A ÉTICA DO DISCURSO DE HABERMAS Habermas procura responder à questão fundamental da filosofia moral e política, surgida de nossa compreensão moderna do mundo, quanto à possibilidade de existência de uma comunidade política formada por pessoas razoáveis, mas profundamente divididos pelo pluralismo, não apenas inevitável, mas também desejável, das visões de mundo e dos modos de vida. Nesse sentido, o ponto de partida da Ética do Discurso é a necessidade de haver normas universais em nossa época de profundas e constantes mudanças e descobertas (clonagem, aborto, eutanásia, economia internacional, preservação do meio-ambiente) e a impossibilidade de haver tais normas devido ao pluralismo, o que aponta para a existência de um paradoxo. Nessa perspectiva, podemos questionar a partir do seguinte viés: como inserir a Ética do Discurso no paradoxo da impossibilidade e necessidade contemporânea de fundamentação de normas universais? A Ética do Discurso de Habermas é um programa que se inscreve na vertente kantiana das recentes teorias morais a partir da incorporação de certos motivos importantes da crítica hegeliana ao universalismo abstrato. Nessa perspectiva, a Ética do Discurso pode ser apresentada como uma concepção kantiana pós-hegeliana da filosofia prática que se inscreve em um universo pós-metafísico de pensamento. A transformação do universalismo moral de Kant é a via escolhida pela Ética do Discurso (Diskursethik) como uma via possível perante os desafios éticos, políticos e jurídicos contemporâneos. Nessa perspectiva, é possível uma ética universal em um mundo multicultural? As reflexões de Habermas sobre a Ética do Discurso aparecem em várias de suas obras. Contudo, privilegiaremos sua obra “Consciência Moral e Agir Comunicativo”, fundamentalmente os capítulos terceiro e quarto, no intuito de explicitar essa temática. A temática da Ética do Discurso em Habermas está diretamente atrelada à questão da teoria do discurso, a qual conta com a intersubjetividade de processos de entendimento, que se realizam mediante procedimentos democráticos ou na rede comunicacional de esferas públicas políticas. Nesse sentido, se a palavra visa a uma relação comum com a verdade, essa ideia de verdade só se constitui pelo modelo idealizado por um acordo obtido no quadro de uma comunicação isenta de dominação. A crítica da dominação pode então ser redefinida como a análise das estruturas deterioradas da comunicação. Ela consiste em descobrir, no curso dialético da história, os traços da violência que desfiguraram o diálogo e que sem cessar desviaram dos caminhos de uma comunicação sem constrangimento o progresso da humanidade em direção à sua emancipação. Se todo ato de linguagem pressupõe o ponto de vista de uma comunicação não deformada, de uma intersubjetividade autêntica, somente essa referência ou essa antecipação de uma situação ideal de fala permite distinguir entre um consenso racional – obtido pela argumentação e garantindo a verdade – e um consenso extorquido ou falacioso. Assim, a comunicação e a linguagem contribuem fundamental e originariamente para a construção e manutenção das ordens sociais, assegurando uma função de socialização e de integração social. É sob o título de Ética do Discurso que Habermas apresenta sua teoria moral como um programa de fundamentação da moral a partir da “virada linguística” pragmática. Assim, o contexto linguístico e pragmático está na base da Ética do Discurso, que é a ética da ação social, comunicativa e consensual, orientada para o entendimento. A Ética do Discurso se fundamenta na pragmática universal. Para Habermas ética e linguagem são inseparáveis dada sua dimensão intersubjetiva, pois o discurso é ação social, e, portanto, linguagem na forma de argumento, o que aponta para o fato de que a linguagem expressa ação voltada para o entendimento. É nesse sentido que adentraremos nas análises acerca da “virada linguística”, que marcou a obra de Habermas, ocorrida por volta dos anos de 1970, que procurou substituir a filosofia da consciência por uma filosofia da linguagem, pelo paradigma da intersubjetividade, que possui alcance normativo. O núcleo da transformação operada pela “virada linguística” reside na passagem de uma perspectiva concentrada sobre os sujeitos isolados, no qual o poder de autolegislação é outorgado à simples competência dos indivíduos, para uma interpretação dialógica do imperativo categórico, na qual predomina a ideia de um entendimento mútuo visado através da comunicação entre falantes e ouvintes. Habermas aponta que a filosofia da consciência incorre num solipsismo metodológico, quando supõe que uma consciência, empírica ou transcendental, idêntica a todos os indivíduos, estaria capacitada para validar objetivamente normas, sem ter antes compartilhado os sentidos das tradições com os outros. Daí que a consideração sobre a universalidade de normas morais acaba sendo reduzida à individualidade do observador, que sem a mediação dos outros afetados a avaliação de norma torna-se cega para as considerações plurais. Isso significa que se as normas morais têm pretensão de sustentar sua universalidade por razões, então exige-se que todos sejam considerados, e, portanto, que sejam considerados todas às vezes com suas razões que podem ser distintas em relação ao observador monológico. É a dificuldade em considerar a perspectiva do outro a partir de uma autorreflexão que impede a filosofia da consciência de fundamentar normas morais, o que Habermas aponta em Kant, ao fazer notar que o teste de universalização de uma máxima operando segundo o imperativo categórico dirige-se a uma segunda pessoa do singular, como se cada um em foro íntimo pudesse realizar por si só. Em outras palavras, a crítica habermasiana à filosofia da consciência de Kant está no fato de que para Kant o imperativo categórico é formulado por um sujeito racional que, ao elevar sua máxima de sua vontade à condição de universalidade, constata que todos os sujeitos racionais são capazes de agir dessa maneira, o que configura a determinação da vontade de um foro subjetivo para uma perspectiva universal. Portanto, para se formular um imperativo que determina a vontade humana, imaculando-a de qualquer estímulo externo e, assim, fazendo-a ser uma “boa vontade”, é necessário “apenas”, “antecipar” todas as perspectivas dos demais seres racionais, sem a necessidade de uma discursão racional em âmbito público. Em outras palavras, para Kant, cada qual pode reconhecer, a cada momento, onde está o dever, condição de uma boa vontade, perguntando-se a si próprio: posso querer que a máxima referente a tal ou tal ação se converta em lei universal? Quando me pergunto se “tenho razão” para agir deste ou daquele modo, eu me pergunto o que faria em meu lugar qualquer outro ser dotado de razão, isto é, procuro saber se a máxima da minha ação poderia servir de máxima universal, prescindindo de uma discussão que exponha, em um espaço público, as razões de todos os indivíduos competentes para participarem dessa discussão. Para Habermas, a racionalidade reside nos procedimentos linguísticos e argumentativos, que podem ser válidos por serem verdadeiros, corretos e autênticos. Desta maneira, a razão não está centrada no sujeito monológico ou no objeto somente, mas também na linguagem, enquanto procedimento, ação e nos argumentos. Ao contrário da razão prática (centrada na consciência), a razão comunicativa não se prende a nenhum ator singular e ocorre através do médium linguístico e está inscrita no telos do entendimento, que, por sua vez, implica a visada, por parte dos participantes, de fins ilocucionários. Habermas aponta, a partir do marco teórico da “virada linguística” pragmática, que não se pode duvidar de tudo ao bel-prazer, assumindo uma posição fora do mundo, de um sujeito solitário, para posteriormente efetivar a fundamentação de tudo como faria a filosofia da consciência. Nesse sentido, para Habermas, “o engajamento que assumimos na medida em que pertencemos a um mundo da vida não é algo que possamos renegar a nosso bel-prazer” (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p. 66). O exame crítico da linguagem e da interpretação mostra que no lugar de um sujeito solitário que promoverá a sequência dedutiva de tudo que antes duvidou, entram tanto a mediação pragmática da linguagem quanto um “mundo da vida”, e, com isso, a autoridade epistêmica não é mais o sujeito solitário, mas a comunidade de todos os sujeitos intérpretes. Habermas procura teorizar a dimensão pragmática da linguagem, isto é, a relação dos sinais com os sujeitos e, sobretudo, com o uso que os falantes fazer deles, apontando para uma função comunicativa da linguagem e não apenas à função representativa como é teorizada em abordagens semânticas. Assim, o primeiro fato da “virada linguística” para Habermas foi a possibilidade de formular uma teoria da ação que se configura na teoria do agir comunicativo e da racionalidade. A análise de proposições descritivas não é vista mais numa relação ontológica correspondente a uma estrutura bipolar entre linguagem e mundo, entre proposições e fatos, pois não se trata mais de uma relação entre sujeito que representa o objeto que é representado, mas uma tríplice relação: do ato de fala que faz valer um estado de coisas para uma comunidade de interpretação. Para Habermas, a linguagem como um médium cumpre três funções: os atos de fala servem para exprimir intenções de um falante, para representar estados de coisas e para promover relações com um destinatário. A fundamentação da Ética do Discurso levada à cabo por Habermas vem de encontro a problemáticas próprias da constituição de nossas sociedades contemporâneas, ou seja, de que maneira podemos chegar a consensos sobre questões de ordem pública? De que maneira poderemos fomentar uma situação ideal de discurso que permita que todos os sujeitos competentes possam verbalizar suas razões? Como esse consenso não será maculado por coação de qualquer ordem, principalmente ideológica e econômica? Diante dessas problemáticas, percebe-se na Ética do Discurso, ao invés de um conceito semântico de fundamentação, uma defesa de um conceito pragmático de fundamentação, a saber, como uma práxis de justificação pública em que, para resolver reinvindicações de validação, apresentam-se razões. Assim, o discurso é justamente esta práxis de justificação pública e esta prática de fundamentação já se encontra no “mundo da vida”. Mas, o que vem a ser o “mundo da vida”? Este conceito Habermas ampliou em relação à concepção de “mundo da vida” de Husserl. Assim, o “mundo da vida” na perspectiva habermasiana se caracteriza com as coisas que se passam no dia a dia, tais como cultura, sociedade, estruturas pessoais. O “mundo da vida” está vinculado ao agir comunicativo; é o conjunto de valores que cada um de nós individualmente ou comunitariamente vive de maneira imediata, espontânea. É sob o pano de fundo do “mundo da vida” que se processam os atos de fala e se fundamenta a Ética do Discurso. Nessa perspectiva, a Ética do Discurso acontece em uma comunidade real, histórica, ou seja, em uma situação histórica determinada. Assim, o fato ético não se dá em uma comunidade ideal, mas em uma comunidade real, histórica, em uma situação determinada no mundo da vida. Nesse sentido, os discursos práticos serão moralmente corretos, apenas pela conexão de ações e normas de ação em uma situação histórica. Assim, a Ética do Discurso se configura como sendo uma ética pós-convencional, que cria as condições sociais necessárias à realização de seus princípios éticos, que são discursivos e formais e que não podem ser, em determinadas situações históricas, plenas, porque ainda não existem as condições que os possibilitam. Há uma finalidade ética, portanto, no caso das ações estratégicas nestas situações, porque se pretende transformar a irracioanalidade da realidade atual em condições ideais de comunicação. Habermas esclarece que toda proposição é potencialmente pragmática, isto é, tem uma força ilocucionária, que revela o modo como foi proferida a proposição – e o conteúdo locutivo –, permitindo que tenha seu significado interpretado. A partir da análise de um ato de fala pode-se constatar de que forma é possível a certificação da intenção que comanda a ação. A proposição “larga a arma” é envolvida pelo componente ilocucionário, que determina seu modo, ou seja, uma ordem para que o sujeito armado venha a deixar suas armas e que, ao ser obedecida, percebe-se que a proposição foi compreendida, pois Habermas inclui nos fins ilocucionários das emissões todos aqueles "efeitos" no ouvinte que derivam não só de ter compreendido o ato de fala, mas também de tê-lo aceito como válido. O ato ilocucionário, que explicita o modo pelo qual é utilizado um ato de fala é um ato de realização de uma ação através de um enunciado. Quando dizemos uma coisa, realizamos um ato que tem uma força ou de promessa, ou de ameaça, ou de ordem. O proferimento “eu vou fazer isso” pode ter a força de uma promessa, de uma ameaça ou de uma ordem. Assim, temos diversos usos (atos ilocucionários) de uma sentença que tem o significado literal (o mesmo ato locucionário). Contudo, segundo Habermas, não é possível isolar, de um lado, a questão do significado, e do outro, a questão referente ao contexto em que essa expressão pode ser aceita como válida. Habermas associará o componente ilocucionário à questão das pretensões de validez ou aceitação racional. Assim, todo agente que atua comunicativamente tem de estabelecer, na execução de qualquer ato de fato, pretensões universais de validez. Para Habermas (1996:108), o êxito ilocucionário depende da realização de duas metas: primeiro, que o ato seja compreendido pelo ouvinte, segundo, que seja aceito. O sentido ilocucionário de um proferimento não se esgota no conhecimento do ouvinte da intenção ou da opinião do falante, mas no fato de levar a sério e aceitar as pretensões de validez do falante. E o que torna aceitável a oferta do ato de fala são as razões que o falante poderia apresentar para a validez do dito, ou seja, a aceitabilidade de um proferimento. A meta do entendimento é a produção de um acordo. O ato de linguagem é bem sucedido quando não só o ouvinte compreende o significado da frase, mas aceita a oferta do falante e se realiza a relação interpessoal visada por este. Como o sentido da fundamentação esclarece-se a partir da dimensão pragmática, ter que fundamentar uma proposição é antes de tudo alcançar o assentimento racional dos envolvidos, o que aponta para o fato de que questões práticas podem ser resolvidas racionalmente. No discurso prático-moral chega-se a um consenso se um determinado tipo de agir deve ser considerado obrigatório para todos; este consenso alcançado tem algo de definitivo, porque não se deixa contrastar com algo que prescinde da justificação para existir no sentido de que não estabelece nenhum fato, mas fundamenta uma norma, isto é, diz que uma norma merece reconhecimento intersubjetivo, entendendo que é possível de ser estabelecida através da aceitabilidade racional. A validade moral só pode ser satisfeita pela inclusão de todas as pessoas. Nessa perspectiva, um questionamento se faz inevitável: como o discurso deve se concretizar de modo que possa oferecer um ponto de vista universal para o julgamento da pretensão de validade das normas morais? É no intuito de responder ao questionamento acima levantado que será explicitado os princípios da ética do discurso de Habermas. Assim, para Habermas, “De acordo com a ética do Discurso, uma norma só deve pretender validez quando todos os que possam ser concernidos por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participantes de um Discurso prático, a um acordo quanto à validez dessa norma” (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p. 86). Os concernidos, nessa perspectiva, são todos aqueles cujos interesses serão afetados pelas prováveis consequências provocadas pelas regulamentações de uma prática geral através de normas. Em outras palavras, “são válidas as normas de ação as quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais” (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p. 87). Essa assertiva aparece no interior da obra de Habermas como o princípio “D”, que tem como premissa explicitar que os discursos racionais são toda tentativa de entendimento sobre pretensões de validade problemáticas. No que diz respeito ao princípio de universalização, este se configura como sendo o princípio moral, que não prescreve nenhum conteúdo, mas apenas funciona como regra do discurso prático-moral, que permite avaliar normas conteudistas problemáticas que advém do “mundo da vida”, que tem a pretensão de universalidade. “Assim, toda norma válida deve satisfazer a condição que as consequências e efeitos colaterais, que resultarem para a satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos do fato de ser ela universalmente seguida, possam ser aceitos por todos os concernidos (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p.86). Para Habermas, o discurso prático estrutura uma racionalidade de procedimentos que ele denomina como o princípio do discurso ou princípio “D”, como acima foi explicitado, e as normas obtidas com esses procedimentos são justas se atenderem ao princípio universal ou princípio “U”. A objetividade somente é alançada se reconhecida e considerada a mesma por uma comunidade de sujeitos capazes de linguagem e ação, além de serem livres de todos os tipos de coação e competentes para o uso linguístico de argumentos. Assim, o princípio “D” encerra procedimentos intersubjetivos que possibilitam a avaliação de conteúdos quanto às pretensões de validade e estes somente serão aceitos se todos os concernidos aceitarem todas as consequências e efeitos colaterais deles, o que se denomina princípio “U”. Para Habermas, em sua obra “Consciência Moral e Agir Comunicativo”, “o princípio da universalização é o único a possibilitar nas questões práticas um acordo argumentativo” (p. 63). O princípio moral é compreendido de tal maneira que exclui como válidas as normas que não possam encontrar o assentimento qualificado de todos os concernidos possíveis. Para Habermas, o resultado do discurso não é decidido por coação lógica, mas pela forma do melhor argumento, o que só pode ser explicado por uma lógica pragmática. Para que um argumento seja bom ele tem que ser aceito por todas as pessoas que podem ser afetadas pela norma estabelecida. Nesse sentido, há uma busca de um consenso que deve levar em conta os interesses dos envolvidos, ou seja, deve levar em conta todos os possíveis afetados, o que aponta para um processo de argumentação intersubjetivo. Para Habermas, “[...] a crítica moral serve para modificar maneiras de agir ou corrigir juízos sobre elas” (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p. 71). Assim, é princípio moral da Ética do Discurso o procedimento de soluções de conflitos por argumentos consensuais, que somente são possíveis se houver reciprocidade nas ações dos comportamentos dos falantes, realizável nos horizontes do mundo vivido. Nessa perspectiva, para negar a pretensão de validade de um discurso é necessário ter um argumento racional. Vencerá o melhor argumento. A argumentação pragmático-transcendental pretende derivar o princípio moral a partir do conteúdo proposicional de pressupostos inevitáveis de discursos universais, pois o sentido de “transcendental” dos argumentos refere-se a discursos ou competências que sejam tão universais que não possam ser substituídos por equivalentes. A pragmática universal – que expressa as relações de linguagem com os sujeitos e com o uso que eles fazem dos sinais e das proposições – confere autoridade à comunidade que, em um processo de cooperação de falantes, uns com os outros, possibilita entendimento com base em pretensões de validade. Assim, uma pessoa se exprime racionalmente se suas expressões forem performativamente orientadas às pretensões de validade. Do ponto de vista da pragmática, para que a argumentação tenha sentido, e possa ser válida intersubjetivamente, se faz necessário que as proposições sejam compreensíveis, verdadeiras, sinceras e dentro das normas que regulam as relações, ou seja, que atendam a pretensões de validade. Assim, somente os sujeitos com linguagem são capazes de pretensões de validade e, por conseguinte, de uma prática do discurso e de uma ética. É na perspectiva acima que se insere a compreensão habermasiana de espaço púbico. Assim, em sua obra intitulada “Direito e democracia”, a esfera pública é apresentada como “uma estrutura comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo” (p. 97). Nesse sentido, a esfera pública se distingue da sociedade civil, na medida em que não se institucionaliza em entidades nem em interesses particulares ou corporativos. Na perspectiva de Habermas, na esfera pública se luta por influência. Ao entrarem numa argumentação moral, os participantes prosseguem o seu agir comunicativo numa atitude reflexiva com o objetivo de restaurar um consenso perturbado. As argumentações morais servem, pois, para dirimir consensualmente os conflitos de ação. A reparação só pode consistir em assegurar o reconhecimento intersubjetivo para uma pretensão de validez, incialmente controversa e em seguida desproblematizada ou, então, para uma outra pretensão de validez que veio substituir a primeira. (“Consciência Moral e Agir Comunicativo”, p. 88). Em suma, Habermas quer dar uma interpretação intersubjetiva da linguagem, destacando o fato de que falantes e ouvintes levantam em seus atos ilocucionários pretensões de validez e exigem seu reconhecimento. O valor desses estudos da linguagem para uma teoria da sociedade fica mais claro quando Habermas mostra o papel das ações comunicativas como mecanismo de coordenação de ação.