OFICINA DA PESQUISA ÉTICA, POLÍTICA E SOCIEDADE Prof. Msc. Carlos José Giudice dos Santos [email protected] www.oficinadapesquisa.com.br A FORMAÇÃO DA MORAL OCIDENTAL SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES OS TRÊS MAIORES FILÓSOFOS DA HISTÓRIA ERA GRECO-ROMANA Períodos da Filosofia Filosofia antiga - séc. VI a.C. ao séc. VI d.C. Filosofia patrística - séc. I ao séc. VII Grega Latina Filosofia medieval - séc. VIII ao séc. XIV História da Filosofia Filosofia da Renascença - séc. XIV ao séc. XVI Filosofia moderna - séc. XVII a meados do séc. XVIII Filosofia da Ilustração (Iluminismo) – meados do séc. XVIII até início do séc. XIX Filosofia contemporânea – meados do séc. XIX até hoje SÓCRATES (*469 a.C / †399 a.C.) [1] Sócrates considerava que a verdade vem da reflexão racional sobre o que nos rodeia, e não da percepção ou da opinião. Ele construiu grande parte do seu pensamento em oposição aos sofistas, aos quais acusava de não ter respeito pela verdade. Ele é considerado o pai da filosofia, e costumava distribuir perguntas pelas ruas de Atenas que desconcertavam os cidadãos gregos. De Santi (2013) afirma que durante o período de ouro da Grécia, a filosofia se debruçou sobre quatro conceitos-chave: o bom, o bem, o belo e o justo. SÓCRATES [2] Muitos estudiosos observaram que existem algumas semelhanças entre a vida de Sócrates e de Jesus Cristo. Ambos vieram de uma família pobre, incomodaram muita gente e foram admirados por uma legião. Ambos seguiram a profissão do pai por algum tempo, andavam pelas ruas ensinando e fazendo perguntas embaraçosas e nunca escreveram uma palavra. Ambos morreram de forma trágica, aceitando o seu destino (DE SANTI, 2013) Aranha (1993) afirma que Sócrates era feio, mas, quando falava, era dono de estranho fascínio. SÓCRATES [3] Procurado pelos jovens, passava horas discutindo em praça pública. Interpelava os transeuntes, dizendo -se ignorante, e fazia perguntas aqueles que se julgavam entendidos sobre determinado assunto. Então, colocava o interlocutor em tal situação que não havia saída senão reconhecer a própria ignorância. Com isso Sócrates conseguiu rancorosos inimigos, mas também muitos discípulos. Este método de debate e discussão no mundo das ideias (a dialética) foi inventado por Sócrates e adotado pelo seu discípulo, Platão. SÓCRATES [4] O interessante é que na segunda parte do seu método (a dialética), que se seguia à destruição da ilusão do conhecimento, nem sempre se chegava de fato a uma conclusão efetiva. Afinal, acusado de corromper a mocidade e desconhecer os deuses da Cidade, Sócrates foi condenado à morte. Aranha (1993) considera alguns fatos sobre Sócrates que são dignos de nota, a saber: • Sócrates não ficava em seu "gabinete" contemplando "o próprio umbigo", e sim em praça pública. SÓCRATES [5] • A relação que Sócrates estabelecia com as pessoas não era puramente intelectual e nem alheia às emoções. • Seu conhecimento não é livresco, mas vivo e em processo de se fazer; o conteúdo é a experiência cotidiana. • Ele se guia pelo princípio de que nada sabe e, desta perplexidade primeira, inicia a interrogação e o questionamento do que é familiar. SÓCRATES [6] • Ao criticar o saber dogmático, não quer com isso dizer que ele próprio é detentor de um saber. Ele desperta as consciências adormecidas, mas não se considera um "farol" que ilumina; o caminho novo deve ser construído pela discussão, que é intersubjetiva, e pela busca criativa das soluções. • Portanto, Sócrates é "subversivo" porque "desnorteia", perturba a "ordem" do conhecer e do fazer e, portanto, deve morrer. • Se fizermos um paralelo entre Sócrates e a própria filosofia, chegaremos à conclusão de que o lugar da filosofia é na praça pública, daí a sua vocação política. SÓCRATES [7] Para Sócrates, o debate no mundo das ideias (a dialética) era quase sempre precedido pela “arte de perguntar” (a ironia). Para ilustrar estes dois exemplos, veja o exemplo a seguir (DE SANTI, 2013, p. 18-19): Certa vez, perguntou se ser enganador correspondia a ser imoral. “É claro que sim”, respondeu o interlocutor. Então Sócrates indagou: “Mas e se um amigo estivesse muito triste e quisesse se matar e você roubasse a faca dele? Não seria um ato imoral?” Sim, ouviu como resposta. Sócrates concluiu: “Mas seria moral em vez de imoral, já que seria uma coisa boa e não ruim”. SÓCRATES [8] Neste ponto do diálogo, quando os neurônios do cidadão se debatiam, Sócrates dava-se por satisfeito. Ele comparou este método com a profissão da mãe, que era parteira. Sua mãe usava suas habilidades para trazer à luz uma vida. Sócrates partejava espíritos, trazendo à luz a verdade. A esta arte de parir a verdade damos o nome de maiêutica. Sócrates não alimentava ilusões sobre o próprio saber, e foi dessa lógica que ele extraiu uma de suas frases mais famosas: “Só sei que nada sei’. SÓCRATES [9] Acusado de colocar em risco a moralidade ateniense e corromper a juventude, ele foi levado ao tribunal para prometer abrir mão de suas ideias. Sócrates preferia a morte a viver sem questionamentos, na completa ignorância. Ele declarou que se corromper a juventude significava ensinar a cuidar menos do corpo e mais da alma, então era culpado. Durante seu julgamento, disse outra de suas frases marcantes: “A vida irrefletida não vale a pena ser vivida”. Foi condenado a tomar um cálice de cicuta, veneno extraído de uma planta que paralisa o corpo. SÓCRATES [10] Pouco antes de cumprir o seu destino, Sócrates se despede de seus discípulos, dizendo: Já é hora de irmos. Eu para a morte, vocês para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo? Isso é segredo, exceto para Deus. Sócrates afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as ilusões dos sentidos e as das palavras ou das opiniões e alcançar a verdade apenas pelo pensamento. Os sentidos nos dão as aparências das coisas e as palavras, meras opiniões sobre elas. Conhecer é passar da aparência à essência, da opinião ao conceito, do ponto de vista individual à ideia universal de cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e política (CHAUÍ, 2000). SÓCRATES [11] "Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cita em toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. Como Sócrates nunca escreveu uma palavra, tudo o que conhecemos dele vem de seus discípulos Platão e Xenofante. Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento (sensitivo e intelectual), mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência. SÓCRATES [12] Sócrates estabelece racionalmente a existência de Deus: • com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; • com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; • com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciálo com sacrifícios e orações. SÓCRATES [13] Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar. A Moral é a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquire-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é consequência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. PLATÃO (*427 a.C / †347 a.C) [1] Foi o principal discípulo de Sócrates, e registrou grande parte de suas ideias sob a forma de diálogos. De Santi (2013) afirma que “[...] se Sócrates construiu um pequeno altar para a filosofia, Platão foi o responsável por transformar esse altar em uma grande igreja”. Ao longo de sua vida, Platão escreveu cerca de 40 diálogos, que podem ser considerados verdadeiras obrasprimas filosóficas e literárias. Platão era um mestre em usar mitos e fantasias como uma alegoria para explicar suas teorias filosóficas. Um de seus mitos mais famosos, contado no livro “A República” é o famoso “Mito da Caverna”. PLATÃO [2] Chauí (2000, p. 46-47) relata assim este diálogo: Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semiobscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de [...] PLATÃO [3] [...] marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que [...] PLATÃO [4] [...] toda luminosidade possível é a que reina na caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com veria os homens que transportam as estatuetas e, cego, pois a inteiramente a claridade, [...] PLATÃO [5] [...] prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, [...] PLATÃO [6] [...] certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo? [...] PLATÃO [7] [...] Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro. Cabe aqui uma pergunta: Quem é esse filósofo que os prisioneiros zombam, espancam e matam? Platão defendia a tese de que o mundo das ideias só poderia ser acessado pelos filósofos. Logo, essa era a classe mais indicada para governar a pólis (cidade em grego). Esse pensamento originou a teoria política de Platão, em que ele cria aquilo que ele chama de cidade ideal. Nessa estrutura existiriam apenas três categorias de cidadãos, cada um deles desempenhando a tarefa para a qual estava melhor preparado. PLATÃO [8] A primeira categoria reuniria os cidadãos que tinham “a alma com apetite” – estes seriam os trabalhadores. A segunda categoria reuniria os cidadãos corajosos, que seriam os guardiões da pólis. A terceira e última categoria reuniria os cidadãos dotados de sabedoria e razão, os governantes-filósofos. A tarefa do governante-filósofo é “regressar à caverna e relatar o mundo das ideias aos demais”. Na comunidade ideal de Platão, os casamentos seriam coletivos e sem casais fixos. Sexo seria só para reprodução. PLATÃO [9] As crianças seriam criadas pelo Estado como filhos da comunidade. Platão foi o primeiro filósofo a lançar a ideia de igualdade entre os sexos, algo impensável para a época. Em sua comunidade ideal, as mulheres não seriam discriminadas e poderiam ocupar postos de trabalho até no serviço militar. Platão tentou implantar este sistema na cidade de Siracusa, sem sucesso, e por causa de suas ideias, chegou a ser preso. Seu nome de batismo era Aristócles, e antes de ser filósofo, era um estudante de pintura com um dom [...] PLATÃO [10] [...] especial para a ginástica. O apelido Platão (Platón, em grego, que significa amplo) foi dado pelo seu treinador, Aríston de Argos, por causa do porte musculoso de seu aprendiz. Após fazer 20 anos de idade, foi apresentado a Sócrates, deixando então de exercitar o corpo para poder exercitar mais a mente. Platão fundou uma escola (a Academia). Seu pensamento político transparece de forma mais contundente nas obras “A República” e “As Leis”. De onde vem a origem do pensamento político de Platão? PLATÃO [11] Segundo Aranha (1993), o século V a.C. foi a "época das luzes" da Grécia, mas, ao final dele, a derrota de Atenas na guerra contra Esparta, a condenação e morte de Sócrates, as convulsões sociais que agitaram a cidade acentuam em Platão o descrédito na democracia. É bem verdade que não se trata apenas disso, pois Platão é de origem aristocrática, e seu posicionamento teórico de valorização da reflexão filosófica o leva a conceber uma "sofocracia" (etimologicamente, "poder da sabedoria"). Segundo ele, os homens comuns são vítimas do conhecimento imperfeito, da "opinião", e portanto devem ser dirigidos por homens que se distinguem pelo saber. PLATÃO [12] Na visão de Aranha (1993), Platão consegue, em suas obras, resolver problemas filosóficos que incomodaram os pensadores por muito tempo. Um exemplo é a disputa entre os pré-socráticos Heráclito e Parmênides. Sendo as ideias a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia (mito da caverna). Por exemplo, um cavalo só é cavalo enquanto participa da ideia de "cavalo em si". Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramente criticada por Aristóteles. PLATÃO [13] Para Platão há uma dialética que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis para as ideias unas e imutáveis. As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a ideia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas: os seres e as coisas não existem senão enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza. É o Deus de Platão. Se lembrarmos dos pré-socráticos, podemos verificar que Platão tenta superar a oposição instalada pelo pensamento de Heráclito, que afirmava a mutabilidade essencial do ser, e a posição de Parmênides, para o qual o ser é imóvel. PLATÃO [14] Platão resolve o problema: o mundo das ideias se refere ao ser parmenideo, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano. Mas como é possível aos homens ultrapassarem o mundo das aparências ilusórias? Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das ideias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o "túmulo da alma". Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. PLATÃO [15] A explicação da teoria da reminiscência é demonstrada na obra A República. Platão desenvolve esta teoria que já fora esboçada no Mênon. De acordo com esta teoria, nascemos com a razão e as ideias verdadeiras, e a Filosofia nada mais faz do que nos relembrar essas ideias. Platão é um grande escritor e usa em seus escritos um procedimento literário que o auxilia a expor as teorias muito difíceis. Assim, para explicar a teoria da reminiscência, narra o mito de Er (CHAUÍ, 2000). O pastor Er, da região da Panfília, morreu e foi levado para o Reino dos Mortos. Ali chegando, encontra as almas dos heróis gregos, de governantes, de artistas, [...] PLATÃO [16] [...] de seus antepassados e amigos. Ali, as almas contemplam a verdade e possuem o conhecimento verdadeiro. Er fica sabendo que todas as almas renascem em outras vidas para se purificarem de seus erros passados até que não precisem mais voltar à Terra, permanecendo na eternidade. Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podem escolher a nova vida que terão. Algumas escolhem a vida de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, outras de artista, de sábio. No caminho de retorno à Terra, as almas atravessam uma grande planície por onde corre um rio, [...] PLATÃO [17] [...] o Lethé (que, em grego, quer dizer esquecimento), e bebem de suas águas. As que bebem muito esquecem toda a verdade que contemplaram; as bebem pouco quase não se esquecem do que conheceram. As que escolheram vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais bebem das águas do esquecimento; as que escolheram a sabedoria são as que menos bebem. Assim, as primeiras dificilmente (talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razão. PLATÃO [18] Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade que já existe em nós; é despertar a razão para que ela se exerça por si mesma. Por isso, Sócrates fazia perguntas, pois, através delas, as pessoas poderiam lembrar-se da verdade e do uso da razão. Se não nascêssemos com a razão e com a verdade, indaga Platão, como saberíamos que temos uma ideia verdadeira ao encontrá-la? Como poderíamos distinguir o verdadeiro do falso, se não nascêssemos conhecendo essa diferença? (CHAUÍ, 2000, p. 86). PLATÃO [19] Para exemplificar a teoria anterior, no diálogo Mênon Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a "lembrar-se" das ideias e descobre uma verdade geométrica. Voltando ao mito da caverna: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los. Eis assim a segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêm? PLATÃO [20] Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata–se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Fica assim reforçada, mais uma vez, a origem do pensamento político de Platão. ARISTÓTELES (*384 a.C / †322 a.C) [1] Aristóteles foi discípulo de Platão, e também um de seus maiores críticos. Nasceu na região de Estagira, e foi ainda criança para a cidade de Pela (capital da Macedônia) quando seu pai Nicômano foi chamado para ser o médico de Felipe, rei e pai de Alexandre, o Grande. Desde criança ele mostrava interesse em tudo relacionado com a natureza, de insetos e plantas até as estrelas. Aos 18 anos ele ficou órfão e gastou toda a sua herança em vinhos e festas em menos de um ano. Depois dessa fase inconsequente, partiu para Atenas e matriculou-se na Academia de Platão, onde ficou por 20 anos. ARISTÓTELES [2] Platão logo percebeu o potencial de seu discípulo e lhe deu a missão de lecionar retórica. Aristóteles ficou na Academia até a morte de seu mestre, quando então resolveu sair e ir para a Macedônia, atendendo a um convite para ser o preceptor de Alexandre, o Grande. Aristóteles não acreditava no mundo das ideias de Platão, e fundou a sua própria escola, o Liceu, contando para isso com generosas verbas de seu pupilo, o imperador Alexandre. Essa discordância de ideias começou ainda quando ele era discípulo de Platão, e gerou uma grande divergência com o seu mestre, a quem é atribuída a frase: [...] ARISTÓTELES [3] [...] “Aristóteles me despreza como o potro que escoiceia a mãe que o deu à luz”. E Aristóteles respondeu: “Amigo de Platão, mas mais amigo da verdade” (CHASSOT, 2004, p. 51). Enquanto a Academia de Platão tinha o seu maior foco na matemática, na música e na retórica, o Liceu tinha foco nas ciências da natureza. O gosto pela filosofia natural (que deu origem à ciência) foi passado para Alexandre, o Grande, que criou o maior centro cultural da antiguidade, conhecido como Biblioteca de Alexandria. ARISTÓTELES [4] O principal motivo da discordância de Aristóteles com Platão em relação ao mundo das ideias (apresentado no Mito da Caverna) se deve ao fato que, para Aristóteles, o mundo real (a natureza) não tinha nada de ilusório, ou seja, para Aristóteles a verdade está em nosso mundo e não em um universo paralelo, como defendia Platão. Assim, Aristóteles não acreditava na dialética como um método seguro para se obter o conhecimento. O método aristotélico para a busca da verdade era a lógica, considerada como o seu maior legado. Aristóteles acreditava que para bem se viver, era preciso ser feliz, e isto inclui inclusive bens materiais. ARISTÓTELES [5] Na visão de Aranha (1993) , toda a estrutura teórica da filosofia aristotélica desemboca na teologia. A descrição das relações entre as coisas leva ao reconhecimento da existência de um ser superior e necessário, ou seja, Deus. Isso porque, se as coisas são contingentes, já que não têm em si mesmas a razão de sua existência, é preciso concluir que são produzidas por causas a elas exteriores. Assim, todo ser contingente foi produzido por outro ser, que também é contingente e assim por diante. Para não ir ao infinito na sequência de causas, é preciso admitir uma primeira causa, por sua vez incausada, um ser necessário (e não contingente). ARISTÓTELES [6] Esse Primeiro Motor (imóvel, por não ser movido por nenhum outro) é também um puro ato (sem nenhuma potência). Chamamos Deus ao Primeiro Motor Imóvel, Ato Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de tudo existente. Por causa dessa lógica, a filosofia aristotélica foi de encontro aos ideais da Igreja Católica, que praticamente “batizou” Aristóteles e toda a sua obra. O modelo astronômico de Aristóteles baseia-se na cosmologia de Eudoxo (discípulo de Platão), que coloca o planeta Terra como o centro do universo (modelo geocêntrico). ARISTÓTELES [7] O pensamento político de Aristóteles pode ser resumido por meio de uma de uma de suas frases mais famosas: “É preciso que o melhor governo seja aquele que possua uma constituição tal que todo o cidadão possa ser virtuoso e viver feliz”. Voltaremos a conhecer mais do pensamento político de Aristóteles na próxima unidade. O pensamento político grego [1] A democracia que surgiu em Atenas no século V a.C. era relativa. Naquela época a cidade tinhas cerca de 500 mil habitantes, dos quais 300 mil eram escravos, 50 mil eram estrangeiros e cerca de 100 mil eram mulheres e crianças. Somente os homens livres tinham o direito de decidir os assuntos relacionados com a cidade por meio das assembleias. O primeiro filósofo a pensar em uma forma de governo ideal foi Platão. Assim, ele imagina uma cidade utópica chamada Callipolis (Cidade Bela). Platão imagina uma cidade que não existe, mas que deve ser o modelo da cidade ideal. O pensamento político grego [2] Segundo Aranha (1993), Platão partiu do princípio de que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e funções diversas na sociedade. Platão imagina que o Estado, e não a família, deveria se incumbir da educação das crianças. Para isso, propõe estabelecer-se uma forma de comunismo em que é eliminada a propriedade e a família, a fim de evitar a cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos, além da degenerescência das ligações inadequadas. O Estado orientaria as formas de eugenia para evitar casamentos entre desiguais, oferecendo melhores condições de reprodução e, ao mesmo tempo, [...] O pensamento político grego [3] [...] criando creches para a educação coletiva das crianças. A educação promovida pelo Estado deveria, segundo Platão, ser igual para todos até os 20 anos, quando então aconteceria o primeiro corte identificando as pessoas que, por possuírem "alma de bronze", têm a sensibilidade grosseira e por isto devem se dedicar à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes cuidariam da subsistência da cidade. Os outros continuariam os estudos por mais dez anos, até o segundo corte. Aqueles que tivessem a "alma de prata" e a virtude da coragem essencial aos guerreiros constituiriam a guarda do Estado, os soldados [...] O pensamento político grego [4] [...] que cuidariam da defesa da cidade. Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes, por terem a "alma de ouro", seriam instruídos na arte de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais puro e é a fonte de toda verdade. Aos cinquenta anos, aqueles que passassem com sucesso pela série de provas estariam aptos a ser admitidos no corpo supremo dos magistrados. Caberia a eles o governo da cidade, o exercício do poder, pois apenas eles teriam a ciência da política. Sua função seria manter a cidade coesa. Por serem os mais sábios, também seriam [...] O pensamento político grego [5] [...] os mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a justiça. A justiça constitui a principal virtude, a própria condição das outras virtudes. Se para Platão a política é "a arte de governar os homens com o seu consentimento" e o político é precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por isso a democracia é inadequada, pois desconhece que a igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, mas nunca no igual direito ao poder. Para que o Estado seja bem governado, é preciso que "os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos". O pensamento político grego [6] Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, como já vimos, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia. O rigor do Estado concebido por Platão ultrapassa de muito a proposta de educação. Se a virtude suprema é a obediência á lei, o legislador tem de conseguir o seu cumprimento pela persuasão em primeiro lugar, aguardando a atuação consentida dos cidadãos livres e racionais. Caso não o consiga, deve usar a força: a prisão, o exílio ou a morte. Da mesma forma, a censura é justificável quando visa manter a integridade do Estado. O pensamento político grego [7] Com a utopia, Platão critica a política do seu tempo e recusa as formas de poder degeneradas. A aristocracia, por exemplo, pode se corromper em timocracia, quando o culto da virtude é substituído pela forma guerreira; ou em oligarquia, quando prevalece o gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade para o exercício do poder. A democracia não corresponde aos ideais platônicos porque, por definição, o povo é incapaz de possuir a ciência política. Quando o poder pertence ao povo, é fácil prevalecer a demagogia, característica do político que manipula e engana o povo (etimologicamente, "o que conduz o povo"). O pensamento político grego [8] Platão critica a noção de igualdade na democracia, pois para ele a verdadeira igualdade é de ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal que é sempre desigual (já que uns são melhores do que outros), não considerando todos igualmente como cidadãos. Por fim, a democracia levaria fatalmente à tirania, a pior forma de governo, exercido pela força por um só homem e sem ter como objetivo o bem comum. O tirano é a antítese do magistrado-filósofo (ARANHA, 1993, p. 192-194). Aristóteles se contrapõe às ideias políticas de Platão e pesquisa informações sobre as formas políticas (constituições) existentes em sua época. O pensamento político grego [9] De acordo com Aranha (1993), Aristóteles critica o autoritarismo de Platão, considerando sua utopia impraticável e inumana. Ele recusa a sofocracia platônica que atribui poder ilimitado a apenas uma parte do corpo social, os mais sábios, o que torna a sociedade muito hierarquizada. Não aceita a proposta de dissolução da família nem considera que a justiça, virtude por excelência do cidadão, possa vir separada da amizade. Assim, em oposição à Callipolis de Platão (Cidade Bela), Aristóteles cria um modelo que ele chama de “a cidade feliz”. Este modelo é mais ou menos assim: O pensamento político grego [10] A reflexão aristotélica sobre a política não se separa da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária. Se Aristóteles conclui que a finalidade da ação moral é a felicidade do indivíduo, também a política tem por fim organizar a cidade feliz. Por isso, diante da noção fria de justiça proposta por Platão, Aristóteles considera que a justiça não pode vir separada da philia. A palavra grega philia, embora possa ser traduzida por "amizade", é um conceito mais amplo quando se refere à cidade. Significa a concordância entre as pessoas que têm ideias semelhantes e [...] O pensamento político grego [11] [...] interesses comuns, donde resulta a camaradagem, o companheirismo. Daí a importância da educação na formação ética dos indivíduos, preparando-os para a vida em comunidade. A amizade não se separa da justiça. Essas duas virtudes se relacionam e se complementam, fundamentando a unidade que deve existir na cidade. Se a cidade é a associação de homens iguais, a justiça é o que garante o princípio da igualdade. Justo é o que se apodera de parte que lhe cabe, é o que distribui o que é devido a cada um. Mas é preciso lembrar que Aristóteles não se refere à igualdade simples ou aritmética, mas à justiça [...] O pensamento político grego [12] [...] distributiva, segundo a qual a distribuição justa é a que leva em conta o mérito das pessoas. Isso significa que não se pode dar o igual para desiguais, já que as pessoas são diferentes. A justiça está intimamente ligada ao império da lei, pela qual se faz prevalecer a razão sobre as paixões cegas. Retomando à tradição grega, a lei é para Aristóteles o princípio que rege a ação dos cidadãos, é a expressão política da ordem natural. Mesmo considerando a importância das leis escritas, Aristóteles valoriza o direito consuetudinário (ou seja, das leis não-escritas, amparadas pelos costumes): O pensamento político grego [13] "Com efeito, de nada serve possuir as melhores leis, mesmo que ratificadas por todos os cidadãos, se estes últimos não estiverem submetidos a hábitos e a uma educação presentes no espírito da Constituição“ (ARANHA, 1993, p. 194). Engana-se quem acredita que Aristóteles igualdade entre todos os cidadãos. prega a O fato de se morar na mesma cidade não torna seus habitantes igualmente cidadãos. São excluídos os escravos, os estrangeiros e as mulheres. O pensamento político grego [14] Isto não significa que todo homem livre, nascido na pólis, possa participar da administração da justiça ou ser membro da assembleia governante. Para Aristóteles, é necessário ter qualidades que variam conforme as exigências da constituição aceita pela cidade. De forma geral, Aristóteles concorda que o bom governante deve ter a virtude da prudência prática (plironesis), pela qual será capaz de agir visando o bem comum. Trata-se de virtude difícil, que não se acha disponível a muitos. Por isso exclui da cidadania a classe dos artesãos, comerciantes e trabalhadores braçais em geral, [...] O pensamento político grego [15] em primeiro lugar porque a ocupação não lhes permite o tempo de ócio necessário para participar do governo e em segundo lugar porque, ele reforça o desprezo que os antigos tinham pelo trabalho manual. Aristóteles pondera que esse tipo de atividade embrutece a alma e torna o indivíduo incapaz da prática de uma virtude esclarecida. Vale lembrar ainda a polêmica justificativa de Aristóteles à escravidão. Para ele, os homens livres e concidadãos aprisionados em guerras não deveriam ser escravizados, mas o mesmo não acontece com os "bárbaros", nome genérico atribuído aos não-gregos, por serem estes considerados inferiores e, portanto, possuírem [...] O pensamento político grego [16] [...] uma disposição natural para a escravidão. Por isso seria legítimo o controle que o senhor exerce sobre o escravo, e Aristóteles recomenda apenas que o tratamento não seja cruel, devendo mesmo ser estabelecidos laços afetivos, como nas antigas famílias dos tempos homéricos, quando os escravos pertenciam ao lar. É bem verdade que no estágio de desenvolvimento urbano do século IV a.C. a escravidão não se restringia apenas às atividades domésticas, mas se estendia ao comércio e à manufatura, em condições bastante adversas de trabalho (ARANHA, 1993, p. 195). As formas de governo segundo Aristóteles [1] • Constituição: do grego politeia, “a Constituição é a estrutura que dá ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e sobretudo da autoridade soberana”. • Poder soberano: é aquele exercido em nome do povo, por “um só” ou “por poucos” ou “por muitos”, buscando o interesse comum. Para Aristóteles, os dois critérios fundamentais de governo são “quem governa” e “como governa”. Veremos no quadro a seguir aquilo que Aristóteles considera como boas e más formas de governar. As formas de governo segundo Aristóteles [2] Formas boas QUEM GOVERNA Formas corrompidas Monarquia Um só Tirania Aristocracia Poucos Oligarquia Politeia Muitos Democracia De acordo com Aranha (1993), embora considere a monarquia, a aristocracia ou a politeia formas corretas e adequadas ao exercício do poder, Aristóteles prefere a última. Talvez isso se deva à constatação feita de que a tensão política sempre deriva da luta entre ricos e pobres; se um regime conseguir conciliar esses antagonismos, torna-se mais propício para assegurar a paz social. As formas de governo segundo Aristóteles [3] Aqui Aristóteles retoma o critério já usado na ética, o de que a virtude sempre está no meio-termo. Aplicando-se o critério da mediania às classes que compõem a sociedade, descobre na classe média - constituída pelos indivíduos que não são nem muito ricos nem muito pobres – as condições de virtude para criar uma política estável: "Onde a classe média é numerosa raramente ocorrem conspirações e revoltas entre os cidadãos". Bibliografia Consultada ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. DE SANTI, Alexandre (Editor). Guia da filosofia. São Paulo: Abril, 2013. MADJAROF, Rosana. Mundo dos Filósofos. 1997-2011. <Disponível em: www.mundodosfilosofos.com.br>. Acesso em: 27 mar. 2015.