CARACTERÍSTICAS DE PACIENTES, EVOLUÇÃO TEMPORAL E FATORES ASSOCIADOS À EPIDEMIOLOGIA DO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO NO ESTADO DO PIAUÍ, BRASIL. Jaquelyne Rosado Costa1; Tony Ferraz da Silva Almeida2 1 Enfermeira. Mestranda em terapia intensiva pela Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva (SOBRATI). 2Médico intensivista do Hospital Regional do Agreste (HRA). RESUMO O infarto agudo do miocárdio é importante causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo. O atraso no diagnóstico e o tratamento inadequado são importantes fatores de pior prognóstico. Este trabalho trata-se de estudo epidemiológico descritivo de série histórica, realizado através de dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), analisados através do SPSS 20.0. Observou-se tendência crescente de mortalidade por IAM entre os anos, com predomínio no sexo masculino, em indivíduos casados, pardos, de baixa escolaridade e idosos.Houve aumento de 288,45% no CM por IAM em indivíduos com mais de 60 anos. O conhecimento das características dos pacientes acometidos é de fundamental importância à elaboração de estratégias de intervenção racionais, orientando tanto a clínica quanto a gestão dos serviços de saúde. Descritores: Infarto do miocárdio. Mortalidade. Epidemiologia. INTRODUÇÃO As doenças cardiovasculares representam importante causa de morbidade e mortalidade atuais. Dentre elas, o infarto agudo do miocárdio (IAM) se sobressai como problema de saúde pública no mundo, correspondendo a cerca de 30% da mortalidade no Brasil (JESUS et al., 2013; REZENDE et al., 2004). Além disso, os pacientes que não morrem em decorrência desse agravo frequentemente apresentam complicações como insuficiência cardíaca e arritmias cardíacas, que elevam sobremaneira a taxa de reinfarto e reduzem a qualidade e expectativa de vida desses pacientes (ZORNOFF et al., 2002; 2004). São diversos os fatores de risco conhecidos para IAM. A literatura aponta frequentemente a idade do paciente, sexo, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, doença cardíaca prévia e fatores socioambientais diversos, sobretudo tabagismo, alcoolismo e sedentarismo, como frequentemente associados à maior ocorrência de IAM (PEREIRA et al., 2007). Se, por um lado, a mortalidade por IAM tem sido considerada importante indicadora de qualidade da assistência em saúde de determinada região, haja vista sua sensibilidade a tecnologias médicas, a mortalidade entra-hospitalar continua sendo desafio importante aos países em desenvolvimento (JESUS et al., 2013). Sobre esse segundo grupo, poucas políticas em saúde têm sido empregadas nos últimos anos em detrimento da assistência hospitalar. Apesar de não haverem dados disponíveis no Brasil acerca da incidência e morbidade decorrente de IAM, informações relativas à mortalidade são de notificação compulsória. No entanto, possuem a importante limitação de restringir-se à causa básica do óbito, limitando as correlações possíveis e a abordagem multicausal diante do problema (MELO et al., 2004). Ademais, vários avanços terapêuticos influenciaram positivamente na epidemiologia da doença. Dentre eles, a terapia trombolítica e a reperfusão da coronária obstruída apresentaram-se como importantes redutores de mortalidade por IAM (MULLER et al., 2008). Sob este prisma e tendo em vista a importância em se conhecer a evolução temporal e as características epidemiológicas do IAM no Piauí, este estudo propõe-se a analisar o perfil epidemiológico e sociodemográfico de casos notificados de óbito por infarto agudo no miocárdio entre os anos de 1996 e 2011. MATERIAL E MÉTODOS Caracterização da amostra Esta pesquisa foi desenvolvida no Piauí, Estado com área territorial de 250.000 Km² e população superior a três milhões de habitantes, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Localiza-se no noroeste da região Nordeste do Brasil e possui a caatinga como bioma predominante. Tipo de estudo Trata-se de estudo epidemiológico descritivo, de abordagem quantitativa, com base em dados secundários relativos à ocorrência de casos de óbitos em decorrência de infarto agudo do miocárdio (IAM), coletados através do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) referentes aos anos de 1996 a 2011 no Estado do Piauí, Brasil. Variáveis de estudo Foram consideradas neste estudo as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, raça/etnia, escolaridade, estado civil, local e ano de ocorrência. Processamento e análise dos dados Foi calculado o coeficiente de mortalidade por sexo e faixa etária dividindo-se o número de óbitos por IAM pela população residente e multiplicando-se por 100.000, para cada ano de estudo. Para tabulação, análise dos dados e produção dos mapas deste trabalho foram utilizados os programas Microsoft Excel 2010 e SPSS 20.0 (StatisticalPackage for the Social Sciences). As bases populacionais para os cálculos das taxas de incidência e mortalidade foram obtidas de censos e projeções demográficas do IBGE, colhidas através do DATASUS. RESULTADOS Dos 13.799 óbitos notificados, 8498 (61,58%) foram no sexo masculino e 5287 (38,31%) no sexo feminino, representando razão de masculinidade de 1,61:1. Ambos os sexos apresentaram tendência temporal similar. Em todos os anos deste estudo houve maior número de casos e CM no sexo masculino. A maior parte dos indivíduos é de cor parda (53,9%) ou branca (21,74%). No tocante à faixa etária, houve maior número de óbitos em indivíduos a partir de 60 anos de idade (70,8%), seguido por aqueles com idade entre 40 e 59 anos (24,54%). Pacientes analfabetos ou com até 7 anos de estudo consistiram no grupo mais vulnerável, sobre o qual recaíram 36,45% e 33,74% de todos os óbitos. Por seu lado, indivíduos casados representaram cerca de 56,82% do total, valor seguido pelo apresentado por viúvos (20,3%). Quanto ao local de óbito, 46,58% ocorrem em ambiente hospitalar e 44,55% em domicílio. Tabela 1 – Características sociodemográficas de pacientes falecidos em decorrência de infarto agudo do miocárdio. Piauí, Brasil, 1996-2011. Sexo Masculino Feminino Ignorado Total N 8498 5287 14 13799 % 61,58 38,31 0,1 100 3000 1353 102 7438 12 1894 13799 N 38 583 3386 9770 22 13799 N 5030 4656 533 304 3276 13799 N 1850 7840 2801 324 140 844 13799 N 6428 119 6147 21,74 9,81 0,74 53,9 0,09 13,73 100 % 0,28 4,22 24,54 70,8 0,16 100 % 36,45 33,74 3,86 2,2 23,74 100 % 13,41 56,82 20,3 2,35 1,01 6,12 100 % 46,58 0,86 44,55 Raça/cor Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada Total Faixa etária 0 a 19 anos 20 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos ou mais Ignorada Total Escolaridade Analfabeto 1 a 7 AE 8 a 11 AE 12 ou mais AE Ignorada Total Estado civil Solteiro Casado Viúvo Divorciado Outro Ignorado Total Local de ocorrência Hospital Outro ES Domicílio Coeficiente de mortalidade (CM) Via pública 576 Outros 482 Ignorada 47 Total 13799 Legenda: N= número absoluto de óbitos; AE=anos de estudo. 4,17 3,49 0,34 100 A análise dos resultados desta série permitiu verificar aumento no número de óbitos decorrentes de IAM na população residente no Piauí entre os anos deste estudo, passando de 309 casos em 1996 para 1.620 em 2011, apresentando média de 862,44 casos/ano e aumento de 424,27%. O coeficiente de mortalidade também foi crescente, apresentando curva exponencial com pico em 2011 (CM geral = 51,59 casos/100.000hab.). Da mesma forma, o CM por sexo apresentou tendência de crescimento exponencial, sendo maior seu componente masculino (CM sexo masculino) em todos os anos desta série, como pode ser observado na Figura 1A. Quando se observa a Figura 1B, pode-se perceber a tendência temporal dos casos de morte por IAM segundo a idade dos pacientes. O CM na população com 60 anos ou mais foi consideravelmente maior em todos os anos, apesentando curva inclinada de crescimento rápido a partir de 1996 (CM=96,57 óbitos/100.000hab.), sobretudo a partir de 2005, e chegando a seu máximo em 2011 (CM=373,93 óbitos/100.000hab.). O CM em indivíduos com menos de 40 anos de idade apresentou poucas variações entre os anos e os de idade de 40 a 59 anos apresentaram elevação de cerca de 150,0% no CM entre os anos. 64 62 60 58 56 54 52 50 48 46 44 42 40 38 36 34 32 30 28 26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Ano do óbito Sexo masculino 2005 Sexo feminino 2006 Total 2007 2008 2009 2010 2011 360 340 320 300 280 260 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 0 a 19 anos 2002 2003 2004 Ano do óbito 20 a 39 anos 2005 40 a 59 anos 2006 2007 2008 2009 2010 2011 60 anos ou mais Figura 1A. Evolução temporal do coeficiente de mortalidade geral e por sexo de pacientes acometidos por infarto agudo do miocárdio. Piauí, Brasil, 1996-2011. Figura 1B. Evolução temporal do coeficiente de mortalidade segundo faixa etária de pacientes acometidos por infarto agudo do miocárdio. Piauí, Brasil, 1996-2011. DISCUSSÃO Nos últimos anos, a emergência de doenças crônico-degenerativas no Brasil em detrimento de enfermidades infectocontagiosas trouxera consigo novas necessidades em saúde pública, no tocante ao entendimento de suas características epidemiológicas, os fatores relacionados e possíveis pontos de intervenção político-administrativos. Com efeito, pesa para essa nova conjuntura as mudanças no perfil demográfico brasileiro, com aumento da expectativa de vida, melhores condições médico-sanitárias e melhorias gerais na assistência à saúde, educação e qualidade geral de vida (REZENDE et al., 2004; SCHRAMM et al., 2004). No entanto, o aumento vertiginoso de fatores de risco para doenças cardiovasculares tem elevado drasticamente o número de óbitos por infarto agudo do miocárdio no Brasil. No famoso estudo brasileiro "Avaliação dos Fatores de Risco para Infarto Agudo do Miocárdio no Brasil (AFIRMAR)”, os fatores de risco independentes mais importantes para a ocorrência de IAM foram tabagismo, glicemia elevada, elevada razão cintura-quadril, história familiar de doenças aterosclerótica, diabetes mellitus, ingesta de bebidas alcoólicas, baixa renda familiar e escolaridade, fração LDL colesterol e hipertensão arterial (PIEGAS et al., 2003). Esse estudo evidenciou que no Brasil são encontrados os mesmos fatores de risco geralmente relacionados ao IAM, tais como tabagismo, diabetes e obesidade; no entanto, a associação desses fatores e o risco atribuível a cada um deles contribuem de forma diferente no desenvolvimento da doença mediante fatores sociais, culturais e econômicos de cada localidade. No Piauí, a elevação do CM em ambos os sexos entre os anos deste estudo evidencia, por um lado, a ineficiência na rede de cuidados em saúde no enfrentamento da doença manifesta e, por outro lado, no controle de seus fatores de risco conhecidos através de medidas de prevenção de doenças e promoção da saúde. Nesta série, observou-se aumento na mortalidade por IAM, sendo mais significativo no sexo masculino, o que contraria resultados apresentados em outros estudos (BAENAet al., 2012; PEREIRA et al., 2009; ESCOSTEGUY et al., 2011; GALON et al., 2010; SANTOS et al., 2006). A literatura nacional é conflitante sobre este aspecto e a subnotificação e subdiagnóstico podem ser fatores que contribuem para esses resultados. De fato, alguns trabalhos relatam a ocorrência mais tardia de doença coronariana em mulheres; no entanto, a mortalidade hospitalar por IAM costuma ser maior neste grupo que é considerado por alguns como fator de risco independe para morte por IAM (PEREIRA et al., 2009). Outros trabalhos, por sua vez, relaram maior CM por IAM no sexo masculino (WENGER, 1995; HOCHMAN 1997). O número de mortes por IAM e de seu CM com a idade foram consideráveis entre os anos. Em indivíduos com 60 anos ou mais, essa variação foi de 277,36%. A maior mortalidade nessa faixa etária, dentre outros motivos, se relaciona com as diversas comorbidades que a população idosa apresenta, tais como diabetes melittus, hipertensão arterial sistêmica, infarto prévio, angina pectoris, dentre outro, sendo a velhice fator de risco independente para morte por IAM (PEREIRA et al., 2007). Por seu lado, o aumento da expectativa de vida, associado ao sedentarismo e obesidade tem feito da curva de CM em idosos uma exponencial (PEREIRA et al., 2009; GALON et al., 2010; COELHO et al., 2010). Também pode ser observada elevação no CM em indivíduos com entre 40 e 59 anos, tendo se elevado cerca de 150,0% no período, trazendo à luz que a população piauiense cada vez mais jovem está sendo exposta a hábitos deletérios ao sistema cardiovascular. Tendo em vista que a principal terapêutica do IAM envolve a reperfusão miocárdica precoce, onde o tempo até sua execução é importante fator prognóstico, o fato de grande parte dos pacientes falecer em ambiente extra-hospitalar corrobora para sua elevada mortalidade. Ademais, a qualidade do serviço ofertado e a disponibilidade de recursos terapêuticos influencia consideravelmente o prognóstico do paciente, sendo maior a letalidade do IAM em serviços públicos de saúde (FERREIRA et al., 2009; COELHO et al., 2010). Desse modo, além do diagnóstico precoce e preciso e da terapêutica adequada, o manejo do IAM deve passar por estratégias de minimização de seus danos ou sequelas e, além disso, em um âmbito coletivo, considerar a promoção da saúde e o investimento racional em qualidade de vida geral medidas imprescindíveis à redução do número de casos de IAM e da mortalidade dos pacientes acometidos (SIVIEIRO, 2003). CONCLUSÃO Doenças cardiovasculares, em especial o IAM, são extremamente prevalentes na população, requerendo, pois, especial atenção dos serviços de saúde quanto à seu diagnóstico e terapêutica, assim como das características epidemiológicas gerais da população acometida, de modo a possibilitar a identificação de estratégias de melhor gestão de recursos e serviços. A importância dos fatores de risco na gênese o infarto do miocárdio reforça a necessidade de medidas longitudinais e estruturais de intervenção, que levem em conta aspectos como educação, renda, acesso e eficiência dos serviços de saúde, além de investimento em promoção da saúde e qualidade de vida. A elevação da mortalidade por infarto do miocárdio no Piauí traz à luz importantes problemas de saúde pública. Sem dúvida, o crescente número de idosos no Estado contribui de maneira significativa para esses resultados. Todavia, invariavelmente implica em assistência inexistente, no caso de IAM extra-hospitalares, ou precária, com tempo inadequado até o tratamento e não realização adequada de terapia de reperfusão. Desse modo, é imperativo o investimento em educação saúde, de modo a possibilitar a identificação precoce pelo paciente dos principais sintomas do infarto do miocárdio, e melhorias no acesso à rede de serviços de saúde de forma rápida e equânime. Por outro lado, investimentos públicos em qualificação profissional no manejo do doente em IAM e, além disso, ampliar a visão para além da clínica individual. Apenas o investimento em mudanças estruturais que envolvam os principais fatores de risco do IAM trariam mudanças substanciais em sua epidemiologia a longo prazo. REFERÊNCIAS BAENA, Cristina Pellegrino etal.Tendência de Mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio em Curitiba (PR) no Período de 1998 a 2009. Arq Bras Cardiol 012;98(3):211-217 COELHO, Letícia; RESENDE, Elmiro. Perfil dos pacientes com infarto do miocárdio, em um hospital universitário. RevMed Minas Gerais 2010; 20(3): 323-328. ESCOSTEGUY, Claudia Caminha et al. Implementing clinical guidelines on acute myocardial infarction care in an emergency service. Arquivos brasileiros de cardiologia, v. 96, n. 1, p. 18-25, 2011. FERREIRA, Graça Maria et al. Maior Letalidade e Morbidade por Infarto Agudo do Miocárdio em Hospital Público, em Feira de Santana – Bahia. 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