Leucemia Mielóide Crônica

Propaganda
Leucemia Mielóide Crônica (LMC)
Nelson Hamerschlak
INTRODUÇÃO [P1]
A incidência da Leucemia Mielóide Crônica (LMC) é de 1 a 2 casos por 100.000
habitantes/ano, correspondendo a 15% das leucemias em adultos. A faixa etária
preferencial situa-se entre 45 a 55 anos de idade, porém pode ocorrer, mais
raramente, em idosos, crianças e adolescentes.
Classicamente, a LMC manifesta-se em três fases consecutivas: a fase crônica,
na qual o paciente se mantém clínica e laboratorialmente estável por 3 a 5 anos; a
fase acelerada, caracterizada, geralmente, por um ou mais dos seguintes
achados: aumento significativo do baço, presença de mais de 15 % de blastos,
mais de 20% de basófilos e plaquetopenia; E, finalmente, a chamada crise
blástica, uma agudização da leucemia que, normalmente, é fatal e de difícil
controle ao tratamento. Essa fase caracteriza-se pela presença de 30 % de
blastos ou infiltração leucêmica extramedular. Dependendo da natureza das
células blásticas, a agudização pode ser linfóide (30% dos casos) ou mielóide
(
dos casos).
A LMC é uma doença que envolve uma alteração cromossômica específica, com
influências ambientais, como exposição à radiação e a agentes químicos. O
evento genético responsável pela LMC consiste em uma translocação recíproca
t(9;22) (q34;q1.1) nas células-tronco hematopoiéticas. Cerca de 95% dos casos de
LMC têm a translocação entre os cromossomos 9 e 22, o que resulta no
cromossomo Philadelphia (Ph). A detecção citogenética dessa translocação
identifica a LMC típica.
A LMC foi a primeira neoplasia relacionada, consistentemente, com uma anomalia
genética adquirida, a qual é muito bem estudada no seu aspecto molecular. Esses
estudos demonstraram que a translocação cromossômica produz um gene
quimérico, formado pela fusão de dois genes: o gene breakpoint cluster region
(BCR), localizado no cromossomo 22, e o gene abelson oncogene (ABL),
localizado no cromossomo 9, produzindo um transcrito ativo BCR-ABL no
cromossomo rearranjado Philadelphia (Ph).
Na LMC, os transcritos BCR-ABL podem ter tamanhos diferentes, pois as quebras
cromossômicas ocorrem em diferentes locais do gene BCR, resultando em duas
isoformas de ácido ribonucléico (RNA) mensageiro (b3a2 e b2a2), as quais são,
geralmente, traduzidas em uma proteína de, aproximadamente, 210 kDa com
função de tirosina cinase. Alguns pacientes com LMC podem ter um ponto de
quebra alternativo no cromossoma 22, resultando em proteína de 190 kDa.
Quadro Clínico e Diagnóstico
Aproximadamente 50% dos pacientes são totalmente assintomáticos, e o
diagnóstico é feito com um hemograma, realizado por uma situação clínica
qualquer, um pré-operatório ou mesmo em um check up. Sintomas sistêmicos
podem ocorrer, como fadiga, cansaço, sudorese ou emagrecimento. Devido ao
aumento do baço, pode haver distensão ou um aumento do volume abdominal,
dor ou sensação de saciedade. É comum haver aumento do ácido úrico ou sinais
de artrite gotosa.
A esplenomegalia ocorre em 50 a 80% dos casos; anemia, em cerca de 50%; e
grandes leucocitoses (> 100.000/mm ), em 50 a 70% dos pacientes. Um achado
possível é plaquetose (> 600.000/mm ). Cabe sempre a realização de uma
investigação para LMC em pacientes suspeitos de trombocitemia essencial.
A contagem diferencial de leucócitos mostra escalonamento com desvio à
esquerda, desde neutrófilos maduros até mieloblastos. Basofilia e eosinofilia são
achados comuns. A fosfatase alcalina leucocitária é geralmente baixa.
O estudo da medula óssea (MO) pelo mielograma ou da biópsia mostra
hiperplasia granulocítica. Outros achados inespecíficos da biópsia são fibrose
reticulínica e vascularização.
O diagnóstico final é feito pela pesquisa do cromossomo Ph, com a análise do
cariótipo, preferencialmente em amostra de MO, por meio de coloração por banda
G. Em uma situação de premência do resultado, pode-se fazer a pesquisa do
rearranjo BCR/ABL por Fish, técnica rápida e específica, na qual se utilizam
sondas moleculares para identificar anomalias cromossômicas.
A técnica de PCR também pode ser empregada para detecção de rearranjos BCRABL. Menos de 5% dos casos de LMC podem ter o cromossomo Ph variante, ou
seja, translocação envolvendo algum outro cromossomo diferente do 9 ou
envolvendo outros cromossomos, além do 9 e do 22 .
A Análise prognostica pode ser feita por meio de vários índices, dos quais o score
prognóstico de Sokal é o mais comum, levando em conta quatro variáveis:
tamanho do baço; porcentagem de blastos; idade e contagem de plaquetas >
700.000/mm .
Tratamento
Historicamente, até
, o principal recurso terapêutico para tratamento da LMC
era a radioterapia. Em 1953, Galton introduziu com sucesso o busulfan oral e, em
, a hidroxiuréia passou a ser a principal droga utilizada no manuseio da LMC,
produzindo controle hematológico com poucos efeitos colaterais. No entanto,
essas medidas terapêuticas, apesar de produzirem controle clínico e hematológico
dos pacientes, não alteram a história natural da doença representada pela
evolução para as fases acelerada e blástica, com conseqüente óbito.
Históricamente, o Transplante de Medula Óssea (TMO) e em 10 a 15% dos
pacientes o uso do interferon-alfa estavam relacionados não só a mudanças da
história natural, mas a remissões citogenéticas completas e duráveis.
Desde a aprovação em 2000 do primeiro inibidor de tirosino-quiinase, o
imatinibe, estas drogas passaram a ser o tratamento de escolha de primeira linha
na LMC de adultos e, hoje em crianças após análise e discussão sobre o
transplante ideal que continua sendo curativo. Estes medicamentos representam
um dos maiores avanços terapêuticos no manejo da LMC. A experiência adquirida
com este produto, que age na esfera molecular, mostrou como o conhecimento da
biologia e da fisiopatologia de uma doença pode ser útil no desenvolvimento de
uma ação terapêutica. A translocação cromossômica que ocorre na LMC,
produzindo o gene BCR-ABL, faz a fosforilação do ATP pela enzima tirosinocinase, existente na fração ABL do transcrito, ativar a formação de um clone
leucêmico, caracterizando ações de proliferação, aderência e apoptose. O
imatinibe atua competindo com o ATP pelo sítio de ligação da tirosino-cinase,
bloqueando este fenômeno.
O estudo Íris, que comparou de forma randomizada interferon-alfa versus
imatinibe, mostrou maiores taxas e duração de resposta hematológica e
citogenética com muito menor toxicidade. Trouxe à tona o termo cura funcional
aos pacientes, uma vez que, após mais de
anos de seguimento, as taxas de
progressão são cada vez menores..
Os principais efeitos colaterais são edema; náuseas; vômitos; dores ósseas;
elevação das transaminases; anemia; leucopenia e plaquetopenia. Menos de 15%
dos pacientes necessitaram interromper o tratamento por níveis maiores de
toxicidade.
Hoje novos inibidocres de tirosinoquinases são disponíveis em primeira e segunda
linha. O encontro de mutações do gene abl pode nortear a melhor decisão para
segunda linha. Em primeira linha tanto imatinibe como dasatinibe e nilotinibe estão
disponíveis.
O pomatinibe tem sido reservado para pacientes em segunda ou terceira linha de
tratamento em pacientes com a mutação T315I.
Análise de Resposta
Após o diagnóstico, o paciente deve ser monitorizado semanalmente, com
hemograma e bioquímica, para avaliação de resposta hematológica e segurança
(principalmente enzimas hepáticas). Após estabilidade, esses controles podem ser
mensais e, depois, trimestrais. A citogenética deve ser realizada a cada 6 meses
até a resposta completa; posteriormente, pode ser realizda a cada 1 e 2 anos,
enquanto a monitorização molecular deverá ser realizada trimestralmente.
Resposta hematológica: é monitorizada pelo hemograma por meio da
contagem e do diferencial dos leucócitos e das plaquetas.
Resposta citogenética: analisada pelo cariótipo e, excepcionalmente, por
Fish na MO.
Resposta molecular: avaliada por PCR quantitativo no sangue periférico.
Resposta hematológica completa: leucócitos < 10.000/mm , sem
granulócitos imaturos, basófilos < 5%, plaquetas < 450.000/mm e baço nãopalpável.
Resposta citogenética completa: cromossomos Ph não-detectáveis na MO.
Resposta citogenética maior: 0 a 35% de cromossomos Ph detectáveis.
Resposta citogenética menor: 36 a 95% de cromossomos Ph detectáveis.
Resposta molecular completa: transcritos bcr/abl não-detectáveis.
Resposta molecular maior: pelo menos 3 logs de redução dos transcritos.
A falha de tratamento é considerada quando não se atinge uma das seguintes
condições:

qualquer resposta hematológica em 3 meses;

resposta hematológica completa em 6 meses;

resposta citogenética parcial em 12 meses;

resposta citogenética completa em 18 meses.
Recentemente, o European Leukemia Net estabeleceu os seguintes critérios de
resposta aos inibidores de tirosinoquinase (TKI) em primeira e segunda linha:
TKIs em primeira linha:
Inicio
Otimo
Atenção
Falha
NA
Alto risco
NA
ou
outras alterações
citogenéticas com PH
3 meses
BCR-ABL1
BCR-ABL1 >10%
Sem resposta
≤
e/ou
hematológica
e/ou
Ph+ 36-
e/ou
Ph+ ≤
6 meses
BCR-ABL1
and/or
Ph+ >95%
BCR-ABL1 1-
BCR-ABL1 >10%
and/or
e/ou
Ph+ 1-
Ph+ >35%
BCR-ABL1 >0.1-
BCR-ABL1 >1%
Ph+ 0
12 meses
BCR-ABL1
≤
e/ou
Ph+ >0
A qualquer momento
BCR-ABL1
Alterações citogenéticas
Perda da resposta
depois
≤
adicionais
Hematológica
/Ph– (–7, or 7q–)
Perda da resposta
citogenética
complete
Perda da resposta
molecular menor
Mutações
[NH1] Comentário:
[NH2R1] Comentário:
Alterações citogenéticas adicionais
TKIs em segunda linha:
Início
Ótimo
Atenção
Failure
NA
Não resposta hematológica ou
NA
perda de resposta hematológica
ao Imatinibe ou
falha de resposta TKI
ou
alto risco
3 meses
BCR-ABL1
BCR-ABL1 >10%
Ausência de
≤
e/ou
resposta
e/ou
Ph+ 65-
hematológica
Ph+ < 65%
completa
ou
Ph+ >95%
ou
novas mutações
6 meses
BCR-ABL1
Ph+ 35-
BCR-ABL1 >10%
≤
e/ou
e/ou
Ph+ >65%
Ph+ < 35%
e/ou
novas mutações
12 meses
BCR-ABL1
e/ou
BCR-ABL1 1-
BCR-ABL1 >10%
e/ou
e/ou
Ph+ 1-
Ph+ >35%
Ph+ 0
e/ou
novas mutações
A qualquer
BCR-ABL1
CCA/Ph– (–7 or 7q–)
Loss of CHR
momento depois
≤
ou
ou
BCR-ABL1 >0.1%
perda de resposta
citogenética
complete ou parcial
Novas mutações
Perda confirmada
de resposta
molecular maior
Alterações
citogenéticas
adicionais ao Ph
Quando existe falha de resposta ou evolução laboratorial, é obrigatória a
investigação com nova avaliação do cariótipo e a análise mutacional. Muitas
mutações foram descritas. No entanto, a mutação T315I é a mais importante, pois
não responde aos inibidores de tirosino-cinase de segunda geração (nilotinibe e
dasatinibe). A mutação Y253H é sensível ao dasatinibe e resistente ao nilotinibe; a
imatinibe e a mutação F317L é mais sensível ao nilotinibe que aos demais.
Pacientes com intolerância ou resistência ao imatinibe devem ter sua dose
aumentada ou seu tratamento trocado para o dasatinibe ou nilotinibe.
Combinações do imatinibe com outras medicações, como inibidores da farnesil
transferase, citarabina e interferon, têm sido estudadas. O TMO também pode ser
aventado, principalmente quando a mutação encontrada for a T315I, na
impossibilidade ou como alternativa ao Ponatinibe
BIBLIOGRAFIA
1. Bem Neriah Y, Daley GQ, Mes-Messon AM, Witte ON, Baltimore D. The
chronic myeloid leukemia specific p210 protein is the product of the BCRABL hybrid gene. Science
.
2. Cortes J, Albitar M, Thomas D et al. Efficacy of the farnesyl transferase
inhibitor R115777 in chronic myeloid leukemia and other hematologic
malignancies. Blood 2003; 101:1692.
3. Cortes JE, Talpaz M, O'Brien S et al. Staging of chronic myeloid leukemia in
the imatinib era: an evaluation of the World Health Organization proposal.
Cancer 2006; 106:1306.
4. Druker BJ, Sawyera CL, Kartarjian H et al. Activity of a specific inhibitor of
the bcr-abl tirosine kinase in the blastic crisis of chronic myeloid leukemia
and acute lymphoblastic leukemia with the Philadelphia chromosome. N
Engl J Med 2001a
.
5. Druker BJ, Talpaz M, Resta DJ et al. Efficacy and safety of a specific
inhibitor of the bcr-abl tyrosino kinase in chronic myeloid leukemia. N Engl J
Med 2001b
6. Faderl S, Talpaz M, Estrov Z et al. The biology of chronic myeloid leukemia.
N Engl J Med 1999; 341:164.
7. Hansen JA, Gooley TA, Martin P et al. Bone marrow transplants with
unrelated donors for patients with chronic myeloid leukemia. N Engl J Med
8. Heisterkamp N, Groffen J. Molecular insight into Philadelphia translocation.
Haemat Phatol
.
9. Italian Cooperative Study Group on Chronic Myeloid Leukemia. Interferon
Alfa-
a
compared with conventional chemotherapy for the treatment of
chronic myeloid leukemia. N Engl J Med
10. Italian Cooperative Study Group on Chronic Myeloid Leukemia and Italian
Group for for Bone Marrow Transplantation. Monitoring treatment and
survival in chronic myeloid keukemia. J Clin Oncol 1999; 17:1858.
11. Jacobs A. Benzene and leukemia. Brit J. Haemat
-
.
12. Kantarjian HM, Talpaz M, O'Brien S et al. Dose escalation of imatinib
mesylate can overcome resistance to standard-dose therapy in patients with
chronic myelogenous leukemia. Blood 2003; 101:473.
13. Kantarjian H, Pasquini R, Hamerschlak N et al. Dasatinib or high-dose
imatinib for chronic-phase chronic myeloid leukemia after failure of first-line
imatinib: a randomized phase 2 trial. Blood 2007; 109:5143.
14. Melo JV, Gordon DE, Cross NC, Goldman JM. The ABL-BCR fusion gene is
expressed in chronic myeloid leukemia. Blood
-
.
15. Talpaz M, Kartarjian H, Kurzrock R et al. Interferon-alpha produces
sustained cytogenetic responses in chronic myelogenous leukemia. Ann
Intern Med
.
16. Vardiman JW, Harris NL, Brunning RD. The World Health Organization
(WHO) classification of the myeloid neoplasms. Blood 2002; 100:2292.
17. Hehlmann R, Hochhaus A, Baccarani M. on behalf of the European
LeukemiaNet. Chronic myeloid leukemia. Lancet 2007;370(9584):34218. Björkholm M, Ohm L, Eloranta S, et al. Success story of targeted therapy in
chronic myeloid leukemia: a population-based study of patients diagnosed in
Sweden from 1973 to 2008. J Clin Oncol 2011;29(18):251419. Kantarjian H, O’Brien S, Jabbour E, et al Improved survival in chronic
myeloid leukemia since the introduction of imatinib therapy: a singleinstitution historical experience. Blood 2012;119(9):198120. Baccarani M, Saglio G, Goldman J, et al; European LeukemiaNet. Evolving
concepts in the management of chronic myeloid leukemia:
recommendations from an expert panel on behalf of the European
LeukemiaNet. Blood 2006;108(6):180921. Baccarani M, Deininger M, Rosti G, et al. European LeukemiaNet
recommendations for the management of chronic myeloid leukemia: 2013.
Blood 122:872-
,
Download