É possível ensinar filosofia? Os desafios e as conquistas na escola contemporânea Pedro Henrique Ciucci da Silva – PUC – SP Modalidade: comunicação científica Resumo: O presente texto tem como objetivo mostrar que os professores de filosofia vivem atualmente, no Brasil, uma situação bastante desafiadora. Após décadas de debates, de manifestações, congressos acadêmicos e de lutas parlamentares, hoje a legislação define a filosofia, bem como a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Não foi fácil chegar a essa situação: após a retirada da disciplina dos currículos com a reforma tecnicista de 1971, os departamentos de filosofia das universidades brasileiras empreenderam um movimento de crítica de sua retirada e de defesa de seu retorno. Este movimento teve um êxito parcial quando, em meados dos anos 1980, foi aprovada a inclusão da disciplina como opcional, na parte diversificada do currículo. O ecos desse movimento fizeram-se presentes nos debates para a construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( LDB ), após a promulgação da Constituição de 1988, e o projeto aprovado na Câmara previa filosofia e sociologia como disciplinas obrigatórias. O resultado de todo esse processo e essa história é que entre nós se desenvolveu muito pouco o campo de estudos e pesquisas em torno de uma didática da filosofia. À diferença de países como França, Itália, Portugal, Uruguai e Argentina, por exemplo, no Brasil temos pouquíssimas pesquisas, produção quase nula e nenhuma tradição neste campo. A formação do professor de filosofia, quando se dá acontece por esforço e mérito de professores universitários de disciplinas como metodologia do ensino de filosofia e ou prática de ensino em filosofia e ou estágio supervisionado, isolados nas instituições em que atuam. O problema é que o ensino da filosofia na educação média tem suas especificidades e não pode ser simplesmente a transposição do ensino universitário simplificado ou diminuído. Palavras-chaves: Docência, Discência, Filosofia, Reflexão, Práxis. 1. Problema Nos dias atuais o professor de Filosofia se depara com realidades bastante adversas àquelas vividas em sua vida acadêmica. É inocente pensar que o mesmo se confrontará com alunos com competência leitora e escritora apuradas, ou que estejam prontos a discutir textos filosóficos complexos. Por isso é que caberá a esse docente se preparar para esses desafios e pensar como os seus conteúdos e discussões irão fazer sentido para aquele grupo de educandos. Pensando numa sociedade onde o imediatismo e o consumismo são as palavras de ordem do momento, cabe ao educador uma tarefa inerente ao objetivo principal da filosofia, que é estabelecer uma conexão entre pensar – refletir – agir. Discussões filosóficas riquíssimas podem ser exploradas e vividas se o professor fizer uma análise de sua clientela e souber aplicar as teorias filosóficas, de modo que essa clientela possa entender que a Filosofia não é mais uma matéria que simplesmente preenche a grade curricular, mas que ela pode fazê-lo pensar em sua condição e lhe dar suporte para conviver e melhorar a comunidade na qual está inserido. Não podemos nos ater em passar biografias ou conceitos filosóficos sem sentido, por vezes complexos e enfadonhos. Cópias de textos e questionários que são mais uma tortura do que um aprendizado, que são mais um castigo do que a verdadeira essência da Filosofia que é o desenvolvimento do pensamento crítico e também uma emancipação individual. Nos dias em que vivemos estas são causas urgentes e que devem ser exploradas no ambiente escolar, pois devemos preparar nossos educandos para a vida e os desafios pertinentes a ela. Em tempos de grandes desafios sociais , econômicos e, porque não dizer educacionais é que o ensino e a discussão dessa disciplina se tornam tão desafiadores. Devemos repensar a prática docente em relação à aplicabilidade da disciplina, que não pode ser entendida como um saber irreal e complexo para os nossos educandos do ensino médio, um desafio que tem que ser superado somente pelos teóricos da educação, pedagogos e licenciados em filosofia, mas sim pela comunidade educacional que agora precisa demonstrar a necessidade da filosofia e a sua inter - relação com as demais áreas do conhecimento de forma a garantir e suscitar nos educandos competências para que possam responder aos enormes desafios colocados pela sociedade contemporânea. Desta forma, frente à urgência de favorecer um ensino cada vez mais crítico e reflexivo com características transformadoras da realidade percebida, se faz necessário quebrar essa dicotomia que permeia os alicerces da educação em nosso país. Assim, a educação no ensino médio deve apresentar-se bem fundamentada nos diálogos interdisciplinares, pois sendo a educação um ato de compromisso e de transformação política não podemos nos distanciar do debate, ou seja, sendo ele uma ferramenta de análise e construção política-social, fica claro que a Filosofia tem por objetivo primordial aproximar-se da realidade de vida dos educandos e tornar essa realidade um fato que justifique uma discussão de construção de possibilidades. Desta forma, a inserção do ensino da filosofia no ensino médio, se afirma como um saber capaz de provocar inter-relação entre as áreas do conhecimento, inquietações, reflexões e mudanças necessárias para a construção da autonomia do educando. Cabendo aos licenciados na área estimular nos educandos as condições necessárias para uma reflexão filosófica. Para concluir, é pertinente dizer que a filosofia é uma disciplina formadora por excelência, pois dispõe de recursos valiosos para fornecer ao estudante conhecimento sólido e permanente que ultrapassam a informação superficial e efêmera. 2. Objetivos O ensino da filosofia sugere uma concepção pedagógica fundamentada nas construções dos saberes, que aponte para os educandos no período final da educação básica condições de reconhecer e confrontar as diversas situações por meio de enfoques para o diálogo crítico, fundamentado e consciente e esta rigorosidade metódica não tem nada que ver com o discurso bancário, meramente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo. Assim, se faz necessária uma articulação pedagógica que perceba a necessidade da fuga do processo alienativo, a fim de construir um ser autônomo capaz de se reconhecer enquanto sujeito cognoscente do processo dialético, através do ensino que estabeleça as conexões necessárias para a construção de saberes sólidos capazes de sugerir ações transformadoras através da exploração da inter-relação com as demais disciplinas e através da utilização do lúdico como ferramenta para uma aprendizagem que seja capaz de dialogar com os desafios das sociedades contemporâneas. É válido nos perguntar: o que constitui um grande desafio? Nesse contexto podemos dizer que a filosofia é o caminho para mostrar que os saberes humanos são ferramentas para romper com a alienação. Assim, a discussão que permeia a fundamentação pedagógica da filosofia no ensino médio não se apresenta dissociada da sua finalidade no contexto da educação básica, todavia não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Está longe ou, pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. A filosofia torna-se evidente e necessária não somente para o ensino médio, mas em toda educação básica, quando compreendida sua função social, política e educacional. A filosofia enquanto disciplina obrigatória, sofreu um grande golpe na era militar, sendo expurgada como matéria disciplinar; sendo assim, os jovens não conseguiam, de forma efetiva, refletir e pensar acerca de pontos cruciais e pertinentes à sua condição humana, pois somente a filosofia prepara a mente humana para tais demandas. Não podemos separar a filosofia do cotidiano, porque ela está relacionada com a relação históricaepistemológica do ser. A história da filosofia nos mostra a inserção da construção do pensamento e questionamentos que fizemos para atingirmos os nossos fins. Sobre o aspecto de investigação político-social, a filosofia encaminha somente o homem para a história, nenhum outro animal investiga e reflete sobre seu passado, com isto, fica claro que através da nossa racionalidade fazemos filosofia, ou seja, refletir, investigar, construir, montar, fazer, são atos da mente humana, são atos filosóficos. 3. Metodologia O professor de filosofia traz consigo um desafio histórico de investigação racional. Ao mostrar os problemas perenes da filosofia ele tem que centralizar a vontade de representação dos educandos perante os textos relacionados à disciplina. Ao falar sobre o Mito da Caverna, um texto clássico platônico, o educador não pode tão somente ficar preso no texto pelo texto, pois por inúmeras vezes nem mesmo ele próprio entende tal alegoria, que dirá o educando que sequer pratica leituras básicas. O desafio em questão está em como esse educador vai apresentar e expor o tema. Imaginemos um aluno que mora em uma comunidade isolada e desprovida de recursos básicos, cuja leitura é esporadicamente a de alguns jornais e livros didáticos distribuídos pelo Plano Nacional de Educação. O professor, além de mostrar o mito propriamente dito, é obrigado, de forma iminente, falar das condições que aquele aluno vive no seu cotidiano; com isso, relacionando Platão com as condições vividas por aquele indivíduo. Fica aqui claro, mais uma vez, o papel real e primordial que a filosofia terá ou tem na vida de ambos ( educando – educador), pois ensinar é uma relação dialética, ou seja, o educador só ensina quando o educando questiona e reflete sobre o objeto apreendido. Não existe nessa perspectiva, um distanciamento de aprendizagem de ambos, pois o educador está aprendendo e ensinando, enquanto o educando está aprendendo e fazendo suas reflexões acerca do mundo. Sendo assim, o ato da leitura de mundo, além de preceder a leitura da palavra é importantíssimo na construção dos saberes. Mas essa perspectiva nos coloca em um problema: a formação desse educador. Sendo a educação uma perspectiva, onde não cabe neutralidade, como esse educador vai formar esses alunos? Observando que a educação da classe oprimida é mais carente, o educador que está inserido nessa realidade, deve fazer uma investigação filosófica dos fatos e aproximar a leitura e a escrita a esse mundo, no qual seus alunos fazem parte. O educador, ao sair dos muros das universidades, ainda permanece longe da realidade escolar. Realidade essa que, na maioria das vezes, encontra-se nas favelas, morros e periferias de nossas cidades. Realidade que convive com toda a sorte de descaso do poder público e da sociedade em geral. O professor ao lidar com esse parâmetro terá duas saídas: 1) Investigar e construir um discurso de aproximação entre filosofia e realidade de mundo onde sua comunidade está inserida; ou 2) Abandonar o discurso de construção e conviver e aceitar a educação bancária de meros depósitos conceituais. A primeira saída apontada leva a uma investigação e construção, que é por sua vez a que chamamos de educação libertária, onde os alunos participam do processo de aprendizagem; mas essa educação libertária prevê uma preparação teórica e pedagógica do educador. Ser educador, ser libertário, preconiza um preparo profundo e sério da área, tanto da disciplina de filosofia, quanto da pedagogia. Tem que se ater às leituras, participações ativas em formações na área da educação, ser atento aos problemas atuais, escutar seus alunos, no que concerne às suas ansiedades e necessidades, ser um sujeito atuante e atento aos movimentos sociais, praticar o seu discurso em ações. Para que se possa promover um processo de emancipação do sujeito, a educação torna-se práxis política e também um processo dialético histórico e epistemológico. A segunda saída que promove a educação bancária, não terá nenhum compromisso real com a emancipação do sujeito e, muito menos, consigo mesmo enquanto educador, aceitando e reproduzindo discursos vazios e sem nexo político, sendo apenas um mero reprodutor dos textos didáticos, os quais, na maioria das vezes, não estão relacionados com a realidade de nossos alunos, mas que vem ao encontro das ideias da ideologia das classes dominantes. 4. Esboço de fundamentos teóricos Nenhuma outra profissão tem o compromisso igual ao do professor, pois promovemos e preparamos sujeitos que vão atuar diretamente sobre as demandas sociais. Pensar que a educação é neutra é um erro primário e infantil, porque quando se prepara um sujeito coloca-se na sua formação uma gama de dogmas, anseios, opiniões, questionamentos, reflexões e pensamentos que advêm de uma linha política e filosófica. E qual seria essa linha filosófica e política priorizada pelo professor em sua didática? Qual seria a investigação histórica que o professor irá ter como ponto de partida? São essas algumas indagações que mostram que ensinar não cabe neutralidade, pois falar sobre a Segunda Guerra, por exemplo, e os problemas causados pelos nazistas, já é uma forma de questionamento reflexivo, sobre o qual não cabe nenhuma neutralidade. Aqui mostrará a linha de pensamento do professor, seja ele numa linha de pensamento marxista, ou até mesmo, numa linha de pensamento de extrema direita. Na filosofia é onde todos os conceitos se amarram, se entrelaçam, fazem sentido, sejam eles das áreas das humanas, das exatas ou até mesmo das biológicas, porque a filosofia é a reflexão de todos os saberes. Não existe reflexão de qualquer área, sem que não se perpasse pelo âmbito filosófico, desta forma é que a filosofia é por excelência a matriarca da formação humana, por isso é que causa tanta comoção e até mesmo o desejo de retirá-la novamente da grade curricular, porque na política atual “pensar” é um grande perigo. Desta forma, lutaremos para que se faça valer o direito de pensar, refletir e fazer escolhas positivas para o crescimento intelectual dos jovens excluídos, ou não de nossas escolas. Um dos aspectos em que impera a maior incerteza e desorientação entre os professores de Filosofia no nível médio refere-se aos conteúdos programáticos. A partir dos anos de 1980, o consenso em relação à necessidade de inovações resultou na formação de uma multiplicidade de propostas, apontando para direções tão díspares que algumas talvez nem possam ser classificadas como filosóficas. Com a volta da Filosofia ao ensino secundário houve, logo de início, um retorno aos procedimentos, conteúdos programáticos e bibliografia empregados antes da reforma instituída pela lei n°5692/71. Os programas continuaram a abordar basicamente algumas partes da Filosofia sistemática e noções de história da Filosofia, com as raras exceções em que, isoladamente e por iniciativa pessoal, se promovia alguma autorização temática ou bibliográfica. Os professores, alguns inexperientes, outros sem formação específica na área, sentiram-se perdidos ao constatar que as antigas fórmulas programáticas não conseguiam despertar o interesse dos alunos pela Filosofia. Pouco a pouco se generalizou a percepção de que era necessário pensar uma nova identidade para a disciplina, superando os modelos tradicionais pautados por um ensino academicista, livresco, conservador e desvinculado da realidade do aluno. 5. Resultados obtidos Nessa perspectiva, quando o educador tem a sua preparação na práxis de ensino apurada com a realidade do discente, temos uma nova dimensão sobre os resultados os quais poderemos vir a obter através desse trabalho. Um educador quando tem o seu esclarecimento, o educando consegue ter a sua autonomia sobre os problemas que estão ao seu entorno. Ao ensinar filosofia, a preparação é sobretudo trazer à realidade os textos clássicos acadêmicos, mas sem esquecer que os educandos têm que participar de forma presente e real. O que podemos ter numa dimensão com enormes resultados obtidos já nessa perspectiva citada acima, é o trabalhar a fim de se buscar o interesse desses jovens e colocar a outras disciplinas também como aliadas da reflexão filosófica, ou seja, trabalhar de forma multidisciplinar. 6. Conclusão Podemos concluir que uma boa formação não só acadêmica ou livresca, mas uma formação política e social do educador, pode sim ser o grande diferencial entre uma aula técnica e desinteressante, de uma aula mais humanizadora, onde o educando consegue olhar para si mesmo , refletir junto com seu grupo e ter atitudes de emancipação. O educador tem como papel trabalhar a solidariedade para que o indivíduo busque uma possibilidade de ser no mundo, não ficando preso a uma mera educação bancária, mas sim, trabalhar dentro de uma educação que tenha sempre o papel da libertação, seja ela política, social, econômica ou histórica. Referências Bibliográficas: FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. Recife, s/e, 1959, 139 págs. ______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974. ______. Pedagogia da Autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1996. ______. Pedagogia da Indignação. São Paulo, Paz e Terra, 2014. ______. Pedagogia da Solidariedade. São Paulo, Paz e Terra, 2014. ______. Pedagogia da Esperança. São Paulo, Paz e Terra, 2011. ______. Pedagogia da Tolerância. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2013. ______. Pedagogia do Compromisso. São Paulo, Ed. Villa das Letras, 2008. ______. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo, Paz e Terra, 2014. ______. A importância do ato de ler. São Paulo, Ed. Cortez, 1985. ______. Essa Escola chamada Vida. São Paulo, Ed. Ática, 1994. ______. Educação e Mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. ______. Medo e Ousadia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. ______. Ação Cultural para a Libertação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. GADOTTI, M. Convite á leitura de Paulo Freire. Ed. Scipione, 1989. ______. Pedagogia da Práxis. Ed. Cortez, 2010. TORRES, Carlos Alberto. Diálogo e Práxis Educativa. São Paulo: Ed. Loyola, 2014. VÁSQUEZ. S. A. Filosofia da Práxis. Ed. Cortez, 1977.