P A R E C E R

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PARECER
Da Comissão de Constituição e Justiça, ao PROJETO
DE LEI Nº 14.136/2004, de autoria do Deputado Álvaro
Gomes, o qual “Dispõe sobre a isenção tarifária nos
meios de transporte coletivo, urbano, metropolitano e
intermunicipal aos portadores de vírus HIV/AIDS e dá
outras providências”.
A proposição que ora me cabe relatar, de autoria do
eminente Deputado Estadual Álvaro Gomes, dispõe sobre o direito a isenção de tarifa
nos meios de transporte coletivo urbano, metropolitano e intermunicipal aos portadores
do vírus HIV/AIDS.
Em síntese, tal projeto de lei institui isenção tarifária nos
meios de transporte coletivo aos portadores do vírus HIV/AIDS que necessitem de
tratamento continuado e cuja interrupção possa acarretar agravamento de seu estado de
saúde, sem prejuízo da extensão de tal benefício ao acompanhante do enfermo quando o
portador do vírus HIV apresente dificuldade de locomoção.
Nos termos do §2º, do artigo 1º, da proposição, a lei teria
abrangência estadual e aplicar-se-ia ao transporte coletivo urbano, metropolitano e
intermunicipal e a todos os modais terrestres ou aquaviários de transporte coletivo, a
saber, ônibus, trem, metrô, barca e ferry-boat.
A proposição apresentada pelo Nobre Deputado Álvaro
Gomes, como de costume, cuida de temática relevante, porquanto almeje a proteção de
minoria social que ainda hoje sofre discriminação em função de sua condição de saúde:
o portador do vírus HIV.
Muito embora nos encontremos em pleno século XXI,
ainda grassa na nossa sociedade o preconceito contra o portador do vírus HIV que, além
da segregação social, não dispõe, em sua larga maioria, de condições financeiras para
custear o tratamento e sequer sustentar-se.
Por isso é que, no mérito, é indubitável a importância da
iniciativa do Nobre Deputado Álvaro Gomes, no sentido de conferir a essa minoria
1
social uma garantia mínima tal qual a isenção tarifária nos meios de transporte coletivo
urbano, metropolitano e intermunicipal.
Contudo, a este Relator não cabe analisar a proposição em
análise sob a ótica de seu mérito puro, senão sob o prisma da constitucionalidade e
legalidade.
E no campo legal-constitucional, infelizmente, diversas
razões me conduzem no sentido de votar pela desaprovação da presente proposição.
O projeto de lei em análise versa, em suma, sobre o
serviço de transporte público de passageiros, atividade econômica explorada,
preponderantemente, por particulares, mediante autorização, permissão ou concessão do
Poder Público nas suas diversas esferas (União, Estados e Municípios).
Tais relações jurídicas (de concessão, permissão e
autorização) mantidas pelo Estado, aqui referido em sentido lato, e o particular que
explora os serviços de transporte público coletivo, são regidas pela Lei Federal nº.
8.666/93.
Tal diploma legal, de seu turno, confere à administração
pública a prerrogativa de alterar unilateralmente algumas das cláusulas dos contratos
administrativos, com a finalidade de melhor atender ao interesse público, porém,
também garante ao contratado a garantia do equilíbrio econômico-financeiro contratual.
A propósito da necessidade de manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos administrativos, aí incluídos os de autorização,
permissão e concessão, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:
"(...) a garantia do contratado ao
equilíbrio
econômico-financeiro
do
contrato
administrativo não poderia ser afetada 'nem
mesmo por lei'. É o que resulta de 'dispositivo
constitucional', o art. 37, XXI, pois, de acordo
com seus termos, obras, serviços, compras e
alienações serão contratados 'com cláusulas que
2
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas
as condições efetivas da proposta'."1
Estabelecidas essas premissas, dentro do cenário legal
vigente, é certo afirmar que a administração pública, pode sim, a seu exclusivo critério,
e de acordo com a sua conveniência, instituir políticas públicas que impliquem em
isenção de tarifas dos serviços de transporte coletivo explorados mediante concessão,
permissão ou autorização.
Todavia, a tal prerrogativa estatal – que desborda,
inevitavelmente, na alteração de cláusulas contratuais ajustadas nos contratos
administrativos firmados –, corresponde o direito do contratado ao realinhamento
contratual, de modo a manter-se o equilíbrio econômico e financeiro do pacto.
Enfim, o que a lei não autoriza é que se transmita à
prestadora do serviço público o ônus decorrente da opção política e social do ente
estatal sobre o serviço público de transporte.
Daí
porque,
sendo
vedado
ao
poder
concedente
simplesmente transferir o ônus da política de gratuidade de tarifa àquele que por meio
de autorização, concessão ou permissão explore o serviço público de transporte de
passageiros, deve o Poder Público prever, ao estipular a isenção tarifária, a fonte de
custeio para pagamento de tal incremento da despesa.
Neste sentido, dispõe o artigo 35, da Lei Federal nº.
9.074/95 que:
“Art. 35. A estipulação de
novos benefícios tarifários pelo poder concedente,
fica condicionada à previsão, em lei, da origem
dos recursos ou da simultânea revisão da
estrutura
tarifária
do
concessionário
ou
permissionário, de forma a preservar o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato.”
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, in Curso de Direito Administrativo, 16ª Edição, São
Paulo, Editora Malheiros, 2003, página 574.)
3
Ora, dentro desta perspectiva, é certo que a instituição de
política pública que implica em isenção tarifária no âmbito do transporte público de
passageiros gera, ainda que potencialmente, aumento de despesa para a administração
pública, eis que está terá de oferecer subsídios às tarifas, no intuito de reequilibrar o
contrato de concessão, sob o ponto de vista econômico e financeiro.
Nestes moldes, cabe tão somente ao Governador do
Estado a iniciativa de propor projeto de lei estipulando gratuidade no transporte público,
a teor do quanto disposto no inciso VII, do artigo 77, da Constituição Estadual que reza:
“Art. 77 — São de iniciativa
privativa do governador do Estado os projetos
que disponham sobre:
(...)
—
VII
administrativa
e
serviços
organização
públicos,
que
impliquem aumento ou redução de despesas.”
(grifos nossos)
Dentro deste contexto é que o projeto de lei em análise se
nos mostra inconstitucional, por vício de iniciativa.
Veja-se que o entendimento aqui adotado não é isolado.
Ao contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais já se debruçou sobre hipótese similar a aqui tratada – no precedente a seguir
debruçou-se a Corte Mineira sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo
Prefeito Municipal de Alfenas em face de lei de iniciativa do Legislativo que isentou
portadores de deficiência física e de AIDS do pagamento de tarifa de transporte coletivo
–, e, sobre a temática atinente à iniciativa legislativa, firmou o seguinte entendimento:
“Ação
inconstitucionalidade.
Direta
Processo
de
legislativo.
Iniciativa. Aumento de despesa pública. Princípio
da
Independência
4
dos
Podres.
Autonomia
administrativa
e
financeira
do
Executivo.
Interferência. A iniciativa de deflagrar processo
legislativo que importe em aumento de despesa
pública é norma e princípio constitucional básico,
que deve ser aplicado nas três esferas políticas da
Federação. A edição de norma, por iniciativa do
Legislativo, que determina acréscimo despesas,
conflita
com
separação
o
dos
princípio
Poderes,
fundamental
por
da
interferir
na
autonomia administrativa e financeira atribuída
ao Executivo. Acolhe-se a representação, para
declarar inconstitucional a Lei nº. 3.291, de 23 de
novembro de 2001, do Município de Alfenas.”2
Mas não só por essa razão é inviável, sob o ponto de vista
jurídico-constitucional, a proposição em estudo.
É que a Constituição Federal não poderia ser mais clara ao
estabelecer no inciso V, do artigo 30 que:
“Art.
30.
Compete
aos
Municípios:
(...)
V
-
organizar
e
prestar,
diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local,
incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial.” (grifos nossos)
O inciso V, do artigo 30, da Carta Política prescreve para
o Município tanto uma competência administrativa quanto uma competência legislativa
para organizar e prestar o serviço de transporte coletivo.
2
TJMG, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2789345-65.2000.8.13.0000, Corte Superior do
TJMG, Relator Desembargador Almeida Melo, julgado em 11 de junho de 2003.
5
Competência administrativa no sentido de que ao
Município cabe organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, o serviço público de transporte coletivo, que tem caráter essencial e é de
interesse local.
A competência legislativa da Comuna, no particular,
deriva lado outro, da preponderância do interesse local sobre tal serviço, preponderância
esta tão evidente que foi reconhecida textualmente pelo legislador constituinte ao
consagrar que “os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo”, compete ao Município.
A respeito da competência legislativa dos Municípios,
Alexandre de Moraes leciona que:
“As competências legislativas do
município caracterizam-se pelo princípio da
preponderância
do
interesse
local,
consubstanciando-se em: competência genérica
em virtude da predominância do interesse local
(CF,
art.
30,
I);
competência
para
estabelecimento de um Plano Diretor (CF, art.
182); hipóteses já descritas, presumindo-se
constitucionalmente o interesse local (CF, arts. 30,
III a IX e 144, §8º); competência suplementar
(CF, art. 30, II).” (grifos nossos)
Nesta senda, se o serviço público de transporte coletivo é
competência administrativa do Município, sendo também a legislação correlata de sua
competência legislativa, não pode o legislador estadual ditar normas gerais (para todo o
Estado) que regulem matéria de competência do Município (por ser de interesse local),
sob pena de invasão de competência e correlata violação do princípio federativo inscrito
na Carta Constitucional.
Ocorre que no caso em apreço a proposição é clara no
sentido de prever abrangência estadual, no que toca a sua vigência, olvidando que no
campo do serviço de transporte coletivo a competência do Estado engloba tão somente o
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transporte intermunicipal, não alcançando os serviços de transporte urbano e
metropolitano, afetos aos Municípios, como já demonstrado nas linhas antecedentes.
À vista do exposto, também por esse aspecto se nos
mostra inconstitucional a presente proposição que, repita-se, é louvável, no que tange ao
seu mérito.
Por fim, diante das considerações acima feitas, ancoradas
no inciso VII, do artigo 77, da Constituição Estadual, sequer há como adequar-se a
proposição no sentido de limitar sua abrangência ao transporte coletivo intermunicipal,
afastando, assim, a inconstitucionalidade sob o prisma da competência legislativa e
afronto ao princípio federativo.
Isto
porque,
ainda
assim,
remanesceria
a
inconstitucionalidade por vício de iniciativa, visto que somente o Governador do Estado
pode iniciar o processo legislativo, no que tange a serviços públicos, quando a iniciativa
implique aumento de despesas, como sói acontecer na presente hipótese.
Ante o exposto, opino pela DESAPROVAÇÃO da
proposição ora relatada, tendo em vista que inconstitucional, seja sob o aspecto da
iniciativa legislativa, seja sob o aspecto da competência legislativa.
É o parecer.
Sala de Sessões, 14 de junho de 2011.
MÁRIO NEGROMONTE JÚNIOR
DEPUTADO ESTADUAL/ PP - BA
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