Conseguem os idosos poupar? O objetivo da poupança é adiar um consumo ou um investimento. A poupança é importante, contudo deixa de o ser quando uma pessoa é idosa. Talvez te surpreenda esta afirmação. Na mitologia grega, Caronte é o barqueiro de Hades, que carrega as almas dos recém-mortos sobre as águas do rio Estige e Aqueronte. Estas águas dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos. O morto precisava de uma moeda para pagar ao barqueiro pelo trajeto. A melhor forma de morrer é pobre. Quem tem assistido a disputas por heranças, compreende como pessoas extremamente ricas, como Bill Gates, deixam toda a sua herança a fundações benéficas e como as suas empresas estruturadas ficam dependentes dos seus herdeiros. Morrer pobre dá muito mais sossego do que morrer com herdeiros a lutar pelos despojos do morto. Uma boa gorjeta para pagar a “Caronte” é suficiente. A poupança é insignificante a partir dos 75-80 anos, mas é extremamente importante na faixa etária dos 50-55 aos 65-70 anos. Poupar entre os 50-55 anos até aos 65-70 anos é vital Quando temos entre 20 e 30 anos, temos que nos focar na nossa formação e na criação de uma família (nessa fase, temos que pagar as propinas do mestrado ou formações especificas, temos que pagar o carro para trabalhar e a casa para viver). Pouco depois, e sobretudo a partir dos 30 aos 50, o investimento é focado na formação dos filhos. Dos 50 até os 65 anos, temos de poupar. A necessidade de capitalizar para um futuro que será mais caro, parece-me clara. Nesta fase etária, os filhos estão independentes, o imobiliário normalmente está pago ou com hipotecas reduzidas e, paralelamente, o consumo de serviços sociais ou de saúde é ainda reduzido. Consumir os recursos poupados a partir dos 75 anos A partir dos 75 anos, consumimos serviços sociais e de saúde que ainda não eram uma realidade antes desta idade e, ao mesmo tempo, as reformas normalmente deterioram-se com a idade, uma vez que estas (por norma) não acompanham a inflação. É sobretudo a inflação que mais impacto tem sobre as pessoas idosas. E agora Portugal … Este esquema, traduzido da literatura internacional, é correto para uma classe média europeia ou americana entre a década de 70 até aos anos 2000. Atualmente, Portugal não se adapta a este modelo. Vamos analisar o motivo. • O euro As pessoas idosas cotizaram em escudos e agora cobram em euros, moeda sobre a qual os fenómenos inflacionistas foram grandes. Vejam o exemplo do café. • Reformas antecipadas Ter uma reforma antecipada é meio caminho andado para ser pobre e, neste momento, uma boa parte das reformas são antecipadas. • Produtos financeiros falidos Ter entre 50 a 70 é a idade do perfil típico dos afetados pelo caso BES. Essas pessoas meteram o seu dinheiro no banco com o objetivo de poupar para o envelhecimento. O resultado, em muitos casos, será a perda das suas poupanças e pobreza para eles. • Inflação seletiva A inflação é o melhor mecanismo para converter um coletivo como o das pessoas idosas que foram de classe média aos 50 anos e pobres aos 75 anos. Por acaso, a atual crise (2008-actualidade) não afetou os idosos como poderia ter afetado, porque a inflação foi nula, exceto nos serviços de saúde. • Problemas familiares As reformas das pessoas idosas são uma espécie de “segurança social”, que permite a redistribuição de bens para os membros da família menos favorecidos e, sobretudo, são um apoio para famílias monoparentais. Desemprego e divórcio são dois problemas que afetam os adultos, mas que depois incidem sobre o nível de poupanças das pessoas idosas, uma vez que ambos implicam a perda de recursos substanciais. • Ser pobre O melhor prognóstico de ser pobre (ou não ter poupanças) na velhice é ter sido pobre na fase adulta. E Portugal, com um ordenado mínimo que não permite sair da pobreza, e que é o usufruído por muitos trabalhadores em Portugal, traça um cenário nada positivo. Nem todos têm dinheiro para pagar a “Caronte” em Portugal Sabem que, na mitologia grega, aqueles que não tinham condições de pagar a quantia a "Caronte" para que este os passasse na sua barca, tinham de vaguear pelas margens durante cem anos. Ao nível económico, haverá muito mais sofrimento no futuro do que aquele que existe no presente. Não sou otimista. Não existem soluções para este problema. A muitos toca-lhes sofrer em silêncio, mas tal como opino em outros posts, esta será uma escolha coletiva. Prof. Doutor Jose Ignacio Martin