ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO EXCELENTÍSSIMO JUÍZO FEDERAL DA 20ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL PROCESSO Nº 36524-25.2014.4.01.3400 AUTOR: MARIA INES CONCEICAO ALVES RÉ: UNIÃO FEDERAL A UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, por seu representante judicial, nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, em atenção ao despacho de fls., expor e requerer o que se segue. I – SÍNTESE FÁTICA A autora promoveu a presente ação sob o rito ordinário contra a UNIÃO com a finalidade de obter o fornecimento dos medicamentos denominados SOFOSBUVIR e RIBAVIRINA para tratamento de cirrose hepática, da qual afirma ser portadora. Intimada para se manifestar sobre a tutela antecipada, a União demonstrará não ser esta cabível. 1 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO II – PRELIMINARES II.1 – DA INÉPCIA DA INICIAL Incialmente, cabe destacar que, em sua petição inicial, a parte autora não escreveu uma linha sequer a respeito da doença que a acomete, tampouco dos medicamentos que pleiteia. Restringe-se, apenas, aos seguintes tópicos: (i) gratuidade de justiça; (ii) prerrogativas processuais da DPU; (iii) solidariedade no SUS e (iv) pedidos. Somente no quadro preambular (antes da qualificação da autora) e no tópico relativo aos pedidos é que há uma referência à doença e aos medicamentos requeridos. Percebe-se, claramente, portanto, que a Autora não se desincumbiu do ônus de demonstrar a causa de pedir de sua demanda, razão pela qual sua petição inicial deve ser indeferida, pois inepta, nos termos do art. 295, p.u., I, do CPC: Art. 295. A petição inicial será indeferida: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) [...] Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - Ihe faltar pedido ou causa de pedir; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) Ademais, sem a descrição dos fatos e dos fundamentos jurídicos que embasam seu pedido (art. 282, III, do CPC), a União se vê prejudicada no exercício de seu direito à ampla defesa, consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal. 2 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO Portanto, espera a União que este d. juízo acolha sua preliminar de inépcia da inicial, de modo a extinguir o feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, I, do CPC. II.2 – DA ILEGITIMIDADE DA UNIÃO Sobre este tópico é importante consignar que a recomendação para a aquisição dos medicamentos ora pleiteados foi realizada por médica integrante da Secretaria Estadual de Saúde do Governo do Distrito Federal –GDF, conforme se infere do RECEITUÁRIO CONTROLE ESPECIAL à fl. 15 dos autos. Por essa razão, se foi o GDF quem recomendou a compra dos medicamentos em comento, por certo, ele é quem deverá providenciá-los. Excelência, se há solidariedade entre os entes integrantes do SUS, como narra a Autora e um deles, no caso o GDF, reconhece a necessidade da aquisição dos medicamentos em debate, enquanto o outro a impugna (como será demonstrado adiante), deveria a Autora promover a demanda contra aquele que já atestou a necessidade do tratamento pleiteado. Ademais, o art. 1º, º1º, da Portaria nº 221 de 13 de julho de 2011 (anexo), que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica C, prevê que caberá às unidades gestoras estaduais, distrital e municipais a dispensação dos medicamentos por ela regulamentados, dentre eles o RIBAVIRINA: § 1º Este Protocolo é de caráter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos 3 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO municípios, na regulação da prescrição e dispensação dos medicamentos nele previstos e contém: [...] Portanto, espera a União que seja acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva e, assim, extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. II.3 – DA FALTA DO INTERESSE DE AGIR De acordo com a COTA 22166/2013-CONJUR-MS/SERSUR, o medicamento RIBAVIRINA já é fornecido pelo Ministério da Saúde. Ademais, a própria Autora informa que já fez uso do medicamento em questão, conforme relatório médico de fls. 16. Dessa forma, neste ponto falta interesse de agir à Autora, por estar ausente o requisito da necessidade. III – DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA III.1 – DA AUSÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. Mesmo na eventualidade de as preliminares acima serem superadas, ainda assim não há base legal para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela. Isso porque nenhum dos medicamentos pleiteados possui eficácia 4 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO cientificamente comprovada. No caso do SOFOSBUVIR, o único indício de eficácia científica para o tratamento da cirrose hepática é um estudo promovido por uma universidade norteamericana. Em documento de fls. 25, juntado pela própria Autora, a médica Eliane Alves de Lima (CRM-DF 4651) qualifica o medicamento acima como “droga promissora”, o que denota seu caráter experimental. Neste ponto, cabe destacar que o único documento relativo ao estudo apontado pela médica acima, no caso, um artigo publicado no Jornal of American Medical Association – JAMA, foi juntado aos autos à fl. 29; está redigido em idioma estrangeiro e sem a respectiva tradução juramentada, o que fere o art. 157, do CPC: Art. 157. Só poderá ser junto aos autos documento redigido em língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado. Ademais, por ser um medicamento experimental, o mesmo não possui registro na Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e na CMED, não tendo sido submetido à análise criteriosa quanto à segurança, eficiência e qualidade, configurando, logo, o risco sanitário no seu uso. 5 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO Este medicamento também não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME[1] e não faz parte de nenhum programa de medicamentos de Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde – SUS estruturado pelo Ministério da Saúde e, portanto, o Sistema não definiu que o mesmo seja financiado por meio de mecanismos regulares. Ressalte-se que a submissão a registro de qualquer medicamento é feita exclusivamente pela empresa fabricante do produto, a qual detém todas as informações técnicas necessárias à análise desse pleito. Esclarece-se, ainda, que o fato de um determinado medicamento porventura ser registrado em outro país, não confere garantia suficiente quanto à segurança, eficiência e qualidade do mesmo, vez que os critérios utilizados para a obtenção do registro não são idênticos aos adotados pela legislação sanitária brasileira, a qual é reconhecidamente – inclusive internacionalmente - uma das mais completas e exigentes do mundo. Com relação ao medicamento RIBAVIRINA, cabe destacar que o Ministério da Saúde estruturou um programa que objetiva, através de co-financiamento entre a União e os Estados, financiar, no âmbito do SUS, acesso aos medicamentos excepcionais de alto custo, como é o caso do RIBAVIRINA. Tal programa foi formalizado pela Portaria nº 221 de 13 de julho de 2011 (anexo), que aprovou, após consulta pública, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica C. [1] BRASIL. Ministério da Saúde – MS. Portal da Saúde. Assistência Farmacêutica. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rename_anexos_versao_08_08_2013.pdf [Acesso: 08/04/2014]. 6 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO Como dito, o art. 1º, §1º da aludida portaria prevê que a dispensação do medicamento em questão é de responsabilidade do gestor estadual, distrital e municipal, o que reforça o argumento de ilegitimidade da União defendido acima. Por outro lado, à fl. 24, a médica Eliane Alves de Lima (CRM-DF 4651) informou que a Autora já fora submetida ao medicamento RIBAVIRINA e que o mesmo se demonstrou ineficaz ao combate à sua doença. Cabe ainda apontar que nos termos do TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO, contido no Protocolo aprovado pela Portaria 863, de 12 de novembro de 2002, há a informação de que o medicamento RIBAVIRINA contém uma séria de efeitos colaterais, a saber: Os principais efeitos adversos relatados para ribavirina incluem cansaço, fadiga, dor de cabeça, insônia, náuseas, perda de apetite, anemia. Os efeitos adversos menos freqüentes são dificuldade na respiração, conjuntivite, pressão baixa, alergias de pele, rinite, faringite, lacrimejamento. Ademais, conforme a COTA 22166/2013-CONJUR-MS/SERSUR, há tratamento alternativo à doença de que padece a Autora. Trata-se do medicamento BOCEPREVIR (VICTRELIS) que foi incorporado pelo Ministério da Saúde para o uso no SUS em 25/07/2012, pela Portaria SCTIE/MS nº. 20, que recomenda também o uso do IP Telaprevir para pacientes com doença avançada –Metavir F3 e F$/cirrose hepática, que é o caso da autora. 7 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO Por fim, recentemente foi realizada a I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo CNJ. Na ocasião, foram editados vários enunciados concernentes à saúde pública, dentre os quais destacamos os seguintes: 3 - Recomenda-se ao autor da ação, a busca preliminar sobre disponibilidade do atendimento, evitando-se a judicialização desnecessária. 6 - A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei. 8 - Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores 9 - As ações que versem sobre medicamentos e tratamentos experimentais devem observar as normas emitidas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não se podendo impor aos entes federados provimento e custeio de medicamento e tratamentos experimentais. 12 - A inefetividade do tratamento oferecido pelo SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), tratamento e periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). 13 - Nas ações de saúde, que pleiteiam do poder público o fornecimento de medicamentos, produtos ou tratamentos, recomenda-se, sempre que possível, a prévia oitiva do gestor do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a, inclusive, identificar solicitação prévia do requerente à Administração, competência do ente federado e alternativas terapêuticas. 16 - Nas demandas que visam acesso a ações e serviços da saúde diferenciada daquelas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o autor deve apresentar prova da evidência científica, a inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos clínicos do SUS. 18 - Sempre que possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por Núcleos de Apoio Técnico em Saúde - NATS. 8 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO 19 - Nas ações que envolvam pedido de assistência à Saúde, é recomendável à parte autora apresentar questionário respondido por seu médico para subsidiar o deferimento de liminar, bem como para ser utilizado na instrução probatória do processo, podendo-se fazer uso dos questionários disponibilizados pelo CNJ, pelo Juízo processante, pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público ou pela OAB, sem prejuízo do receituário competente. Percebe-se, então, a preocupação do CNJ, órgão de extrema importância para o Judiciário, com a racionalização e técnica das decisões judiciais envolvendo saúde pública. Há, pois, requisitos e procedimentos legais e técnicos a serem seguidos, não devendo o Judiciário deixar com que o tema seja apreciado de forma automática, desconsiderando aspectos específicos e relevantes de cada caso concreto. Compulsando os autos, nota-se que nenhum desses enunciados fora respeitado. Muito pelo contrário, a parte autora apenas apresentou relatório médico, sem apresentar prova inconteste da eficácia dos medicamentos, omitindo ainda o fato de um deles ter o condão de gerar sérios efeitos colaterais. Corroborando os enunciados mencionados acima, após a audiência pública n° 04, realizada pelo Supremo Tribunal Federal, foi editada a Recomendação Nº 31, DE 30 DE MARÇO DE 2010, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que sintetiza as conclusões do STF a respeito desse tema e na qual se recomenda aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, nos seguintes termos: CONSIDERANDO que os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela ANVISA, na forma do art. 12 da Lei 6.360/76 c/c a Lei 9.782/99, as quais objetivam garantir a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes; 9 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO RESOLVE: I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que: [...] b.2) evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei; Portanto, ante o fato de que: (i) os medicamentos em questão não possuem eficácia científica comprovada; (ii) há tratamento alternativo fornecido pelo SUS e (iii) há sérios riscos de efeitos colaterais, resta demonstrada a ausência do fumus boni iuris, necessário para a concessão da liminar requerida. III.2 – DA AUSÊNCIA DO PERICULUM IN MORA: DANO IRREVERSÍVEL. ALTO CUSTO DO MEDICAMENTO E ESGOTAMENTO DO PEDIDO Conforme fls. 25/26, percebe-se que o tratamento pleiteado não está disponível no país e alcança um custo altíssimo, podendo chegar a R$ 310.000,00 (trezentos e dez mil reais). Corroborando esse alto custo, a União anexa à sua petição cópia de reportagem publicada no site da Revista Isto É, disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.istoe.com.br/reportagens/357467_O+PRECO+DA+CURA+DA+HEPATITE+C O valor indicado acima é por si só bastante expressivo. Todavia, considerando ainda o risco de seu efeito multiplicador, as quantias dispendidas pelo Ministério da Saúde chegariam a valores absurdos para um tratamento que sequer possui eficácia cientificamente comprovada. 10 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO A tudo aquilo que foi exposto acima, deve-se somar o fato de que o provimento jurisdicional de tal monta pode ser irreversível. Ora, a determinação de devolução do medicamento pleiteado, produto de consumo imediato e totalmente perecível, afigura-se inviável e desprovida de razão. Logo, seu fornecimento, em caráter precário, levará a uma situação de efeitos definitivos e nefastos à Administração Pública, que terá que arcar com prejuízos antes mesmo do reconhecimento definitivo do direito que envolve o fornecimento da droga. Trata-se do denominado periculum in mora ao inverso. Nessa perspectiva, é preciso considerar o fato de que não são poucos os tratamentos concedidos judicialmente que, ao final, mostram-se extremamente dispendiosos para o Poder Público e, muitas vezes, ineficazes para aqueles que o receberam. Para tanto, pode-se citar as inúmeras ações que tramitaram nesse E. Tribunal Regional Federal/1ª Região, que, em sede de liminar, concederam o direito ao tratamento ou medicamento, e, posteriormente, ao tempo da decisão final, tiveram a segurança negada pelo juízo ou cassada pelo Tribunal após a interposição de recursos pela União. Em tais casos, as decisões reconheceram a real necessidade, e muitas vezes total impossibilidade, de providenciar a reversão da tutela concedida, procedendo-se à tentativa, na maior parte das vezes frustrada, de restituição das quantias já pagas pelo erário público. Apenas a título exemplificativo, é possível citar alguns processos de cobrança já iniciados pelo Fundo Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, na tentativa de ressarcimento do erário: Ação n. 2001.34.00.030986-8: Valor total em 2001 Tratamento – U$ 170.000,00 Passagens – R$ 80.000,00 11 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO Ação n. 2000.34.00.014268-1: Valor total em 2000 Tratamento – U$ 145.000,00 Passagens – R$ 19.000,00 Ação n. 2000.34.00.047212-3: Valor total em 2000 Tratamento – R$ 330.000,00 Passagens – R$ 19.000,00 Ação n. 1999.34.00.029542-6: Valor total em 1999 Tratamento – R$ 167.000,00 Passagens – R$ 46.000,00 Observa-se que, após um simples cálculo aritmético e considerando ainda a defasagem dos valores apresentados e o reduzido número de exemplos, há um prejuízo aos cofres públicos que tende a alcançar níveis alarmantes, sendo certo afirmar que, na grande maioria das vezes, a tutela concedida é absolutamente irreversível. Considerando ainda a relevância dos Programas já financiados pela União, por intermédio do Ministério da Saúde, indispensáveis para a garantia de um mínimo existencial à coletividade, corre-se o risco de, com a concessão de tutelas de urgência sem a devida precaução, inviabilizar-se o sistema de atendimento à saúde pública do país. Por fim, no presente caso, o pedido de imediato fornecimento do medicamento ora pleiteado ultrapassa a matéria processual inerente para adentrar o mérito da causa, esgotando, no todo, o objeto da demanda. Essa atitude contraria o disposto no § 3º, do artigo 12 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO 1º, da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992, que veda expressamente a concessão de decisão liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação: Art. 1º. Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal. (...) § 3º. Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Dessa forma, estando plenamente configurados o periculum in mora ao inverso e o evidente caráter satisfativo da tutela pleiteada, esta deve ser indeferida. III.3 – NECESSIDADE DE PRÉVIA PROVA PERICIAL Frise-se que já começam a despontar decisões judiciais que reconhecem a necessidade de haver prévia demonstração, por intermédio de prova pericial, que o fármaco efetivamente possui eficácia em face da moléstia que aflige a parte. Nessa esteira faz-se menção ao seguinte julgado (Agravo de Instrumento Nº 5005195-77.2010.404.0000/SC, e. TRF da 4ª Região, Rel. Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 26/08/2010): A Antes de se determinar à União o fornecimento de medicamento, Com relação à concessão do pedido de fornecimento à autora dos medicamentos/insumos insulina glargina (Lantus), insulina aspart (Flex Pen NovoRapid) e tiras reagentes para glicemia capilar, torna-se necessária a realização de perícia médica para explicitar a real necessidade 13 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO da medicação ora requerida, e a impossibilidade de tal medicamento ser substituído, com eficácia equivalente, pelos medicamentos fornecidos pelo SUS. Nestes termos, antes da concessão de eventual pedido de fornecimento de medicamentos, se faz imprescindível a realização de perícia médica, com todas as cautelas possíveis. Assim, merece ser reformada a r. decisão agravada, para suspender o fornecimento da medicação postulada, até que se produza prova pericial confirmando a necessidade dos referidos medicamentos. Por esses motivos, com fulcro no art. 37, § 1º, II, do R.I. da Corte, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, tão-somente para reformar a decisão que determinou o fornecimento à autora dos medicamentos/insumos supra referidos, ressalvando que qualquer medicação já entregue não poderá ser recolhida ou postulado o ressarcimento, devendo a União ser mantida no pólo passivo da demanda. Nesse ponto, destacamos que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região alinhase à orientação proferida pelo STF na STA 175, no sentido da imprescindibilidade da perícia. Vejamos: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MEDICAMENTO. FORNECIMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO E DOS ENTES FEDERATIVOS. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 198). LEI N. 8.080/90. POSSÍVEL EXISTÊNCIA DE MEDICAÇÃO EQUIVALENTE. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA. [...] 4. Consoante orientação emanada do STF (STA 175), para fornecimento pelo Poder Público de remédio de alto custo não incorporado pelo SUS, faz-se imprescindível demonstração da inexistência de medicação equivalente na rede pública de saúde. 5. Caso em que existe alegação da União de que, "embora o fármaco 14 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO prescrito pelo médico da autora [TERIPARATIDA 20mcg] não seja padronizado pelo SUS, este oferece tratamento equivalente e adequado". O laudo médico é silente sobre esse assunto, sendo impositiva a realização de perícia para averiguar se a moléstia que acomete a autora (osteoporose severa) pode ser objeto de tratamento alternativo já disponibilizado pelo SUS. 6. Remessa oficial provida para cassar a sentença, a fim de que outra seja proferida após a produção da prova pericial, sem prejuízo da manutenção da decisão que antecipou os efeitos da tutela. 7. Prejudicadas as apelações da autora, da União e do Estado do Piauí. (AC 0004221-74.2009.4.01.4000 / PI, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.157 de 14/01/2013) CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DO MEDICAMENTO REPLAGAL (ALFAGALSIDASE). ENFERMIDADE: DOENÇA DE FABRY. EXAME PERICIAL. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. AGRAVO RETIDO PROVIDO. SENTENÇA. PREJUDICIALIDADE. 1. Mesmo que não tenha havido impugnação específica aos fatos afirmados na exordial, pode o magistrado aprofundar no exame da matéria fática, em face da existência de interesse público na preservação do erário. 2. Caso em que ambas as partes postularam oportunamente a realização de perícia. 3. O relatório médico e a receita médica que acompanham a inicial não são suficientes, por si sós, para comprovar, em caráter definitivo, a real necessidade de utilização do medicamento pleiteado, porquanto, embora gozem de presunção de legitimidade e veracidade, essa presunção não é absoluta e comporta prova em contrário. 4. Caso em que a prova pericial é necessária e pertinente para elucidar importantes questões fáticas, como, por exemplo, a adequação do medicamento para tratamento da enfermidade, a duração provável do tratamento e a ausência de outros tratamentos 15 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO já disponibilizados pelo SUS com semelhante eficiência e eficácia. 5. Agravo retido provido para deferir a perícia e cassar a sentença, a fim de que outra seja proferida após a produção da prova pericial, sem prejuízo da manutenção da decisão que antecipou os efeitos da tutela. 6. Prejudicadas a apelação e a remessa oficial. (AC 0030442-80.2011.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.165 de 14/01/2013) (grifo nosso) O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou a respeito do tema: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE NECESSIDADE MEDICAMENTOS. DE PERÍCIA TUTELA ACERCA DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. 1. O recorrente sustenta que a Corte de origem violou os artigos 130 e 420, parágrafo único, ambos do CPC ao não conceder impor ao recorrido, em sede de antecipação da tutela, a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados na inicial. 2. Contudo, foi com base nas especificidades do caso concreto que o Tribunal a quo asseverou que, antes de impor ao Estado a obrigação de fornecer os fármacos pedidos pelo recorrente, é necessária a realização de um laudo pericial indicando a necessidade do medicamento indicado por médico particular. [...] (AgRg no AREsp 39.368/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011) 16 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO - 1ª REGIÃO IV – DOS PEDIDOS Ante o exposto, a União postula que: (i) A inicial seja declarada inepta, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito; (ii) Seja reconhecida a ilegitimidade da União para figurar no polo passivo do feito; (iii) Seja reconhecida a falta de interesse de agir em relação ao medicamento RIBAVIRINA; (iv) No mérito, seja indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, por estarem ausentes seus requisitos. Nestes termos, pede deferimento. Brasília, 30 de maio de 2014. BERNARDO CAMACHO MARTINS COSTA Advogado da União PRU/1ª Região 17