Angioplastia Coronariana com Suporte Circulatório

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Os erne
e cols.
Artigo
Original
Angioplastia coronariana com balão intra-aór ico
Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 2), 1999
Angioplastia Coronariana com Suporte Circulatório por
Balão Intra-Aórtico. Experiência Inicial
Evandro C.V. Osterne, Gustavo A. Alexim, Vicente P. da Motta, Rosaly M.M. Lins,
Eustáquio F. Carvalho, Marcos V. Carneiro, Elio Ribeiro de Morais, Alexandre V. Brick
Brasília, DF
Objetivo - Avaliar o uso do balão intra-aórtico
(BIAo), associado à angioplastia coronariana, na revascularização percutânea de pacientes de alto risco.
Métodos - Quatorze pacientes de alto risco, com contra-indicação formal ao tratamento cirúrgico e refratários
ao tratamento clínico, foram submetidos à angioplastia
coronariana, seguida em sua maioria de implante de
stents. Todos os procedimentos foram realizados com suporte circulatório por BIAo. Esta avaliação envolveu os
resultados imediatos e após acompanhamento dos pacientes por período de 12 meses. Seis eram portadores de
doença multivascular coronariana, sendo quatro com lesões equivalentes à de tronco de coronária esquerda, dois
em tronco esquerdo não protegido, um com estenose grave em “vaso final” e um chagásico com lesão uniarterial.
Onze deles mostravam fração de ejeção <30%.
Resultados - Obtivemos sucesso inicial em 100% dos
pacientes. Dois deles apresentaram sangramento importante por ocasião da retirada da bainha femoral esquerda. Ao final de 12 meses de evolução, 4 pacientes se mostraram assintomáticos e os restantes, controlados clinicamente. Ocorreram 2 óbitos tardios ao final de 7 e 11 meses
de evolução.
Conclusão - O uso de balão BIAo concomitante à
angioplastia coronariana em pacientes de alto risco e
portadores de síndromes isquêmica agudas, propiciou a
estabilidade hemodinâmica necessária para a realização
dos procedimentos, com sucesso.
Palavras-chave:
Nos últimos 20 observou-se notável crescimento da
Cardiologia Intervencionista, principalmente no que concerne às técnicas percutâneas de revascularização do miocárdio 1,2. O aperfeiçoamento do instrumental de angioplastia coronariana e o advento de novos dispositivos,
como os stents, propiciou o tratamento da grande maioria
dos pacientes 3,4.
Nesta mesma época, houve também um desenvolvimento paralelo dos meios de suporte circulatório, com
destaque para o balão intra-aórtico (BIAo), cujo uso tornou-se cada vez mais freqüente em pacientes com cardiopatia isquêmica 5-8. Inicialmente, de uso restrito ao choque
cardiogênico e à angina pré-infarto, a sua instalação se fazia cirurgicamente 9,10. Posteriormente, a inserção percutânea reduziu em muito as complicaç es decorrentes do
manuseio cirúrgico femoral e facilitou o seu uso nos setores de terapia intensiva e, principalmente, nos laboratórios
de hemodinâmica 11.
Embora a angioplastia coronariana seja amplamente
aplicada, o seu uso em pacientes com severa disfunção
ventricular ou com lesões em coronárias que perfundem
quantidade crítica de miocárdio viável, tornou-se proibitivo.
Assim sendo, o uso concomitante dos dois métodos
tornou possível a revascularização percutânea dos pacientes de alto risco, inoperáveis, com a devida estabilidade circulatória 12.
O propósito deste trabalho foi de avaliar a experiência
inicial de nossa instituição com angioplastia coronariana
realizada com suporte circulatório por BIAo, em pacientes
de alto risco.
suporte circulatório, angioplastia coronária, balão intra-aórtico.
Hospital das Forças Armadas - Brasília, DF
Correspondência: Evandro C. V. Osterne - Quadra 12 – Bl. U, Casa 35 – Cruzeiro
Velho - 70645-000 - Brasília, DF
Recebido para publicação em 28/10/98
Aceito em 7/4/99
Métodos
De abril/96 a agosto/98, 14 pacientes com quadro clínico de insuficiência coronária aguda, refratária ao tratamento
clínico, foram submetidos à angioplastia coronariana com
suporte circulatório por BIAo. Após avaliação de cada caso,
o tratamento cirúrgico foi descartado principalmente por fatores complicantes associados, como função ventricular
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esquerda severamente deprimida (FE<30%) em 13 casos,
enfizema pulmonar grave em três e insuficiência renal aguda
em três. Quatro pacientes tinham idade >70 anos e três deles
tinham sido submetidos à cirurgia de revascularização.
Em 10 pacientes o procedimento foi complementado
pelo implante de 12 stents.
Todos os procedimentos foram realizados por via bifemoral e após consentimento prévio. Escolhemos a artéria
femoral esquerda para implante do BIAo e a direita para o
instrumental de angioplastia.
Após punção das artérias e colocação das bainhas fezse heparinização com 5.000U de heparina sódica. Em seguida, progrediu-se o BIAo por via arterial retrógrada com guia
metálico flexível na ponta, até o correto posicionamento,
imediatamente abaixo da origem da artéria subclávia esquerda. Em seguida, o balão era conectado ao módulo, e feitos os
ajustes na curva de pressão assistida e monitorizado o
eletrocardiograma. Nosso setor conta com equipamento da
marca Datascope, mod. System 90 (Datascope Corp., 15
Law Drive – CN 4011, Fairfield, New Jersey, USA). Os balões utilizados tinham calibre de 9.5F e 40cc de volume insuflado, uma vez que os pacientes tinham alturas variáveis
entre 1,60m e 1,83m, conforme especificação do fabricante.
Alguns minutos após iniciada a contrapulsação procedia-se a angioplastia coronariana pela metodologia adotada
universalmente.
Nos pacientes em que o stent foi implantado, seguimos nossa rotina que consiste, inicialmente em definir com
precisão a lesão, principalmente no que diz respeito ao seu
comprimento e diâmetro do vaso, adotando-se que a relação stent/vaso seja em torno de 1,0 a 1,2. Após a liberação da
prótese não deve haver lesão residual maior que 5% e esta
liberação tem que ser “ótima”, ou seja, cobrir toda a lesão/
dissecção e não encarcerar ramificação importante. Finalmente, fazer angiografias de controle em várias projeções e
prescrever a medicação que consiste de ticlopidina (500mg/
dia-30 dias) e ácido acetilsalicílico (200mg/dia-6 meses.).
Logo após o procedimento, reduziu-se progressivamente a freqüência de insuflação do balão até o seu desligamento. As bainhas femorais eram mantidas nos locais após
a retirada de todo o instrumental.
Em seguida, os pacientes eram encaminhados à UTI
para observação durante 24h. Após este período, com controle do tempo de coagulação ativado (TCA), retiravam-se
ambas as bainhas femorais e se procedia a hemostasia por
compressão manual.
Todos os pacientes incluíram-se no que se denomina
grupo de alto risco: portadores de fração de ejeção (FE) do
ventrículo esquerdo <30%, vasos a serem tratados que irrigam mais da metade do miocárdio viável, portadores de lesão de tronco de coronária esquerda, protegido ou não, e
portadores de lesões equivalentes a tronco esquerdo.
A quase totalidade exibia péssima função ventricular
esquerda (FE <30%), seis eram multiarteriais, quatro tinham
lesão equivalente a tronco de coronária esquerda e dois com
lesão grave em tronco não protegido. Os dois pacientes restantes eram uniarteriais, sendo que um deles tinha lesão gra192
ve em artéria final e o outro era portador de miocardiopatia
dilatada chagásica.
Os pacientes multiarteriais foram submetidos à angioplastia da artéria culpada, comprovada clinicamente e por exames complementares. Estas artérias também preenchiam a
condição de irrigar massa crítica de miocárdio viável (fig. 1).
Nos dois pacientes com lesão grave de tronco esquerdo fezse implante de stent tubular ( fig. 2).
Os stents empregados, tubulares e de aço inoxidável,
foram do tipo Palmatz-Schatz, da Jonhson e Nir (Scimed).
Após a alta hospitalar, os pacientes foram acompanhados ambulatorialmente ou por entrevista telefônica durante 12 meses. Embora de rotina a realização de teste de esforço aos três meses e angiografia de controle aos seis, estes exames não foram cumpridos por completo. Devido a
isso, a angiografia de controle não foi realizada em nenhum
dos pacientes.
Resultados
Obtivemos sucesso em todos os procedimentos, não
se observando hipotensão ou qualquer indício de instabilidade circulatória. Nenhum paciente referiu dor anginosa
importante durante a insuflação do balão de angioplastia.
Em dois pacientes, apesar do controle da coagulação,
observou-se sangramento inguinal esquerdo significativo,
corrigido por protamina EV, compressão inguinal demorada
e reposição volêmica.
A média de internação hospitalar situou-se em torno
de seis dias.
No período de acompanhamento de seis meses observou-se retorno da angina de peito, de leve intensidade, em
seis pacientes, que foi facilmente controlada com medicação
oral. Sete pacientes que, antes da internação tinham sinais e
sintomas de insuficiência cardíaca, além da sintomatologia
dolorosa precordial, tiveram o retorno dos sintomas e foram
controlados com modificação da terapêutica oral. Quatro deles evoluíram assintomáticos até os seis meses usando ùnicamente antiagregantes plaquetários. Ocorreram dois óbitos
tardios após 7 e 11 meses de evolução, por morte súbita.
Ao final de 12 meses, sete pacientes apresentavam
angina estável controlada, oito exibiam insuficiência cardíaca, também controlada clinicamente e quatro eram assintomáticos.
Discussão
Sabe-se que o tipo morfológico da lesão coronariana é
fator fundamental para o resultado da angioplastia 13. Calcificação, comprimento e excentricidade das les es são sabidamente responsáveis pela maior incidência de complicações durante os procedimentos.
No entanto, em pacientes com função ventricular esquerda severamente comprometida, ou com les es coronarianas em vasos que nutrem massa crítica de miocárdio viável, o fator preponderante é a intolerância à isquemia transitória, determinada pela oclusão do balão de angioplastia 14,15.
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Fig. 1 - Paciente com difusa e severa ateromatose em coronária esquerda. VE com severa disfunção. Após implante de stent no terço proximal da CD observou-se estabilização
do quadro clínico.
O uso do BIAo nestes pacientes tem dois efeitos benéficos: 1º) decorrente da insuflação do balão e conseqüente
aumento da pressão diastólica aórtica, determinando incremento significativo do fluxo coronariano; 2º), devido à
desinsuflação do balão, criando uma pressão negativa em
toda a aorta descendente, reduzindo significativamente a
resistência ao esvaziamento do ventrículo esquerdo. Portanto, o primeiro efeito aumenta a oferta e o segundo reduz o
consumo de oxigênio.
Na atualidade, várias são as indicações do uso do
BIAo em laboratório de cateterismo cardíaco (quadro I).
Em primeiro lugar, é usado de maneira eletiva nas
angioplastias de pacientes de alto risco, como nos da nossa
série. São, em geral, portadores de função ventricular deprimida e grande quantidade de miocárdio viável, sob risco.
Em segundo lugar, quando se faz uso de novos dispositivos, como os aterótomos, que fazem a ablação de tecidos. Estes dispositivos podem levar a fenômenos embólicos durante o seu manuseio, havendo em conseqüência,
instabilização circulatória ou não, na dependência da importância do vaso. A aterectomia direcional e o cateter de extração transcutâneo podem levar a estas complicações mormente na vigência de trombose coronariana, como ocorre na
angina instável e infarto agudo do miocárdio (IAM). A
aterectomia rotacional (rotablator), no entanto, é o procedi-
mento que mais propicia estas complicaç es devido ao seu
uso mais freqüente e maior indicação. Em torno de 10% dos
casos de uso do rotablator ocorrem os fenômenos de slowflow e no-reflow que persistem às vezes por horas ou dias,
causando disfunção miocárdica. Se o vaso tratado for importante e houver disfunção ventricular prévia, podem ocorrer sérias conseqüências. Daí a importância do implante
profilático do BIAo nestes casos selecionados 16,17.
A oclusão coronariana aguda durante angioplastia
também pode levar à falência circulatória se o vaso for importante. O uso do BIAo nesta complicação propicia os
efeitos benéficos da estabilidade hemodinâmica e do aumento da perfusão pelo vaso ocluído 18.
A angina instável, bem como o IAM e suas complicações são particularmente beneficiados pela contrapulsação
aórtica.
A angina instável, na quase totalidade dos casos, é resolvida atualmente com o uso de medicaç es, como betabloqueadores, anti-agregantes plaquetários, heparina e
substâncias novas como o abciximab. Em algumas ocasi es,
no entanto, mesmo o uso associado destas medicaç es não
estabiliza o quadro clínico. A refratariedade à medicação e o
risco potencial representado por esta entidade torna mandatório o manuseio invasivo destes pacientes, como o uso
do BIAo. Desta maneira, após o paciente estar hemo193
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Fig. 2 - Lesão grave e difusa de tronco esquerdo “não protegido”, tratada com implante de stent tubular.
dinamicamente estabilizado, realiza-se, como que eletivamente, a coronariografia, que mostrará a anatomia coronariana e o tipo de conduta a ser adotado 19.
No IAM, a redução da pós-carga determinada pelo
BIAo atenua os efeitos da hipoperfusão coronariana localizada e aumenta o fluxo sangüíneo através da artéria ocluída 20.
Assim sendo, seu uso concomitantemente associado à terapêutica trombolítica parece reduzir, de maneira importante, a
incidência de reoclusão da artéria culpada pelo infarto. Também deve-se ressaltar o fato de que não haver aumento na
incidência de sangramento 21,22.
Na angioplastia primária ou de salvamento os efeitos
são semelhantes 23,24. Diversos trabalhos mostraram o benefício do BIAo em reduzir a incidência de reoclusão pós-angioplastia. Vários Serviços adotam como rotina o emprego
do BIAo nestas duas circunstâncias, quando o infarto apresenta-se associado a sinais de severa disfunção ventricular
esquerda ou quando o vaso culpado persiste ocluído apesar de todas as medidas adotadas.
194
No choque cardiogênico, o uso isolado do BIAo não
melhorou significativamente o prognóstico. É imperativo
que se faça, concomitantemente, a revascularização cirúrgica ou percutânea 23-25.
O mesmo se aplica para as complicações mecânicas do
Quadro I - Balão intra-aórtico no laboratório de cateterismo
1- Uso eletivo
- Angioplastia de “alto risco”
- Aterectomias (rotablator)
2- Emergências
- Angina instável
- Oclusão aguda pós-angioplastia
- Infarto agudo do miocárdio c/trombolíticos
ATC primária ou de salvamento
Choque cardiogênico
Complicações mecânicas (IM, CIV)
- Insuficiência mitral não isquêmica
Ponte para o transplante cardíaco
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IAM. Além da correção do defeito no septo interventricular
ou troca da valva mitral, é indispensável também a revascularização 26. O BIAo propicia, temporariamente, a adequada estabilização hemodinâmica, necessária ao completo tratamento do paciente.
O BIAo também é utilizado em emergências não isquêmicas, como na insuficiência mitral decorrente da ruptura
idiopática de cordoalha tendínea ou na endocardite bacteriana aguda. Nestes pacientes, com função ventricular prévia normal, a redução da pós carga produz a redução da amplitude da “onda V” e do nível da pressão capilar pulmonar.
Por fim, observa-se um crescente aumento do uso do
BIAo, como ponte para o transplante cardíaco. Pacientes
com insuficiência cardíaca refratária ao tratamento, muitas
vezes, necessitam de suporte circulatório durante semanas
até que se obtenha um coração para o transplante. Dos dispositivos de suporte circulatório o BIAo, pela sua simplicidade de uso e menos efeitos colaterais, é o mais adequado.
As complicações do uso do BIAo foram bastante
analisadas no últimos tempos. A incidência em geral situase em torno de 10% dos casos e a isquemia grave de membro inferior ocorre atualmente em menos de 1% dos procedimentos 27,28.
Os pacientes mais propensos são os hipertensos graves, diabéticos, do sexo feminino e, principalmente, os portadores de doença vascular periférica.
Ultimamente observa-se uma redução progressiva nas
complicações devido à redução do calibre dos bal es, maior
flexibilidade do material e a introdução percutânea sem uso
de bainha.
Concluindo, a disponibilidade do emprego do BIAo
encorajou a realização de procedimentos de alto risco,
transcorrida com estabilidade hemodinâmica e baixo índice
de complicações. Avaliações em larga escala são necessárias para a determinação do custo-benefício envolvido com
esta prática, neste grupo de pacientes.
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