalizando os aspectos que correspondem às contribuições da Filosofia Clínica para a construção de uma escola inclusiva. Embora a educação em seu sentido mais amplo não se restrinja ao contexto escolar, nos ateremos a este, dados os objetivos a que nos propusemos. Entre as contribuições da Filosofia Clínica para a educação, Carvalho, 2008, destaca os conhecimentos sobre interseção e a forma de operacionalizar essa interseção, para que possamos compartilhar o mundo uns com os outros. No dizer do próprio autor: A filosofia clínica nos ensina que compartilhar mundos pode resultar num estado subjetivamente percebido como bom, ruim, confuso ou indefinido. [...]Portanto, se conseguirmos estabelecer boas interseções na vida escolar ou fora dela, ajudaremos as pessoas a aprender aquilo que mais lhes importa e da forma como mais facilmente conseguem fazê-lo. Elas terão que se apropriar da experiência dos outros e isso é importante porque compartilhar é sempre menos doloroso do que ter que sofrer para aprender (CARVALHO, 2008, p.209). Sobre a forma de operacionalizar a interseção, o autor refere-se aos diferentes perfis da estrutura de pensamento tanto de educadores quanto de educandos, e aponta a importância de o educador entender como funciona a estrutura de pensamento do aprendiz. (CARVALHO, 2008 p.211). Na Clínica são observados vários tipos de interseção. As interseções positivas são as que proporcionam prazer às pessoas envolvidas. As negativas, que se caracterizam por relações desagradáveis, conflitantes ou ruins. Interseções confusas 28 ocorrem quando não se sabe o tipo de ralação que se está vivenciando e indefinidas, quando há oscilação entre bem-estar e mal-estar. (PACKTER, 2001) Essas mesmas interseções são observadas nas relações que se estabelecem nos contextos escolares as quais estão intimamente relacionadas à qualidade do processo de ensino aprendizagem. A escola é um lugar privilegiado para o exercício da convivência, através do compartilhamento de conhecimentos, experiências e valores. Em nenhum outro espaço social essa possibilidade é tão ampla, dado o caráter transgeracional que permeia a transmissão e a construção do conhecimento. Assim, se as interseções aí produzidas forem positivas todos serão beneficiados. No caso de alunos com deficiência o estabelecimento de boas interseções assume importância capital nesse processo. Ser colocado no lugar de objeto, sendo alvo apenas do cuidado alheio, de incapaz, como historicamente tem-se observado, ou no de sujeito que é capaz de aprender, de participar, de ter sua própria representação de mundo, seu jeito de ser, ter possibilidade de fazer escolhas, definirá a qualidade do seu percurso escolar. Fazer exigências, impor limites, oferecer desafios, considerando as condições e possibilidades do aluno são exemplos de interseções positivas, ainda que se configurem como antipáticas. São comuns situações em que alunos com deficiência adquirem privilégios que não são facultados aos outros, como poder sair da sala de aula em qualquer momento, brincar quando todos os colegas estão trabalhando ou mesmo dormir durante as aulas. Estas atitudes, mesmo que justificadas pelas melhores intenções, não contribuem em nada com o processo educacional de nenhum aluno, pois perpetuam a ideia de que uma pessoa com deficiência precisa de nossa condescendência, não devendo ser levada a sério. Vale ressaltar que embora não se discuta a importância da qualidade das interseções no ambiente escolar, as mesmas não podem ser tomadas como um 29 elemento isolado. Há que se considerar o “contexto, as Estrutura de Pensamento que se encontram, representações de mundo, tópicos determinantes dessas estruturas, espaço, tempo”. (AIUB, 2005, p.59). Assim, para o trabalho com um aluno com deficiência, além do estabelecimento de uma interseção positiva, há que se considerar, por exemplo, a sua historicidade. Quando em função das suas características o aluno não conseguir relatá-la, contase com o auxílio de familiares, porém, sempre com o conhecimento deste aluno. Outro importante aspecto a observar refere-se aos tópicos da Estrutura de Pensamento, como Epistemologia, que trata da maneira como a pessoa aprende, como conhece as coisas, quais os limites e a natureza desse conhecimento. (PACKTER, caderno E). Como esse aluno vai conseguir acessar o conhecimento? Que canais sensoriais serão mais adequados nesse processo? Serão necessários equipamentos específicos? O professor precisa se colocar no papel de investigador, assumindo que não existe um modelo de aluno e que cada um aprende a seu modo. Outro tópico importante refere-se à Semiose, no qual se pesquisa os meios que uma pessoa usa para se comunicar. Esta questão assume importância capital no atendimento, se considerarmos a tradição escolar do uso da escrita praticamente como o único meio de expressão. Não se trata aqui de retomar cada tópico da Estrutura de Pensamento, pois cada um demanda um olhar específico. Essas citações têm por objetivo apenas sinalizar possíveis modos de utilização do instrumental da Filosofia Clínica a serviço do processo de ensino aprendizagem Outros focos do Filósofo Clínico no contexto escolar podem ser tomar a Instituição escola como partilhante ea utilização pelo professor de elementos do instrumental da Filosofia Clínica como auxílio para o seu fazer, ressalvadas as diferenças entre as posições de professor e terapeuta. (AIUB, 2005, p.9 e 10). AIUB, em seu livro “Filosofia Clínica e Educação” apresenta o instrumental da Filosofia Clínica estabelecendo relações com a atividade educativa e indicando 30 como esse instrumental pode ser colocado a serviço dos contextos e processos educacionais. (AIUB, 2005) Educação e filosofia clínica têm outros pontos de interseção, como ressalta Carvalho, 2008, Ambas esperam transformar o homem, funcionam como instrumento de mudança a que o homem aspira. [...] pode-se entender que o conhecimento gerado pela filosofia clínica ajuda na educação porque todo conhecimento que explicita os mecanismos da consciência humana pode ser aplicado no processo de aprendizagem. Cada conjunto de experiências pelas quais passa o homem nele cria necessidades diferentes (CARVALHO, 2008, p.213). Destacaremos a seguir os aspectos comuns entre a Filosofia Clínica e os pressupostos que embasam a construção de uma escola considerada inclusiva. Para tanto, faremos um paralelo entre documentos oficiais que orientam a construção de uma escola na perspectiva da educação inclusiva e os referencias da Filosofia Clínica. Como já explicitado nos capítulos anteriores, a legislação vigente em nosso país assegura a TODOS os cidadãos o acesso à educação, o que implica em que os sistemas educacionais devem garantir que TODOS tenham condições adequadas não apenas para matricular-se nas escolas como também para acessar o currículo nelas desenvolvido. Essa exigência legal norteia a construção das políticas públicas que se expressam em documentos oficiais e são/deveriam ser traduzidas em práticas nas escolas, de modo a concretizar esse direito. Um dos pressupostos do processo de construção de escolas inclusivas é o de que os alunos não devem ser agrupados segundo atributos escolhidos arbitrariamente. Ambientes escolares inclusivos são fundamentados em uma concepção de identidade e diferenças, em que as relações entre ambas não se ordenam em torno de oposições binárias (normal/especial, branco/negro, masculino/feminino, pobre/rico). Neles não se elege uma identidade como norma privilegiada em relação às demais. [...] Em ambientes escolares excludentes, a identidade normal é tida sempre como natural, generalizada e positiva em relação às demais, e sua definição provém do processo pelo qual o poder se manifesta na escola, elegendo uma identidade específica através da qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas (ROPOLI et al, p.7). 31 Esse pressuposto coincide com algumas das características da Filosofia Clínica, entre elas, a ausência de tipologias e de critérios médicos como normal/patológico, doente/saudável. (PACKTER, 2001, p. 130). Como assinalado por Aiub, 2008, a Filosofia Clínica não possui conceitos de normalidade e patologia, de doença e cura, nem tipologias e teorias pré-existentes para lidar com as questões trazidas pela pessoa.[...] O trabalho do filósofo clínico consiste em assumir a atitude filosófica diante de seu partilhante: acompanhar seu relato sem pré-julgamentos, sem enquadrá-lo em tipologias (AIUB, 2008, p. 26 e 27). Não ter respostas a priori, não se deixar guiar por pré-juízos acerca da condição dos alunos e sua potencialidade para o aprendizado é uma condição necessária no paradigma da inclusão, evitando-se rótulos que dificultam ou impedem o processo de ensino aprendizagem. Os preconceitos em relação aos alunos, especialmente àqueles com deficiências são muitos e tem raízes profundas. Desconstruir esses preconceitos na cultura escolar impõe-se como uma necessidade urgente, para construirmos contextos escolares verdadeiramente inclusivos. Essa construção demanda assumir valores diferentes daqueles da escola tradicional. Aqui ganha especial relevância o Tópico de número 18 da Estrutura de Pensamento, Axiologia, que trata justamente de valores. Como essa questão é tratada no contexto escolar? O que é tido como valor para as pessoas que compõem o universo da escola? Existe disposição para mudança? Trata-se de refletir coletivamente sobre os referenciais que sustentam as práticas educacionais, para que passem a fazer sentido para o grupo, evitando-se a imposição de valores e regras comuns aos documentos escolares, que na maioria dos casos, servem apenas ao cumprimento de exigências burocráticas. Conceitos como normalidade, padrão, classes homogêneas, entre outros, que tradicionalmente tem permeado as concepções e práticas escolares, naturalizando uma situação de exclusão que é histórica e culturalmente produzida, precisam ser 32 abolidos,, sob pena de ficarmos em meros exercícios de retórica, sem nenhuma transformação efetiva. Os sistemas educacionais constituídos a partir da oposição – alunos normais e alunos especiais sentem-se abalados com a proposta inclusiva de educação, pois não só criaram espaços educacionais distintos para seus alunos, a partir de uma identidade específica, como também esses espaços estão organizados pedagogicamente para manter tal separação, definindo as atribuições de seus professores, currículos, programas, avaliações e promoções dos que fazem parte de cada um desses espaços. (ROPOLI et al, 2010, p.7) Romper com esse modelo não é tarefa fácil. A convivência com pessoas cujas características sejam bastante diferentes daquelas que costumamos associar a alunos de escolas comuns tem sido um desafio para todos. A Filosofia Clínica pode contribuir para facilitar essa convivência, conforme apontado por Carvalho, 2008, O homem tem dificuldade de aceitar aquilo que não entende e/ou com que não concorda. [...]. É muito difícil conviver com o diferente, embora a existência se realize em grupo com pessoas com características muito diversas. A filosofia clínica abre um canal de contato com os outros. Revela que cada homem tem uma estrutura de pensamento, isto é, um mundo diverso. Ao mostrar o diferente de modo menos ameaçador, ela o faz parecer mais confiável. (CARVALHO, 2008, p. 212). Se às vezes uma opinião ou hábito diversos dos nossos constitui-se em motivo para nos afastarmos do outro, o que dizer quando nos defrontamos com pessoas que, por algum motivo, não falam, não andam, não enxergam, não escutam ou não raciocinam segundo padrões considerados normais e que, no caso das pessoas com deficiência, foram excluídas do cenário das escolas? Se nunca convivemos, como o faremos neste cenário que se pretende inclusivo? Um temor comum observado entre familiares de alunos sem deficiências e mesmo entre alguns profissionais da educação é o de que a entrada de alunos com deficiência nas classes comuns de ensino prejudique o processo de ensino aprendizagem, o que não se verifica na prática. Ao contrário, pesquisas indicam que estudantes que convivem com companheiros muito diferentes desenvolvem habilidades de aceitação e flexibilidade, tornando-se mais abertos às diferenças individuais, mais conscientes a respeito das 33 necessidades de terceiros e mais solidários. Esse aspecto também foi observado entre os pais dos alunos. (FILHO, BELISÁRIO e LOWENTHAL, 2012, p.182) Essa pesquisas coincidem com o que é apontado em documento do Ministério Publico Federal, 2004, onde se lê: Um ensino que contempla e acolhe todos os alunos não poderá ser prejudicial a ninguém. Uma escola em que todos os alunos são bem-vindos tem como compromisso educativo ensinar não apenas os conteúdos curriculares, mas formar pessoas capazes de conviver em um mundo plural e que exige de todos nós experiências de vida compartilhada, envolvendo necessariamente o contato, o reconhecimento e valorização das diferenças. Este conhecimento potencializa a educação escolar, em seus objetivos e práticas e, assim, também é mais um meio de aprimoramento do ensino para todos os alunos.[...] é bom lembrar que não são os alunos com deficiência que prejudicam o bom andamento do Ensino Fundamental e dos demais níveis. Ao contrário, a presença deles enseja mudanças substanciais nas práticas escolares, pois de nada adianta transmitir conteúdos, sem significado, descontextualizados da experiência de vida do aluno e que rapidamente serão esquecidos (BRASIL, 2004, p.45). Considerar a singularidade dos alunos é precípuo à educação numa perspectiva inclusiva, não mais justificando a existência de espaços exclusivos para uma população em razão de uma caraterística específica. Quando entendemos esses processos de diferenciação pela deficiência ou por outras características que elegemos para excluir, percebemos as discrepâncias que nos faziam defender as escolas dos diferentes como solução privilegiada para atender às necessidades dos alunos. Acordamos, então, para o sentido includente das escolas das diferenças. Essas escolas reúnem, em seus espaços educacionais, os alunos tais como eles são: únicos, singulares, mutantes, compreendendo-os como pessoas que diferem uma das outras, que não conseguimos conter em conjuntos definidos por um único atributo, o qual elegemos para diferenciá-las”. (ROPOLI et al, 2010 p.9) Mais uma vez, encontramos nessa ideia elementos de interseção com a Filosofia Clínica, como ressalta Carvalho, 2008, A filosofia clínica ajuda naquilo que é o objetivo mais importante da educação aos olhos de quem enxerga a pessoa como o maior valor da sociedade ocidental. Descobrir tal realidade, penetrar num mundo único, saber aquilo que faz esse homem ser ele mesmo, realizar-se, tornar-se autônomo é o grande objetivo da educação (CARVALHO, 2008, P.212). Ou no dizer de Goya, a ética em Filosofia Clínica deve ser compreendida como algo distante de uma hierarquia universal de valores fixos de bem/mal ou de amor/ódio e 34 desloca a problemática da identidade para a alteridade”. (GOYA, 2010,p.179). Outro aspecto que aproxima Filosofia Clínica e educação inclusiva refere-se à representação de mundo, que é única para cada sujeito. Como ensina Aiub, 2005, em Filosofia Clínica, aprendemos a respeitar a representação do outro, o que não significa aceitá-la, vivenciá-la, mas compreender que o outro pode não ver o mundo da mesma maneira que vemos, que não somos os “donos da verdade”, que não temos sempre a resposta, e que muitas vezes, a resposta é, simplesmente “não sei”.[...] nada sei a respeito da pessoa que se apresenta diante de mim, por isso tudo o que afirmar, sugerir, propuser, concluir, julgar, avaliar, neste momento, será a respeito de minha própria representação de mundo e não da própria pessoa. Mais ainda, nada sei de tudo o quanto sei, ou seja, meu próprio saber é questionável, precisa ser constantemente reavaliado, aperfeiçoado (AIUB, 2005, p.21). Considerando a cultura instituída na maioria das nossas escolas, pode-se inferir o quão difícil é assumir essa postura diante das divergências geradas a partir das diferenças de representações entre todos os sujeitos que fazem parte do contexto escolar que costumam produzir impasses de diversas naturezas. Muitos professores pautam-se por uma visão homogeneizadora de seus alunos, como se houvesse um “homem universal” e as características que são peculiares a cada sujeito não fizessem diferença no processo de aprendizagem. Alguns acreditam ainda que todos os alunos aprenderão de forma semelhante e no tempo definido pela escola impondo um processo escolar nivelador. Essa atitude tem como consequência a exclusão de todos que destoam daqueles padrões previamente estabelecidos. Uma escola só será inclusiva quando considerara singularidade dos seus alunos, construindo-se assim, grupos onde todos possam aprender e ensinar de acordo com suas possibilidades, independente de qualquer condição. Assim como na Filosofia Clínica, não há uma única teoria que dê conta da compreensão de todos os sujeitos, o que implica no uso de metodologias diferentes, segundo a necessidade e as possibilidades de aprendizado de cada aluno. Mais do que constatar que existem diferenças e que estas são inerentes à condição humana, na escola que se pretende inclusiva é necessário mudar os referenciais, romper com o modelo de escola que conhecemos e ousar construir outro, no qual TODOS os alunos sejam tomados como sujeitos capazes de contribuir com o 35 processo de ensino aprendizagem, mesmo aqueles como deficiências classificadas como severas. A escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos diante do processo educativo e busca a participação e o progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas. Não é fácil e imediata a adoção dessas novas práticas, pois ela depende de mudanças que vão além da escola e da sala de aula. Para que essa escola possa se concretizar, é patente a necessidade de atualização e desenvolvimento de novos conceitos, assim como a redefinição e a aplicação de alternativas e práticas pedagógicas e educacionais compatíveis com a inclusão (ROPOLI, et al, 2010, p.9). Para tanto é necessário que a escola olhe além de seus muros, que recorra ao saber acumulado em outras áreas do conhecimento para buscar as soluções que melhor atenderão as demandas desse novo alunado. Assumir uma postura questionadora e investigativa torna-se essencial para a condução do processo de ensino aprendizagem nessa perspectiva, o que mais uma vez coincide com um dos pressupostos da Filosofia Clínica que é a constante indagação, o questionamento das próprias conclusões, o agir a partir de um percurso reflexivo, com a consciência da provisoriedade e limitação das suas “verdades”. Destaca-se aqui os Tópicos 24 e 25 da Estrutura de Pensamento, Hipótese e Experimentação, respectivamente, que estão relacionados à capacidade de levantar hipóteses a partir do processo de pensamento e, nesse mesmo processo de pensamento, antecipar possíveis resultados para cada hipótese formulada. Esse exercício permitirá, por exemplo, que um professor decida sobre qual abordagem teórica atenderá melhor às necessidades de um ou mais de seus alunos, ou ainda, que estratégias serão as mais adequadas para que todos possam aprender. Nunca é demais lembrar que isso pressupõe um conhecimento prévio dos alunos por parte desse professor. Como destacado em documento do Ministério Público Federal, 2004, não existem receitas prontas para atender a cada necessidade educacional de alunos com deficiência que a natureza é capaz de produzir. Existem milhares de crianças e adolescentes cujas necessidades são quase únicas no mundo todo. Assim, espera-se que a escola, ao abrir as portas para tais alunos, informe-se e oriente-se com profissionais da Educação e da Saúde sobre as especificidades e instrumentos adequados para que aquele aluno 36 encontre ali um ambiente adequado, sem discriminações e que lhe proporcione o maior e melhor aprendizado possível (BRASIL, 2004, p.29). Neste caso, o instrumental utilizado em Filosofia Clínica poderá ser muito útil no processo de compreensão da condição destes alunos, no conhecimento do contexto em que se encontram e no direcionamento de uma proposta pedagógica que atenda às suas necessidades e às dos demais colegas. Como ressalta Carvalho, “a filosofia clínica ajuda a entender como o estudante vive, mostra o que lhe falta alcançar. [...] facilita o reconhecimento dos pré-requisitos de que o educando precisa para alcançar determinados conteúdos”. (CARVALHO, 2008, p.211). Se essa compreensão é necessária para qualquer estudante, para aqueles com alguma deficiência se torna essencial. Como tornar os conteúdos acessíveis? Como esses alunos aprendem? Que meios se utilizam para comunicar suas ideias, pensamentos, sentimentos, emoções? Em Filosofia Clínica essas perguntas podem ser respondidas quando se conhece a Estrutura de Pensamento do partilhante, que por sua vez, é montada com os dados obtidos através da realização dos Exames Categoriais. Parte-se do que é trazido pelo partilhante, não de modelo pré-existente. A condução desse processo em coletivos, embora semelhante à clínica, possui características específicas, e dependerá das particularidades de cada instituição (AIUB, 2005). No caso de uma escola, a demanda poderá estar centrada nas dificuldades de um aluno específico, na resistência de professores em acolher alunos com deficiências, ou ainda, de um determinado grupo de pais, só para citar alguns exemplos. A título de exercício, poderíamos imaginar que uma determinada escola contratasse os serviços deum Filósofo Clínico com o objetivo de adequar-se à legislação vigente, tornando-se verdadeiramente inclusiva. Nessa situação poderia ser definido como Assunto Imediato a necessidade de adequar-se à legislação atual e como Assunto Último, tornar inclusivas as suas práticas e concepções. 37 Começaríamos por conhecer a historicidade dessa escola, o que poderia ser feito através de entrevistas com sujeitos dos diversos segmentos, levantamento de registros existentes em documentos da própria escola, da diretoria de ensino, da Secretaria de Educação, na imprensa, entre outras fontes de pesquisa. Neste processo, na categoria Circunstância, observaríamos o ambiente dessa escola, a sua estrutura física, a região onde está inserida, a sua cultura, a comunidade escolar, enfim, os dados levantados tornariam possível compreender a instituição e seu contexto. Na categoria Lugar, poderíamos elencar o que aquela escola representa no contexto onde está inserida, que representações os sujeitos que fazem parte da comunidade escolar tem sobre esta escola. O que significa ser aluno, ser professor, ser gestor, ser educador nesta escola? Na categoria Tempo, colheríamos dados sobre a organização dos tempos e espaços escolares, o que é considerado para a organização/definição dos mesmos, quem participa dessas decisões, como as necessidades de todos são levadas em conta nesse processo. Na categoria Relação observaríamos a maneira como as relações são estabelecidas entre os sujeitos dos diferentes segmentos da comunidade escolar, por exemplo, gestores e professores, professores e alunos, gestores e responsáveis pelos alunos, entre os alunos e os conteúdos trabalhados, e outras possíveis relações. As estratégias de acolhimento às diferenças e necessidades de cada indivíduo e para a resolução de conflitos também podem ser analisadas aqui. A realização dos exames categoriais oferecerá os subsídios necessários para a montagem da Estrutura de Pensamento, que será feita tendo como base os trinta tópicos nos quais está dividida, organizando-se os dados recolhidos de modo a estabelecer tópicos dominantes, tópicos importantes, relações entre tópicos, enfim, uma “arquitetura” que permitirá a elaboração do planejamento clínico para o encaminhamento das questões visando atingir o objetivo último, que neste caso será 38 a construção de uma cultura inclusiva11. .Nesse percurso reflexivo o grupo poderá perceber, por exemplo, que os tempos e espaços escolares não favorecem a aprendizagem e encontrar maneiras para reformulá-los. Que os valores expressos na proposta pedagógica da escola condizem com os de uma escola inclusiva, mas não se concretizam nas práticas efetivadas. Ou ainda, que os alunos e/ou seus familiares dificilmente podem participar dos processos decisórios da escola. Cada uma dessas situações será trabalhada a partir da análise dos Tópicos da Estrutura de Pensamento e da pesquisa dos Submodos utilizados pelo coletivo ou pelos grupos dos diferentes segmentos, de acordo com as especificidades do contexto em questão. Todo esse processo deve ser desenvolvido/compartilhado com os diversos segmentos do coletivo escolar e servirá para compor o projeto pedagógico da escola. Outra ação do filósofo clínico nas escolas pode ser a oferta de cursos sobre o instrumental e os procedimentos da Filosofia Clínica destinado aos professores como complemento a sua formação, não para transformá-los em filósofos, mas para que possam utilizar esse conhecimento no seu cotidiano. Enfim, existem inúmeras possibilidades de atuação deste profissional no universo da educação, e, considerando-se a coincidência de princípios entre a proposta que norteia a construção de uma escola na perspectiva inclusiva e a Filosofia Clínica, pode-se inferir a importância dos saberes e das práticas desta área do conhecimento nesse processo. 11 Uma explicação detalhada dos procedimentos utilizados neste tipo de trabalho encontra-se no livro “Filosofia Clínica e Educação”, de Monica Aiub. 39 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção de escolas consideradas inclusivas representa uma tarefa de enorme complexidade e demanda uma revisão radical nas concepções e práticas educacionais atuais tornando-as condizentes com o que se encontra expresso nas políticas educacionais vigentes em nosso país. Isso implica em garantir, na prática, que qualquer aluno tenha as condições necessárias para aprender, cabendo às equipes escolares encontrarem a melhor maneira para efetivar essa aprendizagem. A perspectiva inclusiva impõe uma escola em que a aprendizagem não seja privilégio daqueles que se adequam aos padrões, mas um direito a ser exercido por TODOS. Uma mudança desse porte não se faz de uma hora para outra. Considerando a legislação atual pela qual toda escola deve se pautar e as condições objetivas de nossas escolas públicas observa-se uma enorme lacuna entre o que se anuncia e o que acontece de fato, que precisa ser preenchida o quanto antes, sob pena de perpetuar-se o processo de exclusão característico de nossas escolas, onde ainda é o aluno quem deve adequar-se às condições de ensino que lhe são oferecidas e não o contrário, como preconizam os documentos oficiais. Considerar cada aluno a partir de suas necessidades, possibilidades, interesses e potencialidades é uma responsabilidade a ser assumida por todos os que compõem o sistema educacional. Esse olhar focalizado no sujeito/aluno singular, procurando conhecer quem ele é, como aprende, o que pensa sobre si mesmo, sobre a escola, o mundo, enfim, tomando a sua história sem partir das ideias preconcebidas dos padrões ou das classificações como normal/patológico e outras que historicamente vem sustentando mecanismos de segregação no ambiente escolar, constitui-se em um princípio basilar para a Filosofia Clínica, o que torna os profissionais dessa área do conhecimento parceiros privilegiados para essa construção. 40 Através desse estudo foi possível constatar inúmeras aproximações entre o referencial da Filosofia Clínica e os preceitos que subsidiam as políticas públicas voltadas para a educação no nosso país e que embasam a construção de uma escola na perspectiva inclusiva. Além das questões aqui apontadas, muitas outras utilizações da teoria e do instrumental da Filosofia Clínica poderão ser colocadas a serviço desse processo que, em última instância, implica na construção de uma nova escola, e por consequência, uma nova sociedade. Para tanto muitos passos ainda precisam ser dados e por profissionais de diversas áreas de conhecimento. O estudo ora apresentado demanda ser confrontado com situações práticas. Levá-lo para o universo escolar é o desafio que está posto. 41 6 REFERÊNCIAS AIUB, Monica. Filosofia Clínica e Educação. Rio de Janeiro, Wak Editora, 2005 _________. Para entender Filosofia Clínica. O apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008 ARANHA, Maria Salete Fábio. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência, disponível em http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/08dez08_biblioAcademic o_paradigmas.pdf, consultado em 08/02/2012 BAFFI, Maria Adelia Teixeira. Modalidades de pesquisa: um estudo introdutório. Disponível em http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/met02a.htm, consultado em 04/01/2012 BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htmconsultado em 18/12/2011 _________. DECRETO Nº 3.956, DE 8 DE OUTUBRO DE 2001. - Convenção da Organização dos Estados Americanos . Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf consultado em 08 de fevereiro de 2012 _________. IBGE. Programa Nacional de Amostragem por Domicílio. 2004/2009 PNAD disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/ consultado em 01 de março de 2012. _________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. _________. MEC/SEESP Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555,de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. 42 _________. MEC/ CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA . Resolução Nº 4, de 2 de outubro de 2009 disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf consultado em 17 de maio de 2012 _________.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/ CASA CIVIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Nº7.612, DE 17 de novembro de 2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7612.htm consultado em 17 de maio de 2012. _________. Ministério Publico Federal. O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular. Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva (Orgs) 2ª ed. Ver. eAtualiz. Brasília: Procuradoria dos direitos do cidadão, 2004. CARVALHO, José Mauricio de. Estudos de filosofia clínica, uma abordagem fenomenológica. Curitiba: IBPEX, 2008. DECLARAÇÃO DE JONTIEM. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/fundamentacaofilosofica.txt consultado em 08 de fevereiro de 2012 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf consultado em 08 de fevereiro de 2012 DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo . São Paulo, Cortez::Autores Associados, 1990. ESTATUTO E CÓDIGO DE ÉTICA DO FILÓSOFO CLÍNICO. Disponível em:http://www.filosofiaclinica.com.br/Estatuto%20e%20C%C3%B3digo%20de%20% C3%89tica%202005/Estatuto%20e%20C%C3%B3digo%20de%20%C3%89tica%20 da%20Filosofia%20Cl%C3%ADnica.htm consultado em17 de maio de 2012 FILHO, José Belisário Ferreira & LOWENTHAL, Rosane. Inclusão, uma estratégia para a qualidade da saúde mental in, Inclusão: O direito de ser e participar. Bosa et all, org. Piracicaba, SP : Biscalchin Editor, 2012 GENTILI, Pablo org. Pedagogia da Exclusão – Crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 1988 43 GOYA, Will. A Escuta e o Silêncio. Disponível em http://www.willgoya.com/conteudo/downloads/70_48.pdf consultadoem 16 de maio de 2012 MANTOAN, Maria Teresa E. Sobre a Igualdade e a Diferença, em Questões Educacionais in Inclusão: O Direito de Ser e Participar. Bosa et al. Orgs .Piracicaba, SP: Biscalchin Editor. _________. O direito de ser, sendo diferente na escola, in Inclusão e Educação – Doze olhares sobre a educação inclusiva. RODRIGUES, D. org. São Paulo: Summus, 2006 _________. Atendimento Educacional Especializado. O Direito de Ser, Sendo Diferente na Escola – por uma escola das diferenças. Curso de Formação Continuada de Professores para o AEE. Disponível em http://nucleodireitoshumanoseinclusao.files.wordpress.com/2011/08/aee_o_direito_d e_ser-sendo-diferente.pdf consultado em 08 de fevereiro de 2012 MENDES, Enicéia G. Perspectivas para a Construção da Escola Inclusiva no Brasil. In Escola Inclusiva. PALHARES e MARINS orgs. São Carlos: EduFSCar, 2002 MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, http://www.todospelaeducacao.org.br/biblioteca/1440/de-olho-nas-metas-2011---4relatorio-de-monitoramento/ consultado em 08 de fevereiro de 2012 PACKTER, Lucio. Filosofia Clínica. Encarte com base na obra “Filosofia Clínica Propedêutica”, publicada em 1997. Disponível em www.filosofiaclinica.com.br _________.Cadernos de Filosofia Clínica. Porto Alegre: Instituto Packter, s.d. SILVA, Cassandra R. de O. Metodologia e Organização do projeto de pesquisa(GUIA PRÁTICO), disponível em http://www.ufop.br/demet/metodologia.pdf , consultado em 03/01/2012 RODRIGUES, David. Dez ideias (mal)feitas sobre a educação inclusiva in Inclusão e Educação – Doze olhares sobre a educação inclusiva. RODRIGUES, D. org. São Paulo: Summus, 2006 44 ROPOLI, Edilene Aparecida et al. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar : a escola comum inclusiva - Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial ; [Fortaleza] : Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 1. (Coleção A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar) WIKIPEDIA, Enciclopédia Virtual http://pt.wikipedia.org/wiki/Procusto consultado em 16/07/2012 45 7 ANEXOS 7.1 ANEXO A Tópicos da Estrutura de Pensamento12 1 - Como o mundo parece (fenomenologicamente): observamos a visão de mundo da pessoa, qual a representação que criou do mundo exterior. Anotamos aqui todas as referências ao mundo externo. Exemplos: a minha cidade tem árvores que servem para alimentar pequenos pássaros; a terra é um lugar onde só existe dor, exploração e falsidade. 2 - O que acha de si mesmo: apresenta como a pessoa se vê, a visão que tem de si mesma. Exemplo: sou uma pessoa imatura, não consigo me imaginar vivendo longe de meus pais; me sinto bem poderosa, poderia mover o mundo se quisesse. Fundamentação teórica: ideia de representação de Protágoras e Schopenhauer e indiretamente na fenomenologia de Merleau-Ponty. 3 - Sensorial e abstrato: observamos todas as referências às sensações e às abstrações, e, principalmente, como estas se relacionam entre si, se há predominância das sensações, das abstrações, em quais circunstâncias ou momentos, como a pessoa lida com seu corpo e suas ideias. Neste tópico estudamos como as ideias se originam e se imprimem em nossas mentes: via sensações ou via ideias abstratas. Exemplo: Sensorial: a sensação produzida pelo chá é de uma limpeza profunda, eu sentia o efeito de limpeza em cada célula do meu corpo. 12 Esta parte do estudo, apresentada como trabalho mensal durante o curso de Especialização em Filosofia Clínica, foi escrita a partir dos Cadernos de Filosofia Clínica, que são transcrições das aulas do curso de especialização em filosofia clínica de Lúcio Packter e do livro “Para entender Filosofia Clínica – O apaixonante exercício do filosofar” de Monica Aiub. 46 Abstrato: eu estive pensando muito, eu penso muito. Penso como seria bom entendermos os caminhos do ser humano. Fundamentação teórica: Locke, Berkeley, Hume, Descartes, Kant e Merleau-Ponty. 4 - Emoções: observamos todas as referências às emoções: amor, ódio, tristeza, alegria, raiva, inveja, ciúme, medo, entre outras. Exemplo: quando fico deprimida costumo consumir muito chocolate, é incontrolável. Fundamentação teórica: Espinosa e Pascal. 5 - Pré-juízos: são verdades a priori, sem conotação do bem ou mal, verdade ou falsidade. Apenas verdades subjetivas anteriores à experiência. Aqui o filósofo observará quais são os Pré-Juízos do partilhante e como eles determinam suas escolhas e ações. Exemplo: quem ama perdoa; homem não presta, nunca amaria um homem; pessoas pobres são mais generosas do que pessoas ricas. Fundamentação teórica: Gadamer, Popper e Kuhn. 6 - Termos agendados no intelecto: observam-se as expressões utilizadas pela pessoa e seus significados próprios. Termo é o conceito expresso (ideia, imagem ou verbo mental) como palavra, som, desenho, gesto, movimento, cheiro etc. No sexto tópico da EP o filósofo clínico pesquisará o que se passa à pessoa, conceitualmente, quando ela se expressa. O filósofo pesquisará os termos que são importantes, determinantes ao modo de ser da pessoa, e a eles implicados, de acordo com a pertinência em clínica. E, como sabemos, a priori eu sei um mínimo sobre a importância que as coisas têm à pessoa; é a intimidade na interseção quem me determina isso. É necessário pesquisar o que aquele termo significa para a pessoa. Exemplo: quando a pessoa diz que ama alguém, o que significa amor para ela? Ou seja, quando o filósofo anotar um termo ele conhecerá o sentido, o uso, as variáveis categoriais, o local de inserção na EP da pessoa e terá ainda alguma ideia sobre a utilização próxima junto aos submodos apropriados. 7 - Termos universal, particular e singular: neste tópico observa-se que termos o partilhante usa com mais frequência, em quais contextos e situações. Em Filosofia 47 Clínica, é importante inicialmente saber a quantidade da proposição dada pelo sujeito e qual o uso que a pessoa emprega a isso. Exemplo: “As pessoas são boas.” .........................Universal “Algumas pessoas são boas.”...............Particular “Esta pessoa é boa.” ............................Singular As variações vão longe: há quem use o termo Universal quando quer incluir todas as pessoas, mas há também quem o use porque por alguma razão preferiu dizer isso a dizer que “esta” pessoa ao lado é que é boa e não “todas” as pessoas; há quem somente consiga expressar seus sentimentos de amor e de ódio usando termos no Particular, “alguns, algumas, certas pessoas, etc”. 8 - Termos: unívoco e equívoco: Em clínica, as implicações deste tópico da EP vão longe: a. Saber a quais dados conceituais se remetem os termos unívocos e equívocos. Pesquisar o tipo de informação: aproximada, metafórica, exata etc. Estudar como se insere à EP os termos. Procurar as manifestações associadas. Uma pessoa pode usar termos equívocos como maneira de expressar conceitos unívocos, equívocos ou, às vezes, inexistentes. Exemplo: a guria esbofeteia o homem que ama enquanto afirma sinceramente que o ama; ele se confunde quanto ao que de fato ela quer transmitir com isso, termo equívoco; mas ela quer exatamente transmitir que embora o ame, sente ódio por algo que ele tenha feito recentemente a ela, termo unívoco. 9 - Discurso: completo e incompleto: O Discurso Incompleto tem como algumas características iniciais importantes o de ser fragmentado, às vezes confuso, não apresenta um sentido que mostre início, meio e fim, não parece ordenado logicamente ao ambiente linguístico que o porta, pode quebrar o entendimento do raciocínio, pode induzir a entendimentos dúbios, pode ser tido como pobre - do ponto de vista do desenvolvimento da ideia, é normalmente quebrado, solto etc. Agora, é evidente que tais características somente têm validade quando inseridas no contexto adequado. 48 Exemplo de Discurso Incompleto: a . (a pessoa exclama, sem mais nem porque) ...foi, pois foi. (som quase inaudível dado como resposta)...ãh... O rapaz vai beijar a moça, mas subitamente para, faz um movimento estranho com o nariz e em seguida pergunta a ela algo que nada tem a ver com a cena. Em meio a uma palestra sobre genética, o palestrante encerra o discurso no meio e passa a falar de culinária. Estes exemplos podem passar igualmente por Discurso Completo quando devidamente inseridos na EP de modo a ter: um sentido inteiro com início, meio e fim, uma acepção completa da mensagem a ser transmitida e então recebida, contexto o suficiente de modo a dar um parecer de entendimento ao que se passa etc. Mais ou menos geral, a impressão e o entendimento que permanecem após um Discurso Incompleto é o de ter ficado algo errado, distorcido, pouco convincente, a sensação íntima de estar faltando algo que pode ou poderia ser completado exatamente se o Discurso fosse Completo: a comunicação feita de maneira inteira. Como por exemplo: a . Joana me traga a xícara que está em cima do fogão! Qual foi a sua nota na disciplina de Cosmologia no último mês de aula? Você prefere café puro ou com leite? Qual é o seu nome? E, assim como antes, tais exemplos em outros contextos poderiam também passar perfeitamente por incompletos. Portanto, o que o filósofo clínico precisa averiguar é o que está acontecendo com a pessoa quando ela se expressa. Um Discurso Completo é aquele que inicia, tem um desenvolvimento e termina, ordenada e sistematicamente. Exemplo: “João é uma boa pessoa porque é generoso”. No entanto, o filósofo clínico não pode caracterizar um discurso até terminar ao menos os Exames Categoriais. Então ele saberá, por exemplo, que o Discurso é Completo, Equívoco, Abstrato, subalterno ao tópico 4, Emoções, e por aí afora. A priori, de jeito nenhum. 49 10 - Estruturação de raciocínio: trata-se de verificar se o partilhante possui, predominantemente, uma lógica formal e descrever a estruturação de raciocínio própria do partilhante. Os critérios iniciais a um raciocínio bem estruturado são: - Capacidade de agendar e de responder apropriadamente a um estímulo. Exemplo: se o filósofo, perguntar pelas horas à pessoa é apropriado que obtenha como resposta a hora no momento. - Relação íntima e/ou justificável entre termo antecedente e termo subsequente. Exemplo: “Eu viajei à Canasvieiras no último final de semana. Lá encontrei meus amigos. Eles me convidaram para almoçar em um pequeno restaurante à beira do mar. A brisa era suave...” - Firme relação entre causa e efeito. Exemplo: “Eu quero um copo de água porque estou com sede”. - Contiguidade e Semelhança. Significa uma espécie de parentesco, de afinidade, entre os termos, os conceitos, as proposições. Exemplo: você pode estar caminhado na rua e conversando com um amigo sobre Metafísica, mas interromper abruptamente o que está falando quando ouve o som de um piano saindo por uma janela. E então pode passar a falar de música, a falar de algo que em nada se relaciona com o tema anterior. Às vezes também uma ideia pode arremessá-lo a outra por algo que lhe seja parecida: um aroma de camomila pode fazer a pessoa lembrar de uma antiga namorada. - Associação coerente e justificável de ideias. Significa a capacidade de ordenação, de interpretação literal, lógica, e de bom-senso quando necessário. Como em tipos específicos de conversações. - Capacidade de interpretação lógica, literal e via bom-senso. Que diz respeito agudamente à vida de desenvolvimento em aprendizagem individual que a pessoa teve até então. É evidente que esses critérios só têm sentido clínico quando alicerçados na associação do logicismo formal ao empirismo inglês e à analítica da linguagem. 50 O filósofo precisa ainda usar de Epistemologia (um dos tópicos da EP). Porque assim ele terá acesso ao conteúdo do termo: ao conceito. Saberá também como a pessoa conhece as coisas com as quais está em relação. Os dados intuitivos em clínica estarão ligados a isso. Por fim, tão importante quanto os demais, os Princípios de Verdade: a leitura que ambos, filósofo e pessoa, compartilham à respeito dos objetos de relação considerados. Contudo, somente com a EP apurada é que o filósofo poderá dar um parecer conclusivo sobre o assunto. Fundamentação teórica: os tópicos 06 ao 10 estão fundamentados na lógica aristotélica, no empirismo inglês e na analítica da linguagem. 11 - Busca: observa para onde se direcionam as metas, as buscas, os objetivos traçados pelo partilhante para sua vida. É como se denomina o devir, a esperança, o projeto pessoal, o para onde queremos ir, qual a procura imediata e a mais remota, o sonho guardado (confesso ou não). Algo pequeno ou grande, mas sempre significante a quem o possui. Pode se confundir com a categoria Assunto; muitas vezes a pessoa sofreu tantas adversidades que conferimos no Assunto Imediato seu desejo de apenas não sofrer (seja qual for o significado que isso tenha para ela). A Busca é plástica, muda e evolui, cresce e morre. As questões mais fundas do ser humano podem a ela se relacionar. Exemplos: — Qual o escopo da vida? — O que faço de minha vida? — Estou bem comigo mesmo? — Estou me realizando, fazendo o que gosto, amando e sendo amado? — Vivo onde quero e com quem quero? Cedo ou tarde, no trabalho clínico, aparece o projeto pessoal de vida, tão variável quanto são as crenças, os valores, os pensamentos que estruturam os indivíduos Em algumas ocasiões você não encontrará Busca alguma definida na pessoa! Ela pode ter estruturado a vida em um deixar-viver em que o hedonismo guia seu caminho existencial - de acordo com os humores do vento. Outras vezes, encontrará uma pessoa que desde os sete anos de idade já definiu sua Busca, da qual não se afastou nunca. O seu trabalho não é, até um ponto, fabricar uma Busca à pessoa, mas sim saber se ela tem uma ou não. Aonde a pessoa se dirige existencialmente não quer dizer aonde de fato ela vai, ou aonde quer ir, nada disso. A resposta a isso 51 não é exata, de jeito nenhum! Quando o filósofo examina as categorias e a Estrutura do Pensamento, ele intui, em um dado apenas epistemológico, o devir em seu sentido de aproximação. A Busca é um dado subjetivo de aproximação. Pode ser a resultante de uma coincidência, de uma má sorte, de um amor conflituoso, de uma boa sorte. Fundamentação teórica: Searle, Merleau-Ponty, Nietzsche, Schopenhauer. 12 - Paixões dominantes: diz respeito à frequência com que uma ideia, um conceito, um verbo mental age, atua, habita a malha intelectiva. Paixão Dominante não tem nada a ver com a força do conceito, tem a ver com a frequência. Caracteriza-se por ideais recorrentes que habitam com frequência, a mente do partilhante. Uma pessoa pode pensar cem vezes o mesmo conceito em um dia, a sua Paixão Dominante, e no entanto isso ter um mínimo de importância e força subjetiva tópica para a EP da pessoa. Quando o filósofo encontrar um conceito que se repete muitas vezes na EP da pessoa, ali estará uma paixão dominante qualquer. Exemplo: uma pessoa que só pensa em trabalho, ou em futebol, ou ainda aquele que é arrebatado por ideais depressivas e suicidas, ou pela ideia de um grande amor. Fundamentação teórica: Espinosa 13 - Comportamento e função: nele é observada a relação causa e efeito, no que se refere a comportamentos. Se o comportamento do partilhante possui uma ou mais funções, se uma função possui ou não um comportamento para efetivar-se, se existem outros comportamentos que possam exercer a mesma função, ou se existem funções diferentes para o mesmo comportamento. Os exames categoriais seguidos da montagem cuidadosa da Estrutura do Pensamento abrem as possibilidades listadas a seguir, entre incontáveis outras igualmente possíveis: 1.Um comportamento pode ter uma ou muitas funções. 2.Uma função pode ter um ou muitos comportamentos. 3. Os comportamentos podem se enfraquecer, negar, afrontar, anular, gerar psicoses entre si mesmos para dar cumprimento a uma ou mais de uma função (e vice-versa). 52 4. Nem todas as funções podem ser elucidadas em clínica. O filósofo precisa, necessariamente, pesquisar como se dá a interseção comportamento & função na malha intelectiva da pessoa. Exemplo: Ir à padaria comprar pão = comportamento 1 Comprar pão e leite (1) = Função Simples Comprar pão e leite (1) Respirar ar puro (2) = Função Composta Madrugar (3) Evitar encontrar a mulher saindo pela manhã) (1) = Função Oculta Simples Evitar ver a mulher (1) Sentir-se mal por ficar deitado(2) = Função Oculta Composta Necessidade compulsiva de sair (3) Falta de ar (4) Fundamentação teórica: Aristóteles. 14 - Espacialidade: é um tópico da EP que pesquisa a posição, a localização intelectiva da pessoa. Teu corpo está aqui, algo que pesquisamos na Categoria Lugar, mas onde estão os conceitos da malha intelectiva? Aborda a localização geográfica da mente do partilhante, ou seja, para onde está direcionado o seu pensamento. São quatro os estados de espacialidade, que podem ocorrer, inclusive, concomitantemente: Inversão: partilhante com a atenção voltada para outras pessoas. Recíproca de Inversão: partilhante com a atenção voltada para si mesmo. Inversão e Recíproca de Inversão se referem à interseção entre pessoas. Quando o sujeito traz o outro ao seu mundo existencial, eis aí um movimento inversivo: “eu sinto minha pele suave; esses meus sentimentos são tantos...! estou com fome” são sentenças que indicam movimento inversivo. A Recíproca de Inversão é o oposto da Inversão; é o sujeito quem vai ao mundo existencial do outro. 53 Deslocamento curto: partilhante com a atenção voltada para objetos presentes. Refere-se ao direcionamento do meu pensar, a minha atenção, ou intencionalidade, ocupada com objetos que estão presentes aqui neste momento, ao alcance de meus sentidos, mas que não são pessoas. Deslocamento longo: partilhante com a atenção voltada para ideias, acontecimentos distantes, passados ou futuros, outros lugares, etc.É o voo que minha atenção dirigida dá em direção a objetos que não estão presentes, ou mesmo a ideias complexas longínquas. Exemplo: Inversão e Recíproca de Inversão: Se eu, filósofo clínico, sou o sujeito e trago a pessoa com quem falo ao meu mundo existencial presente, promovo uma Inversão. Ela, por sua vez, ao sair de seu mundo existencial para estar em interseção no meu, efetuou uma Recíproca de Inversão. Deslocamento curto: qual o tamanho das coisas, da mesa, das pessoas, do ponto de vista de um passarinho? Qual a sensação de se estar coberto por uma aconchegante plumagem? O peso das asas é maior que o da cabeça? A pessoa precisa realmente se deslocar. E se o fizer, ao retornar a si mesmo trará uma segunda opinião muito forte sobre a consideração geral das coisas. Deslocamento Longo: trecho de um livro de Hermann Hesse: “Na entrada da garganta, perto do penhasco escuro, parei hesitante e olhei em volta. O sol brilhava neste mundo verde e agradável, sobre o prado flutuava cintilante a grama nova e castanha. Ali havia bem-estar, ali havia cor e prazer, ali a alma sussurrava em tom profundo e apaziguada, como um zangão em pleno perfume e luz. E eu talvez fosse um tolo em querer deixar tudo isso, para subir a montanha”. Hesse entrou realmente na pele do personagem, viu com seus olhos e sentiu com sua pele tudo o que nos reporta, viveu tudo o que o personagem viveu. Neste deslocamento a vivência é mais intensa e tem o dom de se mesclar à realidade. Fundamentação teórica: Merleau-Ponty e conceito de estados mentais em Searle. 15 – Semiose: diz respeito ao que é usado como signo ou sinal. O que a pessoa utiliza para significar nós denominamos Semiose. Trata dos veículos de expressão. 54 O que o partilhante utiliza para expressar-se? Fala, gestos, expressões faciais, postura corporal, música, dança, literatura, poesia, desenho, pintura, escultura, etc. É o que a pessoa utiliza para dar sentido ao que quer comunicar. Exemplo: se amo minha mulher e quero expressar isso que me vai na EP, posso utilizar: beijo, flores, carinho tátil íntimo, passeio, conversa, riso, estar junto etc. São, todos, dados de Semiose. 16 – Significado: como o partilhante significa os conteúdos que expressa pelos diferentes dados de semiose. Está no uso que a pessoa faz do signo. O significado é o sentido que você cria. Há muitas maneiras de se entender as coisas que nos chegam, há muitos modos de cada um de nós compreender os sinais que são emitidos, os signos. Cada um de nós provavelmente entende o termo amor, à sua maneira, cada um curte o solzinho de inverno de um jeito próprio e o representa assim para si mesmo. Significado é o sentido que a pessoa concede aos dados de Semiose que lhe chegam. O filósofo precisa necessariamente, via interseção, conhecer o Significado que a pessoa reputa a alguns signos específicos e clinicamente importantes. Exemplo: o marido dá a mão à mulher quando ambos andam à rua. Ela significa este signo das maneiras a seguir: a. Posse por parte do marido. b. Sente-se presa, atada. c. O marido é inseguro de sua relação com ela. Fundamentação teórica: Wittgenstein, Foucault, Pierce, Ricouer, Ryle, Austin, Blomfield, Carnap e Humberto Eco 17 – Padrão e armadilha conceitual: é uma rede de conceitos na qual a pessoa está presa, atada. Existem armadilhas conceituais boas e ruins. Cabe ao filósofo clínico, verificar quais são as Armadilhas Conceituais de seu partilhante, que papel exercem nessa Estrutura de Pensamento e, somente se necessário, formas para quebrá-las, libertando-o delas. Exemplo: uma pessoa acredita que todo o caminho leva necessariamente a algum lugar. E acreditando nisso, passa toda a sua existência andando com energia sobre a linha que perfaz um círculo... 55 Fundamentação teórica: o “Mito da Caverna” de Platão e o estruturalismo de Foucault. 18 – Axiologia: refere-se ao valor subjetivo que as coisas têm para a pessoa. E valor é simplesmente aquilo que é importante. Ela nos mostra o que é importante à pessoa, quais os critérios desse valorar, os motivos subjacentes às palavras, a estruturação do valor que leva alguém a preferir X ou Y. Qual o peso subjetivo de cada um desses valores com relação à Estrutura de Pensamento. O que é importante à pessoa não quer dizer que é aquilo que é bom, agradável, gostoso, aprazível, porque pode ser exatamente o que é miserável para ela. Uma criatura pode julgar importantíssimo morrer em agonia para ressarcir gente que prejudicou durante a vida, sabe-se lá quais os motivos... Uma pessoa pode estar dividida por valores fortes e antagônicos: fidelidade x prazer. Os valores podem ser excludentes, amistosos, conflitantes entre si mesmos, entre tantas opções mais. É fundamental que o filósofo clínico estude como os dados axiológicos da pessoa se inserem na EPI Qual o funcionamento deles na dinâmica da malha intelectiva? Dificilmente os dados axiológicos estarão sozinhos e avulsos na malha intelectiva. Eles interagem todo o tempo com os demais tópicos. Exemplo: a pessoa pode sorrir e dizer que a vida é o maior valor de todos e depois vocês vão apurar na EP que não é nada disso!! Tem muito valorzinho cuja força na EP é praticamente nenhuma, embora a pessoa anuncie com fogos de artifício e mesmo com toda uma artilharia pesada. O oposto também existe: pessoas que deixam à sombra e pouco fazem referência ao que de fato é importante a elas. Fundamentação teórica: Max Scheler, Pascal, Espinosa, Kant e Nietzsche. 19 – Tópico de singularidade existencial: neste tópico entram todos os fenômenos que não conseguimos explicar racionalmente. O papel do filósofo clínico aqui é contextualizar o dado e respeitar a representação do partilhante. Uma vez contextualizado no histórico do partilhante, se houver justificativas para tais vivências, e estas não incomodarem ou não forem assunto clínico, não há motivo para interferir. Se não houver justificativas para elas - por exemplo: uma pessoa que não possui tais vivências em seu histórico e, de uma hora para outra, passa a ter visões inexplicáveis - , é recomendável o encaminhamento a um médico para 56 exames. Muitos distúrbios orgânicos e químicos trazem, como sintomas, delírios, visões e experiências sobrenaturais. Exemplo: vivências singulares com extraterrestres, fenômenos inexplicáveis da religiosidade, conversas com espíritos, experiências paranormais, alucinações causadas por drogas, vivências intensas e raras causadas por acidentes vasculares, ou mesmo estruturações mentais pouco usuais a uma época e contextos determinados - a ponto de causar estranheza por parte do filósofo quando da interseção. Fundamentação teórica: para compreensão do tópico, ver Feuerbach, em A Essência da Religião 20 – Epistemologia: aqui pesquisamos como a pessoa conhece as coisas, quais os limites e a natureza desse conhecer. As maneiras como a pessoa constrói seu conhecimento. A Filosofia Clínica usa três vastos campos: Lógica Formal adaptada à clínica, Esteticidade associada à Somaticidade e Matemática Simbólica. Além disso, é importante saber como eu, enquanto pessoa, conheço. Como a pessoa que estará partilhando os meus serviços de filósofo conhece? Exemplo: algumas pessoas precisam ver algo funcionando mecanicamente para a partir daí terem a vontade de conhecer, segundo esse parâmetro. Outras dão validade apenas aos dados teóricos. Outras ainda, em geral conhecem com a vivência emocional, desvalorizando aprendizagens teóricas. Fundamentação teórica: filósofos modernos e contemporâneos, entre eles, Kant. 21 – Expressividade: o quanto do que sou e do que penso expresso no outro? De que maneira expresso? Primeiro, a gente constata pelos exames categoriais e também pela EP da pessoa como ela é com ela mesma, é como se começa. Depois, nós vamos pesquisar como ela é na relação com o outro daquilo que ela foi consigo mesma. A Expressividade se refere à relação da pessoa com ela mesma e depois em direção ao outro. O quanto de mim mesmo segue ou não segue ou se modifica quando em relação com o outro, mas esse outro é sempre, sempre, sempre mesmo, uma pessoa! Não é um objeto, uma formiga, uma nota de cem dólares, uma 57 situação social, não é nada disso. Quando a gente estiver tagarelando sobre Expressividade, a gente estará exatamente falando da pessoa com ela mesma e da pessoa com o outro. Pergunte e descubra um modo de expressão onde a pessoa consiga ir ao próprio íntimo e fotografá-lo para fora de si mesma: música, dança, teatro, conversa, toque, desenho, religião, poesia etc. É preciso descobrir ou inventar este dado de Semiose. Se a pessoa tem uma Expressividade tolhida no uso da fala, que tal tentar a escultura em argila, se é como ela se faz autêntica de fato? (Desde que para ela exista uma importância clínica em ser autêntica, oque nem sempre é o caso!). Expressividade é uma medida de aproximação, não de exatidão Exemplo: anote um fax de uma moça solicitando um horário para trabalharmos em clínica: “Estou muito triste. Não consigo nem rezar. Fazia tempo que não me sentia assim. Não sei se é o verão (não gosto do verão), lembranças, festas de Natal... a gente espera que o Natal seja outra coisa... Preciso urgentemente me encontrar, sei que não se consegue da noite para o dia, mas preciso... Quero ser uma pessoa com os pés no chão, ver as coisas claramente, saber fazer as coisas certas, na hora certa, transmitir para as pessoas segurança, firmeza...” Esta moça era perfeitamente monossilábica em consultório, porém suas cartas e fax eram tesouros informativos. Hoje, em situações semelhantes, posso realizar o trabalho clínico por carta, telefone etc. É evidente que cada situação tem suas especificidades. Fundamentação teórica: Heidegger, Buber e Levinás, no que se refere a autenticidade das relações. 22 – Papel existencial: aquilo que o partilhante nomear como sendo seu papel, o será. Dizer que tem filhos, ou que dá aulas, não significa que o partilhante tenha como Papel Existencial ser pai ou professor. É preciso que ele assuma para si tal papel para que o filósofo clínico considere como Papel Existencial. O Papel Existencial muda muitas vezes. Em um mesmo instante a gente pode cumprir diferentes papéis existenciais que nem sempre são amistosos entre si mesmos. Às vezes explode um conflito ou mais de um. Algumas vezes os papéis existenciais 58 podem se chocar com uma certa equivalência de forças que me impeçam de saber o que sou em determinada ocasião. Posso ficar confuso e aflito com isso. Mas outras vezes, todo o Papel Existencial do mundo não faz qualquer diferença à pessoa, e talvez ela nem queira saber de fato sobre isso. Exemplo: se a pessoa ao pagar a passagem de ônibus for entrevistada por alguém que lhe pergunte o que ela é e ela responder que é uma passageira, é esse o Papel Existencial dela. Se responder que é uma estudante à caminho da escola, então é esse o Papel Existencial! Se não souber dizer o que é, mas estiver pensando que é uma boboca dando uma entrevista inútil, então mais outra vez é esse o Papel Existencial. Tem mais ainda: se ela não souber responder o que é nem mesmo em pensamento, para si mesma, então simplesmente não se terá Papel Existencial coisa nenhuma, está bem? Fundamentação teórica: Heidegger 23- Ação: é o jeito como os conceitos estão associados na malha intelectiva! Basta ao filósofo acompanhar os dados descritivos da pessoa. . Na Ação, o interesse do filósofo vai estar concentrado na movimentação descritiva do conceito. O que importa agora é a descrição da associação dos conceitos; é algo muito maior do que uma simples questão de raciocínio. Na Ação, o filósofo clínico se direciona à cata da forma e do conteúdo, mas no sentido exato de como é o movimento, o desenrolar, o acontecer dos mesmos. Podemos também conjecturar o que promove o movimento conceitual à malha intelectiva na pessoa. Neste tópico observa-se: qual a sequência das ideias do partilhante? Como ele encadeia tais ideias? Qual o ritmo do movimento do seu pensar? É tão rápido que mal consegue dar conta de tantas ideias? Ou está tão lento que tem a sensação de não ter ideias? Exemplo: Vamos considerar que há um conceito W na EP. Em seguida, algumas manifestações podem ocasionar movimentos em W: a . Um dado sensorial que agende W por semelhança. Um contexto que sugira W por aproximação. Uma inferência direta que nomeie ou agende massivamente W. Associações de conceitos que tenham W como corolário, ou introdução, ou agente de desenvolvimento. 59 Movimentações nas adjacências conceituais de W que o atinjam indiretamente. Movimentação por inércia de W. Outro exemplo: a pessoa recorda a voz do pai pedindo-lhe ajuda; depois, sente o aroma do pão feito por ele no forno a lenha, e novamente ouve os sons dos passos dele sobre o tablado de madeira durante às noites em que ele permanecia acordado devido às dores musculares que lhe acometiam. 24 – Hipótese: é o que a pessoa está fazendo, ou o que ocorre nela, como resultante dos dados conceituais que a habitam: a Ação. Durante o movimento do pensamento, o partilhante levanta hipóteses? Uma ou várias? Como constrói suas hipóteses? Alguns dados que constituem a Hipótese: a . Como resultado de conceitos associados sobre a morte de uma pessoa amada: depressão; medo de novos relacionamentos afetivos; dor; tristeza aliada ao alcoolismo; falta de ânimo para realizar as tarefas rotineiras; vontade de novos relacionamentos afetivos; entendimento sobre certos fatos da vida de modo ameno; novos empreendimentos audaciosos etc. Após um acidente vascular (lembre-se que dados sensoriais também são tidos como conceitos da EP) que deixou agendado na pessoa sensações desagradáveis, somaticamente: a pessoa pode evitar agitações; pode dormir mal e pouco; pode tornar-se mística; pode querer viver tudo o que sempre temeu etc... Exemplo: “Mulher - ...não é fácil quando o homem de casa começa a beber. Quem diz que é fácil está mentindo. Não é fácil. O mundo vira de ponta-cabeça. Vem humilhação. Muita dor, vem. Vem os vizinhos bisbilhotar, parece que estão rindo da gente. Vem medo. Vem tudo abaixo. A minha família era boa, não faltava nada dentro de casa. Nós era (sic) pobre, mas tinha calor dentro de casa.” Note, agora, como ela passa da Ação à Hipótese: “Mulher - ...parece que o que eu estou fazendo com o que está acontecendo é apanhar na cara e me esconder de vergonha. Eu apanho e me escondo; eu me escondo, me escondo das pessoas, e apanho. Nenhuma coisa dura pra sempre. Nem o que é bom nem o que é mau dura pra sempre. Eu vou aguentar até que esse diacho de vida mude. 60 A vida vai mudar, eu tenho que saber carregar a minha cruz...” Um exemplo triste, e simples de verificar quanto aos tópicos Ação e Hipótese. A pessoa pode simplesmente cruzar os braços, ou resolver “apanhar” até que as coisas mudem, ou reagir com a justiça, ou explodir - ou qualquer outra coisa. Pode ocorrer que nem sempre é tranquilo diferenciar entre o que é exatamente Ação e o que é Hipótese na EP da pessoa! Só que muitíssimo mais importante é entender o dado processual e não a diferenciação didática. Entre as infinitas combinações, vamos apreciar as mais usuais: a . Ação e Hipótese podem ser indistintas ao filósofo. Ação e Hipótese podem estar trocadas quanto a ordem cronológica, fatual, ou do ponto de vista logicista formal. A Ação pode estar oculta e inacessível ao filósofo e à pessoa, ou a um destes. A Hipótese pode estar oculta e inacessível, como no item anterior. Tanto a Ação como a Hipótese podem se apresentar unicamente como dado da Autogenia, e não como dado descritivo em tópico da EP. 25 – Experimentação: o efeito, a consequência, a decorrência imediata e/ou última, a resultante do processo anterior, a Hipótese. O partilhante pensa nas consequências de suas hipóteses caso estas fossem colocadas em prática? Ele antecipa resultados? Calcula os passos e as possibilidades de reações? No entanto, nem sempre essa relação é tão direta, pode ocorrer que: a. O que resulta da Hipótese pode não ter relação com a Ação. A Experimentação pode estar relacionada apenas à Ação e não à Hipótese. A Experimentação pode estar desvinculada da Ação e da Hipótese e estar associada intimamente aos Pré-Juízos ou à Epistemologia. 61 A Experimentação pode expor dados contraditórios, complementares, dissidentes a dados da Ação e da Hipótese, em qualquer ordem concebida. Os dados da Experimentação podem acarretar conclusões sofismáticas - o que acontece muitas e muitas vezes. Quando o filósofo se detém na análise dos dados de Experimentação, deve ter evidente o peso subjetivo e as demais associações tópicas. A Experimentação tem relação direta com o dado concreto, na medida em que ele é o resultado e o fim de todo o processo. Também pode ocorrer alguma miscigenação qualquer que torne indistinta e indivisível toda demarcação possível. Exemplo: A muitas pessoas o resultado de um trabalho, o retorno, a comprovação, a consequência, o fecho, nada disso importa... a pessoa pode ter como determinante o ato de fazer, ou de construir sonhos conceituais que jamais chegam a termos, ou pode desprezar o fato concreto que resulta de suas resoluções e atos. Fundamentação teórica: Bacon, Leibiniz, Popper, Ryle, Habermas e Searle. 26 – Princípios de verdade: são verdades compartilhadas. Neste tópico, o filósofo observa as verdades subjetivas de seu partilhante. Os Princípios de Verdade dão indícios firmes a respeito da interseção estabelecida entre o filósofo clínico e a pessoa: intensidade, qualidades, estilo, características próprias etc. Exemplo: Neste tópico, o filósofo cuidará de averiguar os dados básicos que seguem: a . O que ele divide com a pessoa como sendo verdadeiro ou falso. O que ambos compartilham da espiritualidade, dos dados intuitivos, das vivências somáticas. Os fatos trazidos pelos Exames Categoriais: o que há a se compartilhar quanto a história, aos dados sócio-políticos e geográficos de cada um. 62 As qualidades de interseção nos contextos e circunstâncias determinantes. O que aproxima, afasta, atrai, confunde, harmoniza, confronta, estabiliza ou antagoniza as Estruturas de Pensamento relacionadas. Fundamentação teórica: Popper, Kuhn e Levinás. 27 – Análise da estrutura: neste tópico o filósofo clínico fará uma análise do todo da Estrutura do Pensamento do partilhante, verifica certas variantes de qualidade, quantidade, estados gerais e especificidades, mas sempre e unicamente por tendência, por aproximação: a . Estrutura forte, fraca, instável. b. Estrutura poética, amistosa, infensa às questões da alma, religiosa etc. c. Estrutura rica, pobre. d. Estrutura problemática; existencialmente caótica, sofredora, dilemática - e/ou aberta a vivências estranhas a ela, estável, feliz etc. A questão urgente é a seguinte: como posso afirmar que uma EP é forte ou fraca, rica ou pobre ou qualquer outra coisa? A afirmação somente é responsável e possível pelos dados reunidos a começar dos exames categorias, e em uma ordem tal como a que vai em seguida - como linha de pesquisa: a . Exames Categoriais: vão localizar tal EP existencialmente. b. Princípios de Verdade: filósofo e pessoa em leitura conjunta da existência. c. Interseções de Estruturas de Pensamento: tópico 28. d. Dados de Matemática Simbólica: tópico 29. e. Autogenia: tópico 30. O fundamental é conhecer descritivamente a estrutura, a EP! Ao invés da afirmação sobre a fragilidade ou força de determinada EP, o que clinicamente é essencial é saber como é e como atua existencialmente tal EP - segundo a observação e os dados fenomenológicos descritivos. Exemplo: quando alguém diz, por exemplo: “Eu amo a Maria!” 63 a . Ele se refere a um aspecto de Maria, como os olhos e a boca? b. Ele se refere ao jeito de Maria ser? c. Ele se refere ao jeito de Maria ser com ele? d. ... ou se refere à Maria como um todo: ele ama a totalidade de Maria, após considerar o que ama e o que não ama? Alguns indícios mostram quando provavelmente o filósofo chega à consideração da Análise da Estrutura, tópico 27. a .Quando ele concebe o todo da EP. b. Quando chega a uma síntese sobre todos os aspectos considerados. c. Quando a manifestação existencial da outra pessoa é apreendida em sua totalidade, conforme, evidentemente a acepção clínica. Nesse sentido, alguns pareceres logo despontam: a . Ás vezes as partes são mais que o todo, quanto a EP. b. Uma só parte pode ser mais determinante que todo o resto. O todo pode ser menor que as partes. 28 – Interseções de estruturas: neste tópico avalia-se a qualidade das interseções nas relações do partilhante consigo mesmo, com outras pessoas, com instituições, com atividades, etc...As interseções de Estruturas de Pensamento podem ser classificadas como positivas, negativas, confusas e indefinidas. Porém, mais importante que classificá-las, é descrevê-las. Exemplo: Uma pessoa pode manter uma interseção determinante e positiva com a sociedade em que vive e, com o cônjuge, manter uma interseção negativa. E, não apenas negativa como também pouco significativa a ele. Fundamentação teórica: Buber e Levinás 29 - Dados de matemática simbólica: trabalha a leitura de grupos. Indicada principalmente para trabalhos em grupos, empresas ou instituições, permite ao filósofo clínico situar seu partilhante nos grupos aos quais pertence. Muito raramente é utilizada para trabalhar com pessoas. 64 Exemplo: se tu fores chamado num colégio , e disserem: o aluninho tal da 4ª série B é muito fraco, e tu disseres que “realmente ele é muito fraco”, tu estás te referindo a EP dele como um todo, é fraco em relação a quem? Olha, ‘então, esse aluno é fraco para essa aula porque ele não consegue acompanhar as aulas de matemática, exatamente por não gostar da professora’. Ótimo! Tu descreveste o processo. Não é fundamental localizá-lo topicamente, mas descrever topicamente o processo. 30 – Autogenia: é a leitura do todo, a relação intra e inter tópicos, observando: choques, tópicos dominantes, tópicos importantes (embora não sejam determinantes são importantes na configuração ou atuação de outros tópicos).. É como se denomina a configuração, a associação, a inter-relação que os tópicos da EP têm entre eles mesmos. Trata da organização da malha intelectiva em virtude dos tópicos nela predominantes. Contribui para o entendimento da singularidade existencial, pois revela que cada pessoa é única também pelo modo como ela organiza sua malha intelectiva. Exemplo: dependendo de como você está funcionando autogenicamente (…) ou seja se não há choque significativo na sua autogenia, se os tópicos estão mais ou menos alinhados, se as coisas estão bem, as coisas fluem como a flutuar (…) algumas pessoas traduzem esse estado por um bem estar, outras traduzem este estado como uma paz de espírito, como uma sublimidade existencial e quando isso acontece a sua EP pode estar mais etérea Fundamentação teórica: propriedades dos conjuntos da matemática de Georg Cantor. 65 7.2 ANEXO B Tábua de Submodos 1. Em direção ao termo singular 2. Em direção ao termo universal 3. Em direção às sensações 4. Em direção às ideias complexas 5. Esquema resolutivo 6. Em direção ao desfecho 7. Inversão 8. Recíproca de inversão 9. Divisão 10. Argumentação derivada 11. Atalho 12. Busca 13. Deslocamento curto 14. Deslocamento longo 15. Adição 16. Roteirizar 17. Percepcionar 18. Esteticidade 19. Esteticidade seletiva 20. Tradução 21. Informação dirigida 22. Vice- conceito 23. Intuição 24. Retroação 25. Intencionalidade dirigida ( filtro) 26. Axiologia 27. Autogenia 28. Epistemologia 29. Reconstrução 66 30. Análise indireta : Função Ação Hipótese Experimentação 31. Expressividade 32. Princípios de verdade