1 Rua Dias Adorno, 367 – 6º andar – Santo Agostinho 30190-100 – BELO HORIZONTE – MG Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: [email protected] NOTA TÉCNICA Nº 003/2012 Objeto: Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde na Comarca de Juiz de Fora. Inquérito Civil Público. Descumprimento de carga horária de profissionais médicos vinculados ao Sistema Único de Saúde. Unimed Juiz de Fora. Requisição de informações. Mandado de Segurança. 1. Relatório Cuida-se de consulta, elaborada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Juiz de Fora, para a analise técnica jurídica dos autos de Inquérito Civil Público nº MPMG 0145.09.000447-7, sob sua presidência, que tem por escopo a realização de levantamento regionalizado acerca da regularidade na acumulação de cargos públicos e privados por profissionais de saúde, nível superior (dentistas, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, etc), todos vinculados à Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora. Segundo o consulente, essa investigação se deve às várias reclamações de usuários quanto à falta de profissionais de saúde, notadamente médicos, vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), nos mais diversos pontos de atenção (unidades de saúde) do município, contrariando as 2 regras do sistema público, bem como contribuindo para o agravamento do setor pela negativa de acesso dos usuários às ações e serviços de saúde. Após as primeiras investigações, constatou-se que dos mais de 1000 (mil) profissionais médicos, vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), aproximadamente 250 (duzentos e cinquenta) acumulavam cargos públicos indevidamente, sendo 90 (noventa) com três ou mais cargos públicos e/ou dois cargos públicos com carga horária semanal superior a 40 (quarenta) horas semanais e/ou dois cargos públicos e cinco ou mais vínculos particulares. Com o objetivo de melhor aclarar essas acumulações de cargos públicos e privados, de forma a averiguar sua regularidade ou não, em face dos preceitos da Constituição Federal, das normas de Direito Administrativo, bem como dos próprios normativos do SUS, foram expedidos diversos ofícios, de natureza requisitória, na forma da lei, dentre eles, o dirigido para a Unimed Juiz de Fora. Segundo a Promotoria de Justiça, a prestação dessas informações, pela Unimed Juiz de Fora, em face de seus profissionais médicos com vínculos ao Sistema Único de Saúde (SUS), alcançando o período de 2009 a 2011, circunscreveu-se aos seguintes pedidos: a) a data e horário de cada um dos atendimentos realizados pelos profissionais avaliados, no período de referência; b) o local de tais atendimentos (hospital, consultório, clínica, etc); c) as iniciais dos nomes de cada um dos pacientes atendidos, no que se refere às informações consignadas em item “a”. 2. Da carga horária dos profissionais de saúde vinculados ao SUS. 3 A Constituição Federal, em seu artigo 37, XVI, “c”, dispõe sobre a possibilidade da acumulação de dois cargos ou empregos (e funções), para os profissionais médicos da seguinte forma: XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Desta forma, o profissional médico pode manter 02 (dois) vínculos com as seguintes variações: - 02 cargos públicos (concursado) de médico; - 01 cargo público (concursado) de médico e 01 contrato temporário (função pública); - 02 contratos temporários (função pública). Essa regra vale tanto para estatutário, quanto para celetista (empregado público). Por sua vez, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Portaria MS nº 2.488, de 21 de outubro de 20111, ao definir as responsabilidades gerais das Secretarias Municipais de Saúde e do Distrito Federal, particularmente quanto à fiscalização do cumprimento da jornada de trabalho pelos profissionais de saúde, dentre outras, determina os seguintes: 1 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 4 a) selecionar, contratar e remunerar os profissionais que compõem as equipes multiprofissionais de Atenção Básica, inclusive os da Saúde da Família, em conformidade com a legislação vigente; b) assegurar o cumprimento da carga horária de todos os profissionais que compõem as equipes de atenção básica, de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção. A carga horária corresponde ao equivalente temporal ao qual o servidor deve exercer suas atividades para fazer jus à remuneração. Importante ressaltar o fato da autonomia administrativa do Município, conferida pelo inciso I do art. 30 da Constituição Federal, razão pela qual não se encontra impedido de estipular cargas horárias diferenciadas, desde que respeitados os limites constitucionais (jornada máxima) e infraconstitucionais (profissões específicas). A carga horária é requisito indissociável do cargo/função pública e deve ser observada de forma compulsória pelo servidor. Existe uma relação direta entre os dias de trabalho e remuneração, traduzindo no cumprimento integral da carga horária. Independentemente do cargo ou função, todo e qualquer servidor (efetivo, função pública, contratado) deve fiel observância à sua carga horária. Diferente não poderia ser no tocante à carga horária dos profissionais que fazem parte do Programa de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde. Estes programas, conforme ressaltamos, possuem 5 carga horária pré-determinada pela referida Portaria GM nº 2.488, de 2011, sendo de aplicação e cumprimento compulsório. É de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde a fiscalização desses deveres, haja vista a possibilidade de suspensão dos recursos de incentivos financeiros pelo Ministério da Saúde aos Programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, o que, por obviedade, levaria ao prejuízo dessas ações e serviços de saúde para a população em geral. Especificamente paa os profissionais da Estratégia Saúde da Família, são itens necessários à observância da carga horária os seguintes: ... V – carga horária de 40 (quarenta) horas semanais para todos os profissionais de saúde membros da equipe de saúde da família, à exceção dos profissionais médicos, cuja jornada é descrita no próximo inciso. A jornada de 40 (quarenta) horas deve observar a necessidade de dedicação mínima de 32 (trinta e duas) horas da carga horária para atividades na equipe de saúde da família podendo, conforme decisão e prévia autorização do gestor, dedicar até 08 (oito) horas do total da carga horária para prestação de serviços na rede de urgência do município ou para atividades de especialização em saúde da família, residência multiprofissional e/ou de medicina de família e de comunidade, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial. E, restritivamente para os profissionais médicos, essa norma administrativa também admite os seguintes: 6 (...) Serão admitidas também, além da inserção integral (40h), as seguintes modalidades de inserção dos profissionais médicos generalistas ou especialistas em saúde da família ou médicos de família e comunidade nas Equipes de Saúde da Família, com as respectivas equivalências de incentivo federal: I – 2 (dois) médicos integrados a uma única equipe em uma mesma UBS, cumprindo individualmente carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 01 (um) médico com jornada de 40 horas semanais), com repasse integral do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família; II – 3 (três) médicos integrados a uma equipe em uma mesma UBS, cumprindo individualmente carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 02 (dois) médicos com jornada de 40 horas, de duas equipes), com repasse integral do incentivo financeiro referente a duas equipes de saúde da família; III – 4 (quatro) médicos integrados a uma equipe em uma mesma UBS, com carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 03 (três) médicos com jornada de 40 horas semanais, de três equipes), com repasse integral do incentivo financeiro referente a três equipes de saúde da família; IV – 2 (dois) médicos integrados a uma equipe, cumprindo individualmente jornada de 20 horas semanais, e demais profissionais com jornada de 40 horas semanais, com repasse mensal equivalente a 85% do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família; e 7 V - 1 (um) médico cumprindo jornada de 20 horas semanais e demais profissionais com jornada de 40 horas semanais, com repasse mensal equivalente a 60% do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família. Tendo em vista a presença do médico em horário parcial, o gestor municipal deve organizar os protocolos de atuação da equipe, os fluxos e a retaguarda assistencial, para atender a esta especificidade. Sendo assim, ao profissional médico é possível o cumprimento da carga horária 32 h + 8 h, observando-se ainda a remuneração proporcional ou pro rata em função dessa nova carga e a prévia autorização do gestor. Conforme comentamos, a Portaria MS nº 2.488 determina que para o cumprimento de jornada de 40 (quarenta) horas deve observar a necessidade de dedicação mínima de 32 (trinta e duas) horas da carga horária para atividades na equipe de saúde da família podendo, conforme decisão e prévia autorização do gestor, dedicar até 08 (oito) horas do total da carga horária para prestação de serviços na rede de urgência do município ou para atividades de especialização em saúde da família, residência multiprofissional e/ou de medicina de família e de comunidade, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial. 3. Da Requisição de informações versus sigilo médico. Importante ressaltar que, nos termos do artigo 8º, da lei federal nº 7.347/85, o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não 8 poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los. Desta forma, a questão do sigilo médico foi regulamentada pela Resolução CFM nº 1.605/2000, norma administrativa e não lei, estabelecendo em seu artigo 1º que o médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica. Não obstante o reconhecimento do esforço da autarquia federal na proteção dos dados sigilosos, patente a ilegalidade de algumas suas disposições, em dissintonia com a ordem jurídica constitucional. A esse respeito, o artigo 4º que impõe ao Juiz, nos processos criminais, a vedação da remessa de cópia do prontuário ou da ficha médica para os autos do processo, limitando-se a permitir sua consulta pelo perito nomeado, restrita aos fatos em questionamento. A Lei Complementar nº 34, de 12 de setembro de 19942, no seu artigo 67, dispõe que o Ministério Público, no exercício de suas funções, será responsável pelo uso indevido das informações e dos documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo. Contudo, sem embargo dessa discussão, vê-se que, no caso concreto, a requisição do Ministério Público, imprescindível para elucidação da regularidade ou não dos vínculos laborais dos profissionais médicos, prestadores de serviços ao SUS, também lotados na UNIMED Juiz de Fora, 2 Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. 9 circunscreveu-se aos seguintes pedidos: a) data e horário de cada um dos atendimentos realizados pelos profissionais avaliados, no período de referência; b) o local de tais atendimentos (hospital, consultório, clínica, etc); c) as iniciais dos nomes de cada um dos pacientes atendidos. Evidentemente que não há qualquer quebra de sigilo médico nesses pedidos, por não se tratar de requisição de cópia de prontuário médico ou ficha médica. Segundo definição3, prontuário médico é o conjunto de documentos e informações referentes a um paciente e geralmente contêm: diagnóstico provisório; estudo social; adendo de internação, contendo informações como origem da doença e histórico do paciente; tratamento e medicação; evolução médica; evolução e anotações de enfermagem; cirurgias realizadas, fichas de anestesiologia, descrição da operação; exames subsidiários, externos e complementares; epícrise; diagnóstico definitivo com CID do diagnóstico. 4. Conclusão. A requisição procedida pelo Ministério Público, com atuação na defesa da saúde, da comarca de Juiz de Fora, nos autos de Inquérito Civil Público nº MPMG 0145.09.000447-7, para os fins de averiguar a regularidade dos vínculos laborais de profissionais de saúde, notadamente de médicos, prestadores de serviços no Sistema Único de Saúde (SUS) e, também, lotados na UNIMED Juiz de Fora, fora feita com espeque na Constituição Federal, lei federal nº 7.347/85 e na Lei Complementar Estadual nº 34/94, não havendo 3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Prontu%C3%A1rio_m%C3%A9dico 10 qualquer violação ao preceito do sigilo médico, por não se tratar de cópia de prontuário médico ou ficha médica. É a presente nota. Belo Horizonte, 17 de julho de 2012. Gilmar de Assis Promotor de Justiça Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde