ESTUDO DA PROVENIÊNCIA DE SEDIMENTOS RECENTES EM UM SEGMENTO FLUVIAL DO ALTO CURSO DO RIO DAS VELHAS - MG Cláudio Eduardo Lana1; Paulo de Tarso Amorim Castro2 1 Depto. Geologia, UFOP([email protected]); 2Depto. Geologia, UFOP ([email protected]) Abstract. Present work deals with sedimentologic study of a creek segment in rio das Velhas headwaters, Minas Gerais State, Brazil. This hydrographic basin is one of the main tributaries of rio São Francisco basin, considered the more important Brazilian basin, draining and influencing the lifestyle in some different States. The research site was chosen doe to the absence of strong human interventions in relation to many other river segments and because it is relatively near of the nascents, suffering few sedimentary contributions of less important geologic bodies. The sedimentary samples were collected superficially on two bars and on two transect series along the channel, showing the recent pulses of sedimentation. The petrography/mineralogy, granulometry and roundness of the sediments have been studied using traditional geological techniques. The results are presented here and they are used to support some conclusions about the geological constitution of source-areas as well as their preservation conditions. Palavras-chave: análise sedimentológica, geologia regional, ambiente fluvial 1. Introdução Uma característica marcante do ambiente fluvial é a sua capacidade de dissecar materiais rochosos, bem como transportar e depositar os sedimentos resultantes. A análise dos fenômenos de erosão e deposição permite concluir a respeito da dinâmica hidrológica dos cursos d’água. Além disso, em uma abordagem sistêmica e histórica, é possível efetuar uma análise indireta das movimentações ocorridas em porções da crosta terrestre. Dentro do contexto da dinâmica hidrológica e das taxas de erosão e deposição, existem variáveis que não podem ser deixadas de lado, incluindo aqui a granulometria e o grau de arredondamento médio dos sedimentos, associado à sua filiação petrográfica (ou mineralógica). Essas variáveis, conforme colocado por Lana (2004), quando relacionadas à identificação das possíveis áreas-fonte e da distância em que os sedimentos foram transportados permitem compreender melhor questões ambientais diversas, como por exemplo o assoreamento recente de canais. Neste trabalho será apresentado um estudo de caso, com a intenção de relacionar as características gerais dos sedimentos coletados à geologia da região drenada, tendo como referência uma base geológica regional em escala 1:250.000. 2. Localização e Contexto Geológico da Área A área estudada se encontra à montante do distrito de São Bartolomeu (município de Ouro Preto), a sul da região metropolitana de Belo Horizonte, nas proximidades das nascentes do rio das Velhas. O segmento fluvial em questão integraliza o conjunto de segmentos estudados por Lana (2004). Esse foi o ponto mais à montante considerado naquele trabalho. Geologicamente, a área estudada se situa nos domínios do Quadrilátero Ferrífero. Porém, de acordo com a cartografia regional disponível, a bacia de contribuição do segmento estudado disseca somente rochas arqueanas e paleoproterozóicas atribuídas, respectivamente, aos supergrupos Rio das Velhas e Minas. O primeiro é constituído de rochas vulcânicas ultramáficas, máficas e félsicas intercaladas a rochas sedimentares, tais como BIF’s do tipo Algoma, carbonatos e siliciclásticas; já o segundo, é composto por quartzitos, metaconglomerados, metapelitos, itabiritos e mármores e, esporadicamente, metavulcânicas. (Alkmim & Marshak, 1998). 3. Metodologias Aplicadas 4.1. Coleta Esta etapa foi realizada sobre as duas barras presentes (somente em sua parte emersa) e também diretamente sobre o leito, na forma de duas séries de transectos. O volume amostrado foi de aproximadamente 1 litro por ponto e a distribuição dos pontos de amostragem foi feita respeitando o esquema apresentado na figura 01. A seguir, é feita sua descrição detalhada: Transectos – as amostras foram coletadas no limite da margem esquerda (Me), direita (Md) e centro (C), ao longo de três linhas perpendiculares ao fluxo d’água. O espaçamento entre essas linhas foi estipulado como sendo equivalente à largura média do canal (Lm) no trecho amostrado. Barras - todas as amostras foram coletadas ao longo da linha central da barra no sentido longitudinal (crista) e o seu espaçamento (E1, E2, E3, etc) foi estabelecido como sendo igual ao valor da largura máxima da barra (Lmax), medida previamente. 4.2. Análise Granulométrica As amostras foram classificadas seguindo os limites convencionais de classes granulométricas (p. ex.: Mabesoone, 1968). Como não foram encontrados na literatura relatos de metodologias aplicáveis à classificação de clastos muito grandes para serem peneirados, foi utilizado um classificador vazado de seixos (figura 02). Cada um dos clastos acima de 8 mm foi classificado e, ao final, cada conjunto de clastos de uma dada classe granulométrica foi pesado. Os clastos inferiores a 8 mm foram peneirados em uma malha de 4 mm. Os clastos retidos foram pesados e agrupados para posterior análise, enquanto os sedimentos inferiores a esse valor foram pesados como se pertencessem a uma única classe granulométrica e não passaram por análise individual. 4.3. Análise Petrográfica e Mineralógica Cada clasto de uma mesma classe granulométrica passou por uma análise macroscópica de sua petrografia (ou mineralogia), com o auxílio de uma lupa com aumento de 20x. A partir dessa análise, foram criados subconjuntos dentro de cada grupo de mesma granulometria. A análise petrográfica seguiu os passos apresentados em Costa (1973) e a mineralógica, Dana (1960). 4.4. Avaliação do Grau de Arredondamento Cada um dos exemplares de um dado mineral ou rocha em cada uma das classes granulométricas teve o seu grau de arredondamento analisado por comparação com os padrões colocados por Tucker (1981). Para cada mineral ou rocha em uma classe granulométrica foram contados quantos apresentavam um mesmo grau de arredondamento. 5. Resultados Alcançados Foram analisados, individualmente, 1445 clastos, dentre os quais se identificaram várias espécies mineralógicas e petrográficas. As classes granulométricas encontradas em cada amostra foram comparadas entre si. Também foram analisados os graus de arredondamento predominantes em cada mineral e rocha identificada, independentemente do ponto de coleta. Outra informação extraída foram os graus de arredondamento predominantes em cada amostra como um todo, sem a diferenciação mineralógica ou petrográfica de seu conteúdo. 6. Análise dos Resultados e Conclusões A região estudada é cortada por algumas estradas não pavimentadas, constituídas por materiais retirados em pequenas áreas de empréstimo, (p. ex. zonas ricas em veios de quartzo). Um material freqüentemente utilizado na cobertura dessas estradas é o estéril de mineradoras de ferro, onde predominam fragmentos de itabirito com baixa granulometria e alta angulosidade. Nos períodos chuvosos, partes dessa cobertura são transportadas até o leito dos rios. Uma outra atividade antrópica da região é a lavra artesanal de quartzitos nas cabeceiras do rio das Velhas (serra das Camarinhas – Ouro Preto). Essa atividade, ao contrário das estradas vicinais e áreas de empréstimo, tem caráter pontual. As intervenções citadas são as principais fontes antrópicas de sedimentos para o local estudado. O material geológico mais abundante nas amostras analisadas foi o quartzo (710 indivíduos), seguido pela hematita (258), rocha máfica (135), canga (118) e quartzito (115). Na seqüência, todos os outros minerais e rochas identificados apresentam um número de indivíduos inferior a cem. As principais hipóteses para a origem dos componentes principais das amostras são apresentadas em seguida. Os clastos de quartzo podem ser provenientes tanto de veios, dispersos ao longo da bacia, quanto de grãos desagregados dos quartzitos do Grupo Caraça (Supergrupo Minas). Essa unidade é cortada pela rede de drenagem a cerca de 15 km do segmento estudado. Há também a possibilidade de que parte desse material provenha das estradas de terra. A hematita pode estar sendo transportada desde os afloramentos das formações ferríferas do Grupo Nova Lima (Supergrupo Rio das Velhas), não discriminados pela escala do mapa adotado neste trabalho. A sua proveniência a partir do Grupo Itabira (Supergrupo Minas) é descartada em função da rede de drenagem não atingir essa unidade. Também pode estar havendo uma contribuição a partir dos materiais de cobertura das estradas. As rochas máficas, tratadas aqui indistintamente, não aparecem na base cartográfica utilizada, de forma que os locais das prováveis áreas-fonte não podem ser apontados. As cangas são couraças geradas sobre os afloramentos de formações ferríferas. As mesmas áreas-fonte da hematita são atribuídas a elas. Os quartzitos têm área-fonte associada aos afloramentos de quartzito do Grupo Caraça (Supergrupo Minas). Para que se possam reconhecer quais das hipóteses apresentadas acima são as mais satisfatórias, é necessário lançar mão de dois outros dados importantes que são a granulometria e o grau de arredondamento predominante em cada um dos minerais ou rochas. Quanto maior a distância de transporte dos materiais, maior a sua exposição ao atrito com o substrato e os demais grãos transportados. Conseqüentemente, maior será o desbaste das arestas e haverá uma diminuição da granulometria juntamente com um aumento do grau de arredondamento. É confirmada, de uma forma geral, a expectativa de que os seixos muito grossos, apesar de pouco numerosos, predominem em termos de peso. Quando as classes granulométricas maiores não respondem pela maior porcentagem de peso, esse fato se deve quase sempre à presença de clastos com baixa densidade ou bastante intemperizados. Isso ocorre, por exemplo, com os fragmentos de xistos do Grupo Nova Lima. Quanto aos graus de arredondamento por mineral e rocha, observou-se que, com exceção do quartzo e filito, os clastos das outras filiações petrográficas e mineralógicas são predominantemente subarredondados. A tendência do quartzo e filito serem mais angulosos é fruto da resistência à abrasão do primeiro e da alta fissilidade do segundo. Para os cinco materiais geológicos mais abundantes, predominaram os seguintes graus de arredondamento: Quartzo – subanguloso, Hematita – subarredondado, Rocha máfica – subarredondado, Canga – subarredondado e Quartzito - subarredondado. Com base nos dados apresentados anteriormente, pode-se apontar qual das hipóteses apresentada para a origem de cada material é a mais pertinente. Como o grau de arredondamento predominante nos clastos de quartzo é subanguloso, indicando fontes próximas, conclui-se que a maior parte dos grãos de quartzo encontrados é resultante da dissecação de veios. Além disso, a unidade constituída de quartzitos (Grupo Caraça) não apresenta relatos de clastos monomierálicos com granulometria tão alta. As estradas são cobertas com materiais que atingem no máximo a fração seixo. Como o tráfego fragmenta essa cobertura, diminiuindo a sua granulometria, é improvável que os materiais analisados (superiores a 8 mm) venham dessa fonte. Portanto, o fornecimento de clastos de quartzo por parte das estradas é descartado. A área-fonte das hematitas e cangas encontradas são as formações ferríferas do Grupo Nova Lima, que devem aflorar a uma distância considerável do segmento estudado, tendo em vista o grau de arredondamento observado. Isso descarta a possibilidade de fontes próximas atribuídas ao rejeito utilizado nas estradas vicinais. A presença de hematitas frescas em um segmento fluvial tão próximo às nascentes indica a existência de áreas onde há exposição direta dessas rochas. Esse fato mostra que houve perda do manto de intemperismo (cangas), expondo a rocha fresca. Os processos erosivos responsáveis pela disponibilização das hematitas e das cangas são considerados naturais, já que não existem relatos de lavra das formações ferríferas do Grupo Nova Lima. Como não existem corpos de rocha máfica cartografados no mapa geológico adotado, os clastos dessa natureza são fragmentos de pequenos corpos intrusivos fora do alcance da escala daquele mapeamento. O grau de arredondamento percebido indica duas possibilidades: 1 - a abrasão dos fragmentos frescos ao longo de uma distância considerável, sugerindo que esses corpos estejam localizados nas proximidades das cabeceiras do rio das Velhas ou 2 - a existência de afloramentos mais próximos ao local de coleta, onde a rocha tenha estado sob ação do intemperismo, favorecendo o desbaste das arestas dos clastos ao longo de uma curta distância de transporte. As rochas máficas são mais resistentes ao choque mecânico que outros materiais presentes na região estudada, como o quartzo de veio e o quartzito. Sua aplicação na construção civil ou mesmo nas estradas vicinais não é comum. A sua abundância no segmento estudado não tem relação com a atividade antrópica de lavra. A área-fonte dos clastos de quartzito é a Formação Moeda, nas cabeceiras do Velhas, pois o grau de arredondamento predominante indica o transporte dos clastos por uma distância considerável. A única ocorrência de quartzitos é descrita nas nascentes do rio das Velhas, a cerca de 25 km do segmento estudado. A abundância de clastos dessa rocha está parcialmente relacionada à lavra artesanal desse material na Serra das Camarinhas. O desmatamento da vegetação nativa, somado à desagregação do quartzito e acumulação de fragmentos menores, sem valor comercial, gera uma disponibilidade de sedimentos muito superior à natural. 7. Referências Bibliográficas ALKMIM, FF and MARSHAK, S. 1998. Transamazonian Orogeny in the Southern São Francisco Craton Region, Minas Gerais, Brazil: evidence for Paleoproterozoic collision and collapse in the Quadrilátero Ferrífero. Precambrian Research 90: 29-58. COSTA, JB. 1973. Estudo e Classificação das Rochas por Exame Macroscópico, 4ª Ed. Coimbra: Fundação Calourste Gulbenkian, 196 p. DANA, JD. 1960. Manual de Mineralogia: Tratado Moderno para la Enseñanza en Universidades y Escuelas Especiales y para Guia de Ingenieros de Minas y Geólogos, 2ª Ed. Barcelona: Editorial Reverté, S. A, 598 p. JUNQUEIRA, MU. (Coord.) 1998. Biomonitoramento da Qualidade da Água na bacia do Alto Rio das Velhas, Relatório Técnico Final, anexos. CETEC, Belo Horizonte, v. 1, 110 p. LANA, CE. 2004. Cartografia Integrada de Ecossistemas Lóticos (Fluviais) no Alto Curso do Rio das Velhas - MG. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 175 p. MABESOONE, JM. 1968. Sedimentologia. Recife: Editora da UFPe, 478 p. TUCKER, ME. 1981. Sedimentary Petrology: An Introduction. Great Britain: Blackwell Scientific Publications, 252 p. Fig. 1. Diagramas de coleta de sedimento. Em A, tem-se a medida da largura de alguns trechos do canal, para obtenção do valor médio (Lm). Em B, tem-se a distribuição dos pontos de coleta, segundo um espaçamento uniforme entre as amostras (E1, E2, E3) e entre os transectos (Lm). Em C e D, está representada a largura máxima da barra (Lmáx) que determina o valor do espaçamento entre as amostras (E1, E2, E3, etc). Figura 02 – Procedimento de classificação granulométrica dos sedimentos utilizando o classificador de seixos. Extraído de Lana (2004).