Acta Farm. Bonaerense 23 (3): 334-8 (2004) Trabajos originales Recibido el 14 de noviembre de 2003 Aceptado el 10 de abril de 2004 Goma Guar como Excipiente em Matrizes Hidrofílicas: Avaliação do Índice de Hidratação André Bochnia Rodrigues de FREITAS e Osvaldo Albuquerque CAVALCANTI * Laboratório de Tecnologia Farmacêutica. Departamento Farmácia e Farmacologia UEM (Universidade Estadual de Maringá). Avenida Colombo, 5790, Anexo Bloco P02. Maringá / Paraná / Brasil RESUMO. Formulações de matrizes hidrofílicas para administração oral usando polissacarídeos como transportadores para libertação modificada de fármacos têm sido amplamente investigadas. No presente estudo, avaliamos os diferentes valores de hidratação das matrizes hidrofílicas contendo hydroxipropilmetil celulose (HPMC) associada à goma guar em duas diferentes concentrações. Foram utilizados como fluídos de hidratação a água destilada, meio de simulação do fluído gástrico (pH 1,2) e simulação do fluído intestinal (pH 7,4). A captação gradual dos fluídos produziu intumescimento do sistema matricial, desenvolvendo superfície mucilaginosa a qual reteve o ingresso de líquidos ao interior do sistema. Este fenômeno tem permitido retardar e gerenciar o mecanismo de libertação de fármacos. As matrizes investigadas não apresentaram diferença significativa na captação de líquidos nos diferentes meios de hidratação utilizados. O aumento do índice de intumescimento foi proporcional e dependente do aumento da concentração da goma guar utilizada nas formulações. Os resultados obtidos sugerem que a goma guar, quando associada ao HPMC, apresenta influência no fenômeno de hidratação em sistemas matriciais hidrofílicos. SUMMARY. “Guar Gum as an Ingredient in Hydrophilic Matrix: Swelling Index Evaluation”. Hydrophilic matrices for oral administration using polysaccharides as carriers for modified release of drugs have been widely investigated. In the present study, we evaluated the different values of hydration of hydrophilic matrices including hydroxypropylmethyl cellulose (HPMC) associated with guar gum in two different concentrations. Distilled water and artificial gastric fluid (pH 1.2), and artificial intestinal fluid (pH 7.4), were used as hydration medium. The gradual uptake of these fluids produced a swelling of the matricial systems that developed a gel layers on the surface of the hydrophilic matrices, through which the drug has to pass by dissolution and diffusion. This phenomena has allowed the delay and control of the mechanism of drug release. The hydrophilic matrices investigated didn’t present significant differences in the intake of liquids in the different hydration means used. The increase in the swelling index was proportional and dependent on the increase of the guar gum concentration used in the formulations. The data suggest that the gum guar, when associated to the HPMC, shows an influence in the hydration phenomena in hydrophilic matrices systems. INTRODUÇÃO O uso de polímeros naturais para obtenção de matrizes hidrofílicas visando controle da libertação de fármacos, têm sido amplamente investigado 1-4. Muitas dessas investigações avaliam o desempenho de alguns polissacarídeos na vetorização passiva e ativa de fármacos a regiões específicas do organismo. Krishnaiah et al. 5 * 334 desenvolveram sistema matricial a base de goma guar objetivando libertação do mebendazol na região distal do trato gastrintestinal. Os polissacarídeos sofrem hidratação e expansão quando colocados em contacto com fluídos do trato gastrintestinal, desenvolvendo superfície mucilaginosa a qual retém o ingresso de água no sistema, exercendo uma barreira de controle sobre a PALAVRAS CHAVES: Goma guar, Hidroxipropilmetil celulose, Índice de hidratação, Liberação modificada de fármacos, Matrizes hidrofílicas, Polissacarídeos. KEYWORDS: Guar gum, Hydrophilic matrices, Hydroxypropylmethyl cellulose, Modified drug delivery, Polysaccharides, Swelling index. Autor a quem a correspondência deverá ser enviada. E-mail: [email protected] ISSN 0326-2383 acta farmacéutica bonaerense - vol. 23 n° 3 - año 2004 liberação do fármaco. Este fenômeno tem sido usado para retardar e reger o mecanismo de libertação 6. O índice de hidratação da matriz está intimamente relacionado ao índice de libertação do fármaco 7-9. A penetração gradual da água produz intumescimento do sistema matricial, formando um gel hidratado pelo qual o fármaco terá que ultrapassar (dissolução e difusão). A liberação do fármaco a partir das matrizes hidrofílicas depende da complexa interação entre a absorção d’água, índice de hidratação do sistema (percentagem de líquido absorvido), difusão do fármaco, assim como, do fenômeno de erosão 10-13. Problemas encontrados com o uso de polissacarídeos estão relacionados com a elevada solubilidade desses polímeros naturais na água. A associação dos polissacarídeos com polímeros sintéticos, tem sido sugestivo argumento na diminuição da hidrossolubilidade destes polímeros naturais, garantindo maior eficácia sobre o controle da libertação de fármacos aprisionados nos sistemas matriciais. Diversos trabalhos sugerem o uso da goma guar como excipiente para liberação modificada de fármacos 14,15. A goma guar é um polissacarídeo derivado das sementes de Cyamopsis tetragonolobus, da família Leguminosae, cultivada principalmente na Índia e no Paquistão. Ela é constituída por unidades de β-1,4 manose glicosídica e apresenta uma unidade α-1,6 galactose a cada duas unidades de manose, formando ramificações. A goma guar é amplamente usada na indústria alimentícia como agente espessante e na indústria farmacêutica aplicada como aglutinante, desintegrante, agente suspensor, espessante e estabilizante. Muitas são as vantagens da fabricação de matrizes hidrofílicas: simplicidade da formulação; o sistema poderá conter ≥ 80% do peso total destinado ao fármaco; matérias-primas de fácil acesso e baixo custo, não patenteadas, biodegradáveis, podendo utilizar excipientes habilitados à compressão direta; além de utilizar equipamentos convencionais e de fácil acesso para produção em escala industrial. A formulação das matrizes freqüentemente depende da escolha adequada de polímeros com elevada capacidade geleificante. Estes serão excipientes de base aos sistemas de libertação modificada controlado pelo intumescimento 1,16-19. No presente estudo, procuramos avaliar comportamento das matrizes hidrofílicas (MH), representado pelos valores da captação de fluídos, sendo estes diretamente influenciados pelos excipientes envolvidos na confecção das MH fabricadas, ou seja, hidroxipropilmetil celulose (HPMC) associada à goma guar em duas diferentes concentrações (10% e 30%), e lactose. Foram usados como líquido para hidratação, o meio de simulação do fluído gástrico e meio de simulação do fluído intestinal, além da água destilada. MATERIAIS E MÉTODOS Materiais Hidroxipropilmetil celulose (HPMC, Methocel®E4M Premium, Colorcon, UK), Goma guar (Willy Benecke, Hamburgo - Alemanha), Teofilina Anidra BP80 (Henrifarma, São Paulo - Brasil), Lactose DCL 11 (DMV, Phama Veghel - Holanda), Estearato de Magnésio (Proquimed, São Paulo, Brasil) e Celulose Microcristalina PH102 (Proquimed, São Paulo, Brasil). Preparação das matrizes As matrizes foram preparadas pelo processo de compressão direta, usando máquina mini compressora rotativa Riva® modelo Piccola (Argentina), usando punções 8 mm, em escala piloto contendo diferentes concentrações do agente aglutinante. Seguindo metodologia proposta por Billa & Yuen 3 os componentes das formulações foram inicialmente uniformizados com relação a granulometria usando tamis, sendo em seguida realizada a mistura em saco plástico, processo adequado ao tamanho do lote. Cada lote de matéria-prima apresentou massa a granel de 500 g. A teofilina foi usada como fármaco modelo. O peso de cada matriz foi de 200±5 mg. Foram escolhidas duas formulações fazendo variar a concentração da goma guar (10% e 30%), conforme representado na Tabela 1. Os excipientes foram incorporados às formulações seguindo a seguinte ordem de adição: lactose DCL11, teofilina, goma guar, celulose PH102, polímero sintético (Methocel®), e por último o estearato de magnésio. Depois da adição de 2% de estearato de magnésio e completa homogeneização do lote, as misturas de pós foram conduzidas à compressão. As matrizes fabricadas foram imediatamente submetidas aos testes de dureza e peso médio. Determinação do índice de hidratação O processo de captação de líquido pelas matrizes hidrofílicas têm sido amplamente estudados e aplicados em inúmeros trabalhos científicos. No nosso trabalho registramos a diferença de peso entre a matriz seca e a matriz hidratada 335 Freitas, A.B.R. de & O.A. Cavalcanti Composição 10% Composição 30% Teofilina 50 g 50 g Celulose PH 102 84 g 49 g Lactose DCL 11 156 g 91 g Methocel” E4M 150 g 150 g Estereato de Mg+ 10 g 10 g Goma guar 50 g 150 g Tabela 1. Composição das formulações avaliadas. depois de determinado período de tempo conforme propõem Efentakis et al. 20. A matriz seca foi cuidadosamente pesada em uma balança analítica e em seguida imersa em Becker contendo o meio teste, os ensaios foram realizados à temperatura ambiente (25° ± 1 °C). A captação do líquido foi estudada usando os seguintes meios: água destilada, meio de simulação gástrico sem pepsina, pH = 1,2 e meio de simulação intestinal sem pancreatina, pH = 7,4 ambos preparados conforme USP XXIII. O período de tempo foi de três horas para água destilada e meio de simulação do fluído gástrico e quatro horas para o meio de simulação do fluído intestinal. Depois de preestabelecido período de tempo, o excesso de líquido captado pela superfície das matrizes foi cuidadosamente removido com auxílio de papel filtro, sendo em seguida repesadas. O teste foi conduzido em triplicada. A porcentagem do índice de hidratação foi calculada de acordo com a equação: IH % = (Pf - Pi)/ Pi*100, onde IH % é a porcentagem do índice de hidratação, Pi é o peso inicial da matriz e Pf é o peso da matriz hidratada depois de determinado período de tempo, conforme estudo da caracterização de intumescimento proposto por Mandal 21. RESULTADOS E DISCUSSÃO O presente estudo foi desenvolvido visando avaliar a influência da goma guar no grau de hidratação de sistemas matriciais frente a diferentes meios de simulação. A goma guar conforme anteriormente mencionado, constitui material promissor frente à perspectiva de liberação modificada dotada de especificidade. Apesar da elevada expectativa do uso dos polissacarídeos na condição de carreadores específicos de fármacos a sítios específicos do organismo, o emprego destes materiais nas formas farmacêuticas destinadas a via oral visando uma liberação mo- 336 dificada, parece apresentar limitações. Muitos polissacarídeos são prontamente dissolvidos no meio aquosos do tubo digestivo, cedendo prematuramente o fármaco. Argumento para contornar esta deficiência tem encontrado amparo na modificação da solubilidade do polímero através de reações de reticulação, além de combinações destes materiais com polímeros sintéticos. Neste trabalho foram testadas duas formulações contendo respectivamente 10% e 30% de goma guar combinada ao HPMC (Methocel®). A hidratação de matrizes hidrofílica é considerada processo primário no controle da taxa de libertação do fármaco contido nas formas farmacêuticas sólidas. Michailova et al. 22 trabalhando com associações envolvendo o HPMC (Methocel®) e amido de milho pregelatinizado evidenciaram que a velocidade de hidratação das matrizes era inversamente proporcional a velocidade de cedência do fármaco, e que quanto maior o grau de hidratação menor seria a quantidade de fármaco libertada. As variações das concentrações da goma guar propostas neste trabalho, registraram diferenças nos valores do grau de hidratação das matrizes testadas. A goma guar exerceu papel fundamental na captação de líquidos pelo sistema. Prioritariamente evidenciamos aumento do grau de hidratação nos sistemas onde a formulação apresentava uma maior concentração da goma guar (30%) conforme Figs. 1-3. Investigações anteriormente realizadas por Munday & Cox 23 e Billa & Yuen 3, Figura 1. Índice de hidratação de matrizes hidrofílicas contendo goma guar (10% e 30%) associado ao Methocel® em água destilada. acta farmacéutica bonaerense - vol. 23 n° 3 - año 2004 Figura 2. Índice de hidratação de matrizes hidrofílicas contendo goma guar (10% e 30%) associado ao Methocel® em meio de simulação do fluído gástrico. Figura 3. Índice de hidratação de matrizes hidrofílicas contendo goma guar (10% e 30%) associado ao Methocel® em meio de simulação do fluído intestinal. Figura 4. Índice de hidratação de matrizes hidrofílicas contendo 10% goma guar associado ao Methocel® em água destilada, simulação fluído gástrico e simulação do fluído intestinal. Figura 5. Índice de hidratação de matrizes hidrofílicas contendo 30% goma guar associado ao Methocel® em água destilada, simulação fluído gástrico e simulação do fluído intestinal. também registraram que o aumento na concentração dos polissacarídeos nas formulações favorece o aumento da hidratação dos sistemas matriciais. Entretanto, o grau de hidratação das matrizes nos diferentes meios testados, apesar da diferença de pH, não apresentou diferenças significativas, conforme demonstrado nas Figs. 4 e 5. Nossos resultados apresentam similitude com aqueles registrados por Michailova et al. 21, os quais concluíram que os diferentes valores de pH não influenciaram significativamente a captação de liquido para o interior da matriz. A go- ma guar envolvida nas formulações propostas neste trabalho demonstrou habilidade frente ao grau de hidratação dos sistemas matriciais testados, podendo influenciar os fenômenos que regem a cinética de liberação de fármacos. CONCLUSÃO As propriedades de hidratação das matrizes hidrofílicas de HPMC associados à goma guar foram avaliadas neste trabalho, sendo o primeiro excipiente envolvido nas formulações na expectativa de minimizar a velocidade de hidra- 337 Freitas, A.B.R. de & O.A. Cavalcanti tação das matrizes hidrofílicas, sendo esta particularmente influenciada pela presença da goma guar. Apesar da presença de algumas variáveis nas formulações propostas envolvendo outros excipientes, evidenciamos ter havido influência diretamente proporcional e dependente do aumento da concentração da goma guar, ou seja, o aumento da concentração deste polissacarídeo nas formulações favoreceu a velocidade e intensidade de hidratação dos sistemas matriciais. A goma guar demonstrou possuir elevada habilidade em influenciar a captação de líquidos para o interior do sistema. As variações das faixas de pH observadas nos fluídos de simulação do trato gastrintestinais usados, evidenciaram não ha- ver interferência quanto à captação de líquidos para o interior dos sistemas matriciais. Estudos complementares de dissolução in vitro estão sendo realizados visando avaliar o potencial desta goma quando associado ao HPMC, aos sistemas de liberação modificada de fármacos. Agradecimentos. Ao CNPq pelo suporte financeiro através do processo 479122/2001-6. A Colorcon do Brasil pela cedência da amostra do Methocel(E4M Premium. Ao doutor Alejo Palácios da empresa Almapal S.A., e a doutora Luciana Sartor Lima Mansolelli da Indústria Farmacêutica Eurofarma, pela amizade, gentileza e suporte logístico na fabricação das matrizes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Talukdar, M.M., A- Michoel, P. Rombaut & R. Kinget (1996) Int. J. Pharm. 129: 233-41. 2. Khullar, P.; Khas, R.K. & S. P. Agarwal (1998) Drug Dev. Ind. Pharm. 24 (11): 1095-9. 3. Billa, N. & K. Yuen (2000) AAPS Pharm. Sci. Tech.. 1(4): 30: 1-8. 4. Hasan, E.I., B.I. Amrob, T. Arafatc & A.A. Badwan (2003) Eur. J. Pharm. Biopharm. 55: 33944. 5. Krishnaiah, Y.S.R., P.V. Raju, B.D. Kumar, P. Bhaskar & V. Satyanarayana (2001) J. Controlled Release. 77: 87-95. 6. Freitas, A.B.R. & O.A. Cavalcanti (2001) In: III Seminário do Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá Maringá/PR/Brasil. Anais, p. 68. 7. Colombo, P., P.L. Catellani, N.A. Peppas, L. Maggi & U. Conte (1992) Int. J. 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