Relatório sobre a Situação Geral dos Mercados de Valores Mobiliários - 2004 CMVM 1.2 A ECONOMIA PORTUGUESA A economia portuguesa apresentou em 2004, segundo projecções do Banco de Portugal, um crescimento do PIB de 1,1%, recuperando do comportamento recessivo verificado em 2003. A retoma é explicada pela expansão económica internacional, pelo aumento das exportações e pelo crescimento da procura interna. Os primeiros dois trimestres do ano foram caracterizados pela aceleração do crescimento do produto, com o investimento privado e as exportações a liderarem a recuperação económica. Nos terceiro e quarto trimestres, cenários mais pessimistas de contracção económica voltaram a ressurgir com o aumento das importações acima do crescimento das exportações, a diminuição da confiança dos agentes económicos e com o aumento da taxa de desemprego para níveis máximos desde 1998. Apesar da recuperação da procura interna, não se observou um aumento da taxa de inflação mas sim uma aproximação com a média de inflação na Zona Euro. Esta situação poderá ser explicada pelo output gap que existe entre o crescimento da economia nacional e o crescimento da Zona Euro e que tem aumentado nos últimos anos. Ao nível das contas externas e segundo dados do Banco de Portugal, registou-se um agravamento das necessidades de financiamento com o exterior em 1,8%, justificado pelo aumento das importações acima das exportações e consequente aumento dos défices das balanças de capital e corrente. Num cenário de recuperação da economia mundial, a economia portuguesa não apresentou em 2004 um desempenho económico muito positivo, crescendo apenas 1,1%. Muito embora o crescimento médio do produto da Zona Euro tenha ficado aquém dos principais blocos económicos mundiais, mesmo assim foi duplo do verificado pela economia portuguesa. As razões para o desempenho da economia nacional residem num conjunto de factores que tiveram uma evolução abaixo das expectativas. Em primeiro lugar, apesar do sobreendividamento das famílias, das empresas e do Estado, era esperado um melhor comportamento por parte da procura interna em 2004. De facto, na primeira metade do ano, o aumento do investimento privado e do consumo privado de bens duradouros e intermédios indiciavam uma recuperação económica a que não será alheio o chamado efeito “Euro 2004”. Na segunda metade do ano, a instabilidade política e o aumento do preço do petróleo levaram a uma diminuição da confiança dos agentes económicos e a uma deterioração generalizada do clima económico. Neste período, o aumento do consumo privado acima do inicialmente previsto permitiu compensar parcialmente a redução no ritmo de crescimento do investimento privado, como poderá ser confirmado pela diminuição anual da taxa de poupança dos particulares em 0,7 p.p. do rendimento disponível, segundo o Banco de Portugal. Em segundo lugar, a política macroeconómica pautou-se novamente pelo cumprimento dos critérios impostos pelo PEC. Assim, o nível do consumo público voltou a não ser o potencial relançador da economia 7 Relatório sobre a Situação Geral dos Mercados de Valores Mobiliários - 2004 CMVM portuguesa, situando-se em 0,6%, segundo estatísticas da Comissão Europeia. Esta situação, conjugada com a dificuldade de o aumento das receitas totais contrabalançarem o aumento das despesas totais, obrigou, pelo terceiro ano consecutivo, à adopção de medidas de carácter extraordinário que assegurassem o cumprimento do pacto, adiando a resolução estrutural do problema. Por conseguinte, perspectiva-se um baixo contributo do consumo público, nos próximos anos, para o crescimento económico. Finalmente, o aumento da procura externa motivou um crescimento das exportações especialmente no primeiro semestre de 2004, tendo-se verificado posteriormente o seu menor dinamismo em resultado do abrandamento da economia na maior parte dos parceiros comerciais e da maior concorrência de países que beneficiaram da apreciação do euro ao longo de 2004. Por outro lado, o crescimento das importações foi de 7,8%, acima dos 3,9% inicialmente previstos pela Comissão Europeia. A taxa de desemprego manteve a trajectória de subida, atingindo os 6,5% em 2004, segundo dados da OCDE. Alguns dos motivos subjacentes a esse comportamento foram a deslocalização de empresas intensivas em mão-de-obra para mercados onde esta é mais barata, bem como a fraca capacidade de gerar investimento produtivo e emprego no sector privado da economia. Por outro lado, a combinação do crescimento dos custos unitários de trabalho na indústria transformadora (superior aos registados em países nossos competidores) com o fraco crescimento da produtividade originaram uma perda de competitividade da economia portuguesa. Embora a procura interna tenha tido um comportamento positivo (aumento de 1,9% segundo dados do Banco de Portugal), o menor crescimento do PIB relativamente à média das economias da Zona Euro veio aumentar o output gap da economia portuguesa face às suas congéneres europeias, o que reduziu as pressões inflacionistas motivadas pela expansão económica e pelo aumento do preço do petróleo. Assim, a taxa de inflação diminuiu em 2004 para os 2,4%. Acresce ainda que a valorização do euro evitou uma subida mais acentuada do preço da energia e uma possível espiral inflacionista. Os resultados positivos obtidos em 2003 no que concerne ao ajustamento dos desequilíbrios externos da economia portuguesa não se confirmaram em 2004. De facto, registou-se um aumento das necessidades de financiamento externo, patente no aumento dos défices das balanças de transacções correntes e de capital, resultante do aumento no consumo e investimento privados. 8 Relatório sobre a Situação Geral dos Mercados de Valores Mobiliários - 2004 CMVM Quadro 3 - Previsões para a Economia Portuguesa (taxa de variação) Indicadores PIB (real) Consumo Privado Consumo Público Formação Bruta de Capital Fixo Exportação de Bens e Serviços Importação de Bens e Serviços Inflação (3) Custo Unitário do Trabalho Taxa de Desemprego Défice Orçamental (4) Dívida do SPA (4) CE -1,2 -0,5 -0,4 -9,8 4,0 -0,9 3,3 4,9 6,3 -2,8 60,3 2003 OCDE -1,2 -0,5 -0,4 -9,8 4,0 -0,9 3,3 4,3 6,3 -2,8 70,3 CE 1,3 2,1 0,6 2,4 7,9 7,8 2,4 2,2 6,3 -2,9 60,8 2004 (1) OCDE 1,5 2,0 0,5 2,6 7,3 7,1 2,5 1,1 6,5 -2,9 70,6 CE 2,2 1,8 0,5 3,3 7,0 5,5 2,4 2,5 6,2 -3,7 62,0 2005 (2) OCDE 2,2 1,9 0,5 4,9 6,1 5,5 2,0 1,2 6,6 -3,0 71,8 CE 2,4 2,0 0,4 4,8 7,0 6,1 2,3 2,6 6,1 -3,8 62,9 2006 (2) OCDE 2,8 2,6 0,9 6,4 6,2 6,4 1,8 1,4 6,1 -3,8 73,9 Fonte: OECD Economic Outlook nº 76 December 2004; CE Autumn 2004 Economic Forecasts. Legenda. (1) Estimativa; (2) Previsão; (3) IPCH; (4) Em % do PIB. Em 2005, Portugal poderá novamente voltar a crescer pelo menos ao mesmo ritmo que a Zona Euro, não se afastando ainda mais da média de rendimento per capita europeia. As previsões apontam para um aumento do produto nacional em 2,2%, embora condicionado pelo desempenho da economia mundial, em especial da economia da Zona Euro. A procura externa será decisiva para a aceleração do crescimento do produto pois não existe, no quadro actual, grande espaço para endividamento de particulares, empresas e sector público e consequente alteração do ritmo de crescimento da procura interna. A deterioração do clima económico no final de 2004 poderá ter algum efeito nefasto na recuperação do investimento privado e na confiança dos agentes económicos, embora as eleições do início de 2005 e o estado de graça que normalmente um governo em início de mandato adquire possam servir de estímulo para o relançamento da economia e da confiança dos agentes económicos nacionais, bem como dos investidores externos. Com efeito, apesar do ligeiro aumento esperado na taxa de poupança por via do aumento do rendimento disponível, não é de esperar que o recurso ao crédito aumente significativamente. Essa contenção resulta do elevado peso do serviço da dívida das famílias, do compromisso assumido de cumprimento do défice em torno dos 3% do PIB e da consolidação das finanças públicas. Contudo, no aumento esperado do rendimento disponível para 2005 está considerado o descongelamento salarial dos funcionários públicos e as alterações propostas ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. No que respeita às previsões para a FBCF, apesar de mais optimistas, estão praticamente dependentes do investimento empresarial, pois à falta de dinamismo do investimento público associam-se também fracas expectativas de crescimento do mercado imobiliário e do investimento em habitação. 9 Relatório sobre a Situação Geral dos Mercados de Valores Mobiliários - 2004 CMVM A estabilização do aumento das importações em virtude do menor ritmo de crescimento do consumo privado previsto para 2005 e o dinamismo das exportações induzido pela expansão económica mundial justificam uma melhoria no crescimento económico esperado. No entanto, é necessário que não ocorram perdas de competitividade e que hajam ganhos de produtividade, por forma a manterem-se as quotas de mercado dos sectores exportadores nacionais. O saldo da balança de transacções correntes e de operações de capital deverá melhorar, através de termos de troca mais favoráveis e pela diminuição do ritmo de crescimento das importações de bens e serviços para 5,5%. Em termos de desemprego, é muito ligeira a melhoria esperada para 2005. Prevê-se que continue a política de congelamento do nível de emprego no sector público e que a absorção de mão-de-obra desempregada seja realizada pelo sector privado e não pelo sector público da economia. Em consonância com o que se verificou em 2004, a taxa de inflação continua a prever-se em baixa face aos diferentes ritmos de crescimento entre a economia nacional e os principais países desenvolvidos e pela expectável estabilização ou mesmo redução do preço do petróleo. É esperada uma taxa de inflação de cerca de 2% para 2005 e 1,8% para 2006, segundo dados da OCDE. As grandes questões que se colocam à economia portuguesa para 2005 são de diversa ordem: o desempenho da economia mundial e em especial dos seus parceiros económicos, a consolidação orçamental e a sustentabilidade do sistema de segurança social (crescente envelhecimento da população e a ameaça de aumento do desemprego), as dificuldades de financiamento dos agentes económicos, a coesão económicosocial e a pouca proactividade do sector privado da economia. A acrescentar a estas naturais preocupações, existem outras de carácter político e geopolítico como a estabilidade ou instabilidade governativa resultante das eleições de Fevereiro de 2005 e das eleições autárquicas do final do ano, o posicionamento português face à nova UE com 25 Estados e a concorrência de países com mão-de-obra barata. A todos estes constrangimentos a economia portuguesa terá que dar resposta nos próximos anos sob pena de perder o objectivo de convergência económica alcançado nos finais da década de 80 e durante a década de 90. 10