DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL) Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Visto o processo registado sob o n.º ERS/026/13; I. DO PROCESSO I.1. Origem do processo 1. A ERS tomou conhecimento do teor da notícia veiculada pelos meios de comunicação social, em 21 de fevereiro de 2013, relativa ao alegado constrangimento na disponibilização ao utente P., doente do foro oncológico, de medicação em regime de ambulatório por parte do estabelecimento prestador de cuidados de saúde Hospital de Braga. 2. Designadamente, constava da referida notícia1 que o utente “[…] há cerca de duas semanas […] não recebe a medicação […] [p]or causa de rutura no fornecimento”, bem como que a esposa do utente “[…] apresentou uma reclamação escrita […]” sobre esta questão. 3. A referida situação foi inicialmente tratada no âmbito do processo n.º AV/164/13, sendo que, e face à necessidade de uma averiguação mais aprofundada, o 1 Cfr. notícia publicada pelo Jornal de Notícias em 21 de fevereiro de 2013, junta aos autos. Conselho Diretivo da ERS deliberou, por despacho de 15 de março de 2013, a abertura do processo de inquérito registado sob o n.º ERS/026/13. I.2. Reclamação e resposta inicial do prestador 4. Enquanto diligência preliminar, para verificação do conteúdo da notícia, foi solicitado ao Hospital de Braga: “[…] 1) O envio de cópia da reclamação […], bem como de informação sobre o tratamento prestado à mesma; 2) Que explicitem de forma fundamentada, se possível acompanhada de elementos documentais, a situação descrita nas referidas notícias;” – cfr. pedido de informação da ERS ao Hospital de Braga, de 25 de fevereiro de 2013, junto aos autos. 5. Em resposta, veio o Hospital de Braga remeter cópia da reclamação subscrita em 20 de fevereiro de 2013 por M., esposa do utente, na qual foi alegado que: i) o utente estaria sem tratamento (BCG) há duas semanas; ii) a exponente foi informada “[…] por via telefónica que o Hospital não tem a medicação […] se não fosse [a mesma] a contactar o Hospital iria aguardar até quando […]; iii) havia sido informada pelo médico assistente de que o próprio “[…] não tinha conhecimento de falta do medicamento […]”. 6. Resulta, por outro lado, da resposta do Hospital de Braga à reclamação, que “[…] no seguimento do contacto havido no dia 20 de Fevereiro que o fármaco em causa foi disponibilizado ao Utente no passado dia 21 de Fevereiro de 2013.”. 7. Já a título das explicitações solicitadas quanto à situação em si, o Hospital de Braga declarou perante a ERS que: “[…] a reclamação […] foi objeto de audição interna dos Serviços do Hospital envolvidos […] O utente recebeu no passado dia 21/2/2013 a medicação que lhe havia sido prescrita; O Hospital de Braga teve uma dificuldade pontual na disponibilização do medicamento que havia sido prescrito a este doente, situação que se encontra ultrapassada; Foi devidamente verificado que o (curto) lapso de tempo decorrido entre a data estimada para a disponibilização do medicamento e o momento em que o mesmo foi efetivamente ministrado não teve impacto na eficácia da terapêutica e não colocou em causa por forma alguma a saúde do utente. […] por esse mesmo motivo, não houve necessidade de adotar medidas substitutivas, face ao que se vem de descrever, sem prejuízo de terem as mesmas sido ponderadas. 8. O Hospital de Braga manteve-se em estreito contacto com o fornecedor no sentido de garantir a entrega atempada de todas as encomendas e mantém as diligências nesse sentido para que a situação não volte a ocorrer.” – cfr. a informação remetida pelo Hospital de Braga à ERS, por ofício de 7 de março de 2013, tudo junto aos autos. I.3. Diligências probatórias 9. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as diligências consubstanciadas: (i) na consulta e pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS; (ii) no pedido de informação ao Hospital de Braga, de 15 de abril de 2013, com resposta rececionada em 3 de maio de 2013. II. DOS FACTOS II.1. Dos factos relativos à reclamação e às diligências preliminares 10. O Hospital de Braga detém a qualidade de estabelecimento prestador de cuidados de saúde e encontra-se presentemente inscrito no SRER da ERS, sob o n.º 17737 e denominação Escala Braga Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A., com o NIPC 508820030, e com sede e estabelecimento de saúde em Sete Fontes – S. Victor, Braga2; 2 Cfr. cópia do registo do SRER, junto aos autos. 11. Na reclamação, com o n.º 13312546, alega-se, em suma, que o utenteP., doente do foro oncológico, estaria sem tratamento (BCG) “[…] já há duas semanas”; 12. Bem como que a esposa do utente efetuou um contacto telefónico prévio ao Hospital de Braga para obtenção de informações e que nessa sede foi-lhe informado, primeiramente, que “[…] o Hospital não tem a medicação […]”; 13. E posteriormente, ter-lhe-á sido informado, pelo médico assistente, que o próprio “[…] não tinha conhecimento de falta do medicamento […]”. 14. Face a tal reclamação, em 5 de março de 2013 o Hospital de Braga informou a exponente de que no seguimento do contato havido a 20 de fevereiro “[…] o fármaco foi disponibilizado ao utente no dia 21 de fevereiro. […]”. II.2. Dos factos relativos à resposta do prestador de 3 de maio de 2013 15. Atendendo ao teor da resposta do Hospital de Braga à reclamação e ao pedido da ERS de esclarecimentos preliminares, foi solicitada a prestação das seguintes informações adicionais: “[…] 1) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre todos os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar em caso de dificuldade(s) na disponibilização de medicação aos utentes; 2) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar para prestação de informação aos utentes em caso de dificuldade(s) na disponibilização de medicação; 3) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar para disponibilização de medicação em ambulatório;” Relativamente ao ocorrido com o utente P., considerando que foi referido por V. Exas. […], que houve “[…] uma dificuldade pontual na disponibilização do medicamento que havia sido prescrito a este doente, situação que se encontra ultrapassada”, solicita-se: i) indicação da(s) razão(ões) para tal dificuldade pontual na disponibilização do medicamento; ii) informação sobre os procedimentos em concreto adotados para fazer face a tal dificuldade e para prestação de informação ao utente em causa.” – cfr. ofício da ERS ao Hospital de Braga, de 15 de abril de 2013, junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 16. Nessa sequência, o prestador veio clarificar, em suma, o seguinte: i) “[…] Conforme solicitado remetemos documentação solicitada que traduz os procedimentos institucionalizados no Hospital de Braga […]”, no caso de dificuldade na disponibilização de medicação aos utentes; ii) no que ao procedimento específico “nas dificuldades no fornecimento de medicamentos” respeita, [constante de documento anexo remetido pelo prestador], “[…] de um modo geral, o conjunto de práticas […] estava já implementada no Hospital de Braga, em momento anterior ao da sua redução a escrito.”; iii) “[…] [n]o entanto, entendeu-se ser conveniente proceder à sua revisão e aprovação com vista à divulgação junto de todos os profissionais envolvidos do respetivo procedimento escrito.[…]”; iv) tendo em conta a disponibilização do medicamento que havia sido prescrito, “[…] as dificuldades registadas no fornecimento do medicamento em causa resultaram da interrupção temporária e pontual de fornecimento, por parte do fornecedor, como forma de obterem, com a maior brevidade, o pagamento de saldos em dívida.[…]”. v) o Hospital de Braga “[…] manteve-se desde o primeiro momento em estreito contato com o fornecedor no sentido de garantir a entrega atempada de todas as encomendas […]”; vi) ademais, “[…] foram encetados contatos quer com unidades da José de Mello Saúde, quer com hospitais do SNS no sentido de avaliar a possibilidade de empréstimo do fármaco em causa.”; vii) tendo o prestador concluído, naquele caso, que “[…] o recurso à cadeia de fornecimento habitual seria a forma mais expedita de garantir a realização dos tratamentos […] conjugado o resultado destes contactos com o que veio a ser a disponibilidade do fornecedor e a apreciação clínica da data prevista para a entrega dos medicamentos […]”. viii) mais tendo acrescentado que “[…] assim que tomou conhecimento da dificuldade pontual de fornecimento do fármaco, […] desencadeou um conjunto de medidas prévias e de monitorização subsequentes […]. Assim, foi possível avisar o utente do adiamento, a fim de evitar deslocações infrutíferas […e] pôde avaliar-se […] da ausência de lesividade para o tratamento do curto adiamento havido. […]”. ix) e que “[…] assim que o medicamento esteve disponível, foi o utente avisado de que poderia realizar o tratamento, o que veio a ocorrer no dia 21 de fevereiro de 2013.[…]”. .” – cfr. ofício do Hospital de Braga, de 3 de maio de 2013, junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 17. Em anexo à sua resposta, o prestador juntou, cópia dos procedimentos seguintes: (i) “Procedimento específico - Dificuldades no fornecimento de medicamentos”, com a referência n.º PRO.SF.026.00, datado de 26 de março de 2013; (ii) “Procedimento específico de dispensa de medicamento em regime ambulatório”, com a referência n.º PRO.SF.014.00, datado de 18 de maio de 2012; e (iii) “Procedimento geral de prescrição e dispensa de medicamentos para ambulatório em farmácia hospitalar”, com a referência n.º PRO.023.00, datado de 07 de março de 2012. 18. Com relevância para a matéria em causa, importa ressalvar o documento “Procedimento específico – Dificuldades no fornecimento de medicamento”; 19. Que se aplica aos serviços farmacêuticos e a todos os serviços clínicos do Hospital de Braga, e tem por objetivo “[…] descrever os procedimentos a adotar sempre que surgirem dificuldades no fornecimento de medicamentos ao Hospital de Braga.”; 20. E estabelece, no que aqui importa relevar, que: (i) é da responsabilidade da direção clínica, da direção de enfermagem e da direção de farmácia do Hospital de Braga a implementação do procedimento; (ii) a dificuldade de fornecimento de medicamentos ocorrerá, “[…] seja por o fármaco se encontrar esgotado no fornecedor habitual, seja por o laboratório ter cessado a comercialização ou haver corte no fornecimento […]”; (iii) em caso de dificuldade de fornecimento tal como acima descrita, fixa o procedimento que deverá ser seguido, que passa por o fornecedor comunicar aos serviços farmacêuticos a dificuldade do fornecimento; (iv) e serem, nessa sequência, encetadas diligências alternativas para obtenção do medicamento; (v) mais se ressalvando que “Se a administração do medicamento pretendido é urgente, no decorrer de todo o processo devem ser contactados os SF de outras unidades hospitalares (da José de Mello Saúde ou do SNS) no sentido de obter esse medicamento prontamente.”; (vi) bem como que se “[…] se concluir que o medicamento em causa (ou o respetivo substituto) não será fornecido em tempo útil, os SF informarão a Direcção Clínica e os respetivos prescritores por forma a que estes contactem o utente para informar da dificuldade e das eventuais medidas a tomar.”. (vii) ainda, após a receção do medicamento, “[…] é contactado o doente (ou o seu representante) ou a equipa de enfermagem, informando que já está disponível nos SF”, fixando-se os procedimentos aplicáveis em caso de medicamentos prescritos em regime de consulta, em regime de hospital de dia ou em regime de internamento – cfr. ofício do Hospital de Braga, de 3 de maio de 2013, junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. III. DO DIREITO III.1. Das atribuições e competências da ERS 21. De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, a ERS tem por missão a regulação da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde. 22. As atribuições da ERS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, compreendem “[…] a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde no que respeita: […] a) Ao cumprimento dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento; b) À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e dos demais direitos dos utentes; 23. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, “[...] todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado e social, independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas, centros de saúde, laboratórios de análises clínicas, termas e consultórios”. 24. Consequentemente, o Hospital de Braga é um estabelecimento prestador de cuidados de saúde, para efeitos do referido artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio. 25. São objetivos regulatórios, previstos nas alíneas b) e c) do artigo 33.º do DecretoLei n.º 127/2009, de 27 de maio, “assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde” e “garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes”; 26. Para prossecução dos mesmos, estabelece a alínea a) do artigo 35.º do mesmo diploma legislativo, ser incumbência da ERS “assegurar o direito de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde ou publicamente financiados” e por outro lado, a alínea a) do artigo 36.º refere ser incumbência da ERS “monitorizar as queixas e reclamações dos utentes e o seguimento dado pelos operadores às mesmas”; 27. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus poderes de supervisão – consubstanciado, designadamente, “no dever de velar pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às atividades sujeitas à sua regulação” – e ainda mediante a emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que tal seja necessário – cfr. alíneas a) e b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio. 28. Ora, dos factos supra expostos, designadamente da alegada ausência de informação prévia ao utente sobre a não disponibilização atempada do tratamento prescrito, bem como a efetiva rutura de stock do medicamento em causa; 29. Resulta a necessidade da análise dos factos, tal como denunciados, sob o prisma de uma eventual violação dos direitos de acesso e dos legítimos interesses dos utentes. III.2 Do direito de acesso universal ao serviço público de saúde 30. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, o qual será assegurado, entre outras obrigações impostas constitucionalmente, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito. 31. Dito de outro modo, a CRP impõe que o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde no âmbito do SNS deve ser assegurado em respeito pelos princípios fundamentais plasmados naquele preceito constitucional, designadamente a universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial. 32. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito, estabelece no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”, consagrando-se nas diretrizes da política de saúde estabelecidas na Base II que “é objetivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”; 33. Bem como estabelece na sua Base XXIV como características do SNS: “a) Ser universal quanto à população abrangida; b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação; c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos”; 34. O Hospital de Braga é atualmente gerido em regime de Parceria Público-Privada, na sequência da assinatura, a 9 de Fevereiro de 2009, do Contrato de Gestão relativo à sua conceção, construção, organização e funcionamento em regime de Parceria Público-Privada; 35. Tendo tal Contrato tido como Outorgantes o Estado Português, representado pela ARS Norte, a Escala Braga - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. e a Escala Braga - Sociedade Gestora do Edifício, S.A.. 36. Nos termos do Contrato de Gestão, o Hospital de Braga, no que respeita ao acesso às prestações de saúde: i) é obrigado a “[…] garantir, no âmbito do Serviço Público de Saúde fixado no Contrato, o acesso às prestações de saúde, nos termos dos demais estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde, a todos os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde como tal considerados nos termos da Base XXV da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto.”; e, ii) “[n]o acesso às prestações de saúde, […] deve respeitar o princípio da igualdade, assegurando aos beneficiários do […SNS] o direito de igual acesso, obtenção e utilização das prestações de saúde realizadas […] e direito de igual participação […]” – cfr. Cláusula 28.ª, n.º 1 e 4 do Contrato de Gestão; 37. Integrando, assim, o conjunto das “instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde”, isto é, pertence ao SNS, tal como definido pelo n.º 2 da Base XII da Lei de Bases da Saúde, e cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro. 38. Ora, se, nos termos do artigo 2.º do Estatuto do SNS, “o SNS tem como objectivo a efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na protecção da saúde individual e colectiva”, cada uma das instituições que o integra desempenha um papel de elevada relevância na prossecução de tal imposição, devendo garantir o direito de acesso universal e igual a todos os cidadãos aos cuidados por si prestados. 39. No respeitante à vertente qualitativa, o acesso aos cuidados de saúde deve ser compreendido como o acesso aos cuidados que, efetivamente, são necessários e adequados à satisfação das concretas necessidades dos mesmos; 40. O que significa que a necessidade de um utente deve ser satisfeita mediante a prestação de serviços consentâneos com o estado da arte e da técnica e que sejam os reputados como necessários e adequados, sob pena do consequente desfasamento entre procura e oferta na satisfação das necessidades. 41. Cumprindo, por isso, analisar se o comportamento adotado pelo prestador, foi suficiente para garantir o cumprimento do dever de informação imposto ao Hospital de Braga. III.3. Do enquadramento legal da prestação de cuidados III.3.1. Dos direitos e interesses legítimos dos utentes 42. A relação que se estabelece entre os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade, completude e transparência em todos os aspetos da mesma; 43. Sendo que tais características devem revelar-se em todos os momentos da relação. 44. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar – surge aqui com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e estruturante da própria relação criada entre utente e prestador. 45. Trata-se de um princípio que deve modelar todo o quadro de relações atuais e potenciais entre utentes e prestadores de cuidados de saúde e, para tanto, a informação deve ser verdadeira, completa, transparente e, naturalmente, inteligível pelo seu destinatário; 46. Só assim se logrará obter a referida transparência na relação entre prestadores de cuidados de saúde e utentes. 47. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de informação ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador são por si suficientes para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o seu utente, 48. E nesse sentido, passível de distorcer os legítimos interesses dos utentes. 49. Na verdade, o direito do utente à informação não se limita ao que prevê a alínea e) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde (LBS), aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, para efeitos de consentimento informado e esclarecimento quanto a alternativas de tratamento e evolução do estado clínico; 50. Pressupõe, também, entre outros, o dever de informação sobre possíveis quebras ou impedimentos na continuidade da prestação do cuidado de saúde, in casu, a rotura de fornecimento de um medicamento. 51. Esta comunicação deve ser realizada em tempo útil, para assegurar que o utente não é prejudicado, no percurso para o restabelecimento do seu estado de saúde, 52. Garantindo assim o cabal direito de o utente ser humanamente tratado, pelos meios adequados, com prontidão e correção técnica tal como descrito na alínea c) do n.º 1 da Base XIV da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (LBS). III.4. Da análise da situação concreta 53. A situação, ora em apreço, compreende dois fatores diversos, por um lado a interrupção de fornecimento de um medicamento no tratamento prescrito ao utente e por outro a alegada falta de comunicação ao utente no atraso da disponibilização do medicamento. 54. Refira-se, preliminarmente, que não compete à ERS proceder a uma avaliação clínica quanto aos concretos cuidados de saúde aplicados, nem tão pouco avaliar a razão pela qual foi contratualmente determinada a suspensão do fornecimento de medicamento ao Hospital de Braga. 55. O objeto de análise dos presentes autos estará não só delimitado à averiguação da alegação que não foi prestada qualquer informação por iniciativa do Hospital de Braga ao utente, quer de que o tratamento se encontrava suspenso quer se, ou quando, o mesmo iria ser retomado, tendo em consideração que o utente se encontrava sem tratamento há cerca de duas semanas; 56. Mas também, verificar se os protocolos ou procedimentos existentes junto do Hospital de Braga se apresentariam como aptos a assegurar a continuidade do tratamento oferecido por aquela unidade de saúde. 57. Ainda, a preocupação subjacente à presente análise alarga-se necessariamente à avaliação da existência e adequabilidade dos procedimentos dirigidos a corrigir e prevenir situações semelhantes à ocorrida. 58. Ora, do que resulta da análise dos factos, tinha sido prescrito ao utente, no âmbito de uma doença de foro oncológico, um tratamento em regime ambulatório, que consistia na toma de um medicamento (BCG), uma vez por semana, durante sete semanas. 59. Durante o decurso do tratamento, o hospital, alegadamente, sem qualquer aviso prévio ao utente, suspendeu a entrega do medicamento. 60. De acordo com os factos apurados, o utente apenas tomou conhecimento da descontinuidade do tratamento após contato telefónico com o hospital; 61. Não tendo sido sequer informado se, e quando, o medicamento estaria disponível. 62. O que justificou que a esposa do utente tenha subscrito, em 20 de fevereiro de 2013, a reclamação melhor identificada supra, e tenha denunciado a situação aos meios de comunicação social, como resulta da notícia de 21 de fevereiro de 2013 que desencadeou os presentes autos. 63. Em sua defesa, veio o hospital alegar que o “[…] teve uma dificuldade pontual na disponibilização do medicamento que havia sido prescrito, […] que a medicação foi entregue ao utente no dia 21/02/2013, […]encontrando-se a situação ultrapassada […]”. 64. Ora, no âmbito das diligências realizadas em sede do presente processo, foi possível concluir que a situação apenas foi ultrapassada após a reclamação da esposa do utente de 20 de fevereiro de 2013, 65. Tendo o prestador desencadeado uma série de medidas que tornaram possível a disponibilização do medicamento em 21 de fevereiro de 2013. 66. Questão diferente é saber se foram cumpridos os procedimentos relativos à notificação do utente no que toca à suspensão do tratamento. 67. Em resultado das diligências efetuadas pela ERS, no decurso do presente processo de inquérito, o Hospital de Braga remeteu a esta Entidade, cópia dos procedimentos institucionalizados naquela unidade sobre dificuldades no fornecimento; 68. No documento “Procedimento específico – Dificuldades do fornecimento de medicamentos”, prevê-se, especificamente, que, no caso de dificuldade no fornecimento do medicamento em causa (ou do seu substituto) em tempo útil, deve ser dado conhecimento, dessa situação, à direção clínica e ao médico prescritor do tratamento, para que o utente seja informado da dificuldade e das eventuais medidas a tomar. 69. É de referir, no entanto, que o documento em causa foi redigido e aprovado em março de 2013, isto é, cerca de um mês após os factos terem ocorrido. 70. No entanto, assevera o hospital, na sua argumentação que esta atuação encontrava-se já implementada, em momento anterior ao da sua redução a escrito. 71. Sem prejuízo de tal alegação, foi possível inferir que existiu uma falha nos trâmites do procedimento, uma vez que segundo consta da reclamação, alegadamente, nem o utente nem o médico assistente foram informados da rotura de fornecimento do medicamento. 72. Ora, embora não se pretenda, por não se achar dentro das atribuições da ERS, opinar em termos de prática clínica, sobre tais procedimentos, não se pode deixar de salientar a obrigação do Hospital de Braga em assegurar que os procedimentos e por si definidos, sejam aptos a garantir de forma permanente e efetiva o acesso aos cuidados de saúde que se apresentem como necessários e adequados à satisfação das concretas necessidades dos utentes, e em tempo útil; 73. Bem como garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes, concretamente a informação completa e atempada aos mesmos; 74. E ainda, deverá garantir em permanência que tais procedimentos sejam corretamente seguidos e respeitados pelos profissionais de saúde que possam estar envolvidos. 75. Em suma, apesar de o prestador ter no caso concreto, após a reclamação, agido de imediato no sentido de repor o fornecimento do medicamento, permitindo a continuidade do tratamento do utente; 76. E não tendo daí resultado uma concretização da violação do direito de acesso do utente em questão; 77. Certo é que, justifica-se a emissão de uma recomendação dirigida ao Hospital de Braga de forma a garantir que situações idênticas à agora em análise efetivamente não se repitam no futuro. 78. Não se tendo tomado, por outro lado, conhecimento de situações idênticas de outros utentes que motivassem a adoção de medidas de carácter transversal, relativamente ao prestador de cuidados de saúde identificado nos autos. IV. DECISÃO 79. Tudo visto e ponderado, o Conselho Diretivo da ERS delibera, assim, nos termos e para os efeitos do preceituado no n.º 1 do artigo 41.º, e da alínea b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, emitir uma recomendação ao Hospital de Braga nos seguintes termos: a. O Hospital de Braga deve garantir, a todo o momento, que os procedimentos por si definidos são aptos a assegurar de forma permanente e efetiva o acesso aos cuidados de saúde que se apresentem como necessários e adequados à satisfação das necessidades dos utentes, em tempo útil; b. O Hospital de Braga deve garantir em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e orientações claras e precisas, que os referidos procedimentos sejam corretamente seguidos e respeitados por todos profissionais de saúde; c. O Hospital de Braga deve garantir que todo e qualquer procedimento por si adotado seja capaz de promover a informação completa, verdadeira e inteligível, com antecedência, rigor e transparência de todos os utentes que a si se dirigem. 80. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio oficial da Entidade Reguladora da Saúde na Internet. O Conselho Diretivo.