Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do filosofar1 Monica Aiub 2 Diante das necessidades existenciais criadas e desenvolvidas pelo ser humano no decorrer de sua história, diante das crises do século XX, da insuficiência de respostas, e talvez de questionamentos também, a Filosofia Clínica surge como um novo paradigma, tentando conciliar a tarefa do filosofar com a possibilidade de ajuda-ao-outro. Essa terapêutica centrada na singularidade, no respeito ao outro e a seus modos de ser, tornou-se uma opção para pessoas que desejam trabalhar angústias existenciais, problemas afetivos, necessidade de auto-conhecimento ou de reorganização da vida, desejo de aprender a lidar melhor com suas questões ou desenvolver controle emocional, dificuldades nos relacionamentos, problemas com o trabalho, com o cotidiano, entre outras questões. Independente de padrões de normalidade, de tipologias, de teorias prévias, a Filosofia Clínica constrói seu trabalho para cada pessoa em especial, considerando seu universo, seu modo de ser, estar, pensar e agir; respeitando suas necessidades e escolhas, seus valores e sentimentos, seus caminhos e relações. Em Filosofia Clínica não há paciente, há partilhante. Por que partilhante? Partilha: repartir, tomar parte em, participar... o partilhante participa ativamente de todo o processo, compartilha sua vida e suas questões com o filósofo clínico, e este participa como aquele que se dispõe a ouvir, acolher, pensar junto e compartilhar esse universo durante um período, e para tal precisa tomar parte acerca do que se passa com seu partilhante, conhecer seus modos de ser para poder auxiliá-lo a partir de seus referenciais. A postura do filósofo clínico é a de um amigo que acolhe, que ouve, que olha, mas que não julga, não interpreta, não avalia, apenas contextualiza, tentando entender como se construiu aquela situação, o que se passa com o partilhante, respeitando seu modo de ser e seu sofrimento como legítimos e únicos, e refletindo, juntamente com ele, sobre as questões que o incomodam. Dizia Hipócrates que “o esforço físico é alimento para os membros e para os músculos, o sono o é para as entranhas. Pensar é para o Homem o passeio da alma.” (Das Epidemias, VI, 5,5.) . Esse passeio, proporcionado pela filosofia clínica, nos permite filosofar sobre as questões cotidianas – tarefa da filosofia desde os primórdios, incorporar os sistemas filosóficos 1 Publicado no Jornal Água Viva, Praia Grande, 2004. AIUB, Monica. Para Entender Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: WAK, 2004. 144p. Preço: R$ 20,00. Onde adquirir: nas livrarias ou no site da editora: www.wakeditora.com.br 2 estruturados no decorrer de nossa história, a fim de nos apropriarmos do que for necessário e pertinente à situação em questão, e lançarmos mão desses recursos para tornar nossas vidas melhores, também competência da filosofia de acordo com sua proposta inicial. Não se trata de um mero aconselhamento pautado em referenciais filosóficos. A filosofia clínica supõe um procedimento prévio, necessário, imprescindível a qualquer outro: o conhecimento das questões, do universo, dos modos de ser e agir, das necessidades do partilhante. Para isso, o filósofo clínico trabalha com a história de vida do partilhante, observando três eixos fundamentais: Exames Categoriais – exames iniciais que mostram o contexto, o universo do partilhante; Estrutura de Pensamento – modo de ser, estar, pensar; Submodos – modos de agir. Somente então é possível trabalhar as questões apresentadas com segurança. Diferentemente do que supõem aqueles que desconhecem nosso trabalho, não se trata de uma ação irresponsável sobre a vida alheia, de um aconselhamento inconseqüente que coloque em risco a vida das pessoas. A Filosofia Clínica consiste num trabalho fundamentado na filosofia acadêmica, e portanto uma prática com fundamentos muito antigos, consolidados, e que agrega a seus procedimentos um processo de diagnóstico que permite a identificação de casos onde o trabalho interdisciplinar se faz necessário. Onde está a filosofia nesse trabalho? No método, na fundamentação de cada procedimento, categoria, tópico da Estrutura de Pensamento e Submodo. Porém, principalmente, na atitude – reflexiva, crítica – e nos princípios, estritamente filosóficos, assumidos pelo filósofo clínico como norteadores de seu trabalho. A filosofia clínica é um convite ao exercício do filosofar, compreendendo-o como tarefa de aperfeiçoar nossa existência, tornar nossas vidas melhores.