Recomendação

Propaganda
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/026/13;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A ERS tomou conhecimento do teor da notícia veiculada pelos meios de
comunicação social, em 21 de fevereiro de 2013, relativa ao alegado
constrangimento na disponibilização ao utente P., doente do foro oncológico, de
medicação em regime de ambulatório por parte do estabelecimento prestador de
cuidados de saúde Hospital de Braga.
2. Designadamente, constava da referida notícia1 que o utente “[…] há cerca de duas
semanas […] não recebe a medicação […] [p]or causa de rutura no fornecimento”,
bem como que a esposa do utente “[…] apresentou uma reclamação escrita […]”
sobre esta questão.
3. A referida situação foi inicialmente tratada no âmbito do processo n.º AV/164/13,
sendo que, e face à necessidade de uma averiguação mais aprofundada, o
1
Cfr. notícia publicada pelo Jornal de Notícias em 21 de fevereiro de 2013, junta aos autos.
Conselho Diretivo da ERS deliberou, por despacho de 15 de março de 2013, a
abertura do processo de inquérito registado sob o n.º ERS/026/13.
I.2. Reclamação e resposta inicial do prestador
4. Enquanto diligência preliminar, para verificação do conteúdo da notícia, foi
solicitado ao Hospital de Braga:
“[…]
1) O envio de cópia da reclamação […], bem como de informação sobre o
tratamento prestado à mesma;
2) Que explicitem de forma fundamentada, se possível acompanhada de
elementos documentais, a situação descrita nas referidas notícias;” – cfr.
pedido de informação da ERS ao Hospital de Braga, de 25 de fevereiro de
2013, junto aos autos.
5. Em resposta, veio o Hospital de Braga remeter cópia da reclamação subscrita em
20 de fevereiro de 2013 por M., esposa do utente, na qual foi alegado que:
i)
o utente estaria sem tratamento (BCG) há duas semanas;
ii)
a exponente foi informada “[…] por via telefónica que o Hospital não tem a
medicação […] se não fosse [a mesma] a contactar o Hospital iria aguardar
até quando […];
iii)
havia sido informada pelo médico assistente de que o próprio “[…] não
tinha conhecimento de falta do medicamento […]”.
6. Resulta, por outro lado, da resposta do Hospital de Braga à reclamação, que “[…]
no seguimento do contacto havido no dia 20 de Fevereiro que o fármaco em causa
foi disponibilizado ao Utente no passado dia 21 de Fevereiro de 2013.”.
7. Já a título das explicitações solicitadas quanto à situação em si, o Hospital de Braga
declarou perante a ERS que:
“[…]
a reclamação […] foi objeto de audição interna dos Serviços do Hospital
envolvidos […]
O utente recebeu no passado dia 21/2/2013 a medicação que lhe havia sido
prescrita;
O Hospital de Braga teve uma dificuldade pontual na disponibilização do
medicamento que havia sido prescrito a este doente, situação que se
encontra ultrapassada;
Foi devidamente verificado que o (curto) lapso de tempo decorrido entre a
data estimada para a disponibilização do medicamento e o momento em que
o mesmo foi efetivamente ministrado não teve impacto na eficácia da
terapêutica e não colocou em causa por forma alguma a saúde do utente.
[…] por esse mesmo motivo, não houve necessidade de adotar medidas
substitutivas, face ao que se vem de descrever, sem prejuízo de terem as
mesmas sido ponderadas.
8. O Hospital de Braga manteve-se em estreito contacto com o fornecedor no sentido
de garantir a entrega atempada de todas as encomendas e mantém as diligências
nesse sentido para que a situação não volte a ocorrer.” – cfr. a informação remetida
pelo Hospital de Braga à ERS, por ofício de 7 de março de 2013, tudo junto aos
autos.
I.3. Diligências probatórias
9. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas:
(i)
na consulta e pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos
Regulados (SRER) da ERS;
(ii) no pedido de informação ao Hospital de Braga, de 15 de abril de 2013,
com resposta rececionada em 3 de maio de 2013.
II. DOS FACTOS
II.1. Dos factos relativos à reclamação e às diligências preliminares
10. O Hospital de Braga detém a qualidade de estabelecimento prestador de
cuidados de saúde e encontra-se presentemente inscrito no SRER da ERS, sob o
n.º 17737 e denominação Escala Braga Sociedade Gestora do Estabelecimento,
S.A., com o NIPC 508820030, e com sede e estabelecimento de saúde em Sete
Fontes – S. Victor, Braga2;
2
Cfr. cópia do registo do SRER, junto aos autos.
11. Na reclamação, com o n.º 13312546, alega-se, em suma, que o utenteP., doente
do foro oncológico, estaria sem tratamento (BCG) “[…] já há duas semanas”;
12. Bem como que a esposa do utente efetuou um contacto telefónico prévio ao
Hospital de Braga para obtenção de informações e que nessa sede foi-lhe
informado, primeiramente, que “[…] o Hospital não tem a medicação […]”;
13. E posteriormente, ter-lhe-á sido informado, pelo médico assistente, que o próprio
“[…] não tinha conhecimento de falta do medicamento […]”.
14. Face a tal reclamação, em 5 de março de 2013 o Hospital de Braga informou a
exponente de que no seguimento do contato havido a 20 de fevereiro “[…] o
fármaco foi disponibilizado ao utente no dia 21 de fevereiro. […]”.
II.2. Dos factos relativos à resposta do prestador de 3 de maio de 2013
15. Atendendo ao teor da resposta do Hospital de Braga à reclamação e ao pedido da
ERS de esclarecimentos preliminares, foi solicitada a prestação das seguintes
informações adicionais:
“[…]
1) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre
todos os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar em caso de
dificuldade(s) na disponibilização de medicação aos utentes;
2) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre
os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar para prestação de
informação aos utentes em caso de dificuldade(s) na disponibilização de
medicação;
3) Esclarecimento, acompanhado da documentação de suporte respetiva, sobre
os procedimentos adotados nessa unidade hospitalar para disponibilização de
medicação em ambulatório;”
Relativamente ao ocorrido com o utente P., considerando que foi referido por
V. Exas. […], que houve “[…] uma dificuldade pontual na disponibilização do
medicamento que havia sido prescrito a este doente, situação que se
encontra ultrapassada”, solicita-se:
i)
indicação da(s) razão(ões) para tal dificuldade pontual na disponibilização
do medicamento;
ii) informação sobre os procedimentos em concreto adotados para fazer face
a tal dificuldade e para prestação de informação ao utente em causa.” –
cfr. ofício da ERS ao Hospital de Braga, de 15 de abril de 2013, junto aos
autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Nessa sequência, o prestador veio clarificar, em suma, o seguinte:
i) “[…] Conforme solicitado remetemos documentação solicitada que traduz os
procedimentos institucionalizados no Hospital de Braga […]”, no caso de
dificuldade na disponibilização de medicação aos utentes;
ii) no que ao procedimento específico “nas dificuldades no fornecimento de
medicamentos” respeita, [constante de documento anexo remetido pelo
prestador], “[…] de um modo geral, o conjunto de práticas […] estava já
implementada no Hospital de Braga, em momento anterior ao da sua redução
a escrito.”;
iii) “[…] [n]o entanto, entendeu-se ser conveniente proceder à sua revisão e
aprovação com vista à divulgação junto de todos os profissionais envolvidos
do respetivo procedimento escrito.[…]”;
iv) tendo em conta a disponibilização do medicamento que havia sido
prescrito, “[…] as dificuldades registadas no fornecimento do medicamento
em causa resultaram da interrupção temporária e pontual de fornecimento,
por parte do fornecedor, como forma de obterem, com a maior brevidade, o
pagamento de saldos em dívida.[…]”.
v) o Hospital de Braga “[…] manteve-se desde o primeiro momento em
estreito contato com o fornecedor no sentido de garantir a entrega atempada
de todas as encomendas […]”;
vi) ademais, “[…] foram encetados contatos quer com unidades da José de
Mello Saúde, quer com hospitais do SNS no sentido de avaliar a possibilidade
de empréstimo do fármaco em causa.”;
vii) tendo o prestador concluído, naquele caso, que “[…] o recurso à cadeia de
fornecimento habitual seria a forma mais expedita de garantir a realização dos
tratamentos […] conjugado o resultado destes contactos com o que veio a ser
a disponibilidade do fornecedor e a apreciação clínica da data prevista para a
entrega dos medicamentos […]”.
viii) mais tendo acrescentado que “[…] assim que tomou conhecimento da
dificuldade pontual de fornecimento do fármaco, […] desencadeou um
conjunto de medidas prévias e de monitorização subsequentes […]. Assim, foi
possível avisar o utente do adiamento, a fim de evitar deslocações infrutíferas
[…e] pôde avaliar-se […] da ausência de lesividade para o tratamento do
curto adiamento havido. […]”.
ix) e que “[…] assim que o medicamento esteve disponível, foi o utente
avisado de que poderia realizar o tratamento, o que veio a ocorrer no dia 21
de fevereiro de 2013.[…]”. .” – cfr. ofício do Hospital de Braga, de 3 de maio
de 2013, junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. Em anexo à sua resposta, o prestador juntou, cópia dos procedimentos seguintes:
(i) “Procedimento específico - Dificuldades no fornecimento de medicamentos”,
com a referência n.º PRO.SF.026.00, datado de 26 de março de 2013;
(ii) “Procedimento
específico
de
dispensa
de
medicamento
em
regime
ambulatório”, com a referência n.º PRO.SF.014.00, datado de 18 de maio de
2012; e
(iii) “Procedimento geral de prescrição e dispensa de medicamentos para
ambulatório em farmácia hospitalar”, com a referência n.º PRO.023.00,
datado de 07 de março de 2012.
18. Com relevância para a matéria em causa, importa ressalvar o documento
“Procedimento específico – Dificuldades no fornecimento de medicamento”;
19. Que se aplica aos serviços farmacêuticos e a todos os serviços clínicos do
Hospital de Braga, e tem por objetivo “[…] descrever os procedimentos a adotar
sempre que surgirem dificuldades no fornecimento de medicamentos ao Hospital
de Braga.”;
20. E estabelece, no que aqui importa relevar, que:
(i) é da responsabilidade da direção clínica, da direção de enfermagem e da
direção de farmácia do Hospital de Braga a implementação do procedimento;
(ii) a dificuldade de fornecimento de medicamentos ocorrerá, “[…] seja por o
fármaco se encontrar esgotado no fornecedor habitual, seja por o laboratório
ter cessado a comercialização ou haver corte no fornecimento […]”;
(iii) em caso de dificuldade de fornecimento tal como acima descrita, fixa o
procedimento que deverá ser seguido, que passa por o fornecedor comunicar
aos serviços farmacêuticos a dificuldade do fornecimento;
(iv) e serem, nessa sequência, encetadas diligências alternativas para obtenção
do medicamento;
(v) mais se ressalvando que “Se a administração do medicamento pretendido é
urgente, no decorrer de todo o processo devem ser contactados os SF de
outras unidades hospitalares (da José de Mello Saúde ou do SNS) no sentido
de obter esse medicamento prontamente.”;
(vi) bem como que se “[…] se concluir que o medicamento em causa (ou o
respetivo substituto) não será fornecido em tempo útil, os SF informarão a
Direcção Clínica e os respetivos prescritores por forma a que estes contactem
o utente para informar da dificuldade e das eventuais medidas a tomar.”.
(vii) ainda, após a receção do medicamento, “[…] é contactado o doente (ou o seu
representante) ou a equipa de enfermagem, informando que já está
disponível nos SF”, fixando-se os procedimentos aplicáveis em caso de
medicamentos prescritos em regime de consulta, em regime de hospital de
dia ou em regime de internamento – cfr. ofício do Hospital de Braga, de 3 de
maio de 2013, junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
21. De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, a
ERS tem por missão a regulação da atividade dos estabelecimentos prestadores
de cuidados de saúde.
22. As atribuições da ERS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, compreendem “[…] a supervisão da
atividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde no que respeita:
[…]
a) Ao cumprimento dos requisitos de exercício da atividade e de
funcionamento;
b) À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e dos
demais direitos dos utentes;
23. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, “[...] todos os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas,
centros de saúde, laboratórios de análises clínicas, termas e consultórios”.
24. Consequentemente, o Hospital de Braga é um estabelecimento prestador de
cuidados de saúde, para efeitos do referido artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 127/2009,
de 27 de maio.
25. São objetivos regulatórios, previstos nas alíneas b) e c) do artigo 33.º do DecretoLei n.º 127/2009, de 27 de maio, “assegurar o cumprimento dos critérios de
acesso aos cuidados de saúde” e “garantir os direitos e interesses legítimos dos
utentes”;
26. Para prossecução dos mesmos, estabelece a alínea a) do artigo 35.º do mesmo
diploma legislativo, ser incumbência da ERS “assegurar o direito de acesso
universal e equitativo aos serviços públicos de saúde ou publicamente
financiados” e por outro lado, a alínea a) do artigo 36.º refere ser incumbência da
ERS “monitorizar as queixas e reclamações dos utentes e o seguimento dado
pelos operadores às mesmas”;
27. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão – consubstanciado, designadamente, “no dever de velar
pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às atividades
sujeitas à sua regulação” – e ainda mediante a emissão de ordens e instruções,
bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que tal seja
necessário – cfr. alíneas a) e b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27
de maio.
28. Ora, dos factos supra expostos, designadamente da alegada ausência de
informação prévia ao utente sobre a não disponibilização atempada do tratamento
prescrito, bem como a efetiva rutura de stock do medicamento em causa;
29. Resulta a necessidade da análise dos factos, tal como denunciados, sob o prisma
de uma eventual violação dos direitos de acesso e dos legítimos interesses dos
utentes.
III.2 Do direito de acesso universal ao serviço público de saúde
30. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da
República Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de
todos os cidadãos aos cuidados de saúde, o qual será assegurado, entre outras
obrigações impostas constitucionalmente, através da criação de um Serviço
Nacional de Saúde (SNS) universal, geral e, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.
31. Dito de outro modo, a CRP impõe que o acesso dos cidadãos aos cuidados de
saúde no âmbito do SNS deve ser assegurado em respeito pelos princípios
fundamentais plasmados naquele preceito constitucional, designadamente a
universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial.
32. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de
agosto, em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito,
estabelece no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por
serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros
entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”,
consagrando-se nas diretrizes da política de saúde estabelecidas na Base II que
“é objetivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados
de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem
como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”;
33. Bem como estabelece na sua Base XXIV como características do SNS:
“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”;
34. O Hospital de Braga é atualmente gerido em regime de Parceria Público-Privada,
na sequência da assinatura, a 9 de Fevereiro de 2009, do Contrato de Gestão
relativo à sua conceção, construção, organização e funcionamento em regime de
Parceria Público-Privada;
35. Tendo tal Contrato tido como Outorgantes o Estado Português, representado pela
ARS Norte, a Escala Braga - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. e a
Escala Braga - Sociedade Gestora do Edifício, S.A..
36. Nos termos do Contrato de Gestão, o Hospital de Braga, no que respeita ao
acesso às prestações de saúde:
i)
é obrigado a “[…] garantir, no âmbito do Serviço Público de Saúde fixado no
Contrato, o acesso às prestações de saúde, nos termos dos demais
estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde, a todos os
beneficiários do Serviço Nacional de Saúde como tal considerados nos
termos da Base XXV da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto.”; e,
ii)
“[n]o acesso às prestações de saúde, […] deve respeitar o princípio da
igualdade, assegurando aos beneficiários do […SNS] o direito de igual
acesso, obtenção e utilização das prestações de saúde realizadas […] e
direito de igual participação […]” – cfr. Cláusula 28.ª, n.º 1 e 4 do Contrato de
Gestão;
37. Integrando, assim, o conjunto das “instituições e serviços oficiais prestadores de
cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde”, isto é, pertence ao SNS,
tal como definido pelo n.º 2 da Base XII da Lei de Bases da Saúde, e cujo Estatuto
foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro.
38. Ora, se, nos termos do artigo 2.º do Estatuto do SNS, “o SNS tem como objectivo
a efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na
protecção da saúde individual e colectiva”, cada uma das instituições que o
integra desempenha um papel de elevada relevância na prossecução de tal
imposição, devendo garantir o direito de acesso universal e igual a todos os
cidadãos aos cuidados por si prestados.
39. No respeitante à vertente qualitativa, o acesso aos cuidados de saúde deve ser
compreendido como o acesso aos cuidados que, efetivamente, são necessários e
adequados à satisfação das concretas necessidades dos mesmos;
40. O que significa que a necessidade de um utente deve ser satisfeita mediante a
prestação de serviços consentâneos com o estado da arte e da técnica e que
sejam os reputados como necessários e adequados, sob pena do consequente
desfasamento entre procura e oferta na satisfação das necessidades.
41. Cumprindo, por isso, analisar se o comportamento adotado pelo prestador, foi
suficiente para garantir o cumprimento do dever de informação imposto ao
Hospital de Braga.
III.3. Do enquadramento legal da prestação de cuidados
III.3.1. Dos direitos e interesses legítimos dos utentes
42. A relação que se estabelece entre os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade, completude e
transparência em todos os aspetos da mesma;
43. Sendo que tais características devem revelar-se em todos os momentos da
relação.
44. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar –
surge aqui com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e
estruturante da própria relação criada entre utente e prestador.
45. Trata-se de um princípio que deve modelar todo o quadro de relações atuais e
potenciais entre utentes e prestadores de cuidados de saúde e, para tanto, a
informação deve ser verdadeira, completa, transparente e, naturalmente,
inteligível pelo seu destinatário;
46. Só assim se logrará obter a referida transparência na relação entre prestadores de
cuidados de saúde e utentes.
47. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de
informação ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador são por
si suficientes para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o
seu utente,
48. E nesse sentido, passível de distorcer os legítimos interesses dos utentes.
49. Na verdade, o direito do utente à informação não se limita ao que prevê a alínea
e) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde (LBS), aprovada pela Lei n.º
48/90, de 24 de agosto, para efeitos de consentimento informado e
esclarecimento quanto a alternativas de tratamento e evolução do estado clínico;
50. Pressupõe, também, entre outros, o dever de informação sobre possíveis quebras
ou impedimentos na continuidade da prestação do cuidado de saúde, in casu, a
rotura de fornecimento de um medicamento.
51. Esta comunicação deve ser realizada em tempo útil, para assegurar que o utente
não é prejudicado, no percurso para o restabelecimento do seu estado de saúde,
52. Garantindo assim o cabal direito de o utente ser humanamente tratado, pelos
meios adequados, com prontidão e correção técnica tal como descrito na alínea c)
do n.º 1 da Base XIV da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (LBS).
III.4. Da análise da situação concreta
53. A situação, ora em apreço, compreende dois fatores diversos, por um lado a
interrupção de fornecimento de um medicamento no tratamento prescrito ao
utente e por outro a alegada falta de comunicação ao utente no atraso da
disponibilização do medicamento.
54. Refira-se, preliminarmente, que não compete à ERS proceder a uma avaliação
clínica quanto aos concretos cuidados de saúde aplicados, nem tão pouco avaliar
a razão pela qual foi contratualmente determinada a suspensão do fornecimento
de medicamento ao Hospital de Braga.
55. O objeto de análise dos presentes autos estará não só delimitado à averiguação
da alegação que não foi prestada qualquer informação por iniciativa do Hospital
de Braga ao utente, quer de que o tratamento se encontrava suspenso quer se, ou
quando, o mesmo iria ser retomado, tendo em consideração que o utente se
encontrava sem tratamento há cerca de duas semanas;
56. Mas também, verificar se os protocolos ou procedimentos existentes junto do
Hospital de Braga se apresentariam como aptos a assegurar a continuidade do
tratamento oferecido por aquela unidade de saúde.
57. Ainda, a preocupação subjacente à presente análise alarga-se necessariamente à
avaliação da existência e adequabilidade dos procedimentos dirigidos a corrigir e
prevenir situações semelhantes à ocorrida.
58. Ora, do que resulta da análise dos factos, tinha sido prescrito ao utente, no âmbito
de uma doença de foro oncológico, um tratamento em regime ambulatório, que
consistia na toma de um medicamento (BCG), uma vez por semana, durante sete
semanas.
59. Durante o decurso do tratamento, o hospital, alegadamente, sem qualquer aviso
prévio ao utente, suspendeu a entrega do medicamento.
60. De acordo com os factos apurados, o utente apenas tomou conhecimento da
descontinuidade do tratamento após contato telefónico com o hospital;
61. Não tendo sido sequer informado se, e quando, o medicamento estaria disponível.
62. O que justificou que a esposa do utente tenha subscrito, em 20 de fevereiro de
2013, a reclamação melhor identificada supra, e tenha denunciado a situação aos
meios de comunicação social, como resulta da notícia de 21 de fevereiro de 2013
que desencadeou os presentes autos.
63. Em sua defesa, veio o hospital alegar que o “[…] teve uma dificuldade pontual na
disponibilização do medicamento que havia sido prescrito, […] que a medicação
foi entregue ao utente no dia 21/02/2013, […]encontrando-se a situação
ultrapassada […]”.
64. Ora, no âmbito das diligências realizadas em sede do presente processo, foi
possível concluir que a situação apenas foi ultrapassada após a reclamação da
esposa do utente de 20 de fevereiro de 2013,
65. Tendo o prestador desencadeado uma série de medidas que tornaram possível a
disponibilização do medicamento em 21 de fevereiro de 2013.
66. Questão diferente é saber se foram cumpridos os procedimentos relativos à
notificação do utente no que toca à suspensão do tratamento.
67. Em resultado das diligências efetuadas pela ERS, no decurso do presente
processo de inquérito, o Hospital de Braga remeteu a esta Entidade, cópia dos
procedimentos institucionalizados
naquela unidade sobre dificuldades no
fornecimento;
68. No documento “Procedimento específico – Dificuldades do fornecimento de
medicamentos”, prevê-se, especificamente, que, no caso de dificuldade no
fornecimento do medicamento em causa (ou do seu substituto) em tempo útil,
deve ser dado conhecimento, dessa situação, à direção clínica e ao médico
prescritor do tratamento, para que o utente seja informado da dificuldade e das
eventuais medidas a tomar.
69. É de referir, no entanto, que o documento em causa foi redigido e aprovado em
março de 2013, isto é, cerca de um mês após os factos terem ocorrido.
70. No entanto, assevera o hospital, na sua argumentação que esta atuação
encontrava-se já implementada, em momento anterior ao da sua redução a
escrito.
71. Sem prejuízo de tal alegação, foi possível inferir que existiu uma falha nos
trâmites do procedimento, uma vez que segundo consta da reclamação,
alegadamente, nem o utente nem o médico assistente foram informados da rotura
de fornecimento do medicamento.
72. Ora, embora não se pretenda, por não se achar dentro das atribuições da ERS,
opinar em termos de prática clínica, sobre tais procedimentos, não se pode deixar
de salientar a obrigação do Hospital de Braga em assegurar que os
procedimentos e por si definidos, sejam aptos a garantir de forma permanente e
efetiva o acesso aos cuidados de saúde que se apresentem como necessários e
adequados à satisfação das concretas necessidades dos utentes, e em tempo útil;
73. Bem como garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes, concretamente a
informação completa e atempada aos mesmos;
74. E ainda, deverá garantir em permanência que tais procedimentos sejam
corretamente seguidos e respeitados pelos profissionais de saúde que possam
estar envolvidos.
75. Em suma, apesar de o prestador ter no caso concreto, após a reclamação, agido
de imediato no sentido de repor o fornecimento do medicamento, permitindo a
continuidade do tratamento do utente;
76. E não tendo daí resultado uma concretização da violação do direito de acesso do
utente em questão;
77. Certo é que, justifica-se a emissão de uma recomendação dirigida ao Hospital de
Braga de forma a garantir que situações idênticas à agora em análise
efetivamente não se repitam no futuro.
78. Não se tendo tomado, por outro lado, conhecimento de situações idênticas de
outros utentes que motivassem a adoção de medidas de carácter transversal,
relativamente ao prestador de cuidados de saúde identificado nos autos.
IV. DECISÃO
79. Tudo visto e ponderado, o Conselho Diretivo da ERS delibera, assim, nos termos
e para os efeitos do preceituado no n.º 1 do artigo 41.º, e da alínea b) do artigo
42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, emitir uma recomendação ao
Hospital de Braga nos seguintes termos:
a. O Hospital de Braga deve garantir, a todo o momento, que os
procedimentos por si definidos são aptos a assegurar de forma
permanente e efetiva o acesso aos cuidados de saúde que se apresentem
como necessários e adequados à satisfação das necessidades dos
utentes, em tempo útil;
b. O Hospital de Braga deve garantir em permanência, através da emissão e
divulgação de ordens e orientações claras e precisas, que os referidos
procedimentos sejam corretamente seguidos e respeitados por todos
profissionais de saúde;
c. O Hospital de Braga deve garantir que todo e qualquer procedimento por si
adotado seja capaz de promover a informação completa, verdadeira e
inteligível, com antecedência, rigor e transparência de todos os utentes
que a si se dirigem.
80. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio oficial
da Entidade Reguladora da Saúde na Internet.
O Conselho Diretivo.
Download