KANT E A REVOLUÇÃO COPERNICANA: UMA INTRODUÇÃO

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Kant e a Revolução Copernicana do Conhecimento: uma
Introdução
Kant and the Copernican Revolution of Knowledge: a Introduction
Adelino Ferreira1 – Universidade Federal de São João del-Rei
Resumo: O presente trabalho visa ser uma breve apreciação de alguns pontos da teoria crítica
de Kant, em especial da chamada Revolução Copernicana realizada pelo filósofo na teoria do
conhecimento. A partir da análise de alguns dos principais textos de Kant sobre o tema e com
o auxílio de comentadores de referência, procurou-se, de forma didática, introduzir o leitor na
discussão acerca do conhecimento no período moderno e mostrar a contribuição do kantismo
para a mesma.
Palavras-chave: Idade Moderna, Revolução Copernicana, Teoria do Conhecimento.
Abstract: This article seeks to be a brief appreciation some points of Kant’s criticism theory,
mainly the called Copernican Revolution realized by philosopher in knowledge theory.
Analyzing some of Kant’s texts about the theme and with support of reference commentators,
aimed at, didactically, introducing reader in debate about knowledge in modern period and
showing Kantism’s contribution to it.
Keywords: Copernican Revolution, Modern Age, Theory of Knowledge.
Introdução
I
mmanuel Kant nasceu no século XVIII e viveu em uma época marcada pelo
pensamento de grandes mentes como Newton, Copérnico, Leibiniz e Hume. Sua obra foi, ao
mesmo tempo, uma sistematização de conhecimentos anteriores e uma novidade para a
filosofia de seu tempo. A Teoria Crítica, que aqui será abordada, foi uma das principais
contribuições kantianas para seu tempo, influenciando toda uma tradição posterior do
pensamento filosófico.
O chamado idealismo transcendental, que marcou suas reflexões sobre a teoria do
conhecimento, operou uma importante mudança no modo como se entendia o pensamento e
1
Graduando em Filosofia pela UFSJ / Bolsista PET (MEC/SESu/Capes) / e-mail: [email protected]
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suas consequências. Para expor tais assuntos, serão aqui trabalhados alguns trechos da Crítica
da Razão Pura (CRP), texto de referência para a confecção do artigo. Tal obra é de suma
importância para a compreensão do projeto kantiano e reflete a busca do filósofo pelos limites
da razão e pelo estabelecimento de formas puras, a priori, que servissem de base para a
construção de um conhecimento seguro.
Para auxiliar a explicitação do tema serão utilizadas obras de apoio de comentadores
que visam uma maior clareza dos conteúdos e um olhar mais geral sobre a obra de Kant. O
texto principal de apoio é o livro de Gilles Deleuze, A Filosofia Crítica de Kant. Também
serão usadas as obras de Allen W. Wood, Kant e Otfried Höffe, Immanuel Kant.
A divisão do texto segue um itinerário que visa (i) situar o panorama da época e os
principais problemas encontrados pelo filósofo; (ii) mostrar como ele constrói sua filosofia
indo além da dicotomia racionalismo x empirismo; (iii) demonstrar que sua teoria é
transcendental, ou seja, está preocupada com as condições de possibilidade do conhecimento;
(iv) lançar um olhar específico sobre o que se entende propriamente por Revolução
Copernicana no pensamento kantiano e (v) fazer uma breve explanação sobre as formas puras
da sensibilidade e do entendimento, segundo Kant.
1 O Panorama da Época
Para uma reconstrução adequada dos argumentos produzidos por Kant em sua
filosofia, que ficou conhecida como crítica, é preciso, inicialmente, um olhar atento sobre a
época na qual o autor produziu sua filosofia. Kant viveu no século XVIII, na Alemanha, em
um contexto filosófico e científico moderno. Falar em um período moderno é chamar a
atenção para uma redescoberta do homem e suas capacidades, mais ainda, é olhar para a
ciência que este homem pode produzir.
Kant, desta forma, insere-se em uma época que se desvencilha das ciências medievais,
baseadas no aristotelismo, por meio de teorias como as de Newton, Copérnico, Bacon e de
filosofias como a de Descartes, Leibniz, Locke e Hume. Com Descartes vê-se uma guinada
para a subjetividade, para o cogito, como fundamento do conhecimento. Com os empiristas
têm-se o valor da experiência e a crítica da universalidade dos conhecimentos. Os
racionalistas postulam a força da razão na busca do conhecimento seguro e Newton constrói
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uma teoria do espaço e do tempo absolutos com pressupostos científicos diversos dos
medievais.
É neste cenário de intensa disputa teórica que Immanuel Kant se vê enveredado para
resolver problemas deixados por racionalistas e empiristas e com a questão principal da
validação dos conhecimentos científicos. De maneira talvez reducionista, pode-se afirmar que
a grande questão a que Kant se viu desafiado a responder foi: como é possível validar o
conhecimento científico moderno? Kant encontrou limitações na resposta empirista e
racionalista e buscou construir um pensamento que pudesse superá-los, conservando
elementos de ambas as teorias.
Em sua obra, Kant confiou à razão humana o trabalho de construir um conhecimento
seguro acerca da natureza. A razão, em Kant, se torna legisladora, dominante no processo de
conhecimento. Contudo, afirmar uma razão poderosa é também estabelecer seus limites, até
onde ela pode ir, e Kant não se furtou a estabelecer esses limites, por meio de sua Crítica da
Razão Pura.
Para entender o itinerário intelectual kantiano é preciso recorrer à filosofia que o
despertou de seu “sono dogmático”, como o próprio autor fez questão de ressaltar. A
influência humiana se dá uma vez que Hume, em sua filosofia, questiona os pressupostos da
metafísica tradicional, que afirmava acriticamente a capacidade humana de chegar às
essências das coisas do mundo. Embora Kant não vá partilhar de todas as conclusões
humianas acerca do conhecimento, tais investigações se tornaram guias para a construção de
seu pensamento crítico.
2 Além do Empirismo e do Racionalismo
A filosofia kantiana se configura como uma crítica tanto ao empirismo quanto ao
racionalismo, no que tange o papel da razão na constituição do ser humano. Kant se destaca
como um autor que dá um extremo valor à razão em detrimento à natureza (instintos) ou a
qualquer outro ente considerado superior. Deleuze, em sua obra A Filosofia Crítica de Kant,
mostra que a grande controvérsia kantiana em relação aos empiristas e racionalistas é o papel
da razão como um fim. Para Kant, afirma Deleuze:
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Nos fins da razão, é a razão que se toma a si mesma como fim. Há, pois, interesses
da razão, mas, além disso, a razão é o único juiz dos seus próprios interesses. Os fins
ou interesses da razão não são julgáveis nem pela experiência nem por outras
instâncias que permaneçam exteriores ou superiores à razão. Kant recusa de antemão
as decisões empíricas e os tribunais teológicos (2009, p. 9).
Percebe-se aí que a filosofia kantiana, neste sentido, afasta-se de uma posição
empirista uma vez que discorda do papel atribuído à experiência no processo de
conhecimento. Isto não é o mesmo que excluir a experiência, nem defender um idealismo tal
qual era entendido pelos empiristas, mas dar à razão a função dominante na construção do
conhecimento. A razão, para Kant, não está a serviço de nada, não é meio, mas tem seus
próprios fins. Daí a recusa em uma posição que coloque a natureza como dominante no
homem. Uma ação racional será aquela que subjugue a natureza e a leve a cumprir os ditames
da razão.
Kant também se afasta de uma posição racionalista, pois estes também não vêem a
razão como um fim em si mesma, mas subjugada a instâncias superiores a ela, como um bem,
um valor, ou algo exterior a ela (DELEUZE, 2009, p. 8). Descartes, por exemplo, ao mesmo
tempo em que postula o cogito como substância, não deixa de evocar uma terceira substância
– divina – que cria e sustém o mundo; o pensamento de Leibniz propõe a ideia de uma
harmonia pré-estabelecida que permita dar conta de validar uma ciência com base na razão. A
filosofia kantiana, por sua vez, propõe um outro viés: a filosofia transcendental, realizando o
que ficou conhecido como revolução copernicana do conhecimento como se verá
detalhadamente neste trabalho. Para Kant, a mudança de paradigma do conhecimento,
invertendo a relação sujeito e objeto, conseguiria dar respostas mais satisfatórias para o
problema da fundamentação do conhecimento.
3 O Transcendental e os Juízos Sintéticos a Priori
Kant, na introdução da Crítica da Razão Pura, diz: “Chamo transcendental a todo o
conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que do nosso modo de os conhecer,
na medida em que este deve ser possível a priori” (CRP, B25).
O conhecimento
transcendental proposto na Crítica é um olhar não para o objeto puro e simples, mas para as
capacidades da razão em conhecê-lo. A razão passará a regular o processo e validar o
conhecimento.
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O conhecimento de que o texto trata é aquele possível a priori, ou seja, aquele que não
parta da experiência. Kant, na introdução da Crítica, expõe inicialmente dois tipos de juízos,
sintéticos e analíticos. Os juízos analíticos são aqueles que não trazem conhecimento novo,
reservando-se apenas a desmembrar no predicado aquilo que o sujeito já continha. Juízos
analíticos são a priori, uma vez que não carecem da experiência. São, por isso, necessários e
universais (CRP B3). Juízos como: o corpo é extenso são afirmações desse tipo. Uma vez que
faz parte do conceito do sujeito – corpo – a ideia de extensão, o predicado em nada
acrescentou. Outro tipo de juízo é o sintético. Este, via de regra, é a posteriori, ou seja, parte
da experiência. É, portanto, contingente e particular. Afirmações como: o carro é vermelho,
são exemplos de tais juízos. O fato de um carro ser vermelho só é verificado após a
experiência e não é necessário nem universal, pois carros podem ter cores diversas.
A questão posta a seguir é a existência de um terceiro tipo de juízo, os juízos sintéticos
a priori. Estes têm garantida sua universalidade e necessidade, acrescentam algo de novo ao
sujeito e não partem da experiência, embora, esta esteja presente. São estes os juízos
matemáticos e os da ciência em geral. Kant entende que, para se entender a ciência e validar o
conhecimento, é preciso necessariamente responder à questão de como são possíveis os juízos
sintéticos a priori (CRP, B19).
Tal é o “problema geral da razão pura”, no qual a metafísica deveria se debruçar. Allen
W. Wood sintetiza assim a questão:
Para Kant, metafísica é a ciência de conhecimentos sintéticos a priori através dos
conceitos. Os problemas tradicionais da metafísica, aqueles que concernem aos
fundamentos das ciências e também aqueles que concernem a supostas questões
sobrenaturais referentes a nós, têm a ver com proposições para as quais os
metafísicos pretendem que sejam conhecimento sintético a priori (2008, p.45).
O pensamento kantiano não exclui a metafísica, mas pretende levá-la a um patamar
superior, fazendo com que deixe de ser um tatear entre simples conceitos (CRP B XV). A
metafísica, até aquela época, se perdia em conhecimentos que não podiam ser verificados,
caindo em antinomias e especulações que careciam de embasamento.
Para fazer da metafísica o mesmo que já fora feito com as outras ciências – como a
matemática a as ciências naturais – Kant se dispõe a delimitar bem os objetos da metafísica e,
mais ainda, a olhá-los por meio de outro paradigma. É esta mudança de viés que possibilitará
um conhecimento mais seguro.
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4 A Revolução Copernicana
A mudança realizada por Kant é uma troca na direção de ajuste dos pólos da cognição.
Se antes era o sujeito que deveria se ajustar ao objeto e um conhecimento verdadeiro era o que
mais se aproximava da descrição do objeto exterior, agora, para que o conhecimento se dê, é o
objeto que deve ser regulado pelas capacidades cognitivas do sujeito. Kant, no Prefácio à
Segunda Edição da Crítica da Razão Pura afirma nestes termos: “Até hoje admitia-se que o
nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir a
priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se com
este pressuposto” (CRP B XVI). E prossegue:
Ora, na metafísica, pode-se tentar o mesmo, no que diz respeito à intuição dos
objetos. Se a intuição tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, não vejo como
deles se poderia conhecer algo a priori; se, pelo contrário, o objeto (enquanto objeto
dos sentidos) se guiar pela natureza da nossa faculdade de intuição, posso
perfeitamente representar essa possibilidade (CRP B XVII).
Se Copérnico colocou o sol no centro do universo, Kant deslocou o sujeito, mais
especificamente a razão, para o pólo central da cognição. Ele acreditava que esta era a chave
para o “problema da razão pura”. Submeter o mundo à razão significa que o mundo se
comporta de acordo com as leis racionais, que todo o conhecimento bem construído
racionalmente é seguro.
A ideia de uma revolução copernicana no conhecimento é fruto da tentativa de se
deixar o vago tatear da metafísica. Kant entendeu que, enquanto os polos do conhecimento
não fossem adequadamente pensados, a metafísica continuaria destituída de rigor. Nas
palavras de Höffe:
A revolução copernicana de Kant significa que os objetos do conhecimento não
aparecem por si mesmos, eles devem ser trazidos à luz pelo sujeito (transcendental).
Por isso eles não podem mais ser considerados como coisas que existem em si, mas
como fenômenos. Com a mudança do fundamento da objetividade, a teoria do
sujeito, de modo que não pode mais haver uma ontologia autônoma. O mesmo vale
para a teoria do conhecimento (2005, p. 45).
Pensar uma ontologia autônoma é imaginar que os objetos são totalmente captados
pelo entendimento humano que seria, deste modo, capaz de esgotar todas as possibilidades do
conhecer das coisas. É essa ideia que Kant rejeita. Ele seguiu uma linha que pode ser
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considerada mais prudente, ou seja, reconheceu que há uma grande possibilidade de o homem
não ser capaz de esgotar todo o conhecimento da natureza. Por isso, era preciso construir uma
ontologia e, por conseguinte, uma teoria do conhecimento, que levasse em conta essa
limitação e reconhecesse que o homem pode conhecer até certo ponto.
Algo importante a ser dito é que o fato de se afirmar uma limitação do conhecimento
humano não quer dizer a impossibilidade de se fundar um conhecimento seguro por meio da
racionalidade. Foi isso inclusive, como já dito, que Kant quis deixar claro: o reconhecimento
dos limites e das possibilidades do conhecimento quer justamente passar do conhecimento
impreciso a algo seguro. Esse algo seguro é o conhecimento dos fenômenos, regulado pelo
sujeito transcendental.
A revolução copernicana, ao tratar das possibilidades do conhecimento seguro,
encontra uma forma de fundamentar aprioristicamente a ciência moderna. Ao explicitar que é
o sujeito quem comanda o processo do conhecimento, Kant pretendeu mostrar como é
possível conhecer e fazer ciência sem apelos transcendentes. Cabe agora entender, de forma
sucinta como se dá o processo, segundo o pensamento kantiano.
5 O Conhecimento Transcendental: Espaço e Tempo e as Categorias
Kant, na Crítica da Razão Pura, mais especificamente na seção §1 da Estética
Transcendental, afirma que:
A capacidade de receber representações (receptividade), graças à maneira como
somos afetados pelos objetos, denomina-se sensibilidade. Por intermédio, pois, da
sensibilidade são-nos dados objetos e só ela nos fornece intuições; mas é o
entendimento que pensa esses objetos e é dele que provêm os conceitos (CRP B31).
As formas puras da sensibilidade, que Kant tratará na Estética Transcendental, são o
tempo e o espaço. Segundo a teoria kantiana, essas formas puras são a priori, ou seja,
prescindem de toda e qualquer experiência. É por meio delas que o sujeito representa os
fenômenos.
Sobre o espaço, Kant afirma que: “Consideramos, por conseguinte, o espaço a
condição de possibilidade dos fenômenos, não uma determinação que dependa deles; é uma
representação a priori, que fundamenta necessariamente todos os fenômenos externos” (CRP
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B39). Isto faz ver que Kant segue uma linha distinta de outros filósofos que entendiam o
espaço como algo experimentado e, por isso, a posteriori. O espaço se torna, com Kant,
condição de possibilidade: é algo necessário para que as relações entre os fenômenos possam
se dar. Kant ainda lembra que o espaço é uno, sendo ele condição de multiplicidade. (CRP
A25).
O que foi dito para o espaço é igualmente válido para o tempo, contudo, há que se
levar em conta em relação ao tempo que “tempos diferentes não são simultâneos, mas
sucessivos” (CRP B47). É por meio do tempo que se tem a noção de mudança, de movimento,
etc. Cabe também observar que o tempo é algo relativo aos sentidos internos, enquanto o
espaço daquilo que se representa como externo ao sujeito, embora se saiba que é algo
representado pelo sujeito.
Desta forma, pode-se perceber que todo o conhecimento que o homem possui é algo
dado no tempo e no espaço. O homem não consegue representar nada sem que o represente
por meio dessas formas puras da sensibilidade. Pode-se dizer que é no tempo e no espaço que
o homem recebe inicialmente os fenômenos e os representa. Tendo representado os
fenômenos eles serão pensados, organizados, por meio das formas puras do entendimento, ou
seja, pelas categorias.
As categorias descritas por Kant são: Quantidade, Qualidade, Relação e Modalidade
(CRP A70/B95). Cada uma dessas quatro possui três momentos, perfazendo 12 categorias, ou
conceitos fundamentais. É por meio dessas categorias que o sujeito, que representou os
fenômenos por meio do espaço e tempo, os organiza, produzindo, assim, o que se chama de
conhecimento. Kant se esmera em mostrar este caminho, expondo detalhadamente como se dá
o processo cognitivo. Deleuze assim resume a visão kantiana de tal processo:
1º. Todos os fenómenos estão no espaço e no tempo; 2º. A síntese a priori da
imaginação incide a priori sobre os próprios espaço e tempo; 3º. Os fenómenos
estão, por tanto, necessariamente submetidos à unidade transcendental desta síntese
e às categorias que a representam a priori. É realmente neste sentido que o
entendimento é legislador: sem dúvida, ele não nos diz as leis a que estes ou aqueles
fenómenos obedecem do ponto de vista da sua matéria, embora constitua as leis a
que todos os fenómenos estão submetidos do ponto de vista da sua forma, de tal
maneira que eles <<formam>> uma Natureza sensível em geral (2009, p. 27).
Deleuze resume o pensamento kantiano acerca do conhecimento mostrando a
importância do entendimento, e como ele é legislador, pois diz das leis a que todos os
fenômenos estão submetidos. Assim consegue-se construir um conhecimento que é, ao
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mesmo tempo, subjetivo e seguro para embasar a ciência. Este é um dos grandes avanços
alcançados por Kant à sua época, herdado por toda uma tradição que o precedeu.
Considerações Finais
O projeto kantiano marcou profundamente a modernidade. Atento ao que de mais
relevante acontecia em seu tempo, Immanuel Kant legou à posteridade uma teoria do
conhecimento sistemática que serviu de aporte para a ciência moderna. Sua chamada
revolução copernicana mostrou o sujeito transcendental como ponto central do processo
cognitivo.
Cabe destacar em Kant sua percepção de que a razão humana tem seus limites e uma
filosofia que quisesse ser respeitada e eficaz deveria olhar para esses limites e estabelecer qual
é o papel da razão no processo do conhecimento e até onde ela poderia ir. Sua teoria foi a
tentativa de levar a filosofia para além do “mero tatear”, como ele mesmo dizia, e fundá-la em
princípios apriorísticos que garantissem um conhecimento seguro acerca da natureza.
Cabe lembrar que Kant, ao tratar das formas puras da sensibilidade e do entendimento,
estava disposto a explicitar de forma coerente sua teoria sobre como e o que os homens
podem conhecer. Ao dizer que aos homens é dado conhecer apenas o fenômeno, Kant
estabeleceu os limites e com isso a possibilidade da fundação de um conhecimento
transcendental, ou seja, que investiga as possibilidades de se conhecer seguramente.
Por fim, pode-se dizer que a filosofia kantiana é complexa e exige uma análise muito
mais minuciosa do que aquela feita neste texto. O que aqui se quis indicar é que o pensamento
kantiano, ao revolucionar a forma de se pensar o conhecimento, mostrou a importância de se
olhar para a relação sujeito-objeto a partir de uma perspectiva em que o sujeito não seja um
simples receptáculo passivo no processo da cognição. A leitura das obras de referência serviu
como base para uma compreensão mais clara daquilo que Immanuel Kant pretendeu explicitar
e defender por meio de seus escritos.
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Referências
DELEUZE, Gilles. A Filosofia Crítica de Kant. Tradução de Germiniano Franco. Lisboa: 70,
2009.
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de Christian Viktor Hamm e Valério Rohden.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
WOOD, Allen W. Kant. Tradução de Delamar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed,
2008.
Submetido em: 05/10/2012
Aceito em: 29/11/2012
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