O HISTÓRICO DA FORMAÇÃO EM ECONOMIA DOMÉSTICA NO BRASIL: SUBSÍDIOS DA PROPOSTA CURRICULAR. Ana Carla Menezes de Oliveira Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão-EAFSC [email protected] PALAVRAS-CHAVES: Economia Doméstica - Mulher – Família. ANTECEDENTES DA HISTÓRIA DA ECONOMIA DOMÉSTICA – FRANCÊS E NORTE-AMERICANO Millet Rubinet em seu livro Naison Rustique dos Dames, relata a cultura da época em relação à mulher. Ilustra o documento o papel da mulher como companheira do homem e responsável pela família. A mulher ligada ao desenvolvimento da agricultura. Agricultura que era a base do desenvolvimento e que os jovens fazendeiros encontravam dificuldades de achar a companheira que associasse os seus trabalhos e desempenhasse a parte que corresponde à mulher. O governo francês identificou a importância da empresa familiar, e que teria que contar com a participação da mulher. O modelo da Economia Doméstica francês enfoca predominantemente a função da mulher como administradora da família e dos recursos da família. No Brasil o modelo francês foi introduzido em 1937 pela professora francesa Anne Marie Marsaud, fundadora das Escolas de Serviço Social e Educação Familiar no Rio de Janeiro. Pra Santa Catarina, este modelo veio através de duas professoras na Escola Familiar Rural São José. Conforme Bordenave, a carreira de Economia Doméstica nasceu nos E.U.A. em decorrência de sua colonização (Anglo-Saxões) e o “ Home” representava o centro da vida, o refúgio, o lar. Os resultados dessa tradição constituem um tração característico da família rural. Este mesmo autor interpreta que a valorização da Economia Doméstica prende-se ao fato da valorização da família e sua importância. A Economia Doméstica surgiu nos Estados Unidos em 1889, quando estavam ocorrendo transformações: - profunda transformação da realidade norte-americana, intensificada pela chegada dos imigrantes; pela imigração interna; - surgimento de dificuldades na transmissão de tradições referentes ao papel da mulher no lar, de mãe para filha; - a entrada da jovem no mercado de trabalho para auxiliar no orçamento familiar; - a modificação da situação da mulher no lar, passando das atividades desenvolvidas na cãs, para atividades fora de casa. Para atingir tudo isto, nada mais adequado que ser treinada para gerenciar seu lar(MEDINA:1974). A diferença que se estabelece entre o modelo de Economia Doméstica francês e o norte-americano, é que para este último há um mercado de trabalho a espera de um trabalho considerado feminino, ou seja, um mercado de trabalho que não passasse da institucionalista das atividades já exercidas dentro de casa. A passagem da sociedade tradicional para a industrial, a passagem da 2ª para a 3ª onda segundo Alvin os trabalhos efetuados dentro de casa passam a ser institucionalizados na sociedade industrial. A mulher passou da costura caseira do tricot, à indústria têxtil e á confecção. Ellen Swallow, fundadora da Economia Doméstica nos Estados Unidos, enfatiza seu surgimento como fruto da sociedade industrial e a consciência das mulheres para as relações entre o ser humano e seu ambiente total, e não somente o doméstico. 2. A MULHER NO CONTEXTO CULTURAL, ECONÔMICO, SOCIAL E POLÌTICO. A mulher nunca esteve liberada da produção direta, biológica e material. A mulher contribui poderosamente para a formação da cultura e da sociedade prática, cotidiana, mas nunca pertenceu a ela, pois foi impedida por suas condições sócio-econômicas de trabalhadora doméstica, daquela elite excluída do processo direto de produção, da qual surgiram os filósofos e os inventores. O trabalho da dona-de-casa é um trabalho manual, mas também é intelectual e afetivo. Dito de outra forma, é um trabalho onde se requer uma dose de criatividade e tomada de decisões. Com uma simplificação propositada, os economistas se limitam a estudar a economia do sistema econômico extra-familiar e tratam de esquecer, desconhecendo-a, esta outra economia paralela, à qual a primeira serve e na qual se apóia, que é o sistema econômico familiar. Para as donas -de casa, a sensação de que vivem em uma sociedade dentro de outra sociedade, em uma economia dentro de outra economia, é uma experiência cotidiana. Em termos econômicos, o casamento significa uma troca de parte do salário que o homem traz, pelos serviços que a mulher presta em seu trabalho no lar. Cada lar é um centro de trabalho que compra no exterior bens e serviços, administrativos, reparte-os, transforma-os mediante novas contribuições de trabalho, os acumula. A mulher trabalha mais horas e deveria estar consciente de que o valor de seu trabalho no mercado é superior ao que ganha a imensa maioria dos assalariados. No plano estritamente econômico, as donas -de- casa não só administram (que é tarefa quase sempre dura e mais tensa nas épocas difíceis) o orçamento diário ou mensal, como também iniciam e preparam as decisões econômicas mais importantes da família. Colaborando quase sempre na execução dos trabalhos diretamente ligados à produção agropecuária, faltam à dona -de –casa, via de regra, os recursos e os preparos necessários para manter no lar boas condições de conforto. A administração do lar é ineficiente, tanto no que diz respeito a orçamento doméstico como à organização do trabalho, de modo a poupar energia e tempo sobretudo no tocante a equipamento adequado ao trabalho. “As trabalhadoras domésticas não escolheram livremente o seu trabalho, porque não se pode clamar opção livre àquela que apresenta como alternativa aparente a renúncia ao amor, aos filhos e ao lar. Suas condições de trabalho, seu isolamento, sua impossibilidade de assumir livre e plenamente outro papel, têm sido ignorados pelos estudiosos e teóricos da mudança social. A mudança da posição social da mulher significa a transformação do trabalho da economia doméstica em algo voluntário, ao permitir seu desaparecimento, mas isto não se conseguirá sem criar uma ordem econômica diferente, sem colocar a tecnologia prioritariamente a serviço de sua libertação, sem anular o direito e a moral atuais, naquilo que encerram como instrumentos para sua opressão. A submissão do papel doméstico da dona –de -casa faz com que a participação efetiva nos assuntos públicos, na política lhes estejam vedados. Apesar de terem as mulheres adquirido o direito ao ensino e, ainda que sua presença nas universidades se iguale a dos homens, a maioria segue cedendo vitaliciamente sua força de trabalho para as economias domésticas e, enquanto estiverem submetidas a este condicionamento, não poderão dedicar-se, plenamente, a nenhuma outra atividade. O serviço de extensão trouxe originalmente à economia doméstica um enfoque direto à população rural, porém na atualidade, existe grande necessidade e oportunidades de trabalhar com a dona-de-casa na cidade e subúrbio, onde as condições de qualidade de vida dependem da produção, comercialização dos produtos agrícolas. Com o direito ao voto, a mulher ingressou no mercado de trabalho, demonstrando capacidade de participar de organizações sociais, melhoramento de comunidades. Desta forma, existe pouca dúvida acerca da necessidade de capacita-las e proporcionar-lhes os serviços que as ajudam a ocupar seus lugares de verdadeiras cidadãs. 3.LIMITAÇÕES DO MODELO DE ECONOMIA DOMÉSTICA NORTEAMERICANO Na opinião de Bordenave a Economia Doméstica nasceu nos Estados Unidos da América em decorrência da forma como se processou a sua colonização, bem como das características culturais dos colonos europeus, na maioria anglo-saxões, que lá se estabeleceram. O homem colonizador da nova terra, representava o centro da vida, o refúgio, o lar, ele vinha para ficar e, por conseguinte, trazia a família e construía seu lar. Tudo que se relacionasse com o lar e sua manutenção como arquitetura, mobília, vestuário, alimentação, higiene, era importantíssimo, para marido e mulher, de modo que ambos se acostumavam a executar e valorizar as atividades domésticas. Outro fator importante na cultura americana foi a valorização da vida rural, o que levou os dirigentes políticos e intelectuais proporcionarem as vantagens da população urbana à população rural, entre eles o conforto doméstico. Determinou também uma legislação que praticamente realizou a Reforma Agrária desde os primórdios da colonização norteamericana, com o predomínio da propriedade familiar, embora também existisse o latifúndio. Assim foi estimulado ao homem do campo uma mobilidade social sem mobilidade geográfica, isto é, sem êxodo rural e sem urbanização prematura. Outras conseqüências da valorização da vida rural foram os “Land Grant Colleges”, onde sempre faziam parte a agricultura, pecuária e a “Home Economics”. Enquanto que no Brasil e América Latina, a valorização da vida e da família rural é praticamente nula, favorecendo o trágico e maciço êxodo rural para as grandes favelas urbanas. A população carece de valorização, constituindo, na opinião do autor, a principal causa da crise com que se defronta a profissão de Economia Doméstica. Outro fator importante ocorrido nos E.U.A. foi a aceleração da indústria, fazendo com que as poucas famílias que possuíam empregada doméstica, as perdessem para as fábricas. Isto fez acentuar a valorização do serviço doméstico, bem como a tudo que pudesse ajudar na administração eficiente do lar. Com esta situação, a carreira do “Home Economics” foi oportuna, uma vez que fornecia à dona –de - casa e às indústrias, as idéias e as técnicas necessárias à economia de esforço e dinheiro nas tarefas de vestir, alimentar, limpar e administrar o “Home”. Outras razões históricas: - o status da mulher na cultura norte-americana, logo a Economia Doméstica também o teria, mais do que em outras culturas onde a mulher não tem este status; - o aumento de produtividade agrícola nas décadas de 20 e 30 nos EUA. Qualquer elemento que contribuísse com educação, alimentação e saúde, para elevar a produtividade do agricultor, era considerado importante. A Economia Doméstica apresentou-se como instrumento de produtividade agrícola, num meio em que esta era valorizada. O forte se deu com a implantação da Extensão Rural conforme modelo norteamericano, por volta de 1940-1950. Nesta época os serviços de extensão que eram somente 50% nacionais- o restante era americano – tinham por objetivo educar a família rural para que aumentando a produção e a produtividade, pudesse melhorar o seu nível de vida. Nesse contexto a Economia Doméstica teve grande aceitação e os serviços de extensão rural foram um grande mercado de trabalho para as alunas das escolas de Ciências Domésticas. Porém, acredita Bordenave que a necessidade da carreira de Economia Doméstica não foi de emergência natural e coerente das condições sócio-culturais de nosso continente, como foi nos EUA, pelas seguintes razões: - a colonização na América Latina se processou a partir de cidades e não de granjas familiares dispersas como nos EUA. Desse modo, o lar não representou uma fortaleza, um refúgio, nem se valorizaram os aspectos de eficiência, boa administração e auto-suficiência doméstica; - as culturas que nos deram origem, isto é, a portuguesa, indígena, africada, não se caracterizaram pela valorização do lar, higiênico e auto-suficiente. Além disso, havia super abundância da mão-de-obra; - a mulher latino-americana, devido ao machismo herdado dos conquistadores e dos caciques índios, continua com um status social bastante inferior ao das norteamericanas. Desta forma, uma carreira essencialmente feminina também não terá o mesmo status das carreiras dominadas pelos homens; - a não valorização do meio rural; portanto os líderes, governo e nós mesmos não nos empenhamos a fundo em transformar a vida rural; - quanto á produtividade agrícola, além de não constituir uma preocupação constante para nós, não seria fácil demonstrar de que modo a Economia Doméstica poderia contribuir para aumenta-la, visto que as razões que limitam a produtividade, são mais profundas e estruturais do que a má alimentação, a saúde precária e o vestuário inadequado. 4. A ECONOMIA DOMÉSTICA NO BRASIL A Economia Doméstica no Brasil surgiu em 1953 através do ETA que promoveu o aumento da produção agrícola, beneficiando assim o agricultor, estimulando a cooperação estreita de órgãos ligados á agricultura, quer sejam federais, estaduais, locais ou privados, de objetivos comuns. Desenvolveu-se através de assistência técnica e financeira a órgãos públicos e privados que trabalham em prol da agricultura e do agricultor. Essa assistência é feita através de convênios, os quais são chamados Projeto. O trabalho educativo junto ao agricultor é executado pelos Serviços de Extensão e por outros serviços que têm por finalidade fazer a promoção humana no nosso meio rural. O ETA participa desse trabalho através de assistência técnica e financeira dada aos mesmos e pelos trabalhos dos assessores – técnicos americanos e brasileiros sediados no ETA. Desde a sua criação-junho de 1953 - até 1956, época em que foi criada a Associação Brasileira de Crédito e assistência Rural (ABCAR) que passou a ser órgão nacional coordenador dos serviços de Extensão no país, essa função era exercida pelo ETA. Daquela data em diante, a responsabilidade direta por parte do ETA. Cessou, passando este, apenas, a manter sua colaboração através de assistência técnica financeira, não só aos serviços sediados nos estados, como também à nova associação. A colaboração à ABCAR, no setor de Economia Doméstica, foi bastante intensa, até maio deste ano, quando esta Associação organizou o seu setor especializado nesse campo. Até estão, todas as atividades atinentes ao mesmo, eram coordenadas executadas pela divisão do ETA. Que passou a colaborar com a ABCAR em sua atividades de Economia Doméstica sempre que solicitado. Em 1957 a necessidade de um melhor preparo em Economia Doméstica para as moças que trabalham em extensão, levou o ETA a realizar um acordo com a escola Superior de Ciências Domésticas da Universidade Rural do estado de Minas Gerais, para concessão de bolsas de estudo para os cursos ali ministrados. Por esse convênio dos Serviços de extensão poderiam enviar à Escola, não só moças que já trabalhavam, como também futuras candidatas a esses serviços. Já em 1959 a ABCAR assumiu a responsabilidade da concessão de bolsas a extensionistas e candidatas a trabalho de extensão, passou o ETA a conceder bolsas apenas para futuras professoras. Neste ano 06 bolsistas iniciaram o curso superior. Além de outras atividades em 1959 o ETA, através de sua divisão e Economia Doméstica, colaborou na organização e realização da 1ª Reunião Nacional de Chefes de Economia Doméstica e assistência Técnicas de Serviços de Extensão, levada a efeito no Rio de Janeiro, no período de 13 a 17 de janeiro, como o objetivo de tornar mais efetivo o intercâmbio de idéias e experiências entre as técnicas encarregadas de orientar e fazer executar os programas de Economia Doméstica dentro dos Serviços de Extensão. Ainda em 1959, em face as constantes solicitações, o ETA passou a intensificar suas atividades no campo de Assistência ao ensino de Agronomia e Economia Doméstica, tendo a colaboração de outras atividades; o objetivo desse acordo é , através do ensino, cooperar ativamente na melhoria da produção agrícola e das condições de vida das coletividades rurais do Brasil. Em 1960 visando ainda a melhoria do ensino de Agronomia e Economia Doméstica, foi criado em 23 de maio de 1960, um novo projeto que tomou o número 59. Resultou ele do convênio entre o ETA e o Ministério da Agricultura e tem como objetivo expandir e melhorar o ensino vocacional agrícola e de Economia Doméstica no Brasil, dando ênfase ao seguinte: -ampliação do programa de educação agrícola a fim de assistir a população rural, que representa cerca de 70% da população rural; - estudo e aplicação dos métodos usados nos Estados Unidos da América onde a agricultura vocacional e Economia Doméstica, são dadas como cursos complementares nas escolas secundárias públicas ou privadas, através do sistema básico educacional já existente. - treinamento de professores brasileiros no país e no estrangeiro em métodos de administrar esses programas e ensinar os seus cursos. A extensão rural é introduzida no Brasil junto a uma estratégia de incrementação da produção de gêneros alimentícios, visando atender aos famintos. A Economia Doméstica surge junto com os programas de extensão para trabalhar com a família dos pequenos agricultores, tentando melhorar as condições de vida das famílias, elevando a produção. Segundo BORDENAVE, a extensão rural trabalha com a família como um todo, visando a melhorar o seu padrão de vida, mediante seu desenvolvimento sob todos os aspectos, procurando conseguir que através de sua própria iniciativa, alcance vida mais feliz e mais confortável, na sua propriedade, no seu lar e na sua comunidade. A extensão, tanto a área agrícola com a doméstica, apesar da distinção dos campos, há sempre a preocupação de agir com a família como um todo. Assim é que o aumento do Rendimento econômico é canalizado para a melhoria das condições de conforto e bem-estar da família, elevando o seu padrão de vida. As carreiras profissionais no Brasil, organizaram-se corporativamente em época recente. Este fato e as atuais pressões sobre o Estado para que ele defina áreas reservadas de exercício profissional para determinadas categorias, têm gerado tensões e incertezas. A profissão autêntica exige de seus membros a posse e o exercício de sua perícia técnica. Isto é, aqueles que a praticam devem mostrar uma habilidade especial que as pessoas comuns não possuem, a qual produza resultados comprovados, ou comprováveis. Mas isto não basta. È necessário ainda que esta habilidade seja ensinável, pois somente assim haveria possibilidade de manutenção do monopólio do exercício deste ofício, controlando-se o acesso de todos o que nele pretendessem entrar. As profissões tradicionais aportaram no Brasil e aqui se desenvolveram sem grandes controles e a salvo de grandes conflitos. A carência de profissionais levou à utilização dos existentes e à demanda de novos. Bordenave diz que determinadas profissões sentem que estão perdendo prestígio, que seus serviços t~em menor demanda, que o governo lhes retira o apoio. Profissões que parecem ter nascido de imposições emergentes das condições da vida humana em determinado lugar, em determinado tempo histórico, assim como a Economia Doméstica que se encarrega de continuar o trabalho e aprimora-lo sempre através da transformação das idéias e atitudes. REFERÊNCIAS Anais da XVI Reunião Anual da Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior. Piracicaba, 25/29,1986. AMMANN, S. Participação Social. 2ª ed. Ver Ampl. São Paulo: Cortez e Moraes, 1978. AMMANN, S. Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 1981. AGUIAR, N. Mulheres na Força de Trabalho n América Latina. São Paulo: Cortez, 1984. BORDENAVE, Juan Diaz. Proposta de um novo Rumo Profissional para as Ciências Doméstica. IICA. Piracicaba, , 1974. BRUM, A. B. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. 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