33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais MR12: “Música, mídia e sociedade: diversos lugares, diversos tempos, diversos olhares”. “Emergência de uma nova indústria da música: crescimento da importância dos concertos (e festivais), retorno do vinil, popularização dos tags e dos videogames musicais.”1 Micael Herschmann2 Resumo: Analisa as mudanças recentes no setor musical, tendo em vista: crescimento do mercado alternativo/independente que contrasta com a concentração empresarial do setor; a intensificação do processo de globalização e suas implicações sobre a construção de identidades e reorganização do mercado; o papel das novas redes sociais na reconfiguração da relação entre artistas e público; e o emprego mais sistemático no cotidiano por parte dos consumidores/usuários das novas tecnologias digitais de informação e comunicação na conformação de novas práticas sociais relacionadas ao universo da música. É possível atestar na renovada paisagem tecnocultural – analisando a literatura especializada e os dados disponíveis sobre o business da música - a emergência de novas práticas sociais que sugerem alternativas para a reestruturação da indústria da música. Palavras-chave: Comunicação, Cultura, Indústria da Música, Novas Tecnologias. Introdução Desde 1997, assistimos a transição da indústria da música mundial: presenciamos mudanças na cadeia produtiva e constatamos com grande perplexidade ao desaparecimento e, ao mesmo tempo, o surgimento de novas profissões articuladas a este setor, o qual se constitui em uma espécie de “laboratório” para observar as transformações que já estão afetando diversos setores das industrias culturais (Bustamante, 2002). Previsões catastróficas e outras mais otimistas ganham grande visibilidade hoje - tais como crise, revolução, reestruturação, reconfiguração, etc. – e são frequentemente difundidas por jornalistas, artistas, pesquisadores, empresários, publicitários e, em geral, por profissionais e consumidores do universo musical na tentativa de dar conta da complexidade das mudanças em curso. É possível se afirmar que jamais na historia da música se produziu tanto e com tanta liberdade, mas também 1 Agradeço não só ao CNPq e a FAPERJ pelo apoio a esta pesquisa, mas também às bolsistas de iniciação científica, Julia Dias e Suelen Lopes, pela colaboração na elaboração deste artigo. 2 Pesquisador do CNPq, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação (NEPCOM) do PPGCOM da UFRJ (e-mail: [email protected]). 1 mais do que nunca hoje o processo de desenvolvimento de visibilidade e popularidade de um repertório musical que se converteu em uma série de etapas e estratégias de grande complexidade que buscam evitar a grande tendência de fracasso enfrentada por artistas e produtores de música. Podemos identificar duas pontas deste enorme iceberg de transformações que estão ocorrendo na industria da música no últimos anos: a) primeiramente, presenciamos a desvalorização vertiginosa dos fonogramas (sua transformação em commodity no mercado), a busca desesperada por novos modelos de negócio para os fonogramas através das lojas digitais e telefonia móvel, e, al mesmo tempo, o crescente interesse e valorização da música ao vivo e dos concertos realizados nos corredores culturais de grandes metrópoles (ou muitas vezes organizados na forma de festivais); b) em segundo lugar, o crescente emprego das novas tecnologias e das redes sociais na web como una forma importante de reorganização do mercado: a utilização das tecnologias em rede como uma relevante estratégia de comunicação e circulação de conteúdos, de gerenciamento de carreiras artísticas, de formação e renovação de público, de construção de alianças com os consumidores, etc (Herschmann, 2007a). Generalizando, pode-se dizer que a crise da indústria está relacionada aos seguintes fatores: a) um crescimento da competição entre os produtos culturais, entre as empresas que oferecem no mercado globalizado bens e serviços culturais (há claramente um aumento da oferta, das opções de lazer e consumo); b) limites dados pelo poder aquisitivo da população (especialmente em países periféricos); c) e o crescimento da pirataria, não só aquela realizada através de downloads, na rede, mas também a concretizada fora da rede. Negus crítica alguns pesquisadores que insistem em considerar a indústria da música apenas como uma produção fordista. Este autor enfatiza que o cotidiano desta indústria sempre pareceu indicar mais do que a lógica massiva de uma simples linha de montagem. Parece conviver nesse tipo de produção uma dinâmica também mais flexível, de cunho pós-fordista, no qual o negócio da música gravada sempre esteve também organizado nos moldes de uma produção de pequena escala e com vendas dirigidas a nichos de mercado instáveis. Além disso, desde seu início, a indústria fonográfica sempre empregou diversas atividades de marketing e de promoções legais e ilegais - em pequena escala e baseadas em equipes, como estratégia para se 2 aproximar dos consumidores através de práticas que poderiam ser etiquetadas como flexíveis (Negus, 2005). Neste trabalho não será analisado estas questões, mas nos últimos anos inúmeros autores argumentam que, principalmente nos países mais desenvolvidos seria possível atestar a transição para uma nova economia, a qual se caracterizaria justamente pela aplicação da informação e do conhecimento na busca da geração de valores agregados associados aos produtos e serviços, produzindo assim importantes reflexos nos processos produtivos e operações comerciais. Consideram que o capitalismo atual mais uma vez ampliou suas fronteiras, re-funcionalizando os processos e relações sociais de produção, segundo as exigências do capital. De fato, nota-se que com o impacto das novas tecnologias de informação e comunicação, com o crescimento da competitividade no mundo globalizado e a crise da economia de escala (fordista) todos estes fatores vêm colaborando para transformar o mundo atual e produzindo continuidades e rupturas na dinâmica da produção, inclusive do setor cultural (Herschmann, 2007a; 2007b). O tradicional mercado musical se assenta sobre a base de dois pilares que geram os mais destacados ingressos econômicos desta indústria: a comercialização massiva de obras gravadas em diferentes suportes físicos reproduzíveis em distintos equipamentos, e os direitos econômicos que incidem sobre o uso público dos fonogramas. O mercado de obras gravadas em suporte físico é um oligopólio no qual a distribuição é controlada por grandes conglomerados multinacionais: Universal Music, Sony/BMG Enterteiment, EMI e Warner Music. Estes quatro grupos fonográficos controlam mais de 70% do mercado de suportes físicos da música e possuem catálogos formados por centos de selos próprios e associados3. Por sua vez, os direitos econômicos que incidem sobre o uso público dos fonogramas estão em mãos de sociedades privadas de âmbito nacional. Trata-se, geralmente, de organizações sem fins lucrativos que gerenciam o pagamento e a distribuição dos direitos autorais de compositores e intérpretes, e que também cuidam dos interesses dos editores musicais (Yúdice, 2007). Analisando o contexto atual, é possível atestar que o modelo comercial e jurídico de propriedade intelectual, forjado durante o século passado está sendo atualmente alterado principalmente por três fatores: a) aumento da distribuição on-line: através de redes (telecomunicações, internet) e programas de informática (P2P) que se servem 3 Conferir “Record Company Information” in: The British Library (disponível <http://www.bl.uk/collections/sound-archive/record.html> , última consulta: 1 de agosto de 2008). em: 3 destas; b) mudanças nas tecnologias: entre as quais cabe assinalar as redes digitais com uma maior banda larga; c) aperfeiçoamento dos dispositivos terminais móveis: telefones celulares e dispositivos portáteis digitais variados (MP3, MP4, etc.) e bastante populares hoje (Calvi, 2007). Mudanças em curso Diante das transfomações pelas qual este setor atravessa, as grandes companhias fonográficas e as sociedades gestoras de direitos autorais se apresentam como os principais agentes conservadores que se colocam em tensão à algumas das mudanças que estão ocorrendo. A prova mais palpável destas mudanças e tensões é o fato de que a música está onipresente nos diferentes espaços públicos e privados enquanto as vendas de fonogramas gravados em suportes materiais caem significativamente. Na Europa ocidental, caiu de 14,03 bilhões de dólares de ingressos em 2001, para 11,53 bilhões em 2005 (PwC, 2006: 24), uma queda de mais de 2,5 bilhões de dólares. As causas desta queda são atribuídas tanto às vendas de cópias digitais de música fora do mercado legal como aos intercâmbios e downloads gratuitos de fonogramas. Portanto, o combate contra a compra e venda de cópias “piratas”, bem como os downloads gratuitos através da Internet se apresenta como uma prioridade para aqueles agentes com uma posição dominante no mercado fonográfico (Albornoz; Herschmann, 2009). A postura sustentada pelo setor coorporativo e por governos é que a generalização da gratuidade (ilegal) tem um custo coletivo para as indústrias culturais, para os artistas/profissionais e para a nação. Em conseqüência, os principais atores da indústria musical vêm investindo valiosos recursos materiais e humanos, e articulando esforços em escala internacional (por exemplo, temos a celebração do Fórum Ibero-americano da Propriedade Intelectual, FIPI, auspiciados pela Secretaria Geral Ibero-americana, SEGIB, no qual participam jornalistas, juristas, legisladores e acadêmicos experts em propriedade intelectual de países ibero-americanos) na luta contra a “pirataria”. Como é possível perceber, as ações anti-pirataria não diferenciam aquelas práticas com fins lucrativos e aquelas que não perseguem benefícios econômicos. Portanto, criminalizam-se práticas sociais de distribuição e consumo musical que se expandem em escala internacional à medida que a internet aumenta seu grau de penetração. Refiro-me, por exemplo, ao intercâmbio de conteúdos através das denominadas redes peer-to-peer (P2P) ou entre pares. Para termos uma idéia da magnitude das referidas práticas, no 4 sector musical só 5% dos 20 bilhões de arquivos musicais que circulam anualmente é vendido4. É possível se constatar, portanto, que a redução do mercado tradicional venha acompanhada de uma forte ascensão da importância das novas tecnologias. Na renovada paisagem tecnocultural encontramos novos agentes e práticas sociais que se beneficiam das mudanças em marcha. Entre os defensores do novo cenário da música digital encontramos não só agentes tradicionalmente alheios ao setor (como empacotadores de conteúdos ou empresas de telecomunicações), mas também criadores e intérpretes não inseridos no mercado. Evidentemente, entre os favorecidos encontra-se um grande contingente de consumidores que experimenta a sensação agradável de ter ao seu alcance uma maior oferta de conteúdos diversos, gratuitos ou a um custo baixo5. No caso dos criadores ou intérpretes musicais fora do mercado tradicional - ou seja, entre aqueles que não passaram pelas mãos de uma major ou indie ou que não tenham pisado em um estúdio de gravação “profissional” - a difusão de suas obras se encontra vinculada em geral a web sites como MySpace, Last.fm ou YouTube (para citar alguns dos mais conhecidos e utilizados sites). Em conseqüência, a difusão dessas criações não se vê limitada pelas restrições e custos próprios da distribuição física de suportes e tem um alcance internacional. Se no modelo tradicional era necessário primeiro ser um “campeão nacional” para depois se tentar ultrapassar as fronteiras, na era das redes digitais a dinâmica é outra: com a utilização das mídias interativas, estabelecem-se redes colaborativas entre produtores e consumidores-usuários que ampliam a visibilidade e capacidade de divulgação e promoção dos artistas (Albornoz; Herschmann, 2009). Poder-se-ia oferecer dois exemplos de novas estratégias de divulgação e circulação desta produção musical. Na Europa ocorre um fenômeno particular: a internet e as companhias aéreas de baixo custo (conhecidas como companhias low cost) dão-se as mãos para influir na cena musical ao vivo de várias cidades. Artistas que colocam suas criações na rede - sem nunca ter editado nenhum álbum antes - são contatados e contratados diretamente por produtores de espetáculos musicais para realizar suas 4 Ver IFPI. Global Recording Industry in numbers – 2008. Londres: IFPI Market Publication, 2008 (disponível em: <www.ifpi.org>, última consulta: 03.01.2009). 5 Nesse caso, sublinha-se a palavra “sensação”, pois não se deve esquecer que parte substancial dos custos associados ao funcionamento das redes e outros dispositivos digitais recai sobre os usuários: custos de conexão, equipamento de informática, software adequado e atualização do mesmo, proteção antivírus, etc. 5 performances. Estas, por sua vez, são divulgadas normalmente através de mensagens via e-mail que incluem links para músicas e vídeos que o artista em questão possui na internet. Dessa forma, os conteúdos alocados na rede são promovidos não só pelos gestores e programadores de espaços culturais, mas também pelos próprios consumidores. As companhias de telecomunicações, por sua vez, são também outro bom exemplo de novos agentes beneficiados pelo novo cenário digital da música. A banda larga consumida cada vez mais nos celulares está contribuindo para a consolidação de um novo canal de distribuição alternativo: a distribuição wireless. O informe “On Media. Recorded Music – Who benefits from digital?” da consultora Pricewaterhouse Coopers, que foi dado a conhecer no mês de junho de 2008 (PwC, 2008), revela que os downloads de música através de telefones celulares se converteram na principal fonte de ingressos para a indústria fonográfica européia. As estimativas deste estudo de PwC prevêem que o mercado da música, após a crise dos últimos anos, possui hoje uma cifra de 36 bilhões de dólares alcance em 2011 o valor de 40,44 bilhões de dólares. Mas há um detalhe: 56% desta cifra está relacionada à música em suporte não físico; e deste percentual, a metade ou mais corresponderá aos downloads feitos via telefonia móvel (PWC, 2008). Assim, nesse novo cenário, o telefone celular abriu as portas do mercado da música a empresas de telecomunicações ou companhias criadas recentemente dedicadas aos conteúdos para telefones celulares. A passagem do download de ringtones a canções standard - ao que tudo indica - será o prelúdio de novos tipos de conteúdos, como a retransmissão de atuações musicais ao vivo em alta definição. Crescente valorização da música ao vivo: concertos e festivais (grandes e independentes) As novas praticas socioculturais colocam em xeque, muitas vezes, uma perspectiva evolucionista e/ou tecnologizante da história e cultura das mídias (Burke, 2008). Nem sempre um suporte de música está definitivamente superado pelo novo: neste contexto de crise dos fonogramas é possível constatar o relevante “retorno do vinil”: o expressivo crescimento da venda de discos traz a tona elementos para se pensar o futuro dos suportes físicos na indústria da música6. Poder-se-ia dizer que para colecionadores e em certos 6 As vendas de vinil cresceram 89% nos EUA em 2008, atingindo a marca de 1,8 milhão de unidades vendidas (ver EDITORIAL DA FOLHA ONLINE. “Vendas de vinil cresceram 89% nos EUA”, in: Folha 6 nichos de mercado consumidor, álbuns com fonogramas passam a ocupar um lugar significativo na “cauda longa” do mercado atual (Anderson, 2006). Mesmo em um contexto de crescente desmaterialização da música e da produção cultural (sua transformação em bits), as práticas de consumo nem sempre caminham na direção do “novo”, ainda que a indústria cultural e de entretenimento incentivem o público nesta direção. A despeito do intenso debate entre DJs, especialistas e o público sobre as possíveis vantagens do vinil sobre o CD, poder-se-ia afirmar que o crescente interesse por este suporte está relacionado: a) a desenvolvimento de estratégias de afirmação e reconhecimento de estilos de vida, isto é, de “distinção” de grupos ou segmentos sociais (Bourdieu, 2007); b) a materialidade dos suportes e formatos – aspectos culturais, o fetiche que os envolve – seria um elemento importante para explicar o interesse dos consumidores. No caso da música, poder-se-ia afirmar que ambos mediariam práticas culturais que não são neutras. Ou seja, as qualidades tácteis, sônicas e estéticas (capa, encarte, ficha técnica e a música propriamente) seriam vetores fundamentais para a identificação do público com a obra (Sterne, 2006). A tendência no mercado da música, portanto, é que o consumo de downloads conviva de forma mais natural com outras formas de consumo que permaneçam valorizados pelo público. Além disso, poder-se-ia afirmar que, frente à queda das cifras de venda de fonogramas em suporte físico, os “mercados derivados” vêm ganhando também força. É o caso da música ao vivo. As turnês continentais de músicos e a celebração de festivais multinacionais se multiplicaram, enquanto os preços das entradas vêm sofrendo um aumento significativo7. No funcionamento tradicional da indústria fonográfica, a maior parte dos benefícios obtidos por atuações ao vivo iam parar nas mãos dos artistas, enquanto as gravadoras alimentavam suas vendas de gravações em suportes físicos. Esta clássica divisão também está se desfazendo: os termos estipulados entre as empresas e os músicos estão sendo redefinidos. Tendo em vista a crise do suporte físico de gravação, as companhias denominadas “fonográficas” ou “gravadoras” (ambos os termos são hoje on-line. Ilustrada. São Paulo, 12 de janeiro de 2009, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u488994.shtml, última consulta: 07.03.09). 7 Durante o período compreendido entre os meses de janeiro e junho de 2008, as turnês musicais nos Estados Unidos, principalmente as de pop e rock, tiveram uma renda bruta de 1,05 bilhões de dólares (Bon Jovi: 56,3 milhões na turnê promotora do disco “Ost Highway”; Bruce Springsteen: 40,8 milhões; Van Halen: 36,8 milhões). Mais informações, conferir O Globo. Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 15 de julho de 2008, p. 1. 7 questionáveis) estão desenvolvendo áreas de negócios ou empresas “irmãs” a cargo da gestão de carreiras artísticas. Isto inclui tanto a promoção de artistas e intérpretes em diferentes níveis, bem como o planejamento de suas agendas (para atuações ao vivo, em concertos exclusivos ou em festivais) e a estrutura técnica dos shows (Herschmann, 2007b). Segundo dados divulgados pela revista norte-americana Pollstar, se é verdade que até bem pouco tempo os músicos conseguiam dois terços da sua renda através das gravadoras, isto é, das vendas de CDs (o terço restante era obtido através de shows e publicidade/merchandising), é preciso ressaltar que atualmente esta proporção se inverteu. Só nos EUA as vendas de shows passaram de 1,7 bilhão de dólares em 2000 para mais de 3,1 bilhões em 2006. A publicação destaca ainda a preocupação das gravadoras hoje em garantir seus lucros: um número expressivo delas está fazendo seus artistas assinarem contratos mais abrangentes, ou seja, acordos de direitos plenos ou múltiplos8. Em outras palavras, como uma alternativa para enfrentar o encolhimento de 30% do mercado de fonogramas dos últimos cinco anos, as gravadoras vêm buscando adotar novas fórmulas, isto é, vêm adotando como medida compensatória às suas perdas a alteração dos contratos que prevêem, entre outras coisas, a taxação de 10% das bilheterias de seus artistas (Herschmann, 2007b) As gravadoras tradicionais e novas não são as únicas que estão tomando conta do novo filão das atuações ao vivo. Entidades financeiras e fundações de grandes empresas vêm ganhando espaços no terreno do marketing cultural e entrado com força no mundo das atuações ao vivo. Para alguns destes novos agentes, as esferas da informação e da cultura são meros “mercados” onde aplicar “estratégias de êxito” com a finalidade de obter benefícios simbólicos. Alguns festivais também se transformaram em marcas e deram início à sua peculiar transnacionalização. Rock in Rio é um caso exemplar. No último mês de julho ocorreu em Arganda del Rey, cidade de 50.000 habitantes situada a 30 quilômetros de Madrid, o maior festival de música jamais celebrado na Espanha (Albornoz; Herschmann, 2009). Com um orçamento de 30 milhões de euros, o Rock in Rio foi 8 Conferir dados divulgados em: REVISTA POLLSTAR. On Tour: Your Favorite Álbum Pollstar (disponível em <http://www.pollstar.com/news/viewnews.pl?NewsID=8085>, último acesso: 3 de agosto de 2007) e em THE ECONOMIST. A Change of Tune, in: Economist.com (disponível em <http://www.economist.com/business/displaystory.cfm?story_id=9443082>, último acesso: 10 de agosto de 2007). 8 qualificado pelo diário espanhol de maior circulação, El País, como “o grande negócio da música”. Mediante as críticas que advertiam que as empresas comerciais tinham mais destaque e relevância que a música, o criador e diretor do festival, Roberto Medina afirmou na ocasião: “A marca Rock in Rio é um evento entre o marketing e a música. (...) Não sou um promotor de concertos nem um rockeiro” (idem.). De forma complementar, as autoridades locais festejavam: “Será uma ocasião perfeita de promoção, mas também de impulso econômico da cidade” (idem.). No Brasil, mega eventos que trazem em geral grandes ou emergentes estrelas internacionais (menos compromissados com a música local) como, por exemplo, o, Hollywood Rock, Free Jazz, Rock in Rio e TIM Festival acabaram ou estão em crise, sendo realizados cada vez de forma mais sazonal no país. Entretanto, o que chama atenção nos últimos anos é que, diferentemente dos grandes festivais e concertos de música ao vivo promovidos pelas majors com grandes empresas, vem crescendo significativamente o número de festivais independentes: organizado por iniciativa de coletivos de artistas, pequenas gravadoras e/ou produtoras já temos mais de 40 festivais por ano que são realizados fora das grandes capitais que mobilizam cerca de 300 mil pessoas (dados divulgados pela Associação Brasileira de Festivais Independentes). Ainda que muito associado à cena roqueira do Brasil, é possível atestar um interessante rede de artistas e público que vem crescendo e que desenvolve como estratégias para garantir o êxito e/ou sustentabilidade: utilização de recursos de leis de incentivo a cultural, emprego das novas redes sociais, militância na área musical e até escambo9. Diferentemente dos antigos festivais da canção e dos grandes eventos realizados no Brasil, os novos festivais independentes: usam a mídia alternativa e interativa, os artistas divulgados geralmente não têm vínculos com as majors, é um importante espaço de consagração e reconhecimento dos músicos dentro do nicho de mercado em que atuam, os novos festivais são simples mostras, sem premiação10. Cabe destacar ainda que alguns suportes físicos específicos - como o vinil e o DVD – e as retransmissões de música ao vivo não têm o mesmo valor que a experiência dos concertos em si, mas sinalizam a importância dos hábitos e referenciais culturais para 9 Destaque para o interessante trabalho realizado pelos coletivos de Cuiabá que trabalham no projeto Fora do Eixo: criaram uma moeda para o escambo, chamada de “cubo” (mais detalhes ver: http://cuboeventos.blogspot.com/2009/08/2009-pre-do-congresso-fora-do-eixo-todo.html). 10 FLAVIO JR., José. A nova era dos festivais, in Revista Bravo. Rio de Janeiro, Abril, maio de 2009 (link: <http://bravonline.abril.com.br/conteudo/musica/nova-era-festivais-467150.shtml>, último acesso: 14 de junho de 2009). 9 o público. Herschmann (2007b) ressalta que já há alguns anos a expressiva venda de DVDs tem sido importante para um não aprofundamento ainda maior da crise da indústria da música. Argumenta que os fonogramas em geral são desvalorizados (a situação de exceção é quando são uma espécie de souvenir da experiência de um show bem sucedido) e que o interesse do público pelos DVDs é reflexo do alto valor dos concertos de música para os consumidores hoje (o DVD, em alguma medida, traria mais elementos que o CD de música tradicional, isto é, permitiria com mais eficácia simbólica que os atores sociais acionassem afetos e a memória). Cabe sublinhar também que associado às atuações ao vivo temos as gravações e posterior comercialização material e imaterial, como a retransmissão ao vivo através em múltiplos suportes. Em 2007, por exemplo, o site Medici.tv (filial empresa norteamericana Medici Arts, proprietária de um catálogo importante de DVD, com 1.500 horas de vídeo, e de fundos de arquivos musicais) retransmitiu ao vivo o Festival de Verbier que anualmente é realizado na Suíça. Este ano se repetiu a experiência empregando câmeras automatizadas e de alta definição. Assim, a qualidade das retransmissões torna possível que se possa conectar a equipamentos de som ou televisores para desfrutar completamente dos conteúdos11. Novas estratégias de formação e de relação com o público – co-produção dos consumidores em sites e games musicais Parte-se do pressuposto que as práticas sociais que estão relacionadas a organização dos novos festivais independentes revela uma nova maneira dos artistas se relacionarem com seu público, empregando crescentemente as novas tecnologias de informação e comunicação. Cada vez mais é possível encontrar na internet plataformas multimídias que encorajam artistas e consumidores a veicular a sua produção, a intercambiar conteúdos e informações. Por um lado, vemos artistas que tentam desenvolver novas estratégias e buscam alternativas para a gestão de sua carreira que cada vez depende menos das majors e mais da socialização da sua produção; e, por outro lado, vemos consumidores e fãs que produzem videoclipes de seus ídolos e que têm muita demanda; usuários que mobilizam um grande contingente de pessoas para ir aos concertos, que 11 Ver “Medici.tv es streaming Live e VOD de alta calidad e de pago” in: Boletín Pist@s Lavina TC, 28 de julho de 2008 (disponível em: http://www.medici.tv, última consulta: 02.01.09). 10 trabalham com as redes sociais da web de forma comprometida e voluntária para artistas realizando todo tipo de atividades; que atuam como managers ou intermediários realizando um importante trabalho de renovação do público, recolocando a produção do artista dentro do gênero ou campo musical (como, por exemplo, na construção dos fãs de tags na rede); e consumidores que estão mais interessados em consumir música – incluídos os desvalorizados fonogramas - sempre que os mesmos estejam em outros formatos que explorem mais o sensorial dos consumidores (como, por exemplo, através dos videogames musicais que trataremos mais adiante no texto). Tradicionalmente a rádio, as publicações periódicas e a televisão (antes da criação e consolidação dos canais do tipo MTV) eram os canais mais habituais para formar o público, promover carreiras artísticas e publicizar obras musicais. Hoje, a emergência dos dispositivos e as redes digitais estão pondo em dúvida a relação habitual entre artistas e audiências, minando o poder de prescrição dos tradicionais meios de comunicação. Além disso, o contato entre artistas e públicos - ao menos potencialmente – encontra-se simplificado: a criação de comunidades interpretativas, sem a participação das mídias tradicionais, é cada vez mais comum. Concomitantemente a atuação dos meios de informação usuais, tem emergido espaços na internet de distinta natureza que se nutrem da contribuição desinteressada (pelo menos em termos econômicos) dos usuários. Nestes sites é possível encontrar gravações musicais e audiovisuais (concertos e entrevistas), fotografias, críticas e recomendações de trabalhos musicais ou agendas de atuações, entre outros conteúdos. Além disso, em vários sites - o mais conhecido é o Last.fm – os usuários podem criar tags, podem livremente propor uma categorização em um esquema colaborativo. O fenômeno da explosão dos tags na rede é relevante, pois se constitui em uma referência importante para as novas práticas de consumo e permite compreender melhor as lógicas que regem as tendências de segmentação do novo mercado cultural (Amaral, 2007). Na realidade, o caso do Last.fm ilustra bem as mudanças que vêm ocorrendo na relação entre produtores e consumidores: nesta plataforma se oferece um “serviço musical” que a partir da escuta de canções vai definindo um perfil específico. Assim, o usuário tem a possibilidade de se contactar com outros usuários com os quais compartilha preferências musicais e recomendar canções. Segundo os responsáveis deste serviço musical, atualmente disponível em doze idiomas, “A meta do Last.fm sempre foi tornar 11 mais democrática a cultura musical: que cada pessoa possa escutar a música o que quiser, quando quiser. Sem um intermediário que diga o que cada um tem que gostar”12. Poder-se-ia ainda especular qual será o destino final desta empresa, cujo slogan reza “the social music revolution” e que conta com mais de quinze milhões de usuários, uma vez que no ano passado - 2007 - foi adquirida em 208 milhões de dólares pela Corporação CBS. No momento de dar-se a conhecer publicamente a venda do Last.fm, um de seus criadores, Martin Stiksel, declarou que a CBS havia adquirido “uma comunidade muito vibrante e ativa”. Os diretores da Corporação CBS - explicou então Stiksel - “querem ir de uma companhia baseada em conteúdos a uma companhia cuja base seja as audiências, outorgando o controle a estas e aprendendo com elas. Esta é a razão pela qual Last.fm era sua opção”13. A compra deste serviço musical parece tomar o mesmo rumo de compras e fusões realizadas anteriormente pelas companhias News Corporation, de Rupert Murdoch, e Google Inc. Em 2005, a News Corporation adquiriu MySpace por 580 milhões de dólares, uma plataforma multimídia baseada na criação de comunidades privadas que compartem músicas, fotografias, diários e interesses diversos. Nas páginas de MySpace é possível encontrar um sem número de artistas e bandas musicais dos mais diversos lugares do mundo. Em 2006, a empresa criadora do sistema de busca mais utilizado internacionalmente, Google Inc., pagou cerca de 1,6 bilhões de dólares pelo site de publicação gratuita de vídeos YouTube. Fundado em 2005, este site se transformou em uma grande plataforma de promoção e divulgação. A maior parte dos arquivos que conformam a coleção do You Tube são curtas de aficionados, ainda que, nos últimos meses, profissionais do audiovisual, estações de televisão, partidos políticos e grandes gravadoras14 também tenham publicado vídeos no site. Os acordos pelos direitos autorais assinados com grandes companhias provedoras de conteúdos (como as majors Universal, Sony e Warner) prepararam o terreno para futuras articulações entre produtores e consumidores e também possíveis conflitos com os consumidores-usuários que por 12 Conferir “Acerca de Last.fm” (disponível em <http://www.lastfm.es/about>, última consulta: 25 de Julio de 2008). 13 Ver “Music site Last.fm bought by CBS”, BBC News Channel (disponível em: <http://news.bbc.co.uk/1/hi/technology/6701863.stm>, última consulta: 25 de Julio de 2008). 14 Ver, por exemplo, a seção da empresa Universal Music Group: <http://es.youtube.com/user/universalmusicgroup?ob=4>, última consulta: 01 de agosto de 2008). 12 ventura venham a reagir ao processo de “enclousers” de conteúdo que vem sendo realizado na web hoje (Jenkins, 2008) 15. É possível constatar também a tendência de crescimento de vendas de música no ambiente dos videogames: ou seja, num contexto de queda da venda de fonogramas, vem crescendo a procura pelos games musicais. A tendência não é nova, mas se intensificou em 2008 (com indícios relevantes em 2007), levando a indústria e os artistas a prestarem mais atenção aos videogames e jogos como Sing Star, Guitar Hero, Rock Band e Rock Revolution16. Em 2008, inclusive, na principal feira mundial de tecnologia, a E3 (realizada em Los Angeles), estes games foram o principal destaque17. Evidentemente, na chamada “guerra dos consoles” as majors dos videogames disputam os games mais populares e por sua vez as empresas desenvolvedoras de jogos 15 Cabe ressaltar ainda que esses movimentos de compras protagonizados por grandes companhias da informação e da comunicação na paisagem digital coexistem com a presença de movimentos sociais e projetos altruístas de caráter fundamentalmente sociocultural (de promoção de redes sociais, colaborativas). É o caso de Overmundo, site web que adota como política geral de publicação uma licença Creative Commons. Patrocinado pelo Ministério de Cultura do Brasil e pela empresa Petrobrás, Overmundo é um site gerado a partir da colaboração de usuários cuja finalidade é “servir de canal de expressão para a produção cultural do Brasil e de comunidades de brasileiros espalhadas pelo mundo afora tornar-se visível em toda sua diversidade”. “Sobre o Overmundo” (disponível em: <http://www.overmundo.com.br/estaticas/sobre_o_overmundo.php>, última consulta: 25 de julho de 2008). Portanto, a aquisição - “a golpe de talonário” - destes sites, que aglutinam uma importante massa crítica de conteúdos, dá a seus novos proprietários uma grande quantidade de informação estratégica sobre os usuários das novas tecnologias da informação e da comunicação, geralmente pertencentes as camadas mais favorecidas da população. Uma valiosa informação na hora de elaborar perfis socioculturais e descobrir tendências de consumo de todo tipo. 16 Nesses games, o jogador tem controles que simulam instrumentos reais, como guitarra, bateria e microfone. As notas são representadas por botões que devem ser acionados na hora certa para que o show agrade a platéia. As versões mais recentes dos videogames permitirão simular de forma cada vez mais realista a vida dos artistas. A famosa banda norte-americana Metallica, por exemplo, anunciou em seu site oficial que uma versão do videogame Guitar Hero dedicada exclusivamente ao grupo. O lançamento deste game está programado para o primeiro semestre de 2009. Segundo a banda, o jogo deve permitir que os jogadores assumam o posto dos membros do grupo Metallica, inclusive com um “modo carreira” em que é possível reproduzir a trajetória do grupo e um modo de dificuldade “expert +”, que exige que o jogador que toca bateria use um pedal duplo para o bumbo. Mais detalhes, ver “Metallica vira videogame versão exclusiva de Guitar Hero”. In: G1, veiculada em 15.12.2008 (disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL9232757085,00METALLICA+VIRA+VIDEOGAME+EM+VERSAO+EXCLUSIVA+DE+GUITAR+HERO.htm l>, última acesso: 01 de março de 2009). 17 Vários destes games de sucesso existem em versões elaboradas por empresas desenvolvedoras de videogames para serem utilizados em mais de uma das três principais consoles do mercado: a Xbox 360 (da Microsoft), PlayStation (da Sony) e Wii (da Nintendo). Para aclarar estas importantes informações (que inclusive indicam interesses corporativos), listamos abaixo os principais games musicais analisados neste ensaio: Guitar Hero I, II e III. Fabricado e distribuído pela Harmonix – Neversoft / Red Octane Activision. Há versões para Xbox, PS, Wii. Rock Band I e II. Fabricado e distribuído pela Harmonix - PI Studios - Q Entretainmet/ MTV / EA Sports. Há versões para Xbox, PS, Wii. Sing Star I. Fabricado e distribuído pela London Studio / Sony. Há somente versões para PS. Rock Revolution I. Fabricado e distribuído pela Zoe Mode - Savage Entretainmet - HB Studios / Konami. Há versões para Xbox, PS, Wii. Para mais detalhes sobre os games, ver a revista de games norte-americana EGM (disponível em: http://www.1up.com/do/pubs?did=2, último acesso: 27 de março de 2009). 13 musicais buscam firmar contratos de exclusividade com consagradas grupos, bandas ou artistas, na sua grande maioria de rock (Herschmann, 2009). A Federação das Gravadoras de Música dos EUA (www.riaa.com) registrou queda de 11,8% nas vendas de música em 2008, em relação ao ano anterior. Enquanto isso, as vendas de jogos musicais dobraram, atingindo US$ 1,9 bilhão, segundo o grupo de consultoria NPD. A banda Aerosmith lucrou mais com sua versão do game Guitar Hero, lançado em junho, do que com cada um de seus dois últimos discos, segundo Kai Huang, co-fundador da empresa Red Octane, responsável pela franquia que inventou, por assim dizer, o gênero, em 2005. “A exposição que o artista tem no Guitar Hero é gigantesca”, afirma Huang18 (G1, 21.12.2008). A indústria da música tem a chance com estes games de formar ou renovar públicos artistas para artistas desconhecidos ou consagrados19. Um detalhe importante. O público que se forma através dos games é relativamente distinto dos antigos fãs clube de músicas. Hoje, segmentos expressivos da juventude passaram a conhecer o artista pela sua presença no game, mas não necessariamente esses gamers se reconhecem como parte da comunidade de consumidores tradicional daquele artista ou banda. Tendo em vista o que já foi assinalado neste artigo, poder-se-ia realizar as seguintes indagações: Estas mudanças mencionadas neste paper indicam tendências? Como se construirá e renovará o sentimento de pertencimento a certa cultura musical direcionada ao público jovem? Como se produzirá a identificação entre produção musical e seu respectivo público jovem? É muito cedo para avaliar que conseqüências essas práticas terão sobre os grupos sociais e suas respectivas culturas urbanas musicais: sobre a questão da autenticidade, sobre a relação fã e ídolos, sobre formatos e gêneros, etc. Além disso, imagina-se que quando crescerem e acessarem o mercado de concertos e se interessarem mais efetivamente a fazer parte de comunidades de fãs isso tende a ser 18 Cf. “Games se transforma em canal de distribuição para indústria musical”. In: G1, veiculada em 21.12.2008 (disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Games/0,,MUL931207-9666,00.html, último acesso: 02 de março de 2009). 19 Embora o diretor da Warner Music, Edgar Bronfman Jr. e outros executivos venham reclamando que as gravadoras ganham menos do que deveriam com os games (já que o conteúdo principal é negociado com a indústria fonográfica) – com os royalties das música -, essas empresas continuam a apostar nessa nova plataforma de negócios19 (G1, 07.08.2008). A venda de músicas de bandas como Nirvana e Red Hot Chili Peppers mais que duplicou depois que elas apareceram nesses jogos. Além do Aerosmith, o AC/DC ganhou uma versão exclusiva de Rock Band, e o Metallica lançou seu disco mais recente em Guitar Hero. Em 2009, Metallica e Beatles serão os próximos a terem seus games exclusivos (G1, 21.12.2008). 14 redefinido. Mas nada minimizará o fato de que o videogame foi uma das primeiras referências de contato com o universo da música (Herschmann, 2009). Em outras palavras, analisando os últimos 60 anos da história da música poder-seia afirmar que, após a segunda Guerra Mundial, os jovens entravam em contato com a música através de discos compactos (com singles), Long Plays e estações de rádio. Nos anos 1980 e 1990, ocorre uma mudança e passam a tomar gosto pelos diferentes gêneros também através de revistas especializadas, CDs, da MTV e outros canais de televisão dedicados à música. E, no contexto atual, especialmente na transição da infância para a adolescência: tomam contato também através da internet (blogs, sites), dos arquivos MP3 baixados e dos videogames (idem.)20. Vários especialistas acreditam que os videogames estão sinalizando um novo modelo para o business da música. Além das músicas de cada jogo, alguns consoles – tais como, por exemplo, o Xbox 360 e PlayStation 3 - permitem o usuário comprar novas faixas via download. Mais de 72 milhões de músicas já foram baixadas desde que as lojas online passaram a funcionar (a maioria das músicas custa o equivalente a quase dois dólares, mas também existem downloads gratuitos)21. Alguns executivos apostam que os games protegem o setor de um grande desafio que a indústria fonográfica vem enfrentando: a pirataria. Afirmam que no ambiente do videogame original (é uma mídia significativa para poder comprar as músicas que são lançadas via download), o usuário é “mobilizado” e “seduzido” a não piratear (G1, 21.12.2008). Evidentemente, os usuáriosconsumidores depois que cansam das músicas disponíveis nos games, querem e buscam mais músicas para jogar através do sistema de download oferecido pelo software do videogame original. Assim, é relevante observar que há uma grande eficiência dos games na sua condição de plataforma para compra de fonogramas: os especialistas deste mercado vêm constatando que os consumidores preferem pagar mais através dos games do que pagar um dólar nos sites tradicionais de venda online (Herschmann, 2009). 20 Vários meninos e adolescentes dizem que as músicas de grupos como o Guns N’Roses e do Kiss que estão no game Guitar Hero, por exemplo, constituíram-se em um importante momento para fazer uma transição do gosto musical dos pais para os deles. Como relata o adolescente William Abduch (de 15 anos), o game Slow Ride “(...) foi o meu primeiro contato com o rock” (idem.). Aliás, não será analisado neste artigo, mas o fato do rock (especialmente o rock heavy metal) ocupar um lugar de destaque nos conteúdos dos games musicais trará importantes conseqüências sobre a renovação do público consumidor e criador deste gênero em futuro próximo (Herschmann, 2009). 21 Cf. “Gravadora quer mais dinheiro por músicas em games”. In: Rolling Stones, veiculada em 10 de agosto de 2008 (disponível em: < http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/3201, último acesso: 22 de março de 2009). 15 Além disso, parte desses games musicais permite aos consumidores realizarem com mais autonomia um trabalho criativo e produtivo no jogo. Por exemplo, o game eletrônico Guitar Hero: World Tour, lançado em outubro de 2008, leva a playlist de músicas a um novo patamar. O jogo permite que o usuário crie suas próprias canções e as compartilhe com a comunidade online. Segundo Huang, da Red Octane, mais de 141 mil músicas já foram criadas e cadastradas pelos jogadores na rede (somente através do Guitar Hero até 2008). É neste sentido que este executivo espera que os videogames se tornem “a maior plataforma de distribuição de música do mundo”. Números da empresa de consultoria de mercado NPD, por exemplo, indicam que a franquia Guitar Hero soma 22 milhões de unidades vendidas nos EUA desde 2005, contra cinco milhões de Rock Band, lançado em 2007 (G1, 21.12.2008). Não é a toa que vários executivos das grandes gravadoras de música estão comparando este momento de sucesso dos games musicais a outros momentos marcantes do setor, tais como os dos lançamentos: da emissora de televisão MTV, do walkman, do CD player portátil e do Ipod (Herschmann, 2009). Outro aspecto importante a ser analisado no boom dos games musicais – e que permite repensar as críticas e estereótipos associados a estes jogos – é o seu papel educativo, de iniciação de jovens no universo musical22. Com a explosão do jogo Guitar Hero vários jovens passaram a querer aprender a tocar guitarra: em 2008 aumentaram as vendas de guitarras elétricas e o número de pessoas interessadas em aprender a tocar instrumentos23. Vale ressaltar que nos primeiros jogos o consumidor só podia jogar/simular a guitarra, mas agora toca vários instrumentos. Dados fornecidos pelo site de notícias Times Online revelam que na Inglaterra 2,5 milhões de jovens começaram a tocar instrumento musical de verdade inspirado em jogos eletrônicos. 12 milhões de jovens, entre três e 18 anos, revelaram numa pesquisa na Inglaterra que já jogaram os games musicais. Para que se possa avaliar a importância dos games musicais, os dados disponíveis no mercado trazem duas indicações importantes. Primeiramente que em 2008, os games 22 Esta dimensão pedagógica e, ao mesmo tempo, lúdica está sempre presente nos games (ver a esse respeito as seguintes obras: Caillois, 1986; Huizinga, 1980; Eco, 1989) 23 O site Edge revelou que de janeiro a setembro de 2008 as vendas de guitarras elétricas aumentaram 27%. Mais informações ver: LOBATO, João. “Games põem jovens perto da música”, in: Folha online, veiculada 14.12. 2008 (disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u478891.shtml>, último acesso: 12 de fevereiro de 2009; SILVA, Mario S. “Jovens entram para o mundo do rock por meio de games musicais”, in: Folha online, veiculada 12.01.2009 (disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u488901.shtml>, último acesso: 29 de março de 2009). 16 de música pela primeira vez na história conseguiram superar os videogames esportivos em vendas: em uma pesquisa entre os usuários, 58% dos fãs informaram preferir estes jogos24. Em segundo lugar, a presença dos games musicais vem contribuindo de forma significativa para a ampliação do número de pessoas do sexo feminino se tornou consumidor de games. Aliás, a maioria do público de jogos musicais é composta por esta parcela de público25. É necessário destacar a esta altura que a indústria de games é a única que vem crescendo expressivamente. Mike Griffith, CEO da Activision, empresa proprietária do Guitar Hero (o game musical de maior êxito até o momento), acredita que os videogames vão se sobrepujar a todas as outras formas de entretenimento na próxima década. Este é um argumento importante para ser analisado: em que medida o videogame pode vir a se constituir em uma nova plataforma multimídia para consumo (e “(co)produção”), especialmente de um público jovem. Afinal, como destaca Griffith, é a única forma de produção de cultura (e entretenimento) que o consumo vem aumentando (desde 2003): enquanto todas as outras indústrias culturais tiveram quedas constantes nas vendas, a procura pelos games subiu cerca de 40%26. Este executivo, inclusive, atribui o crescimento aos avanços tecnológicos, aumento da qualidade da narrativa e a interatividade27. Ele afirma categoricamente: “os videogames estão mudando a forma de se contar histórias, o mundo da música e do entretenimento”28. 24 Inclusive o videogame Guitar Hero III: Legends of Rock, jogo lançado em 2007, tornou-se o primeiro título a ultrapassar a impressionante marca de US$ 1 bilhão em vendas, recorde na história dos games (http://www.edge-online.com). 25 Ver também artigo “Jogos de música superam os de esporte em popularidade”, in: O Globo online, veiculada em 21.10.2008 (disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2008/10/21/jogos_de_musica_superam_os_de_esportes_em_popularidade-586045045.asp>, último acesso 05 de janeiro de 2009). 26 Os games – como outros setores da cultura e do entretenimento - sofrem com a pirataria (especialmente a realizada a partir de suportes físicos) disseminada no globo. Entretanto, os consumidores-usuários parecem mais comprometidos com os produtos e serviços oferecidos pelas majors. De qualquer modo, este é um tema relevante e que não será abordado neste ensaio. 27 Apesar das evidências (algumas assinaladas neste trabalho), o game é ainda considerado apenas como uma forma de diversão ou entretenimento e não como uma mídia emergente: isto é, freqüentemente é tratado, por parte dos setores mais conservadores da sociedade, de forma preconceituosa. Mesmo no meio acadêmico - só nos últimos anos - passou a se encarar com mais seriedade os estudos especializados relacionados a estas novas tecnologias de comunicação. Portanto, como este artigo procurou sugerir (de forma introdutória) ao longo da argumentação desenvolvida aqui, o game pela sua importância cultural para diferentes públicos, desempenha cada vez mais um papel significativo e é capaz de sinalizar tendências importantes para se compreender não só as dinâmicas de produção e consumo, mas também as mudanças nas rotinas das culturas urbanas juvenis e musicais hoje (Herschmann, 2009). 28 Cf. “CEO da Activision diz que jogos vão eclipsar outras mídias”, in: O Globo online, veiculada 12.01.2009 (disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2009/01/12/ceo-da-activision-diz- 17 Considerações finais Tendo em vista os argumentos aqui desenvolvidos e os dados qualitativos e quantitativos apresentados, poder-se-ia fazer algumas considerações sobre as transformações e os processos de reestruturação ainda em curso na indústria da música: a) o setor musical revela-se um interessante estudo de caso para analisar as mudanças que podem abranger em breve ao resto das indústrias culturais; b) as mudanças sofridas pelo business musical a partir de sua completa digitalização desembocam num cenário instável a nível tecnológico, econômico e social; c) mobilizados pelo medo de perder o controle do negócio, os principais atores do mercado fonográfico vem atuando junto às instituições gestoras de direitos autorais para defender o tradicional modo de funcionamento do setor; d) a breve história de web sites e videogames musicais de grande sucesso cuja base reside em comunidades numerosas de usuários que compartilham gostos e interesses, sinaliza mudanças que devem ser estudadas mais detalhadamente; e) existe um gap entre as práticas sociais de significativos segmentos dos consumidores de conteúdos musicais e os interesses comerciais das principais companhias; f) há um significativo número de Estados que vem resguardando - através de ações legislativas, judiciais (e policiais) - os interesses corporativos do setor musical (Albornoz; Herschmann, 2007). 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