ROUCHAUD E.- CARACTERIZAÇÃO DA NOÇÃO DE TIPICIDADE MEDIANTE A EXPRESSÃO DE FACTORES ECOLÓGICOS – PAG. 1 CARACTERIZAÇÃO DA NOÇÃO DE TIPICIDADE MEDIANTE A EXPRESSÃO DE FACTORES ECOLÓGICOS Emmanuel ROUCHAUD Chambre d’Agriculture du Var Introdução O uso da noção de “terroir” conhece múltiplas acepções conforme a dimensão sociológica ou agronómica seja privilegiada. No entanto, face à multiplicidade de definições, todos estão de acordo em reconhecer que o “terroir” é resultante de um sistema complexo, multifactorial e interactivo, difícil de identificar de forma simples. É por esta razão que o nosso estudo não segue uma via descritiva mas emprega uma metodologia que se assemelha a uma hierarquização. A nossa vontade é de simplificar a abordagem da noção de tipicidade associada a um efeito “terroir” colocando em evidência indicadores estáveis e potentes, expressão de factores ecológicos. Esta abordagem quer-se pragmática e sistemática: razão pela qual excluímos o conjunto dos factores humanos caracterizáveis e reprodutíveis, interessando-nos unicamente os factores naturais que conferem aos produtos uma tipicidade identificável; esta caracterização é a base indispensável para a valorização da colheita. Um dispositivo equilibrado Deliberadamente, o nosso trabalho tem como base uma série de variáveis que representam respostas directas ao comportamento agronómico da vinha. Tratam-se de critérios de caracterização da matéria-prima; a uva (análises químicas e colorimétricas), e de parâmetros de maturidade e de maturação. O que permite desligarmo-nos dos efeitos «vinificação». Os dados são provenientes de uma selecção de 14 parcelas de Grenache Noir e de Cinsaut pertencentes ao Observatoire Grenache-Cinsaut. Este último agrupa 28 unidades experimentais sobre as quais se realizaram as medições e observações desde 1999. As parcelas escolhidas corresponderam a unidades pedoclimáticas originais que estão situadas nas regiões de La Londe, La Roquebrussanne, Lorgues, Plan de la Tour, Puget-Ville, Tavernes et Vidauban. Um método potente Somente os métodos estatísticos de investigação potentes, que constituem as análises de variância multi-factoriais em bloco permitem introduzir noções explicativas neste estudo. A construção de tais dispositivos permite diminuir a variabilidade residual e fixar o efeito do ano de colheita, aumentando o poder de descriminação do modelo estatístico escolhido. Os factores Casta e Local foram testados. Caracterização do efeito Casta Entre as variáveis medidas, seis permitem colocar em evidência um efeito Casta de maneira significativa a um nível de confiança de 95%. Estas são: o pH, o grau alcoólico potencial, e a soma das temperaturas de maturação (T maturação, do pintor à vindima). Estas variáveis repercutem o efeito Casta independentemente da colheita. Caracterização do efeito Local A um nível de confiança de 95%, somente duas das variáveis medidas descriminam os locais independentemente da casta. Referimo-nos à acidez total e ao pH. Contudo, quando se realiza o mesmo tratamento casta por casta, novas variáveis revelam-se significativas. Assim, a data de meio-pintor (em dias julianos), parâmetro de precocidade, depende do local para cada uma das castas. Em contrapartida, os ácidos málico e tartárico (málico e tartárico expressos em gH2SO4/L), a relação ácido tartárico/ácido málico (correspondente à VINIDEA.NET REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N. 1 ROUCHAUD – CARACTERIZAÇÃO DA NOÇÃO DE TIPICIDADE MEDIANTE A EXPRESSÃO DE FACTORES ECOLÓGICOS-PÁG. 2 posição das amostras sobre um eixo verde roxo), e a soma das temperaturas durante apenas exprimem um efeito local para a casta Grenache (com um risco de 5%). A diferença da variabilidade da resposta ao local das duas castas é evidente. A noção de acidez discrimina de forma recorrente os dois factores ecológicos estudados: ela corresponde mais particularmente aos ácidos orgânicos tituláveis representados pelo ácido málico e ácido tartárico. A acidez será por conseguinte um indicador relevante dos efeitos combinados da casta e do local. Contribuição dos factores local e casta na tipicidade da matéria-prima A utilização de uma Análise em Compostos Principais (ACP - gráfico nº 1) global permite-nos hierarquizar a influência dos dois factores na expressão da combinação local-casta. É evidente que o efeito dominante é a Casta. Efectivamente, independentemente dos locais, Cinsaut a expressão dos caracteres genéticos varietais é mais importante que a situação de a implantação da parcela. Por outras palavras, a T_matu resposta genotipica é um efeito estável qualquer que seja a combinação solo x ano de AT colheita. Mal(H2SO4) Esta análise permite-nos igualmente precisar a Mi-véraison natureza do nosso indicador do efeito Local x Tart(H2SO4) pH Axe 1 (31.7%) Casta. Perante as contribuições das variáveis para a construção dos eixos, o ácido málico Tart/Mal parece ser o discriminador mais potente e mais estável dos 2 factores estudados. Parece igualmente, como deixam presumir TAP Grenache mais distintamente as análises de variância, que o Grenache exprime uma resposta agronómica mais variável que o Cinsaut. O Grenache reflecte mais a expressão das potencialidades vitícolas do seu meio de implantação. Pelo contrário, o Cinsaut aparece como mais estável nos seus desempenhos vegetativos independentemente do local que o acolhe. Axe 2 (20.2%) Hipóteses explicativas O indicador ácido málico constitui uma resposta agronómica que convém doravante ligar a um comportamento fisiológico específico ou, pelo menos, às condições particulares do seu desenrolar. É por conseguinte necessário orientar a nossa reflexão para uma abordagem explicativa. As variáveis explicativas dos nossos factores ecológicos são numerosas e a sua recolha no terreno é difícil. Por esta razão, reduzimos o nosso dispositivo a 3 locais particulares (Vidauban, Puget-Ville et La Londe) nos quais a distribuição de água durante o ciclo vegetativo da vinha e a disponibilidade hídrica foram estudados desde 2001. A Análise em Compostos Principais (ACP) do comportamento dos três locais na colheita de 2002 (gráfico 2) permite estabelecer uma correlação entre os nossos indicadores (ácidos orgânicos) e as variáveis agro-climáticas explicativas. Parece que a quantidade em ácidos orgânicos está fortemente ligada ás condições térmicas durante a maturação e, mais particularmente, que o teor em ácido málico dos mostos é mais fraco quanto maior é o stress hídrico da vinha (-PFB, potencial hídrico básico) durante este período (sem no entanto atingir défices muito marcados). VINIDEA.NET REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N. 1 ROUCHAUD – CARACTERIZAÇÃO DA NOÇÃO DE TIPICIDADE MEDIANTE A EXPRESSÃO DE FACTORES ECOLÓGICOS-PÁG. 3 Axe 2 (35.0%) Axe 2 (40.7%) Grenache AT Tart(H2SO4) cycle veg AT cycle veg Mal(H2SO4) -PFB Mal(H2SO4) Axe 1 (51.5%) Axe 1 (50.8%) Tart(H2SO4) -PFB T_matu T_matu Colheita 2002, Sites de La Londe Puget-Ville et Vidauban Cinsaut , Gráfico n°2 Site de Vidauban, Colheita 2001 e 2002 Gráfico n°3 Após a correlação estabelecida entre a quantidade de ácido málico e a duração do ciclo vegetativo da vinha (do abrolhamento à paragem de crescimento), parece que é devido à redução do período de crescimento da vinha que o stress hídrico interfere na acidez dos mostos e em particular no teor em ácido málico. A composição hídrica é o factor explicativo mais pertinente da concentração em ácido málico dos mostos e por conseguinte o factor que mais contribui para a tipicidade da matéria-prima. Se escolhermos por exemplo o comportamento de duas castas na parcela de Vidauban (gráfico nº3) durante duas colheitas atípicas, uma muito seca (2001), a outra muito húmida (2002), as hipóteses são confirmadas. Efectivamente, o stress hídrico severo de 2001 associado a temperaturas elevadas durante a maturação teve como consequência uma fraca taxa de ácido málico nos mostos devido à estimulação da enzima de degradação do ácido málico e a uma paragem de crescimento precoce (o ácido málico é sintetizado nos órgãos em crescimento). Ao contrário, em 2002, a quantidade de ácido málico é importante pelas razões inversas. Parece que a quantidade de ácido málico nos mostos é uma resposta agronómica estável da expressão original da combinação de efeito local e casta. Na situação pedo-climática específica do nosso departamento, este indicador é condicionado pela disponibilidade em água na vinha. VINIDEA.NET REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N. 1 ROUCHAUD – CARACTERIZAÇÃO DA NOÇÃO DE TIPICIDADE MEDIANTE A EXPRESSÃO DE FACTORES ECOLÓGICOS-PÁG. 4 Higrómetro em vinha de Vidauban (medição da força de retenção em água do solo) Com a colaboração de d’Elizabeth de RIBOU, engenheira estagiária ENITA Bordeaux VINIDEA.NET REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2004, N. 1