Plasmaférese Terapêutica em Doenças Hematológicas

Propaganda
Parecer do
Grupo Técnico de
Auditoria em Saúde
2 8 /0 6
Tema: Plasmaférese terapêutica em
doenças hematológicas.
I – Data:
14/06//2006
II – Grupo de Estudo:
Dra. Célia Maria da Silva
Dra. Silvana Márcia Bruschi Kelles
Dr. Lucas Barbosa da Silva
Dra. Lélia Maria de Almeida Carvalho
Bibliotecária: Mariza Cristina Torres Talim
III – Tema:
Uso do procedimento hemoterápico plasmaférese terapêutica em
doenças hematológicas: púrpura trombocitopênica trombótica, púrpura póstransfusional e Síndrome de hiperviscosidade plasmática.
IV – Especialidade(s) envolvida(s):
Hemoterapia e Hematologia
V – Questão Clínica / Mérito:
Quais são as evidências científicas para o uso da plasmaférese
terapêutica nas doenças hematológicas: púrpura trombótica trombocitopênica e
púrpura
aloimune
pós-transfusional
plasmática? Esta prática é custo-efetiva?
e
síndrome
de
hiperviscosidade
VI – Enfoque:
Tratamento
VII – Introdução:
Aférese é o procedimento caracterizado pela retirada do sangue total de um
doador ou paciente, com separação dos seus componentes, por meio de
centrifugação ou filtração e devolução do remanescente ao doador ou paciente.
De acordo com o componente removido, a aférese pode ser classificada em
plasmaférese (remoção de plasma), leucaférese (remoção de granulócitos e ou
linfócitos), eritrocitaférese (remoção de eritrócitos) e plaquetaférese (remoção
de plaquetas) (1).
Na plasmaférese as células são reinfundidas ao mesmo tempo em que se faz a
remoção do plasma. Soluções de reposição substituem o plasma removido,
mantendo-se o equilíbrio volumétrico e oncótico. Conforme a patologia, pode
ser usado o plasma fresco congelado (PFC), solução de albumina a 5%,
soluções cristalinas, entre outras. A purificação extracorpórea do sangue é um
procedimento
complexo:
exige
tecnologia
avançada,
equipe
técnica
especializada, centros de referências habilitados para o procedimento, unidade
de diálise ou banco de sangue. Acesso venoso calibroso é necessário. Não é
isenta de riscos, mas de maneira geral, é um procedimento seguro e eficaz. Os
eventos adversos mais comuns para o procedimento são a dificuldade de
acesso, hipotensão, complicações quanto ao uso do citrato (anticoagulante),
sangramentos e distúrbios hemodinâmicos. Há, ainda, que se considerar todos
os efeitos adversos inerentes às transfusões de hemocomponentes e/ou
derivados do sangue como a albumina (1, 2).
As indicações para plasmaférese terapêutica são constituídas, na sua maioria,
por doenças hematológicas e doenças neurológicas. Este parecer refere-se às
plasmaféreses terapêuticas para doenças com Categoria I de indicação, de
acordo com a Associação Americana de Bancos de Sangue (AABB) e
Associação América de Aférese (ASFA) e serão estudadas a Púrpura
Trombótica Trompocitopênica (PTT) e a Púrpura pós-transfusional, além da
Síndrome de hiperviscosidade plasmática.
A púrpura trombótica trombocitopênica (PTT) é uma síndrome clínica rara,
caracterizada por anemia hemolítica microangiopática. Na forma clássica exibe
uma péntade clínica com trombocitopenia, anemia hemolítica microangiopática,
sinais neurológicos flutuantes, febre e comprometimento renal. Tem curso
clínico insidioso, freqüentemente, mas pode apresentar-se
de
forma
aguda com morte súbita ou levar à morte em 24-72 horas.
É
acompanhada por trombose microvascular que causa isquemia e infarto
tecidual variáveis. Quando associada com câncer, certos tipos de drogas,
infecções
e
transplantes
de tecidos
apresenta pior
prognóstico.
Os
mecanismos fisiopatológicos ainda não estão totalmente elucidados, e
recentemente
a
identificação
da
deficiência
de
uma
metaloprotease
denominada ADAMTS 13 mostrou ser a causa de muitos casos de PTT
idiopática (3). O reconhecimento precoce com início imediato do tratamento é
vital, havendo piora prognóstica se há atraso na instituição da terapêutica. O
tratamento padrão ouro para a PTT ainda é a plasmaférese com nível de
indicação I pela AABB e ASFA. Antes da sua instituição, o índice de
mortalidade era acima de 90%, com queda para 20% a 30% o uso da
plasmaférese terapêutica (4,5).
A púrpura pós-transfusional é caracterizada por trombocitopenia aguda que
ocorre aproximadamente uma semana após a transfusão de hemácias, plasma
contendo plaquetas ou concentrado de plaquetas. A trombocitopenia resulta da
destruição das plaquetas por aloanticorpos específicos contra antígenos
plaquetários, geralmente do grupo HPA-1a. A AABB e ASFA colocam a
plasmaférese terapêutica como indicação nível I para o tratamento da púrpura
pós-transfusional. Entretanto, o uso da imunoglobulina IV é altamente efetiva,
ficando a plasmaférese como opção para os raros casos refratários (6).
Categoria I para indicações de aférese terapêutica, segundo AABB e ASFA
Patologia
Procedimento
Categoria
Polineuropatia inflamatória crônica desmielinizante
Plasmaférese
I
Polineuropatia inflamatória aguda (Guillain-Barré)
Plasmaférese
I
Polineuropatia desmielinizante com IgG e IgA
Plasmaférese
I
Miastenia gravis
Plasmaférese
I
Citaférese
I
Púrpura trombocitopênica trombótica
Plasmaférese
I
Púrpura pós-transfusional
Plasmaférese
I
Anemia falciforme (STA, AVC)
EST
I
Doença hemolítica do RN
EST
I
Adsorção seletiva
I
Plasmaférese
I
Fotoaférese
I
Leucocitose e trombocitose
Hipercolesterolemia familiar
Doença do ac anti-membrana basal glomerular
Linfoma de célula T cutâneo
Categoria de indicação para aférese terapêutica I: Terapia padrão e aceitável tanto como
terapia primária quanto de primeira linha em adjuvância com outras terapias iniciais. Eficácia
baseada em ensaios clínicos controlados estudos bem desenhados ou em ampla base de
experiência publicada (4).
VIII – Registro ANVISA:
RDC no. 153 – ANVISA/MS
http://www.anvisa.gov.br/sangue/legis/sangue_componentes.htm#resolucoes
IX – Metodologia
1. Bases de dados pesquisadas: Bireme, Cochrane Library, Pub Med,
Medline, Lilacs.
2. Palavras-chave utilizadas: plasmaférese, aférese terapêutica, Púrpura
trombocitopênica trombótica, púrpura pós-transfusional.
3. Desenhos de estudos procurados: revisão sistemática de ensaios
clínicos controlados e randomizados, metanálises, estudos prospectivos,
série de casos, artigos de revisão, guidelines.
4. A pesquisa bibliográfica foi realizada no período 1995 a 2006.
5. Resultados encontrados e selecionados: 1 revisão sistemática, 1 ensaio
clínico randomizado, 10 artigos de revisão, 3 séries de casos, 1 livro
texto, 1 norma técnica Anvisa, 2 guidelines.
6. População incluída: pacientes com púrpura trombótica trombocitopênica,
pacientes
com
púrpura
pós-transfusional
e
pacientes
com
hiperviscosidade plasmática.
X – Revisão Bibliográfica:
Plasmaférese em doenças hematológicas
1) Púrpura trombocitopênica trombótica
Em 1924 Moschcowitz relatou o caso de uma paciente de 16 anos que
desenvolveu anemia hemolítica, plaquetopenia, distúrbios neurológicos e
comprometimento renal, que faleceu de infarto cerebral e insuficiência
cardíaca. À autópsia foram encontrados trombos disseminados na microcirculação, principalmente nas arteríolas terminais. Casos similares estudados
até 1935 foram denominados de síndrome de Moschcowitz. Mais tarde, o nome
púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) foi usado para designar a síndrome
clínica que compreende cinco achados clínicos principais: anemia hemolítica,
plaquetopenia, febre, insuficiência renal e distúrbios neurológicos. O quadro
clássico completo, exibindo os cinco aspectos clínicos, porém, ocorre somente
em 40% dos casos:
a) Anemia hemolítica intravascular: com Coombs direto negativo,
levando à redução da haptoglobina e, às vezes, produzindo
hemoglobinúria. O esfregaço sangüíneo característico exibe
esquisócitos com policromasia e freqüentemente presença de
eritroblastos. Aumento dos níveis da desidrogenase lática (LDH),
presente no início da doença, é conseqüência da hemólise e
principalmente da isquemia tecidual, secundária à obstrução da
micro-circulação pelos trombos.
b) Plaquetopenia: chega a níveis abaixo de 50.000 plaquetas/mm3,
na maioria dos pacientes. Entretanto, a púrpura é pouco
significativa, podendo ocorrer hemorragias retinianas, contudo
sangramento ativo não é comum.
c) Sintomas neurológicos: são comuns, ocorrendo em até 90% dos
pacientes, durante o curso da doença. As manifestações
neurológicas mais comuns são dor de cabeça, paralisia de nervos
cranianos, afasia, hemiparesia, disartria, confusão, estupor e
coma. Podem ser multifocais, transitórias, mas recorrentes.
Embora o coma ou semicoma sejam preditivos de má resposta à
terapêutica, os pacientes podem recuperar-se totalmente, sem
apresentar seqüelas neurológicas. Apesar disso, mais da metade
dos pacientes com alterações neurológicas podem manter
disfunções residuais.
d) Insuficiência renal: parece ser menos comum do que relatada
inicialmente, tendo sido detectada até um ano após o diagnóstico
em 25% de uma série de casos estudados.
e) Febre baixa: pode ocorrer em um quarto dos pacientes no início
da doença e pode também ser conseqüência da plasmaférese,
terapia padrão para a PTT.
A síndrome pode apresentar-se, menos comumente, como patologia
abdominal, seja como pancreatite ou abdome agudo, além de
obstrução intestinal, ou ainda se manifestar por morte súbita ou
dentro de 24 a 72 horas, sem aparecimento de quaisquer sinais. Tais
eventos podem ser devidos à obstrução de vasos por microtrombos
do miocárdio ou afetar o sistema de condução elétrica. Alguns dos
aspectos clínicos podem exigir o diagnóstico diferencial com
síndrome hemolítico-urêmica (SHU) ou coagulação intravascular
disseminada (CIVD). Entretanto, tanto a PTT como a SHU não
mostram alterações nos exames de coagulação presentes na CIVD.
Além
disso,
aspectos
epidemiológicos
são
importantes
no
diagnóstico da SHU, que acomete mais crianças, geralmente após
curso de diarréia relacionada à toxina produzida pela Escherichia coli
e tem a insuficiência renal como principal complicação.
A PTT é rara, com ocorrência de 3 a 7casos/ano/1.000.000 indivíduos. A faixa
etária predominante está entre 30 e 40 anos de idade, com predomínio no sexo
feminino (2:1). A maioria dos casos é idiopática e somente 15% têm fatores
etiológicos identificados como gravidez, transplante de medula óssea (TMO),
drogas como ticlopidine, infecções como HIV ou Bartonella, ou doenças
malignas, mais comumente adenocarcinoma gástrico. Provavelmente, estes
casos secundários, apresentam fisiopatologia diferente da PTT idiopática.
Existe, ainda, uma rara forma familiar. Pode-se apresentar de forma aguda,
intermitente e crônica recidivante.
O encontro de depósito hialino nas paredes capilares, entre a face
subendotelial
e
camadas
musculares
das
arteríolas,
são
achados
histopatológicos característicos na PTT. Supõe-se que estas lesões sejam
derivadas dos trombos de plaquetas incorporados à parede vascular e
recobertos por células endotelias neoformadas. Aceita-se, que a PTT resulta da
combinação de lesão endotelial mais agregação plaquetária (8).
A compreensão da fisiopatologia da PTT vem apresentando progressos e foi
identificada uma protease que cliva as grandes moléculas do fator de von
Willebrand (FvW). Esta protease foi isolada, seqüenciada e denominada
ADAMTS 13 (a disintegrin-like and metalloprotease with thrombospondin
type1). Existe a hipótese de que os multímeros anormalmente grandes de FvW,
induzam à adesão plaquetária na microcirculação, em presença de
turbilhonamento do fluxo sangüíneo. Em 33% a 100% dos pacientes com PTT
idiopática observa-se acentuada redução desta protease (<5%), bem como a
presença de anticorpos dirigidos a ela. Esta redução ocorre também nos casos
de PTT familiar, recidivante (9).
Em estudo controlado, multicêntrico com 111 pacientes com anemia
microangiopática trombótica, Veyradier e colaboradores relataram aumento dos
níveis do Ag FvW, com distribuição heterogênea dos multímeros e defeito
naqueles de alto peso molecular, além de formas anormalmente grandes.
Mostraram que a deficiência da protease clivadora dos multímeros do FvW
estava associada com a gravidade da plaquetopenia. E enfatizou que a
deficiência da protease, especificamente, corresponde a um subgrupo de
anemia microangiopática trombótica, a entidade púrpura trombocitopênica
trombótica (10).
O tratamento da PTT está baseado na plasmaterapia, sendo que antes dela a
mortalidade excedia 90% dos casos. Com a instituição desta modalidade
terapêutica, o índice de mortalidade fica em torno de 10% a 20%. A partir de
1991 a plasmaférese tornou-se a terapia de escolha. O uso empírico
disseminado da plasmaférese originou da hipótese fisiopatológica da existência
de uma substância tóxica circulante e/ou deficiência de um fator plasmático
para esta doença, passíveis de serem removidos ou repostos pela
plasmaférese.
Os
recentes
conhecimentos
sobre
a
deficiência
da
metaloprotease plasmática ADAMTS 13 e auto-anticorpos a ela dirigidos
explicam a eficácia da infusão plasmática (reposição da protease deficitária) e
remoção
plasmática
(retirada
dos
auto-anticorpos)
e
dos
multímeros
anormalmente grandes do FvW. Apesar de a plasmaférese constituir-se em
importante pilar para o tratamento da PTT, ainda existem questões a serem
respondidas para os vários aspectos de sua aplicação (9).
Tratamento da PTT com esquema de plasmaférese:
A plasmaférese deve ser iniciada dentro 24 horas após apresentação do
quadro, principalmente nos casos mais graves. Se a plasmaférese não estiver
disponível, deve-se usar a infusão de plasma na dose de 25ml/kg por dia, que
é superior a nenhuma terapêutica plasmática. Em vários centros atualmente,
inicia-se com uma troca na apresentação da doença, reservando esquemas
mais intensivos para os casos resistentes. Tratamento intensivo exige trocas de
1,5 vezes a volemia do paciente ou duas trocas diárias de 1,0 a 1,5 vezes do
volume plasmático. É consenso que as sessões devam ser mantidas até 2 dias
após a remissão. Esta, geralmente, definida como normalização dos sinais
neurológicos, normalização do número de plaquetas (≥150.000) e dos níveis de
LDH e aumento do nível de hemoglobina. O número de sessões para se
alcançar a remissão clínica é extremamente variável. Não há nenhum
parâmetro clínico preditivo da duração da plasmaférese. A diversidade de
resposta pode refletir a heterogeneidade das condições clínicas classificadas
como PTT. Em alguns pacientes, o rebote de inibidores da ADAMTS 13
durante o tratamento,
com
deterioração clínico-laboratorial,
pode ser
observado. Assim a monitorizarão, após a suspensão da terapêutica, deve ser
cuidadosa, pois em 18 a 86% dos casos de PTT pode ocorrer a recaída.
Mesmo assim, não está indicada a redução progressiva das sessões (9).
Fluído de troca:
O plasma fresco congelado (PFC) é o fluído padrão para reposição na PTT
aguda. Advogou-se que o uso do crio-sobrenadante plasmático seria superior,
pois não contém os grandes multímeros do FvW e contém quantidade normal
da protease ADAMTS 13. Entretanto, os estudos disponíveis falharam em
identificar diferença significativa nos desfechos clínicos com o uso do criosobrenadante quando comparado com o PFC. O plasma de quarentena,
plasma tratado com azul de metileno ou plasma tratado com solventedetergente (S/D) e o plasma tratado fotoquimicamente preservaram a atividade
da ADAMTS 13. O plasma S/D contém menores quantidades dos grandes
multímeros de FvW do que o PFC ou MBP (plasma/azul de metileno) e foi
usado com segurança na plasmaférese para PTT. Porém, também não há
nenhum estudo controlado disponível comparando o desfecho clínico dos
pacientes (9).
Um pequeno estudo retrospectivo do Grupo de PTT Americano sugeriu que o
uso de solução de albumina a 5% como fluído de troca para a primeira metade
inicial da plasmaférese (fase de lavagem) e PFC para a segunda metade (fase
de reposição) pode ser equivalente, ou até mesmo melhor do que o uso do
PFC sozinho (11).
Finalmente, não há nenhuma evidência convincente de que quaisquer
alternativas de fluídos sejam superiores ao PFC para a plasmaférese na PTT
(9).
Efeitos adversos da plasmaférese na PTT:
Os efeitos adversos associados à plasmaférese ocorrem em aproximadamente
10% dos procedimentos. O risco é maior para os pacientes que recebem
plasma ao invés de soluções coloidais como fluído de troca. Como a maioria
dos pacientes com PTT são submetidos a várias sessões, os eventos adversos
giram em torno de 40%. A maioria dos eventos consiste de reações alérgicas e
anafilactóides e reações febris. Foram relatadas em 0% a 4% para mais de
70.000 procedimentos. Os casos fatais foram devido a lesões intrapulmonares
relacionados à transfusão (TRALI) não reconhecida, complicações com cateter
venoso central. Podem ocorrer, ainda, sangramentos e infecções (12).
Tratamento suportivo da PTT:
O tratamento de suporte inclui transfusão de concentrado de hemácias, ou
plaquetas (em raras e criteriosas condições) e drogas inibidoras da agregação
plaquetária. O conceito de doença com base fisiopatológica imune poderia
apontar para uso de drogas imunomoduladoras como drogas imunosupressoras, esplenctomia ou imunoglobulinas. Entretanto, não há, no
momento, evidências seguras para o uso de tratamentos, além dos produtos
sangüíneos, como alternativa ou adjuvância à plasmaterapia (9).
Transfusões de concentrado de hemácias devem ser indicadas com base em
parâmetros clínicos. Não há estudo específico conduzido para as transfusões
de concentrados de hemácias (CHM) em pacientes com PTT. Entretanto, um
estudo multicêntrico, randomizado e controlado sobre a necessidade
transfusional em pacientes gravemente enfermos mostrou que o uso dos CHM
seria melhor indicado para pacientes com níveis de hemoglobina <7 g/dl, e que
os níveis de hemoglobina devem ser mantidos entre 7g/dl e 9g/dl, salvo em
pacientes com síndromes coronarianas isquêmicas agudas (13).
Transfusões de concentrado de plaquetas (CP) não estão indicadas em
pacientes com PTT e vários autores relatam piora no desfecho clínico com o
seu uso. Assim, as transfusões de CP devem ser reservadas aos pacientes
com níveis muito baixos de plaquetas e que apresentam sangramento ativo ou
que se submeterão a procedimentos cirúrgicos (9).
Antiagregantes plaquetários não parecem adicionar benefícios e se forem
usados, devem ser evitados até que os pacientes se recuperem de
plaquetopenia acentuada (<50.000) (9).
Outras medidas como profilaxia de fenômenos trombo-embólicos devem ser
iniciadas em pacientes imobilizados, com heparina de baixo peso molecular,
logo que o paciente diminua os riscos de sangramento, principalmente na
presença de outros fatores de risco para eventos tromboembólicos venosos.
Ácido fólico deve ser suplementado para cobrir a demanda pela eritropoiese e
megacariopoiese aumentadas (9).
Casos refratários e recaída: 10% a 20% dos pacientes apresentarão resposta
incompleta à plasmaférese diária, ou se tornarão refratários. A refratariedade é
definida como ausência de resposta à plasmaférese diária durante 7 dias.
Embora a média de duração da plasmaférese, até que se alcance a remissão,
seja de 7 a 20 dias, nos casos refratários deve-se, inicialmente, intensificar as
sessões e, se não for suficiente, o tratamento imunossupressor ou
imunomodulador deve ser considerado. As recaídas ocorrem em 21% a 64%
dos pacientes e são mais freqüentes em pacientes com deficiência grave de
ADAMTS 13. Para as recaídas, o tratamento de escolha é a reintrodução da
plasmaférese, reservando-se o tratamento imunossupressivo adicional para os
casos não responsivos (9). A plasmaférese permite que 80 a 90% dos
pacientes com PTT sobrevivam a um episódio, geralmente sem lesão orgânica
evidente ou persistente. Baixos títulos de Ac anti-ADAMTS 13 estão
associados com melhor resposta à plasmaférese. A produção dos Ac antiADAMTS 13 pode ser suprimida por altas doses de corticóides, 4 a 8 doses de
rituximab
(anticorpo
monoclonal
anti-CD20
dos
linfócitos
B),
usado
semanalmente, ou remoção da produção dos auto-anticorpos por meio da
esplenectomia (3).
A PTT congênita (menos de 50 casos relatados na literatura) apresenta
absoluta deficiência da protease ADAMTS 13 (<5% de atividade). Para estes
casos o uso da infusão de plasma constitui tratamento efetivo e a plasmaférese
não é necessária (5).
Os cuidados suportivos, para os pacientes com PTT que se apresentam
gravemente enfermos, incluem atenção ao estado neurológico, prevenção de
convulsões,
proteção
de
vias
aéreas
se
comatosos,
monitorização
hemodinâmica, cuidadosa avaliação metabólica, fluidoterapia e adequação de
parâmetros eletrolíticos, cuidadosa manutenção de cateteres e suporte
hemoterápico, em geral (14).
2) Trombocitopenias aloimunes:
A aloimunização contra antígenos plaquetários pode ocorrer durante a
gravidez e após transfusão ou transplante. Os anticorpos resultantes da
aloimunização se ligam aos antígenos plaquetários e pode levar à rápida
captação das plaquetas incompatíveis pelo sistema retículo-endotelial. As
trombocitopenias aloimunes são classificadas em trombocitopenia aloimune
neonatal, púrpura pós-transfusional, trombocitopenia aloimune transplanteassociada, trombocitopenia aloimune passiva e refratariedade plaquetária
transfusional. Mais de 20 antígenos plaquetários já foram descritos. Além
disso, as plaquetas expressam os antígenos classe I dos leucócitos (HLA) e os
antígenos ABH dos grupos sangüíneos.
A trombocitopenia neonatal ocorre em 1:1000 nascimentos. Ainda não há
consenso para o tratamento da trombocitopenia neonatal durante a gravidez
(6).
Revisão sistemática realizada pela Biblioteca Cochrane concluiu que não há
estudos clínicos controlados e randomizados determinando o melhor
tratamento antenatal para a púrpura feto-materna aloimune. Estudos futuros
deverão determinar doses intravenosas de imunoglobulina, momento de início
do tratamento, monitorizarão da resposta terapêutica por coleta de amostras
de sangue fetal, medidas laboratoriais para definição de gestação de alto risco
para hemorragia intracraniana fetal, tratamento dos não respondedores e
follow-up de longo prazo das crianças (15). Após o nascimento o tratamento
mais rapidamente efetivo é a transfusão de plaquetas compatíveis.
A
púrpura
pós-transfusional
é
doença
caracterizada
por
púrpura
trombocitopênica aguda que ocorre em aproximadamente uma semana após
transfusão de concentrado de hemácias ou plasma contendo plaquetas. A
trombocitopenia é causada por aloanticorpos específicos para os antígenos
plaquetários. Os antígenos mais comumente responsáveis pela maioria dos
casos são do sistema HPA-1a (PLA1). Permanece obscuro porque os
aloanticorpos destroem as plaquetas infundidas e também as autólogas. A
maioria
dos
pacientes
presumivelmente,
acometidos
aloimunizadas
são
mulheres
durante
que
gravidezes
tenham
sido,
passadas.
A
plaquetopenia, geralmente, é acentuada e pode permanecer por várias
semanas. O diagnóstico é confirmado pela demonstração de anticorpos para
antígenos plaquetários específicos no soro do paciente. A grande maioria dos
anticorpos é dirigida contra o sistema HPA-1a. O tratamento com altas doses
de imunoglobulina intravenosa é altamente eficaz em quase todos os casos.
Alguns pacientes podem recair com clínica menos grave e podem ser
retratados com gamaglobulina intravenosa. O curso clínico de pacientes não
tratados pode resultar em hemorragias fatais (6). Casos refratários podem ser
tratados com plasmaférese, categoria I de indicação pela AABB e ASFA (4).
3) Síndromes de hiperviscosidade plasmática:
A hiperviscosidade sérica resulta de uma série de patologias que têm como
traço comum a produção excessiva de paraproteínas anormais e que levam ao
aumento da viscosidade plasmática.
Gamopatias monoclonais: o aumento de imunoglobulinas séricas é a causa
mais comum de síndrome de hiperviscosidade e pode ser vista nas discrasias
de células plasmáticas, especialmente Macroglobulinemia de Waldenstrom
(MW) e Mieloma Múltiplo (MM). A hiperviscosidade sintomática é mais comum
na MW (10% a 30%) que no MM (2% a 6%). A hiperviscosidade resulta da
combinação do aumento da concentração e das formas assimétricas, elevado
peso molecular e polimerização anormal das moléculas de imunoglobulinas.
Clinicamente a síndrome é caracterizada por sangramento, distúrbios visuais e
distúrbios neurológicos. Os pacientes podem também se apresentar com ICC.
Os distúrbios hemorrágicos geralmente se iniciam com epistaxes, equimoses e
sangramentos em mucosas. Alterações retinianas com distensão tortuosa dos
vasos “sausage-like” são achados patognomônicos da síndrome. Hemorragias,
exsudatos e papiledema podem ocorrer quando há progressão da síndrome.
As alterações neurológicas incluem vertigem, perda de audição, parestesias,
ataxia, cefaléia, convulsões e sonolência, progredindo para estupor e coma. As
manifestações clínicas dependem da oclusão de pequenos vasos. Podem
também ocorrer fenômeno de Raynaud, livedo reticular, erupções tipo aranhas
vasculares, infartos digitais e gangrena periférica. (17).
O tratamento imediato para síndrome de hiperviscosidade é o uso da
plasmaférese e o manejo clínico da doença de base para reduzir a produção
das proteínas monoclonais (18,19). No MW a proteína anormal é IgM que tem
alto peso molecular e a plasmaférese apresenta boa eficácia com remoção de
70% a 80% do conteúdo da proteína anômala no espaço intravascular. A
plasmaférese é adequada ao tratamento da hiperviscosidade no MM, embora
esta síndrome e suas manifestações clínicas sejam mais raras no mieloma. O
uso concomitante da plasmaférese com a quimioterapia e indução do aumento
do fluxo urinário têm sido mais efetivos na redução da paraproteína e
tratamento da insuficiência renal dos pacientes com MM (17).
A Aférese terapêutica, em todas as suas indicações, deve seguir a normas
técnicas e regulamentação da RDC 153/Anvisa/MS:
“H.7.1 - Seleção de pacientes
A aférese terapêutica só deve ser efetuada mediante solicitação escrita do
médico do paciente e com a concordância do hemoterapeuta.
O médico hemoterapeuta responsável pelo procedimento deve determinar o
volume de sangue a ser processado, a freqüência do procedimento e a
necessidade de cuidados especiais.
Deve existir um protocolo escrito, descrevendo a metodologia empregada nos
procedimentos de aférese terapêutica.
H.7.2 – Registros:
“Devem ser mantidos registros que incluam as seguintes informações:
identificação do paciente, diagnóstico, tipo de procedimento terapêutico,
método empregado, volume sanguíneo extra-corpóreo, qualidade e quantidade
do componente removido, qualidade e quantidade dos líquidos utilizados,
qualquer reação adversa ocorrida e medicação administrada”(7).
XI - Análise de Custo:
A análise de custos inclui: honorários do médico e enfermeiras, custos dos
fluídos de reposição.
Simulação do custo de plasmaférese para uma paciente com PTT – 60 kg c/ hematócrito
de 35% - Volemia total = 3.900 ml e 2.535 ml de plasma (se troco 3000 ml/por sessão
diária, 7dias)
Custos do plasmaférese para PTT
Aférese terapêutica
Plasmaférese terapêutica 1 unidade de plasma (200 ml)
Kit e soluções necessárias para máquina
Fluído de troca (PFC)
Por sessão
Total por
sessão
*15 x 32,16
482,40
1 x 256,00
256,00
15 x 11,38
170,70
15x116,25
1.743,75
Operação de processadora automática aférese
96,48
96,48
Transfusão (honorários pelo acompanhamento)
15 x 7,20
108,00
Testes sorológicos
Total por sessão
2.857,33
Total (7 sessões)
20.001,31
XII - Considerações finais:
A prática atual é fazer a indicação terapêutica baseada em evidência científica,
determinada por ensaios clínicos controlados, se possível. Muitas das doenças,
para as quais há forte indicação para a plasmaférese, são entidades raras e a
realização de estudos controlados é dificultada. Assim, é importante a atuação
conjunta dos especialistas que prestam assistência ao doente, junto ao
hemoterapeuta na avaliação e indicação da plasmaférese.
Sabendo tratar-se de um procedimento de alta tecnologia e custo elevado,
praticado em centros especializados (hospitais com cuidados terciários e
clínicas com recursos hemoterápicos especializados), de disponibilização
escassa mesmo nos maiores centros urbanos de Minas Gerais, faz-se
necessário o levantamento do problema e a adequação da oferta à demanda,
com remuneração adequada aos prestadores, mantendo-se a viabilidade
econômica das operadoras de saúde.
Embora as indicações terapêuticas sejam bem definidas em algumas doenças
e, inclusive com o respaldo da AABB e ASFA, para algumas delas com
categoria I de indicação, já se dispõe de tratamento alternativo com mesma
eficácia terapêutica, como o uso de imunoglobulinas. Estas apresentam custo
elevado, porém, se comparado aos preços cotados junto a nossos prestadores,
a plasmaférese exibe valores mais altos.
Poderíamos alcançar objetivos interessantes estabelecendo-se hospitais de
complexidade compatível como referência, nos quais este serviço pudesse ser
oferecido de forma a racionalizar gastos e a propiciar o tratamento mais
adequado ao cliente.
XIII - Parecer do GTAS:
1. O GTAS é favorável ao uso da plasmaférese terapêutica no tratamento
da PTT. Serão liberadas 7 (sete) sessões, através do Unidisk (call
center).
2. O GTAS é favorável ao uso da plasmaférese terapêutica no tratamento
da
síndrome
de
hiperviscosidade
sintomática,
secundária
a
Macroglobulinemia de Waldenstrom. Serão liberada 3 (três) sessões. Se
houver necessidade de mais sessões, deve ser enviado relatório
circunstanciado com o quadro clínico do paciente, para pré-auditoria
para a liberação de mais sessões.
3. Todas as indicações para plasmaférese terapêutica devem ser validadas
por
consenso
entre
o
médico
assistente
e
o
hematologista
(hemoterapeuta). Todos os procedimentos de plasmaférese devem
seguir as normas e protocolos definidos pela RDC 153/Anvisa/MS.
XIV – Referências Bibliográficas:
1. Mendrone Junior A, Tatsui NH. Aféreses Terapêuticas. In Chamone
DAF, Novaretti MCZ, Dorlhiac-Llacer PE. Manual de Transfusão
Sangüíneo. Cap. 21, p. 257-271. São Paulo: Roca, 2001. 288 p.
2. Bosch T. Therapeutic Apheresis – Statre of The Art in the Year 2005.
Ther Apher Dial 2005; 9(6):459-468.
3. Sadler JE, Moake JL, Miyata T and George JN. Recent Advances in
Thrombotic Thrombocytopenic Purpura. ASH Hematology 2004; 407423.
4. Smith JW, Weinstein R, Hillyer KL. Therapeutic apheresis: a summary of
current indication categories endorsed by the AABB and the American
Society for Apheresis. Transfusion 2003;43:820-822.
5. Guidelines on the diagnosis and management of the thrombotic
microangiopathic
haemolytic
anaemias.
Haematology 2003; 120:556-573).
British
Journal
of
Alloimune Thrombocytopenias. J
6. Salama A.
Oncol 2003;
Pediatr
Hematol
24:S39-S41.
7. RDC153–Anvisa/MS
http://www.anvisa.gov.br/sangue/legis/sangue_componentes.htm#resolu
coes
8. Murrin RJA, Murray JA. Thrombotic Thrombocytopenic Purpura:
aetiology, pathophysiology and treatment. Blood Reviews 2006; 20:5160.
9. Fontana S, Kremer
Taleghani B.
purpura.
Hovinga JA, Lämmle B Et
Treatment of
Vox
Sanguinis
thrombotic
Mansouri
thrombocytopenic
2006;90:245-254.
10. Veyradier A, Obert B, Houllier A, Meyer D, Girma J-P. Specific
vonWillebrand factor–cleaving protease in thrombotic microangiopathies:
a study of 111 cases. Blood 2001;98:1765-1772.
11. Bandarenko
N,
Brecher
ME:
United
States
Thrombotic
Thrombocytopenic Púrpura Apheresis Group (US TTP ASG): multicenter
survey and retrospective analysis of current efficacy of therapeutic
plasma exchange. J Clin Apheresis 1998; 13:133-141.
12. .Rock G, Clark B, Sutton D. The Canadian apheresis registry. Transfus
Apheresis Sci 2003; 29:167-177.
13. Hebert PC, Wells G, Blajchman MA, Marshall J, Martin C, Pagliarello G,
Tweeddale M, Schweitzer I, Yetisir E. A multicenter, randomized,
controlled clinical trial of transfusion requirements in critical care. N Eng
J Med 1999; 340 (11):409-417.
14. Linenberger ML, Price TH. Use of Cellular and Plasma Apheresis in the
Critically Ill Patient: Part 1: Technical and Physiological Consideratins. J
Int Care Med 2005;20 (1):18-27.
15. R Rayment,
MF Murphy.
SJ Brunskill,
Antenatal
S Stanworth,
interventions
for
PW Soothill,
DJ Roberts,
fetomaternal
alloimmune
thrombocytopenia. The Cochrane Database of Systematic Reviews 2006
Issue 2.
16. Bandarenko N, Jones H. A large university medical center delivery
system for therapeutic apheresis services. Transfusion Apher Sci 2003;
28 (2003): 165-171.
17. Accorsi P, Passeri C, Onofrillo D, Iacone A. Hyperviscosity syndrome in
hematological diseases an therapeutic apheresis. The International
Journal of Artificial Organs 2005; 28(10):10-32-1038).
18. Mehta J, Singhal S. Hyperviscosity Syndrome in plasma cell dyscrasias.
Semin Thromb Hemost 2003; 29:467-471.
19. Lindenberger ML, Price TH. Use of Cellular and Plasma Apheresis in the
Critically Ill Patient: Part II: Clinical Indications and Applications. J Intens
Care Med 2005; 20(2):88-103.
Download