O Predomínio da Política Monetária sobre a

Propaganda
Tema II
Tópicos Especiais de Finanças Públicas
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Menção Honrosa
Mariana de Lourdes Moreira Lopes *
O Predomínio da Política Monetária sobre a
Política Fiscal: uma crítica pós-keynesiana
* Doutora em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Analista de Finanças e Controle da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN).
Agradecimentos
À professora Maria de Lourdes Rollemberg Mollo pela atenção, paciência e amizade dedicadas ao longo desses anos, que, como poucos, incorpora o verdadeiro
sentido da palavra orientador. Ao amigo Fabiano Colbano, absolutamente determinante na elaboração deste trabalho, em particular nas discussões econométricas. Aos colegas da Secretaria do Tesouro Nacional, em especial, Otávio Ladeira
de Medeiros e Rodrigo Cabral, pela compreensão e amizade durante todos esses
anos. Ao meu noivo, Daniel, pelo constante apoio e amor e que sempre esteve
presente suportando minhas ansiedades.
Resumo
As diferentes visões de economistas ortodoxos e heterodoxos acerca da política econômica decorrem fundamentalmente de concepções diversas acerca do
papel do Estado e da importância da moeda. Estas podem ser descritas considerando acordos e desacordos sobre a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), em
função dos seus supostos de neutralidade e exogeneidade da moeda, e explicam
diferentes prescrições de política econômica. A aceitação de tais supostos e a
ideia relacionada do Estado como regulador econômico ineficiente estão na base
das concepções da política ortodoxa e conduzem, em última instância, ao privilégio da política monetária sobre as demais políticas. Por um lado, o argumento de neutralidade da moeda nega à política monetária um papel estimulante de
forma permanente da economia. Por outro lado, a exogeneidade da moeda torna
a inflação uma responsabilidade do governo. Finalmente, a discricionariedade
da política fiscal é vista de forma negativa, dado que o papel do Estado como
alocador de recursos é entendido como ineficiente. Essas percepções ortodoxas
é que levam ao privilégio da política monetária (de controle da inflação) sobre a
política fiscal. Este trabalho discute e critica essa concepção ortodoxa do ponto
de vista pós-keynesiano. Nossa crítica começa mostrando como a política fiscal
foi, ao longo dos anos, cada vez mais sendo vista de forma negativa na literatura
econômica dominante, num processo de “ortodoxização” da análise da política
fiscal. Mostramos como a visão pós-keynesiana, ao contrário, atribuía a ela virtudes negadas pela ortodoxia e justificamos as conclusões diferentes com base
nas percepções contrárias da moeda e do papel do Estado. Tendo em vista essa
discussão teórica geral, confrontamos as duas posições no Brasil considerando o
debate sobre a zeragem do déficit fiscal. Destacamos, em primeiro lugar, como o
debate reproduz os traços ortodoxos e heterodoxos das concepções da moeda e
do papel do Estado. Em seguida, fazemos uma análise econométrica amparada na
metodologia dos Vetores Autorregressivos (VAR) sobre os argumentos ortodoxos
e heterodoxos, buscando nos dados brasileiros elementos que os fortaleçam ou
enfraqueçam. Os resultados mostram ausência de relação significativa entre aumento do superávit primário e redução da taxa de juros Selic, tornando discutível
a prescrição ortodoxa de ampliar o primeiro para, via aumento da credibilidade,
reduzir as taxas de juros. De forma pós-keynesiana, outros resultados mostram
que a redução da taxa de juros teria impactos positivos sobre a zeragem do déficit,
podendo inclusive ampliar o superávit primário via crescimento do PIB e da arrecadação. O trabalho conclui, assim, a crítica pós-keynesiana ao predomínio da
política monetária sobre a política fiscal, mostrando que, diferentemente do que
pensam os ortodoxos, não é a política fiscal que restringe a eficácia da política
monetária, mas é a política monetária de taxas de juros altas que cria problemas
para a administração do déficit fiscal no Brasil.
Palavras-chave: política monetária; política fiscal; déficit fiscal.
Sumário
1 Introdução, 9
2 A relação entre as políticas fiscal e monetária na ortodoxia: uma crítica pós-keynesiana, 10
2.1 A percepção de Keynes da política fiscal, 10
2.2 A progressiva “ortodoxização” da política fiscal na concepção dominante, 16
2.3 O papel do Estado e a questão da discricionariedade, 23
3 Déficit fiscal e taxa de juros na concepção ortodoxa: uma crítica pós-keynesiana, 29
3.1 A questão da credibilidade e sua relação com a discricionariedade, 30
3.2 O debate sobre a redução do déficit nominal, 35
3.3 Uma ilustração do debate sobre o déficit fiscal no Brasil, 40
4 Sumário e conclusões, 63
Referências, 66
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Lista de tabelas
Tabela 1 – Teste de raiz unitária (jan./1999 a jul./2008), 42
Tabela 2 – Seleção do melhor modelo para estimação do VAR, 43
Tabela 3 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(Embi_BR), 44
Tabela 4 – Decomposição da variância – D(Embi_BR), 45
Tabela 5 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(Selic), 45
Tabela 6 – Decomposição da variância – D(Selic), 46
Tabela 7 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(DLSP), 47
Tabela 8 – Decomposição da variância – D(DLSP), 47
Tabela 9 – Teste
de causalidade no sentido de
nominal),
48
Granger – Variável
dependente:
D(resultado
dependente:
D(resultado
Tabela 10 – Decomposição da variância – D(resultado nominal), 48
Tabela 11 – Teste
de causalidade no sentido de
primário),
49
Granger – Variável
Tabela 12 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(PIB), 49
Tabela 13 – Decomposição da variância – D(PIB), 50
Tabela 14 – Teste de raiz unitária (jul./2000 a jul./2008), 53
Tabela 15 – Seleção do melhor modelo para estimação do VAR, 54
Tabela 16 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(PIB), 55
Tabela 17 – Decomposição da variância – D(PIB), 55
Tabela 18 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(gastos), 55
Tabela 19 – Decomposição da variância – D(gastos), 56
Tabela 20 – Teste
de causalidade no sentido de
nominal),
56
Granger – Variável
dependente:
D(resultado
Tabela 21 – Decomposição da variância – D(resultado nominal), 56
Tabela 22 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(Selic), 57
Tabela 23 – Decomposição da variância – D(Selic), 57
Tabela 24 – Seleção do melhor modelo para estimação do VAR, 60
Tabela 25 – Teste de causalidade no sentido de Granger – Variável dependente: D(arrecadação), 61
Tabela 26 – Decomposição da variância – D(arrecadação), 61
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
7
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Lista de figuras
Figura 1 – Funções impulso-resposta – choques no resultado primário, 51
Figura 2 – Funções impulso-resposta acumuladas – choques no resultado primário, 52
Figura 3 – Funções impulso-resposta – choques nos gastos, 58
Figura 4 – Funções impulso-resposta acumuladas – choques nos gastos, 58
Figura 5 – Funções impulso-resposta – choques na taxa de juros (Selic), 59
Figura 6 – Funções impulso-resposta acumuladas – choques na taxa de juros (Selic), 60
Figura 7 – Funções impulso-resposta – choques no PIB, 62
Figura 8 – Funções impulso-resposta acumuladas – choques no PIB, 62
8
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
1 Introdução
As discussões sobre quais objetivos a política econômica deve perseguir e
como esta deve ser conduzida dividem opiniões, sendo objeto de controvérsias teóricas e de prescrições de medidas. Em parte, essas opiniões dependem das diferentes
concepções de Estado ou do papel econômico que o Estado deve cumprir. Para os
ortodoxos liberais, o mercado é um regulador eficiente e cabe ao Estado um papel
menor, de mero guardião da economia. Mais que isso: a intervenção estatal é vista
como ineficiente e, por isso, precisa ser limitada. Do lado oposto a essa percepção
está o pensamento pós-keynesiano, que concebe a economia como instável, em vista
da incerteza, e atribui ao Estado um papel importante na redução dessa instabilidade.
Além das controvérsias em relação ao papel do Estado, muitas das divergências de opiniões entre os economistas decorrem de concepções monetárias
sensivelmente distintas. Essas diferentes concepções podem ser descritas considerando acordos e desacordos sobre a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM),
principalmente com relação às ideias de neutralidade e exogeneidade que separam os autores ortodoxos (seus defensores) dos heterodoxos. Esses desacordos
estão refletidos no privilégio da política monetária para a ortodoxia, ou seja, na
subordinação das demais políticas, particularmente da política fiscal à política
monetária, tida por estes teóricos como a mais importante. Esse debate será retomado a partir do exame das discussões sobre a zeragem do déficit nominal no
Brasil, contrapondo à posição ortodoxa o pensamento keynesiano.
Com essa finalidade, o trabalho é constituído de duas seções. Na seção 2 é
examinada a evolução histórica do pensamento ortodoxo sobre a política fiscal
como instrumento para estimular a demanda (tal como prescrito pelos pós-keynesianos). Mostramos como desde o início dos anos 1970 a política fiscal vem
sendo preterida, influenciada por argumentos cada vez mais ligados à ortodoxia.
A seção também detalha a controvérsia sobre o papel do Estado, que se encontra
refletida nas discordâncias sobre a discricionariedade e a importância da política
fiscal, destacando sua relevância no pensamento pós-keynesiano e usando esses
argumentos para criticar a ortodoxia.
A seção 3 mostra como o debate entre ortodoxia e heterodoxia, no que se
refere ao déficit fiscal e à taxa de juros, se apresenta na discussão de zeragem do
déficit nominal, destacando como o debate reproduz os traços ortodoxos e heterodoxos das concepções de moeda e do papel do Estado, criticando do ponto de
vista pós-keynesiano.
Nosso intuito é mostrar que, partindo de uma noção de Estado ineficiente e
nocivo, a política fiscal, mais discricionária, é colocada pela ortodoxia a reboque
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
9
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
da política monetária – ela mesma uma não política, uma vez que restringe o
papel do Estado ao cumprimento de regras. Nossa visão pós-keynesiana, porém,
pede um Estado discricionário e o faz não porque desvaloriza a estabilidade de
preços, como por vezes se argumenta, nem porque não se preocupa com a dívida
pública, mas porque não aceita que estes sejam resultados necessários para garantia de emprego com estabilidade de preços e finanças públicas sustentáveis. Uma
análise econométrica ilustra nossa posição neste trabalho.
2 A relação entre as políticas fiscal e monetária
na ortodoxia: uma crítica pós-keynesiana
2.1 A percepção de Keynes da política fiscal
Um ponto de partida natural para uma análise da literatura teórica acerca
da política fiscal é a abordagem keynesiana. Pode-se dizer que nos anos que se
seguiram à Segunda Guerra Mundial a política fiscal foi amparada pela teoria
keynesiana, que lhe deu um status teórico até então inexistente. Antes mesmo,
em 1936, em sua obra intitulada A teoria geral do emprego, do juro e da moeda,
Keynes propôs o uso dos gastos e das receitas do governo como meio de influenciar, positivamente, o nível de atividade econômica nas economias de mercado.
A teoria macroeconômica de Keynes teve grande impacto à época e, pouco
depois, tornou-se hegemônica no meio acadêmico e entre gestores de política
econômica (HERMANN, 2006). Pode-se dizer que grande parte das políticas fiscais expansionistas do período do pós-guerra se inspirava na prescrição de Keynes sobre a necessidade de o governo intervir de forma ativa na economia para
manter a demanda agregada (demanda efetiva) em períodos de maior incerteza,
quando os agentes privados revelam maior preferência pela liquidez e retraem
seus próprios investimentos.
A ideia é que a preferência pela liquidez, sempre presente na análise de
Keynes, representa um “vazamento” da corrente de gastos, suprimindo a demanda efetiva e, dessa forma, inibindo o investimento e a atividade econômica. Tal
comportamento, por sua vez, justifica-se pela incerteza inerente às economias de
mercado, caracterizadas pela ausência de mecanismos de coordenação das decisões individuais de consumo, poupança e investimento (HERMANN, 2006).
Segundo Davidson (1991, p. 75):
10
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Government can foster conditions which reduce uncertainties in financial
matters, and it can act as an offset to limit, if not completely prevent, the
dreadful consequences of antisocial economic behavior. When the private
sector becomes too desirous of liquidity to promote full employment, the
government can create the liquid assets necessary to quench desires while
still encouraging full employment.
Observe-se, porém, que se a preferência pela liquidez for grande é possível
que a injeção de recursos líquidos pela política monetária não consiga estimular
a demanda, porque tais recursos serão retidos. Assim, a política fiscal coloca-se
como ferramenta mais adequada. O governo cria, ele mesmo, a demanda desejada, interferindo, dessa forma, nas expectativas dos agentes privados e estimulando-os, então, a investir e a aumentar renda e emprego.
A incerteza, para Keynes, é o fator que abre espaço para uma maior intervenção do Estado na economia, pois dela deriva a incapacidade das economias monetárias de assegurar o pleno emprego. Além disso, somente o Estado pode reduzir a
incerteza presente na economia devido ao seu poder centralizador de informações,
mobilizador de recursos e influenciador da demanda efetiva, o que garante a possibilidade de o Estado desempenhar seu papel eficientemente. Por isso, Keynes
(1982b, p. 135) afirma que “espera ver o Estado assumir uma responsabilidade
cada vez maior na organização direta dos investimentos”. A ação do Estado deve
ser no sentido de criar um ambiente macroeconômico favorável aos investimentos
privados, regulando o ritmo dos investimentos para compensar a incapacidade da
demanda privada de sustentar a demanda agregada no nível de pleno emprego resultante das decisões tomadas pelos agentes privados num ambiente de incerteza.
Novamente, nas palavras de Davidson (1991, p.73-74):
It is true that if the economic future is never completely predictable, then
there is no basis for believing that government will always make better
judgements (less errors) regarding future economic events and needs than
individuals in the private sector. Government can, however, take a longer
view of the needs of the community, whereas individuals in the private
sector are more likely to be motivated by opportunity for a quick profit.
Consequently, there can be a role for ‘the public authority….(to) play a
decisive part in determining the scale of investment operations’ in longterm projects in which the community agrees that there are prospective
social advantages, even if there does not appear to be sufficiently quick
profits to encourage investment by the private sector.
Keynes (1980, p. 322) argumenta que uma socialização ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emFinanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
11
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
prego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de
toda espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Essa
concepção de Keynes tem por base teórica a ideia de que as flutuações do investimento determinam o nível de atividade, e a maior estabilidade do investimento é
o principal objetivo de política econômica. Consequentemente, o Estado tem um
papel crucial:
If two thirds or three-quarters of total investment is carried out or can
be influenced by public or semi-public bodies, a long-term programme
of stable character should be capable of reducing the potential range of
fluctuations to much narrower limits than formerly, when smaller volume
of investment was under public control and when even this part tended to
follow, rather than correct, fluctuations of the investment in strictly private sector of the economy.
Keynes, no entanto, propôs que a administração da política fiscal fosse realizada por meio de duas esferas: i) o orçamento corrente e ii) o orçamento de capital. O orçamento corrente representa os gastos de consumo correntes do governo
e deve estar preferencialmente equilibrado. O orçamento de capital refere-se aos
projetos de investimento do governo e deve ser equilibrado no longo prazo com
os próprios recursos que se espera obter com a execução plena dos projetos. A
manutenção da economia na trajetória de crescimento visando ao pleno emprego
deveria ser sustentada, principalmente pelos gastos de capital.
The budget should be divided into a ‘capital’ and current budget: the ‘capital budget’ should be balanced in the long term but may be adjusted to
offset exogenous cyclical changes, the current budget may as a last resort
show surpluses or deficits to offset short-term failure of the capital budget
but also be balanced over the long-term (KREGEL, 1985, p. 38).
Em outras palavras, Keynes sugeriu, então, um orçamento voltado para as
necessidades correntes e outro destinado à estabilização do nível de emprego. Além
disso, ele recomendou que o primeiro tipo de orçamento, o corrente, estivesse equilibrado no longo prazo. Déficits seriam aceitáveis somente em última instância e de
forma provisória, ou então em situações excepcionais. Na visão keynesiana, déficits
deveriam ser evitados, entretanto o mais importante seria evitar o desemprego, que
poderia ser atenuado se utilizando até mesmo do orçamento voltado para atender às
despesas correntes. Nas palavras do próprio Keynes (1980, p. 352):
The capital budget will be a necessary ingredient in this exposition of
the prospects of investment […] This is a very major change in the pre-
12
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
sentation of our affairs […] on which I greatly hope we shall adopt. It
has nothing whatever to do whit deficit financing. Quite apart from this
is the proposal that if, for one reason or another, the volume of planned
investment fails to produce equilibrium, the lack of balance would met
by unbalancing one way or the other the current Budget. Admittedly this
would be a last resort, only to come into play if the machinery of capital
budgeting had broken down.
Na verdade, para Keynes, o elemento fundamental da política fiscal é o
gasto público, especialmente em investimentos, e não, necessariamente, o déficit
(HERMANN, 2006). Por isso, Kregel (1985, p. 33) afirma que “the stabilization
of investiment was Keyne’s primary policy goal”. O esperado seria que as políticas de gastos fossem bem-sucedidas em criar um ambiente seguro para o investimento em capital fixo, com renda crescente, visto que isso geraria arrecadação
tributária suficiente para financiar a política fiscal contracíclica de investimentos
públicos. Mais que isso: a renda crescente influenciaria as expectativas dos agentes, que passariam também a investir. Assim, seria possível obter redução de desemprego evitando déficit fiscal.
Keynes via, portanto, os déficits orçamentários como aceitáveis em função
das falhas no objetivo de alcançar uma trajetória estável de crescimento com pleno emprego. Assim, tentativas de equilibrar o orçamento em uma recessão podem
não reduzir o desemprego nem ser capazes de alcançar seu objetivo equilibrista.
Nesses casos, déficits públicos seriam aceitos (KREGEL, 1985).
Dessa forma, na concepção de Keynes, déficits eram considerados recursos transitórios, e a existência de um déficit orçamentário sistemático era a demonstração do fracasso das políticas para manter o crescimento da renda nacional
compatível com o pleno emprego. No entanto, as medidas de reequilíbrio do orçamento em situação de desemprego maciço só agravariam a situação. Nas palavras
de Cláudio Contador, na apresentação da edição brasileira de A teoria geral do
emprego, do juro e da moeda (KEYNES,1982b, p. 13):
O equilíbrio no orçamento fiscal tão recomendado pelos economistas
clássicos seria outro elemento a agravar as recessões. Keynes lembra que
a queda na receita de impostos, motivada pela retração da renda, exige
cortes nos gastos e investimentos públicos, que, por sua vez, agravam a
recessão. A austeridade orçamentária tão perseguida pelos governos responsáveis deveria ser encarada, na verdade, como um fator exacerbador
das flutuações cíclicas. Um governo responsável e consciente deveria
preocupar-se não só com o equilíbrio fiscal, mas com o desemprego. Um
déficit, desde que resultante de aumento nos gastos públicos, seria algo
desejável para retirar a economia da recessão.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
13
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Keynes propunha, num cenário de recessão, um aumento nos gastos e nos
empréstimos públicos, como forma de compensar os fracos investimentos privados, uma vez que o objetivo principal da política fiscal deveria ser impedir grandes flutuações do nível de emprego com um programa de estabilização de longo
prazo baseado nos gastos do orçamento de capital. Se este fosse bem-sucedido,
não deveria ser difícil amainar pequenas flutuações aumentando ou reduzindo
gastos com alguns itens desse programa de longo prazo (KEYNES, 1980, p. 322).
Nos períodos de recessão da atividade econômica, caberia ao governo ampliar
seus gastos em investimento, expandindo a demanda agregada no curto prazo e,
no médio prazo, contribuindo para a melhora das expectativas de lucro das empresas, motivando, assim, a recuperação dos investimentos privados:
Of course, any increase in government spending and/or tax cuts will
force the government to increase its borrowing, thereby, enlarging the
government’s deficit and expanding the National Debt […] In either case,
therefore, the augmented National Debt will be associated with increase
in total demand for the products of business firms. If such government
‘deficits’ are undertaken on a proper scale in any given recessionary circumstances, this can generate sufficient profit opportunities to encourage
businessmen to expand production and employ idle machinery and unemployed workers (DAVIDSON, 1991, p. 77).
A política fiscal também poderia ser usada como instrumento de distribuição
de renda, ou seja, de forma discricionária, potencializando o efeito multiplicador
dos gastos públicos por meio da tributação dos mais ricos e das transferências fiscais para as camadas da população com maior propensão a consumir. Isso, por um
lado, amplia o efeito multiplicador do investimento. Por outro, claramente é também um estímulo aos investimentos privados, uma vez que influi positivamente
sobre suas expectativas de ganhos com o aumento do consumo. Além disso, Keynes (1982b, p. 284) percebe a concentração de renda como problemática, ao dizer
que “os dois principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são a
sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual
distribuição da riqueza e das rendas”.
Keynes (1980, p. 320) opunha-se a políticas fiscais rotuladas de keynesianas e que produziriam aumento no consumo por meio apenas de redução de tributação. Dizia ele que: “A remission of taxation on which people could rely only
for an indefinitely short period might have very limited effect in stimulating their
consumption”. Essa é outra forma de justificar a necessidade, mesmo que de forma transitória, de déficits.
O importante, porém, para Keynes (1980, p. 322), era garantir investimentos e crescimento mais estáveis para que assim o desemprego fosse reduzido e o
14
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
déficit orçamentário fosse uma política transitória, uma vez que: “[...] the main
task should be to prevent large fluctuations by a stable long-term programme. If
this is successful it should not be too difficult to offset small fluctuations by expediting or retarding some items in the long-term programme”.
O ideal deveria ser o Estado assegurar programas de investimento estáveis
de longo prazo que implicassem utilizar não menos que 7½ % e não mais de que
20% do rendimento líquido nacional, que seria expresso por meio de um orçamento de capital equilibrado no longo prazo, separado do orçamento corrente:
It is important to emphasise that this is no part of the purpose of the Exchequer or the Public Capital Budget to facilitate deficit financing, as I
understand the term. On the contrary, the purpose is to present a sharp
distinction between the policy of collecting taxes less than the current
non-capital expenditure of the State as a means of stimulating consumption and the policy of the Treasury‘s influencing public capital expenditure as a means of stimulating investment. There is time and occasions
for each of the policies: but they are essentially different and each, to the
extent that it is applied, operates as an alternative to the other (KEYNES,
1980, p. 406).
Observe-se que tais necessidades de políticas, bem como a escolha destas,
implicam discricionariedade pelos governos. É o pequeno crescimento do produto ou problemas nesse crescimento que conduzem aos déficits, por impedirem
que a tributação cresça suficientemente para cobrir os gastos governamentais. Daí
porque Keynes (1982a, p. 337) diz:
Depression is itself the cause of government deficit, resulting from increased expenditure on the support of the unemployed and the falling-off in
the yield of taxation. Public debt is inevitable at the time when private
expenditure is inadequade: it is better to incur it actively in providing
employment and promoting industrial activity than to suffer it passively
as a consequence of poverty and inactivity.
Essa frase indica bem a percepção de “necessidade” de déficits para evitar
flutuações no investimento e no emprego. Permite ver também a importância da
arrecadação estimulada com o crescimento para evitar desequilíbrio a longo prazo.
Hermann (2006) destaca que Keynes propunha uma atuação preventiva da
política fiscal (assim como da política monetária), e não corretiva, uma vez que
o objetivo da política fiscal deve ser evitar a deficiência de demanda efetiva, e
não compensá-la a posteriori. Nesse sentido, a função do orçamento de capital
seria fornecer ao governo e ao setor privado um plano de investimentos com
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
15
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
as respectivas previsões de financiamento, a ser acionado tão logo surgissem
indicadores de deficiência de demanda efetiva.
Assim, a execução do orçamento de capital seria administrada de forma
contingente e, dependendo da magnitude dos investimentos necessários a cada
período, quando seu fundo de financiamento seria complementado com a emissão de dívida pública. Dessa forma, uma política fiscal baseada em déficits seria
recomendada quando a arrecadação ficasse comprometida e a necessidade de execução de investimentos públicos pudesse superar a disponibilidade de recursos
próprios do governo. A sustentabilidade financeira do governo, ou o pagamento
da dívida, por sua vez, estaria garantida pelo aumento do crescimento do produto
e, consequentemente, da arrecadação.
2.2 A progressiva “ortodoxização” da política fiscal na concepção dominante
Inteiramente diferente é a percepção ortodoxa da política fiscal, tanto no que
se refere a sua eficácia quanto no que tange às consequências do seu financiamento.
No início da década de 1970, o primeiro choque do petróleo e o rompimento
do sistema de Bretton Woods (ambos em 1973) levaram a um cenário econômico
mundial de instabilidade, marcado pela presença simultânea de inflação e desemprego. A coexistência de inflação, de desemprego e de déficits públicos nos
anos 1970 levou a ortodoxia econômica a criticar o uso do ativismo fiscal como
instrumento de estabilização da demanda. Nas críticas dos monetaristas, comandados por Friedman e, a partir da década de 1970, pelos economistas da escola
novo-clássica, atacavam-se especialmente os efeitos colaterais do déficit público
– o que questionava sua conveniência – e, em função deles, a sustentabilidade
política e macroeconômica de seus resultados – colocando em xeque a eficácia da
política fiscal keynesiana. Tais efeitos colaterais seriam a inflação e as distorções
de preços que regem o mercado.
Verificou-se, então, um “abandono” do receituário keynesiano, e pode-se
dizer que a visão acerca da política fiscal passou por uma certa “ortodoxização”.
Essa “ortodoxização” da política fiscal tem como pilar teórico a ideia de “restrição orçamentária intertemporal” do governo, expressa em trabalhos como os de
Barro (1974; 1979), que impulsionaram a crítica aos modelos de inspiração keynesiana e abriram campo ao domínio das expectativas racionais e, em particular,
da escola novo-clássica.
De fato, no plano da política fiscal, a mais difundida crítica à abordagem
keynesiana é o modelo da equivalência ricardiana, proposto por Barro (1974), em
linha com a escola novo-clássica. Nesse modelo, também conhecido como mo-
16
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
delo de suavização dos impostos (tax smoothing), o autor busca explicar o déficit
como a forma encontrada pelo governo de minimizar as distorções associadas a
variações na tributação. Observe-se que o déficit é visto como forma de financiar
gastos do governo sem que estes sejam vistos como promotores de benefícios,
como seria o caso na visão pós-keynesiana.
Parte-se de uma economia fechada sem capital na qual o agente representativo (que consome, trabalha e poupa) tem sua função de utilidade maximizada
pelo governo, um planejador, no caso, visto como benevolente. Com o objetivo
de financiar o gasto público, o governo tributa a renda do trabalhador, um imposto distorcivo, pois afeta a oferta de trabalho, e o resultado ótimo é uma alíquota
constante para o imposto. O governo, desse modo, incorre em déficits nos períodos de maior gasto e acumula dívida para evitar o aumento das distorções provenientes da oscilação da política fiscal. A contrapartida vem nos períodos de menor
gasto, nos quais se acumulam superávits.
Observe-se aqui que, para esses autores, os gastos do governo não conseguem ter impactos duradouros sobre o crescimento econômico, diferentemente
do que dizia Keynes, ou não haveria razão para que carga tributária maior fosse
esperada. Ou seja, se o crescimento do produto fosse o resultado do estímulo
fornecido pelos gastos do governo, estimulando, por exemplo, investimentos privados, uma mesma carga tributária e mesmas alíquotas proporcionariam maior
arrecadação e, então, cobririam o déficit.
De fato, para Barro (1974), dívida pública e impostos são fontes de financiamento alternativas para os gastos governamentais. A criação de um passivo
por meio da emissão de títulos públicos deve ser eventualmente enfrentada pelo
recolhimento de impostos da população. Sob condições ideais, a escolha de um
ou outro mecanismo de financiamento não teria efeito algum sobre o comportamento dos agentes. Não só a composição da dívida seria neutra do ponto de vista
do bem-estar social, como a própria escolha entre impostos e dívida para o financiamento das despesas governamentais seria indiferente. Isso porque os agentes
sabem que dívidas hoje corresponderão a maior tributação no futuro. Essa é a
chamada equivalência ricardiana, sempre presente nas análises desse autor.
Quanto aos gastos privados, segundo Barro (1974), seu objetivo ao propor
a equivalência ricardiana era questionar o efeito riqueza. Esse efeito refere-se à
hipótese de que a elevação da taxa de juros, resultado do financiamento do déficit
via títulos, torna os agentes mais ricos e, portanto, estes elevam seus gastos, produzindo, assim, efeitos reais sobre a economia.
Ao contrário, para a visão ortodoxa, o princípio da equivalência ricardiana
mostra que os agentes não reagem ao aumento nas taxas de juros porque sabem
que no futuro a autoridade fiscal deverá aumentar os impostos para resgatar os
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
17
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
títulos emitidos no presente. Assim, a compra de títulos no presente representaria uma poupança que os agentes realizariam para pagar impostos no futuro.
Observe-se já aqui que os argumentos usados para efeitos reais na economia são
relacionados com aumentos de consumo que, para Keynes, são menos importantes do que os impactos sobre investimento (CHICK, 2000).
Hermann (2006) ressalta que a equivalência macroeconômica entre dívida e
impostos (isto é, a equivalência ricardiana) é justificada considerando duas hipóteses básicas de comportamento dos agentes privados. A primeira é que vale o modelo de expectativas racionais, segundo o qual os agentes formulam suas expectativas
com relação a variáveis econômicas utilizando todas as informações disponíveis
e interpretando essas informações de acordo com modelos teóricos “corretos”,1 e
o erro sistemático de interpretação é visto como um sinal de irracionalidade. E a
segunda é que vale o modelo do ciclo de vida, segundo o qual os agentes definem
a distribuição de sua renda entre consumo e poupança visando a manter um padrão
estável de consumo ao longo da vida, apesar das variações correntes da renda disponível. Note-se que se o modelo antecipado pelos agentes for o keynesiano, os
argumentos das expectativas racionais não levam ao esperado pelos ortodoxos, uma
vez que os agentes esperariam ganhos futuros reais e duradouros com aumentos do
investimento e do consumo estimulados pelos gastos do governo.
Como o aumento das taxas de juros, conforme Barro, não tem efeito riqueza,
o déficit público não traria, portanto, qualquer benefício em termos de crescimento
econômico, tendo, ao contrário, um impacto negativo sobre o bem-estar da sociedade, representado pelo ônus da dívida a ser paga pelas gerações futuras. Daí a recomendação de uma política fiscal de permanente equilíbrio orçamentário. De forma
geral, portanto, a argumentação ortodoxa tem como base teórica a ideia de restrição
orçamentária intertemporal do governo nas recomendações para a política fiscal.
De fato, o pensamento ortodoxo com relação à política fiscal está fortemente ligado ao papel do Estado, visto como nocivo por esses teóricos. A partir daí o
pensamento liberal e o neoliberal desenvolvem-se argumentando que o respeito
ao comportamento individual tende a garantir o pleno emprego e a alocação mais
eficiente dos recursos (MOLLO, 1996).
Os desequilíbrios são meramente transitórios e temporários, e qualquer desemprego resultante desses desequilíbrios tende a ser eliminado por meio do eficiente mecanismo de preços. Portanto, não cabe ao Estado implementar qualquer
medida de política econômica orientada para a solução do desemprego, devendo
ele adotar uma postura passiva diante do sistema econômico.
1O modelo considerado “correto”, cujos resultados são antecipados pelos agentes, segundo os teóricos das expectativas
racionais, são sempre os ortodoxos. Para Mollo (2003, p. 335), “a ideia de neutralidade é o resultado da concepção de
que os agentes econômicos têm expectativas racionais, definidas como aquelas que antecipam o resultado do modelo
econômico relevante, este último sendo exatamente o que aceita as conclusões da Teoria Quantitativa da Moeda”.
18
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a abordagem das expectativas racionais dos novos clássicos incorporou outros elementos à discussão teórica, entre eles está o da dominância fiscal. Essa abordagem percebe a política fiscal
além de, como vimos, ineficiente para estimular o crescimento econômico, como
queria Keynes, como responsável também pelos problemas enfrentados pela política monetária para garantir a estabilização de preços. Nas palavras de Carneiro e
Wu (2005, p. 4): “Em termos mais gerais, ‘dominância fiscal’ caracteriza uma situação na qual a inflação pode ser atribuída essencialmente aos distúrbios fiscais,
e não aos descontroles monetários”.
Além do debate sobre a curva de Phillips vertical negar a durabilidade de
impactos da política monetária sobre o crescimento, o argumento de “dominância
fiscal” vê a política fiscal responsável pelo insucesso das políticas monetárias
contracionistas ao ampliar a inflação. A ideia é então de que os déficits públicos
não “cobertos” por arrecadação e a dívida pública consequente pressionam para
cima a inflação, o que conduz a aumentos das taxas de juros buscando controlar
esta última.
Diversas maneiras foram utilizadas para modelar o problema da “dominância fiscal”, que encontra sua origem no trabalho de Sargent e Wallace (1981)
intitulado Desagradável aritmética monetarista. Em última análise, porém, todas
dizem respeito a um comportamento dominante da autoridade fiscal vis-à-vis o
uso de instrumentos de política monetária e analisam o efeito perverso de uma
política fiscal sobre a política monetária em um contexto de dominância fiscal.
Sargent e Wallace (1981) destacam que caso a autoridade fiscal realize sua
política independentemente dos objetivos perseguidos pela autoridade monetária,
emergirá uma situação na qual a autoridade monetária será obrigada a lançar mão
de receita de senhoriagem suficiente para compensar o excesso de gastos, bem como
tolerar uma maior taxa de inflação, conforme afirma De Mendonça (2006, p. 27):
Sob esta interpretação, a autoridade fiscal define os déficits e superávits
no presente e no futuro sem consultar a autoridade monetária, e, portanto,
determina o montante de receita provinda da venda de títulos e senhoriagem. Neste caso, a autoridade monetária diante de uma restrição imposta
pela demanda por títulos do governo tende a financiar, via senhoriagem,
o restante da receita necessária para satisfazer a demanda da autoridade
fiscal. Sob esta perspectiva, há a tendência de que o responsável pela
política não mantenha o equilíbrio fiscal devido à expectativa de que o
banco central garantirá os recursos necessários para satisfazer os gastos
realizados. Assim sendo, o provável resultado de uma dominância fiscal é
o aumento do déficit em decorrência da elevação dos gastos e da taxa de
inflação proveniente da emissão monetária pelo banco central.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
19
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
O déficit fiscal poderia não somente ser financiado por meio da emissão
de moeda, mas também via emissão de títulos de dívida. Contudo, há um limite
de endividamento. Assim, em certo momento futuro, o financiamento do déficit
fiscal deverá recorrer à expansão monetária, e a antecipação desse comportamento dos agentes econômicos já teria impactos no presente. Assim, a situação de
“dominância fiscal” ficaria estabelecida, mesmo que a autoridade fiscal apenas
apresentasse comportamento dominante em algum momento futuro, mas não necessariamente no presente.
Para Sargent e Wallace (1981), o controle intertemporal da política fiscal é
a âncora da política monetária e peça central da política macroeconômica comprometida com a luta contra a inflação. O ponto fundamental desses autores para
avaliar se a autoridade monetária será capaz de controlar de forma permanente a
inflação concentra-se na demanda por títulos do governo. No caso de a demanda
por títulos implicar uma taxa de juros que remunere os títulos acima da taxa de
crescimento da economia e a autoridade fiscal incorrer em déficits, a autoridade
monetária perde a capacidade de definir a taxa de inflação:
Under the second coordination scheme, where the monetary authority
faces the constrains imposed by the demand for government bonds, the
form of this demand is important in determining whether or not the
monetary authority can control inflation permanently. In particular, suppose that the demand for government bonds implies an interest rate
on bonds greater than the economy’s rate growth. Then, if the fiscal
authority run deficits, the monetary authority is unable to control either the growth rate of monetary base or inflation forever” (SARGENT;
WALLACE, 1981, p. 2).
A análise da interação entre a política monetária e a fiscal ganhou, portanto, destaque nesta abordagem recente. Os argumentos apontam grande consenso
em torno da obrigatoriedade de manter o ajuste da política fiscal como forma
de garantir a efetividade da política monetária, uma vez que “an unsustainable
fiscal policy may hinder the effectiveness of monetary policy, to the point that
an increase in interest rates can have a perverse effect on inflation” (FÁVERO;
GIAVAZZI, 2003, p. 13).
A ação firme da autoridade monetária leva à adoção de uma política fiscal
consistente com os objetivos da política monetária, sem a qual não é viável manter o combate à inflação. Sargent (1999, p. 1476) afirma:“With a tight fiscal policy
that hands the monetary authority a small portfolio of government debt to manage, it is easy to run a noninflationary monetary policy; but under a persistent deficit-spending policy, it is impossible to run a noninflationary monetary policy”.
20
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
E nas palavras de Mishkin (2000, p. 5) “[...] a government commitment to
price stability also is a commitment to making monetary policy dominant over
fiscal policy, ensuring a better alignment of fiscal policy with monetary policy”.
Uma terceira abordagem relacionada à questão da dominância fiscal é a
Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP),2 em que o efeito de um comportamento
dominante da autoridade fiscal tem origem na falha da equivalência ricardiana.
Os adeptos da Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP) também questionam a
prática baseada na visão monetarista de que o controle inflacionário depende da
evolução da oferta monetária. Sob essa perspectiva, a adoção de um Banco Central independente não bastaria para garantir a estabilidade de preços, sendo também necessária uma política fiscal adequada.
Assim, a estabilidade de preços depende, nesta visão, das condições da política fiscal, ou seja, “unless steps are taken to ensure appropriate fiscal policies,
the goal of price stability may remain elusive no matter how tough and independent the central bank is” (CHRISTIANO; FITZGERALD, 2000, p. 2).
A teoria desenvolvida por autores como Woodford (1998; 2001) argumenta
que a determinação do nível geral de preços é um fenômeno fiscal, e não monetário. O principal ponto enfatizado pela linha de pesquisa da TFNP é que o valor
presente da restrição orçamentária do governo e a política fiscal são fatores decisivos na determinação do nível de preços.
Sob essa interpretação, o nível de preços segue a taxa de crescimento dos
títulos do governo, não possuindo nenhuma relação com a taxa de crescimento
do estoque de moeda e dependendo das condições da política fiscal, conforme
enuncia Woodford (1998, p. 4):
[…] the fiscal consequences of monetary policy decisions are not negligible, even when seignorage revenues make a negligible contribution to the
government budget, because of the effects of price level changes upon the
value of nominal government debt. This means that it is not obvious that
monetary policy decisions can properly be made in complete independence of the government’s fiscal needs.
Embora Sargent e Wallace (1981) e os teóricos adeptos da TFNP pareçam
reconhecer que as políticas monetária e fiscal devem ser selecionadas de forma
coordenada, toda ênfase é dada ao papel da autoridade monetária na tarefa de
“compelir” a autoridade fiscal a ajustar-se sem utilizar a senhoriagem como fonte
atrativa de recursos. Nas palavras de Mishkin (2000, p. 1-2):
2Esta expressão foi cunhada por Woodford (1998; 2001), que em seus trabalhos defende que a estabilidade de preços
requer não apenas ações da autoridade monetária, como também uma política fiscal apropriada.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
21
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
One lesson from the “unpleasant monetarist arithmetic” discussed in Sargent and Wallace (1981) and the recent literature on fiscal theories of the
price level is that irresponsible fiscal policy may make it more difficult for
the monetary authorities to pursue price stability. Large government deficits may put pressure on the monetary authorities to monetize the debt,
thereby producing rapid money growth and inflation. Restraining the fiscal authorities from engaging in excessive deficit financing thus aligns
fiscal policy with monetary policy and makes it easier for the monetary
authorities to keep inflation under control.
Esse tipo de argumento tornou-se potencialmente importante no discurso
ortodoxo sobre a inflação em economias em desenvolvimento. Estas teriam governos menos responsáveis que os dos países desenvolvidos e, por isso, seriam
mais sujeitas à dominância fiscal da política monetária.
No caso brasileiro, alguns autores identificam a dominância fiscal pela impossibilidade de realizar a política monetária em virtude do tamanho da dívida
pública. Uma vez que grande parcela da dívida pública é indexada à taxa básica
de juros, a dominância fiscal dar-se-ia pelo repasse imediato para a dívida do
aumento dessa taxa. O aumento da dívida faz crescer o prêmio do risco Brasil,
induzindo a uma depreciação da taxa de câmbio, com consequente pressão inflacionária. Blanchard (2005) e Fávero e Giavazzi (2005) encontram evidências
desse tipo de dominância fiscal para o Brasil no período pós-Plano Real.
A análise feita até aqui permite relacionar as discussões sobre política fiscal com as conclusões da TQM. Segundo ela, em primeiro lugar, temos que as
impulsões monetárias, como o aumento da oferta de moeda ou do crédito ou dos
gastos públicos, que impliquem aumentos correntes ou futuros de emissão levam
a aumento proporcional no nível de preços ou provocam inflação.
A segunda conclusão que nos interessa aqui mais de perto é que o Estado,
ou por meio da autoridade monetária ou por meio da autoridade fiscal, é o responsável ou o culpado pela inflação. Essa conclusão justifica o uso de regras monetárias, como a meta de inflação, e do Banco Central independente para fugir do viés
inflacionário dos governos, assim como a disciplina fiscal com o mesmo objetivo.
Vimos que o debate se aprofunda ao longo do tempo nessa direção: primeiro
negam-se os impactos da política fiscal sobre o crescimento, centralizando sua
eficácia nas discussões sobre a equivalência ricardiana. Em seguida, conforme
Sargent e Wallace (1981), culpa-se a política fiscal pela dificuldade de controlar
a inflação nas discussões sobre dominância fiscal da política monetária. Isso é
particularmente importante no caso dos países em desenvolvimento, com elevada
dívida pública. Finalmente, esse argumento é contemplado pela TFNP.
22
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Essa evolução indica paralelamente maior ortodoxia no pensamento econômico no que se refere à proposição de um menor papel para o Estado. Num
primeiro momento, a política fiscal, braço por definição discricionário do Estado,
é concebida como ineficiente para estimular o crescimento, negando as proposições de Keynes. Em seguida, além de ineficiente, ela é vista como responsável
pelos insucessos da política monetária de controle de preços, a única concebida
como importante pela ortodoxia. Assim, prioriza-se essa política monetária em
detrimento das demais, em particular em relação à política fiscal, como veremos
com maior detalhe na próxima seção.
Arestis e Sawyer (2005, p. 10) argumentam que no regime de metas de
inflação a política fiscal não é vista como um “poderoso instrumento macroeconômico” e afirmam que “monetay policy has, been upgrade and fiscal policy
has been downgraded”, aliás, como queria Mishkin (2000, p. 5), citado anteriormente. Observe-se, porém, que a política monetária a ser privilegiada é a de
cumprimento de regras preestabelecidas, tirando, ela mesma, poder de manobra
do Estado. Nesse sentido, é uma não política.
O argumento pós-keynesiano, porém, não é de ineficácia da política fiscal e
nem concorda com seus impactos inflacionários. Ao contrário, como vimos, a dívida pública e o déficit nominal não têm por que crescer ou se manter se a política
fiscal expande o produto e a arrecadação.
Vejamos mais detalhadamente a controvérsia sobre o papel do Estado que
se encontra refletida nessas discordâncias sobre a política fiscal.
2.3 O papel do Estado e a questão da discricionariedade
Para os ortodoxos liberais, o mercado é um regulador eficiente, cabendo ao
Estado um papel menor – o de mero guardião da economia. Mais que isso: a intervenção estatal é vista como ineficiente e, por isso, precisa ser limitada. Quanto menos intervenção existir, mais crescimento econômico e melhor alocação de recursos
haverá, proporcionados pelo mercado. Nas palavras de Przeworski (1996, p. 117):
Os neoliberais sustentam que as prescrições para a intervenção estatal
estão baseadas em modelo ingênuo de um Estado onisciente e benevolente. Eles afirmam que a razão pela qual o Estado intervém é a mesma
de qualquer outra ação econômica: o interesse privado de alguém. Assim,
embora o Estado seja necessário para que a economia possa funcionar, ele
pode e de fato causa danos à economia.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
23
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
O Estado, segundo a ortodoxia, só deveria participar daquilo em que comprovadamente seus efeitos benéficos fossem superiores aos problemas criados por suas ações. Os
novos keynesianos incorporaram a impossibilidade de ajuste automático no curto prazo,
que decorre, por sua vez, de falhas de mercado. Nas palavras de Stiglitz (1994, p. 13):
O modelo neoclássico padrão – a articulação formal entre a mão invisível de Adam Smith e a tese de que as economias de mercado garantem a
eficiência econômica – dá poucas orientações para a escolha de sistemas
econômicos, pois, uma vez que as imperfeições da informação (e o fato de
os mercados serem incompletos) são trazidas à análise, como certamente
devem ser, não se pode pressupor que os mercados sejam eficientes.
Essa é a justificativa adotada para explicar a necessidade de intervenções
governamentais que busquem dirimir tais imperfeições. No entanto, esse parece
ser um tema sem convergência na escola novo-keynesiana. Mankiw & Romer
(1989, p. 3) afirmam que: “[…] new keynesian economists do not necessarily
believe that active government policy is desirable”. É Krugman (1991) quem permite melhor entender isso, ao dividir os que consideramos ortodoxos entre aqueles que, como os novos-clássicos, não querem política econômica nem micro nem
macro e aqueles que, como os novos keynesianos, não querem política microeconômica, considerada muito discricionária, mas aceitam política macroeconômica,
como a monetária, pouco discricionária. Com base na concepção novo-clássica,
Krugman (1991, p. 24) afirma: “monetarists and their even more free-marketoriented successors think the government should be as laissez-faire about aggregate demand as it is about supply and demand in individual markets”.
Muitos economistas novos keynesianos utilizam o argumento de Friedman
em favor da existência de defasagens temporais entre a percepção e a consecução
da política. Aqueles que defendem a atuação do governo recomendam uma política que busque apenas remover as imperfeições de mercado, tentando estabilizar a
economia (MANKIW; ROMER, 1989, p. 3; Davidson, 1999, p. 59). Nas palavras
de Krugman (1991, p. 24): “[...] the government should take an active role in
macroeconomic stabilization but otherwise leave markets mostly to themselves”.
Ou: [...] “activism on the macro side, but laissez-faire on the micro side”.
Na verdade, esse tipo de discussão tende a levar à identificação de mecanismos
que permitam compensar as falhas de mercado, fazendo com que o sistema de preços
possa cumprir sua função de forma satisfatória. Trata-se apenas de criar regras e não
de abrir espaço para um novo agente econômico, o Estado (CARVALHO, 1999b).
Assim, no pensamento ortodoxo, a política fiscal deve ser evitada ou banida, porque é a política mais discricionária e requer o braço do Estado (governo)
para tributar, escolher “setores-chaves”, etc. Mas, nessa concepção, o Estado é
24
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
visto como um alocador ineficiente de recursos. Daí o privilégio da política monetária sobre as demais políticas – particularmente a política fiscal – por ser uma
política menos discricionária, uma vez que opera com uma única taxa de juros ou
quantidade de moeda, igual para todos os agentes econômicos.
Além disso, os investimentos realizados pelo governo não teriam resultado
sobre o crescimento econômico, uma vez que todo o investimento gerado pelo governo é fruto de uma arrecadação de impostos. Assim, se por um lado o governo
promove gastos em investimentos, por outro ele toma na mesma proporção, por
meio da arrecadação de impostos futuros, deixando o nível de produto inalterado.
Essa visão ficou conhecida como equivalência ricardiana, já vista anteriormente.
Nesse sentido, a dívida pública emitida para financiar os déficits fiscais representa
uma ameaça constante de aumento futuro dos impostos, necessários para saldar
a dívida, ou de aumentos adicionais da inflação, caso a dívida seja monetizada.
Assim, a política fiscal ou é inócua ou gera inflação e, por isso, deve ser neutra do
ponto de vista macroeconômico, o que implica a busca permanente de um orçamento equilibrado (HERMANN, 2006).
O efeito crowding out3 também fortalece, na visão ortodoxa, a tese da ineficácia da política fiscal como instrumento propulsor da demanda. Nessa abordagem, a política fiscal é ineficaz porque um maior gasto governamental, em vez
de gerar maior renda, provoca apenas crowding out. Isso porque um maior gasto
governamental leva a uma maior taxa de juros, provocando queda de investimentos privados. Como o investimento privado depende negativamente das taxas de
juros, uma expansão fiscal custeada pelo aumento do endividamento, que eleva as
taxas de juros, reduz o investimento.
As consequências distributivas perversas do efeito crowding out e da inflação – ambos transfeririam renda do setor privado para o público – sustentam o
argumento da inconveniência da política fiscal, ainda que sua eficácia pudesse ser
assegurada por algum mecanismo que controlasse o efeito crowding out (HERMANN, 2006). Diante disso, fica claro mais uma vez o porquê do privilégio da
política monetária na concepção ortodoxa e a prescrição da política fiscal sempre
se ajustar à política monetária. A política monetária deveria ser, portanto, nas
concepções ortodoxas, independente da gestão das demais políticas adotadas pelo
governo, o que supostamente traria maior credibilidade e eficiência ao processo
de busca de estabilização de preços.4 Nas palavras de Brunner (1986, p. 54):
3Na literatura, conhece-se como efeito crowding out o deslocamento do setor privado (consumo, investimento,
vendas externas, etc.) devido a uma expansão do gasto público. O deslocamento acontece quando um aumento do
gasto público tem como consequência a diminuição da despesa do setor privado, que se traduz numa diminuição do
investimento privado. Ou seja, o efeito crowding out nada mais é que um efeito-substituição dos gastos públicos
sobre os investimentos privados.
4Clarida et al. (1999) faz uma resenha dos resultados obtidos na literatura novo-keynesiana de política monetária ótima
e considera que o gasto fiscal é uma variável exógena, tal como um choque de preferência.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
25
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
“Proposals for a monetary rule require supplementary proposal for a fiscal rule”.
E nas palavras de Woodford (2001, p. 1):
[…] the choice of monetary policy to achieve a target path for inflation
is a problem that can be, and indeed ought to be, separated from other
aspects of government policy, such as the choice of fiscal policy[…].The
argument for separation of decision-making about these two aspects of
macroeconomic policy necessarily relies upon two theses: first, that fiscal
policy is of little consequence as far as inflation determination is concerned, and second, that monetary policy has little effect upon the government budget.
O pensamento pós-keynesiano, ao contrário, concebe a economia como instável em vista da incerteza e atribui ao Estado um papel importante na redução
dessa instabilidade. Os pós-keynesianos não apenas não creem no poder regulador do mercado, como também atribuem papel destacado à intervenção econômica do Estado. Isso porque, para esses teóricos, a economia é banhada pela
incerteza quanto às expectativas futuras. Assim, existe sempre a necessidade de o
Estado agir em diferentes frentes para conciliar as diferentes políticas econômicas para que as incertezas sejam reduzidas e os estímulos necessários possam ser
recebidos pelos agentes econômicos com o intuito de realizar os investimentos
produtivos.
Nessa concepção, o Estado surge com um papel muito bem definido – o de
aproximar a economia do pleno emprego utilizando uma política deliberada de
estímulo à demanda agregada. Na visão de Keynes e dos pós-keynesianos, o Estado deve assumir um permanente papel na alavancagem da demanda agregada,
seja influenciando as expectativas dos empresários, seja como agente participante
diretamente na atividade de produção (HERMANN, 2006, p. 6). Segundo Davidson (1991, p. 76), “post keynesian insist that government can, and must, be permanently aware of the necessity to take action to encourage a positive and active
entrepreneurial psychology”. A necessidade de estimular o investimento reside
no fato de que “a fraqueza da propensão a investir tem sido, em todos os tempos,
a chave do problema econômico” (KEYNES, 1982b, p. 267). Trata-se, pois, de
uma política que precisa se substituir ao mercado, uma vez que este não elimina
os problemas de insuficiência de demanda efetiva.
Oreiro, Sicsú e De Paula (2003, p. 131) enfatizam:
26
é tarefa de um governo responsável criar um ambiente seguro. Mas a
segurança necessária, nessa perspectiva, não é simplesmente aquela referente à capacidade do setor público de honrar seus compromissos financeiros, mas é também, e principalmente, a constituição de um ambiente
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
com menos incertezas para os investimentos em capital fixo: é a segurança necessária para reduzir os riscos do investimento produtivo.
Em um ambiente mais seguro, os potenciais investidores poderiam se arriscar
em projetos com menor grau de liquidez, pois, apesar disso, eles rendem lucro e geram empregos. O governo, ao realizar investimentos, estimula a demanda agregada,
reduz as incertezas de realização de lucros e anima as expectativas do setor privado
empreendedor. Assim, se o governo cria um ambiente favorável ao crescimento, ele
estimula os empresários ao elevar a eficiência marginal do capital.
O sucesso da política de gastos governamentais depende fundamentalmente
da capacidade de mostrar aos agentes privados que o governo é capaz de sustentar o nível de demanda agregada e, assim, reduzir suas incertezas e induzi-los a
realizar seus próprios investimentos. O Estado entra para garantir a criação de um
ambiente favorável ao investimento privado, que consiste tanto na consecução de
investimentos em setores nos quais o risco desestimula a presença do setor privado como na criação de um ambiente econômico favorável que estimule as decisões de investimento dos agentes privados. Além do que o Estado pode assumir
o papel de produtor, desde que induza a consecução de investimentos produtivos
(CARVALHO, 1999b).
Assim, a política fiscal assume, do ponto de vista de Keynes e dos póskeynesianos, essencial papel para alavancar a demanda agregada, a produção e o
nível de emprego. Segundo Davidson (1991, p. 74), a responsabilidade do governo, no que tange à consecução da política fiscal “is to act as a balancing wheel
in maintaining industry’s aggregate sales by using its fiscal powers – that is, its
power to spend and to tax – to make sure that total market demand neither stagnates nor declines”.
Apesar de a política fiscal ter uma forte influência sobre a demanda agregada, Keynes não se restringiu a ela. De acordo com ele, a ação do Estado por meio
de suas políticas deve ser a mais abrangente possível, pois, caso contrário, o Estado não conseguirá reduzir a incerteza presente na economia apenas deslocando-a
do seu ponto de impacto original para outro, fracassando em estimular o pleno
emprego. Desse modo, Keynes propõe política monetária específica, assim como
políticas de salários e preços, entre outras, todas elas discricionárias por natureza.
Para Keynes, o papel da política monetária consiste em manter a taxa de
juros baixa para que ela fique inferior à eficiência marginal do capital, pois, conforme já vimos, essa é a condição necessária para que o investimento se realize.
Entretanto, embora Keynes admita esse papel para a política monetária, sempre
prefere a política fiscal à política monetária. Isto porque quando o governo aumenta a oferta de moeda demasiadamente os agentes ainda assim podem preferir
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
27
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
retê-la como forma de se prevenir contra a incerteza, ao invés de investir ou
comprar títulos, impedindo a queda da taxa de juros. Assim, para ser eficiente, a
política monetária deve ser usada de maneira moderada.5 Keynes (1982b, p. 135)
adverte para a dificuldade do manejo da política monetária:
Da minha parte sou, presentemente, algo cético quanto ao êxito de uma
política meramente monetária orientada no sentido de exercer influência
sobre a taxa de juros. Encontrando-se o Estado em situação de poder calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e com base
nos interesses gerais da comunidade, espero vê-lo assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos, ainda
mais considerando-se que, provavelmente, as flutuações na estimativa do
mercado da eficiência marginal dos diversos tipos de capital [...] serão demasiado grandes para que se possa compensá-las por meio de mudanças
viáveis na taxa de juros.
Nada mais claro sobre a necessidade de um papel ativo e discricionário do Estado.
No que se refere ao efeito crowding out, a concepção keynesiana difere,
portanto, inteiramente da concepção ortodoxa. Em primeiro lugar, o efeito crowding out só existe se os gastos e os déficits públicos não estimularem, via boas
expectativas, os investimentos privados. O efeito crowding out não é uma decorrência direta do déficit público, mas sim do aumento dos juros para os tomadores
privados de crédito6 (HERMANN, 2006).
As ações das políticas macroeconômicas devem ser complementares e não
concorrentes nem substitutas da iniciativa privada. A ação da política fiscal, em
especial, deve ser complementar às decisões privadas e deve ser implementada
quando os investimentos privados forem insuficientes. Os gastos públicos não
devem ser concorrentes nem substitutos da livre iniciativa empreendedora, de
forma que o governo não deve implementar projetos que concorram com a livre
iniciativa, mas apenas que compensem as quedas de gastos privados para sustentar uma trajetória de crescimento em busca do pleno emprego (OREIRO; SICSÚ;
DE PAULA, 2003).
5Se fosse necessário induzir a demanda agregada, isso deveria ser feito por outros meios que não por meio da política
monetária (CARVALHO, 1999a).
6Isso porque se o orçamento for deficitário, o setor público estará disputando os recursos das instituições financeiras com
o setor produtivo privado. Mas, na prática, o setor público raramente recorre ao crédito bancário; assim, não chega a
concorrer diretamente com o setor privado nesse mercado. A principal via de financiamento “externo” do setor público
é a emissão de títulos do governo no mercado de capitais. No entanto, como esses títulos são comprados pelas mesmas
instituições financeiras que concedem créditos ao setor privado, se os juros dos títulos públicos subirem por conta do
déficit público, os juros das operações financeiras alternativas também tenderão a subir.
28
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Por isso, Hermann (2006, p. 5) afirma:
uma outra recomendação de Keynes é que, em qualquer cenário, a política
fiscal seja coordenada com a política monetária, de modo a evitar que a
primeira se torne inviável (por falta de financiamento) ou uma fonte de
problemas futuros (relacionados à dívida pública) para o setor público e,
por extensão, para toda a economia.
Assim, vimos que, para os ortodoxos, a crença nos mercados reguladores
afasta a ação do Estado (novos-clássicos) ou no máximo leva à admissão de ações
que respeitam a longo prazo o mercado e que, para isso, operam por meios não
discricionários, como políticas monetárias baseadas em regras mais ou menos
rígidas conforme a percepção de imperfeições nos mercados..
Os pós-keynesianos, ao contrário, veem a economia precisando de um papel ativo e discricionário do Estado, que corrija problemas que o mercado não
consegue resolver em vista da incerteza que permeia a economia e interfere nas
expectativas de ganhos dos investidores. Essas ações são necessariamente discricionárias, ao contrário do que pensam os ortodoxos, que privilegiam a política
monetária, por ser menos discricionária.
3 Déficit fiscal e taxa de juros na concepção
ortodoxa: uma crítica pós-keynesiana
Examinaremos agora como o debate entre ortodoxia e heterodoxia no que
se refere ao déficit fiscal e à taxa de juros se apresenta na discussão de zeragem do
déficit nominal. Nosso intuito aqui é destacar como o debate reproduz os traços
ortodoxos e heterodoxos das concepções de moeda e papel do Estado discutidos
anteriormente, criticando a visão ortodoxa dominante. Para tanto, iniciaremos
nossa discussão a partir da definição de credibilidade do ponto de vista ortodoxo
e heterodoxo, uma vez que a questão da credibilidade permeia com destaque a
discussão sobre a zeragem do déficit nominal que ganhou força no Brasil recentemente. Em seguida, analisaremos como se deu a discussão sobre a administração
da dívida pública nos anos recentes no Brasil. Finalizaremos com um exercício
econométrico que aborda a questão da zeragem do déficit nominal e ilustra nossa
crítica ao pensamento ortodoxo dominante.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
29
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
3.1 A questão da credibilidade e sua relação com a discricionariedade
O ponto de partida para o interesse em estudar a credibilidade da política
monetária foi o debate regras versus discricionariedade, com destaque para os
trabalhos de Kydland e Prescott (1977) e Barro e Gordon (1983). Nesses artigos
é argumentado que os policymakers são incapazes de se comprometer com uma
política de baixa inflação, o que leva a uma condução da política monetária, que
possui um viés inflacionário.
De fato, a visão ortodoxa sobre credibilidade é parte constituinte da teoria
novo-clássica e relaciona-se com a “inconsistência dinâmica de planos ótimos”7
descrita em Kydland e Prescott (1977). Essa visão tem como fundamento a suposição de que o sistema econômico é inerentemente estável e que políticas ativas
são, além de desnecessárias, nocivas. A credibilidade relaciona-se à expectativa
de que a política monetária não permita que o governo exerça seu viés inflacionário e que, ao contrário, respeite a política monetária anunciada, que deve buscar a estabilidade de preços. Isso pode ser obtido utilizando-se mecanismos que
impossibilitem a ação discricionária do governo, visto sempre como o culpado
pela inflação. Nessa abordagem, os policymakers são propensos a gerar inflação
com o objetivo de reduzir a taxa de desemprego corrente em relação ao seu ponto
de equilíbrio, representado pela taxa natural (SICSÚ, 1997a). Assim, esses autores argumentam, como vimos, que a adoção de regras seria a melhor forma de
conduzir a política monetária e dotá-la de credibilidade diante do problema da
inconsistência temporal, pois a inflação seria resultado da perda da confiança dos
agentes no governo, e a política discricionária, por sua vez, produziria um viés
inflacionário.
No entanto, Kydland e Prescott (1977) admitem que gestores da política
monetária, contaminados pelo viés inflacionário, podem circunstancialmente avaliar que resultados imediatos e passageiros sobre o nível de produto são mais
valiosos do que a credibilidade nas regras de política monetária. Motivados, por
exemplo, por interesses eleitorais, podem, então, flexibilizar a política monetária
com ações discricionárias expansionistas.
Entretanto, torna-se impossível obter qualquer redução duradoura do nível
de desemprego porque o conhecimento geral desse incentivo dos policymakers ou
a existência de tal possibilidade faz com que os agentes elevem suas expectativas
quanto ao viés inflacionário, derivado da inconsistência intertemporal. Isto é, como
os agentes sabem que o policymaker pode ser inconsistente no tempo, eles tendem
a desconfiar dos anúncios feitos e passam a esperar uma inflação mais elevada que
7A inconsistência temporal manifesta-se quando o governo possui algum incentivo para desviar-se da política ótima préanunciada.
30
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
a anunciada pelo governo. O resultado é uma taxa de desemprego no nível da taxa
natural, a qual o governo não consegue baixar, com um nível de inflação mais elevado. Assim, qualquer política monetária expansionista é antecipada e anulada em
termos reais e seus efeitos se dão somente sobre o nível de preços. Dessa forma,
“restaria à teoria macroeconômica ortodoxa a tarefa de criar instrumentos que tenham capacidade de i) inibir o viés inflacionário e, simultaneamente, ii) aumentar a
credibilidade das regras monetárias” (SICSÚ, 1997b, p. 10).
Para Persson e Tabellini (1994), na ausência de commitment technologies,
o viés inflacionário expressar-se-ia por meio da implementação de políticas monetárias tidas como dinamicamente inconsistentes com a posição de equilíbrio.
Um exemplo de commitment technology seria a constituição de um banco central
independente, que disciplinaria a política monetária e eliminaria os incentivos
inflacionistas. Em suma, qualquer regra monetária necessitará de credibilidade
em economias que não possuem commitment technologies.
No contexto do regime de metas de inflação, na medida em que os agentes
possuem expectativas racionais, quando os formuladores de política possuem credibilidade, a inflação esperada pelo público converge para a inflação anunciada.
Todavia, para alcançar boa credibilidade, as políticas devem ser anunciadas e
rigorosamente seguidas, isto é, o governo não pode “trapacear”, incorrendo em
inconsistência dinâmica.
Para evitar os deslizes dos governos com viés inflacionário é que outros mecanismos institucionais são sugeridos, como a independência dos bancos centrais
para garantir que cumpram a regra monetária (MOLLO, 2003; DE MENDONÇA,
2003), além de punições pecuniárias, administrativas e institucionais aos presidentes dos bancos centrais que não as cumprirem. Walsh (1995) sugere que seja estabelecido um contrato entre o Banco Central e o governo – um contrato que imponha
custos (perda do cargo) ao presidente do Banco Central e a sua diretoria quando a
inflação ultrapassar o nível considerado ótimo pelo governo e/ou Parlamento. Nessa abordagem, o Banco Central tem de ser independente para que seus dirigentes
possam, sem restrições, tentar atingir seu objetivo: a taxa de inflação ótima e, consequentemente, a manutenção de seus empregos, salários e imagem profissional.
A abertura econômica é outro tipo de reforço no controle das ações do governo por meio da disciplina de mercado (OBSTFELD, 2006; FISCHER, 1998).
A ideia aqui é a de que se os mercados são abertos aos movimentos de capitais
eles fogem se os governos gastarem, ou emitirem, ou se não forem críveis, não
respeitando os remédios ortodoxos de política monetária para a estabilidade de
preços, o que é uma forma de discipliná-los para priorizar essa estabilidade. Assim, a abertura da economia disciplina o Estado no seu papel monetário por meio
da ameaça permanente de fuga de capitais.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
31
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Sicsú e Carvalho (2005) argumentam que os defensores da liberalização se
apoiam na sabedoria convencional corrente da comunidade de economistas que
reconhece, nos mecanismos de mercado, eficiência superior em promover bemestar do que a de quaisquer mecanismos alternativos, especialmente aqueles que
envolvem alguma intervenção do Estado. Tornou-se quase natural supor que a
intervenção do Estado é sempre inferior à ação privada livre, por um lado porque
viola uma delicada (e mal conhecida) rede de incentivos criada pelo mercado e
por outro porque estimula as atividades dependentes de monopólio (rent seeking)
que, mesmo que temporariamente, resultam da ação estatal.
Observe-se, até aqui, que o termo credibilidade se acha definido conforme
as conclusões da Teoria Quantitativa da Moeda. Não fosse assim, por um lado,
a taxa de desemprego poderia cair com impulsão monetária de forma duradoura,
e isso não necessariamente levaria à inflação porque a produção real também
cresceria. Além disso, o poder de controle dos governos e dos Bancos Centrais
sobre a inflação também passaria a ser uma interrogação, uma vez que choques
ou impulsões monetárias – tanto de aumento de quantidade de moeda em circulação quanto de queda da taxa de juros – poderiam ser influenciados pelos agentes
econômicos via flutuações na demanda de moeda e na criação de inovações financeiras (MINSKY, 1980; MOLLO, 1999), ou seja, a noção de credibilidade foi
apropriada pela teoria dominante e, nesse sentido, ortodoxizada.
Na visão pós-keynesiana, ao contrário, a credibilidade não pode ter o mesmo sentido. Em primeiro lugar, porque as relações com a Teoria Quantitativa
da Moeda não existem, uma vez que ela própria é negada. Assim, o objetivo da
política monetária pode e deve ser o de estímulo ao crescimento do produto real e
do emprego, seja porque esse estímulo pode ser duradouro, seja porque a moeda
não é neutra, seja porque o estímulo, ao ampliar a oferta, é portador de pressões
deflacionárias a médio e a longo prazos. O governo não deve, além disso, usar a
contração monetária para reduzir a inflação porque, dada a endogeneidade da moeda, pode errar na mão, e esse erro é grave e tende a ter consequências duradouras
em vista da não neutralidade da moeda.
Para os pós-keynesianos, a decisão mais importante da economia é a de investimento – porque aumenta emprego de forma multiplicada –, sendo, portanto,
fundamental manter a taxa de juros baixa e a eficiência marginal do capital alta.
Nesse contexto, a relação entre a credibilidade da política e o papel do governo
é outra: o governo deve agir no sentido de garantir investimento e crescimento
por meio de taxas de juros baixas e estímulos à demanda agregada, via política
fiscal discricionária. E ele é crível se fizer isso, porque é o crescimento que afetará
positivamente as expectativas de rentabilidade dos investidores, estimulando-os
a agir.
32
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
No caso da ortodoxia, critica-se o poder discricionário do governo, como
vimos na seção anterior, porque ele não é bom alocador de recursos e porque ele
tem um viés inflacionário. Ele perde credibilidade, portanto, quando opera de
forma discricionária.
Os pós-keynesianos, por sua vez, questionam qual o grau de arbítrio reservado aos policymakers. Argumenta-se em direção oposta à defesa de regras
rígidas, uma vez que a incerteza quanto ao futuro e a necessidade de adequar a
política econômica a situações específicas exigem dos gestores capacidade de
mudança e adaptação. Não é provável atribuir credibilidade a uma política que,
desenhada para certa conjuntura, seja mantida quando essa conjuntura não mais
prevaleça. Considera-se, nesse caso, a possibilidade de que o sistema econômico
evolua e se altere, de modo que políticas adequadas e efetivas em determinadas
circunstâncias deixem de sê-lo em outras. Assim, seria desejável a manutenção de
discricionariedade, necessária para fazer frente a situações novas e imprevistas no
futuro (LIBÂNIO, 2004). E mais: uma política monetária, para ser eficiente, deve
emitir nítidos sinais aos agentes a fim de estimulá-los a agir no sentido da direção
indicada pelos policymakers (SICSÚ, 1997a).
Isso não quer dizer, porém, que a ação do policymaker deve ser imprevisível, o que poderia confundir as decisões dos agentes. Nesta visão pós-keynesiana,
descarta-se a noção ortodoxa de que a eficácia da política monetária depende da
sua imprevisibilidade, uma vez que a promoção de cenários mais seguros no futuro – reduzindo as incertezas dos investidores – é um dos principais atributos da
política econômica. Nas palavras do próprio Keynes (1982a, p. 262-263):
I attach enormous importance particularly in the long period to getting
rid of unnecessary secrecy and mystery of all kinds. [...] I think also that
greater publicity of all kinds will lead to better understanding by the market of what the Bank’s intentions are, and will facilitate those intentions
being carried into effect quicker and with more certainty. It nearly always
pays the market to adapt itself to the real intentions of the Bank.
Sob a ótica pós-keynesiana, descarta-se a ideia da implementação de políticas monetárias “surpresas”. Ao contrário da visão novo-clássica (LUCAS, 1972;
SARGENT; WALLACE, 1975; BALL, 1991), segundo a qual a eficácia da política monetária depende da “surpresa” que ela provoca, a visão pós-keynesiana
defende que o anúncio prévio dos objetivos da autoridade monetária, assim como
das políticas utilizadas para atingi-los, não deve implicar a ineficácia de tais políticas. Pelo contrário, a autoridade monetária, ao agir de maneira transparente, aumenta a eficácia de suas políticas, pois reduz incertezas e sinaliza aos agentes os
objetivos que busca alcançar e quais os valores buscados para as variáveis sob sua
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
33
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
influência. Assim, dado que a promoção de cenários mais seguros sobre o futuro
– menor incerteza dos agentes – se configura como um dos principais objetivos
da autoridade monetária, é conveniente que não atue de surpresa na economia,
mas que deixe explícitos seus objetivos e anuncie suas políticas antecipadamente.
Posto isso, observa-se que a noção de credibilidade inerente à ortodoxia é
decorrente das ideias de neutralidade e exogeneidade da moeda e de ineficácia
ou ineficiência alocativa do Estado, típicas desse pensamento. Isso porque, para
esses teóricos, o governo não consegue estimular o produto (e o investimento),
dada a neutralidade da moeda. Assim, deve-se evitar o viés inflacionário por meio
de regras rígidas para serem seguidas pelo governo. Nesse sentido, para esses
teóricos, a credibilidade de um governo está sempre relacionada ao controle de
preços. Por que a credibilidade maior não está associada àquela que garante uma
taxa de juros menor que gere maiores investimentos para os empresários? Para a
ortodoxia, crível é o governo que não gera inflação e que para isso não promove
gastos discricionários que aumentem o déficit público. Por isso, crível também é
o governo que acena com um déficit nominal zero.
Sendo assim, veremos como a questão da credibilidade vai permear toda a
discussão sobre a zeragem do déficit nominal que ganhou força no Brasil recentemente. Sabemos que o déficit nominal nada mais é do que o resultado da soma
algébrica entre déficit ou superávit primário do governo e as despesas com juros.
Assim, do lado ortodoxo (GIAMBIAGI; ALÉM, 2000; FÁVERO; GIAVAZZI,
2002; DELFIM NETTO; GIAMBIAGI, 2005) temos os que acham que a redução
do déficit nominal deve fazer-se por aumento do superávit primário, enquanto do
lado heterodoxo (HERMANN, 2006; BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 2002;
GOBETTI; AMADO, 2008) ela deve ser obtida com o corte de juros.
Nas palavras de Delfim Netto e Giambiagi (2005, p. 90):
A condição necessária para a redução da taxa de juros não é desejá-la
como ato de “vontade”, mas produzi-la pela redução monotônica da relação dívida/PIB. Trata-se de um problema aritmético. Qual o superávit
primário necessário para reduzir a relação dívida/PIB?
Nas palavras de Gobetti e Amado (2008, p. 23), ao contrário,
[...] uma plataforma heterodoxa também pode ter como uma de suas metas
a redução da dívida pública, mas não nos marcos da atual política fiscal,
que objetiva apenas a redução do endividamento líquido e sanciona a taxa
de juros definida pelo Banco Central. É impossível qualquer pretensão de
zerar o déficit fiscal no Brasil, mesmo que restrito ao orçamento corrente,
enquanto o custo dos juros também não for drasticamente reduzido. Isso
34
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
não significa, entretanto, abdicar dos superávits primários como forma
de conter o endividamento, embora seja cabível uma discussão sobre sua
calibragem e sobre os efeitos dinâmicos dos investimentos no equilíbrio
de longo prazo.
A discordância fundamental não está, portanto, na obtenção de equilíbrio
fiscal, que, como já vimos, é partilhada por ortodoxos e heterodoxos, mas na forma de obtenção deste com ou sem política fiscal ativa.
3.2 O debate sobre a redução do déficit nominal
Vimos, anteriormente, que a ortodoxia prioriza a política monetária de
controle de preços, descartando a política fiscal, sob o argumento de maior discricionariedade desta, criticada com base na ineficiência alocativa do governo.
Descarta ainda a política fiscal, tida como ineficiente – pelo princípio da equivalência ricardiana, por um lado – e sendo responsável pelos insucessos da política
monetária – pela teoria fiscal do nível de preços e dominância fiscal da política,
por outro lado. Essa é outra forma de, descartando a política fiscal, valorizar a
política monetária.
A valorização da política monetária não significa, porém, valorização do
papel do governo, uma vez que, por um lado, ele é negado no que se refere ao
estímulo ao crescimento, considerado inócuo. Por sua vez, seu papel estabilizador
de preços é visto como ameaçado pelo viés inflacionário. Dessa forma, sugere-se
o controle do próprio governo por meio de regras ou mecanismos institucionais
que garantam o cumprimento das regras e o disciplinamento – disciplina essa imposta pelo próprio mercado sobre o governo para que se comporte conforme quer
o mercado, visto como alocador eficiente.
Não poderia ser diferente nas discussões sobre a zeragem do déficit nominal
no Brasil. Nesse caso, a ortodoxia defende menor papel do governo via aumento
do superávit primário, enquanto a heterodoxia mostra que é exatamente a política
monetária ortodoxa, exigida pelo mercado, dada a abertura em geral e ao movimento de capitais em particular, que, exigindo taxas altas de juros para impedir
sua fuga e para, por meio da regra de Taylor, operar o regime de metas de inflação,
que pressiona a taxa de juros para cima. É essa taxa de juros que dificulta a redução do déficit fiscal ou nominal.
De fato, toda argumentação em defesa da administração da dívida com base
na queda da relação dívida/PIB e na geração de superávits primários tem como
pilar teórico a ideia de “restrição orçamentária intertemporal” do governo, tal
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
35
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
como expressa nos trabalhos de Barro (1974; 1979), já discutidos anteriormente,
que norteia atualmente as recomendações da ortodoxia econômica para a política fiscal. Artigos de diversos órgãos oficiais, utilizando-se dessa ideia, apontam
como políticas “responsáveis” a redução da dívida via superávit primário maior.
No caso do Brasil, embora ele venha apresentando expressivo superávit
primário nas contas públicas nos últimos anos, ainda há um déficit nominal de
1,64% do PIB (dado de 2008) resultante basicamente das despesas com juros.
Por conta disso, vem ganhando força o argumento da ortodoxia fiscal de procurar
zerar o déficit nominal nas contas públicas nos próximos anos. Em termos gerais,
o objetivo da proposta é alcançar superávit primário suficiente para pagar os juros
da dívida pública, de maneira que as contas do governo atinjam resultado nominal
igual a zero.
Mas, como vimos, tais ideias têm origem teórica na ideia de credibilidade,
cara às expectativas racionais. Superávits primários maiores significam que o governo controlará seus gastos e conterá seu viés inflacionário, levando o mercado
a confiar na sua capacidade de pagamento da dívida e, por isso, a exigir menores
taxas de juros para sua rolagem. Assim, essa mesma ortodoxia que pede superávit
primário para, via redução de gastos públicos, conter a inflação de demanda pede
agora superávit primário maior para cobrir juros e reduzir déficit nominal. O argumento central da proposta de déficit público nominal zero nos próximos anos
está na ideia de que essa “zeragem” irá garantir uma queda imediata da taxa de
juros real, reduzindo, consequentemente, a relação dívida/PIB, ou seja,
superávits progressivos que, no horizonte de quatro ou cinco anos, produzam um déficit nominal zero, antecipariam uma forte redução na estrutura
a termo das taxas de juros e reduziria fortemente a relação dívida líquida/
PIB (DELFIM NETTO, 2005, p. 8-9).
Ao longo dos anos, muitos pesquisadores têm apontado diversas causas
para explicar o fato de a taxa de juros no Brasil ser elevada. Em geral, muitas
explicações surgiram e poucas são passíveis de avaliação empírica, seja pela falta
de dados confiáveis, seja pelas diversas quebras estruturais nas séries econômicas
oriundas das crises que atingiram a economia brasileira no período recente.
Como regra, maiores taxas reais de juros implicam aumento do estoque
real da dívida. Para o pensamento ortodoxo, como essas maiores taxas provêm da
elevação do risco-país, e este é resultado da falta de credibilidade na manutenção
do equilíbrio fiscal, maiores superávits primários permitem uma redução na taxa
de juros e controle do estoque da dívida. Nesse pensamento, portanto, o superávit
fiscal seria o responsável pela redução da relação dívida/PIB. Giambiagi e Além
(2000, p. 201, grifo nosso), por exemplo, afirmam categoricamente que:
36
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
É claro que sempre é possível argumentar que uma mesma queda deste
[déficit público] pode ser obtida com maior redução de juros e menor
sacrifício primário [...] Em um primeiro momento, porém, antes de ser
conquistada a confiança dos detentores de títulos no sentido de que o
governo é solvente, a forma natural de manter o interesse dos credores do
governo em rolar a dívida é ter uma taxa de juros atraente a ponto de evitar que a insuficiência dessa rolagem afete a emissão monetária – gerando
pressões sobre o mercado de ativos e sobre os preços.
A prescrição heterodoxa, ao contrário, sugere o caminho inverso, decorrente inclusive da própria definição de déficit nominal. Se ele é resultado dos juros
que não conseguem ser pagos com a economia que o governo faz em outras áreas
– que nada mais é do que o superávit primário –, por que não baixar a própria taxa
de juros e obter o mesmo resultado? Quando os juros baixam, a dívida diminui e
o PIB cresce impulsionado pelo crédito mais barato, que estimula não só o consumo, mas também os investimentos. Com o crescimento do PIB, aumenta a arrecadação do governo, e, a partir daí, pode-se dar o aumento do superávit primário.
Sendo assim, ao contrário do pensamento ortodoxo, o superávit primário
seria consequência natural dessa cadeia de eventos positivos e não condição para
a zeragem do déficit nominal. A atual discussão entre economistas ortodoxos e
heterodoxos gira, assim, em torno da necessidade, ou não, de manter um superávit
primário extremamente elevado para obter uma queda na relação dívida/PIB e da
pertinência ou não de manter elevadas taxas de juros quando o objetivo é reduzir
o déficit nominal.
Além disso, a estabilização da dívida pública como proporção do PIB não
depende apenas do superávit primário, mas, na realidade, da combinação entre
superávit primário, crescimento do produto e taxa real de juros. Desse modo,
a dívida pública como proporção do PIB poderia ser reduzida caso se adotasse
um outro modelo econômico, comprometido com o crescimento e defendido dos
humores dos investidores financeiros, que adotasse uma taxa real de juros mais
baixa e um menor superávit primário e, portanto, um crescimento mais acelerado
do PIB e consequentemente da arrecadação. Nesse caso, o superávit primário
poderia até se manter reduzindo o déficit nominal, não porque ele aumentou, mas
porque os juros caíram.
Com o baixo crescimento econômico verificado nos últimos anos, não há
espaço de forma permanente para aumentos sucessivos de superávits primários
que – diga-se de passagem – a partir de 1999 o Estado vem cumprindo com folga.
Ainda que houvesse espaço para aumentos nos superávits, estes esbarrariam na
estratégia montada pelo governo, que realiza uma política de sucessivos aumentos de juros. Dessa maneira, o aumento ou redução do superávit primário é um
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
37
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
conceito relativo. Nas palavras de Hermann (2002, p. 43): “[...] A variável rebelde
tem sido o montante das despesas financeiras do governo, que insiste em fugir das
previsões e dos cálculos que orientam a fixação de metas para o superávit primário, bem como suas previsões periódicas”.
O receituário heterodoxo, no entanto, defende que o caminho virtuoso para
o controle da relação dívida/PIB não é o aumento ex-ante do superávit primário
do governo, mas sim o aumento ex-post promovido pelo crescimento econômico.
Isso é possível por meio de política direcionada a taxas reduzidas de juros. Dessa
maneira, o esforço de realizar superávit primário cai muito rapidamente, além
de reanimar as decisões de investimento privado, tal como prescrevia Keynes, e
reorganizar o padrão de financiamento e desenvolvimento da economia.
Fávero e Giavazzi (2002), de forma ortodoxa, enfatizam a imensa carga que
os serviços da dívida pública colocam sobre o orçamento do governo. Os autores
acreditam que a diferença entre as taxas de juros de curto prazo (Selic) e as taxas
de juros para maturidades maiores é principalmente explicada pelo prêmio de
risco de não pagamento do governo, mais do que por incertezas sobre a política
monetária. Como o prêmio de risco é fortemente correlacionado com os spreads
de títulos de dívida externa, que não é diretamente afetado por expectativas de
desvalorizações cambiais, os autores concluem que os fundamentos macroeconômicos e a dinâmica da dívida explicam o prêmio de risco e, por conseguinte, as
altas taxas de juros de curto prazo praticadas no Brasil. Os autores mostram que
os níveis recentes de superávits primários não são suficientes para estabilizar a
relação dívida/PIB e que os esforços fiscais deveriam ser aumentados.
O Brasil tem hoje um dos maiores superávits primários do mundo, com
uma economia que é das que crescem menos. Como vimos, essa era a prescrição
contrária à de Keynes, para quem a política fiscal tinha um papel importante a
cumprir no estímulo ao crescimento. A esse respeito, é importante notar ainda que
uma taxa de juros alta sobre os títulos públicos atrai recursos que, de outra forma,
seriam destinados à aplicação de médio e longo prazos, dificultando a consolidação dos investimentos de média e longa maturação (HERMANN, 2003).
Dois tipos de razões são apontados para a elevada taxa de juros no Brasil:
um por autores heterodoxos e o outro por ortodoxos. Os heterodoxos observam
que a taxa de juros é determinada pelo Banco Central, que a conduz de acordo
com alguns objetivos, e alguns desses objetivos sempre fizeram com que a taxa
de juros no Brasil estivesse acima do seu patamar de equilíbrio. Assim, quando o
Banco Central fixa a taxa de juros, tomando como dada a taxa de inflação, fixase também a taxa de juros real. Quando, por sua vez, existem objetivos que não
somente a inflação, o Banco Central altera a taxa de juros real com o objetivo de
alcançar as demais metas. Ou seja, a taxa de juros é usada como instrumento de
38
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
política para obtenção de vários objetivos, o que a mantém em patamares elevados (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 2002; SICSÚ, 2002). Os heterodoxos
propõem que a taxa de juros caia por meio de controle de capitais (OREIRO;
SICSÚ; DE PAULA, 2003), inclusive para sinalizar que a dívida poderá ser paga
com mais facilidade (SICSÚ; VIDOTTO, 2007).
No entanto, os ortodoxos acham que o que eleva a taxa de juros é um problema estrutural, ou seja, a economia brasileira apresenta um conjunto de características que acabam por elevá-la. Nesse sentido, a taxa de juros seria apenas o
reflexo de uma série de atributos que a pressionam para cima, ou seja, a taxa de
juros de equilíbrio da economia brasileira é elevada. Com essa perspectiva, Arida
(2003) aponta que a incerteza jurisdicional é um fator incorporado ao prêmio de
risco, o que contribui para elevar a taxa de juros.
Enorme, de fato, é a discordância quanto à política de juros no Brasil. Para
os ortodoxos, a taxa de juros deve se manter alta para controlar a inflação, tanto por meio da operacionalização da regra de Taylor quanto via apreciação da
moeda, com a atração de capitais externos que desvalorizam o dólar. Para os
heterodoxos, na regra de Taylor, a taxa de juros alta mostra-se contraproducente,
porque como a moeda não é neutra, ela afeta negativamente tanto a capacidade
produtiva da economia (produto potencial) quanto a produção (LOPES; MOLLO,
2009). Assim, inibe a oferta tanto ou mais do que a demanda – vista pelos ortodoxos como causa da inflação – e impede até mesmo a solução mais definitiva
do processo inflacionário a médio e a longo prazos porque inibe o aumento da
capacidade produtiva efetiva. Pior, provoca um custo social elevado ao restringir
crescimento e emprego.
No que se refere, portanto, à política fiscal, para os ortodoxos é o superávit
primário que precisa antes de tudo crescer para garantir credibilidade e, assim,
queda da taxa de juros e redução do déficit nominal. Para os heterodoxos, ao contrário, a taxa de juros deveria ser baixa para reduzir o déficit nominal sem exigir
grandes superávits. Com isso, por meio de estímulos aos investimentos públicos,
o produto e o emprego cresceriam, elevando, por sua vez, a própria arrecadação,
o que tornaria o processo sustentável ao longo do tempo.
Coerente com isso, a política de zeragem do déficit, da parte dos ortodoxos
(GIAMBIAGI; ALÉM, 2000; DELFIM NETTO, 2005), pede aumento de superávit primário, ou seja, redução do papel ativo do Estado na política fiscal para
controlar o déficit nominal, que vimos, ao provocar aumento da dívida, representa
pressão inflacionária.
Ao contrário, a percepção heterodoxa (BRESSER-PEREIRA; NAKANO,
2002; HERMANN, 2003; OREIRO; SICSÚ; DE PAULA, 2003) vê a taxa de juros – ao operar o regime de metas de inflação e ao ser usada, particularmente no
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
39
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Brasil, para outros objetivos – pressionando a dívida pública e impedindo que ela
caia mais facilmente. São, portanto, as altas taxas de juros da política monetária
que precisam cair para garantir a redução do déficit nominal, havendo, então, dominância monetária da política fiscal, e não o contrário.
3.3 Uma ilustração do debate sobre o déficit fiscal no Brasil
Para testar as correlações entre essas variáveis e ilustrar o debate, utilizaremos a metodologia dos Vetores Auto-Regressivos (VAR) que são comumente
usados para estimação de sistemas inter-relacionados de séries temporais e
análise de impactos dinâmicos de choques. O VAR nada mais é que um conjunto de equações em que as variáveis endógenas são colocadas como funções
de suas próprias defasagens. Uma vez que se garanta a estacionariedade dessas variáveis endógenas (por meio de testes de raiz unitária), as estimativas
dos parâmetros do modelo VAR8 podem ser consistentemente estimadas por
intermédio do método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) (STOCK;
WATSON, 2001).
O uso de tal metodologia é uma forma de estimar relações dinâmicas entre variáveis endógenas sem a imposição, a priori, de fortes restrições. Uma
vantagem da abordagem é não ter de decidir quais as variáveis são endógenas ou exógenas, pois todas elas são tomadas como endógenas (DAVIDSON;
MACKINNON, 1993).
Os instrumentais estatísticos dessa metodologia, em particular os testes
de causalidade de Granger, a análise da decomposição da variância dos erros de
previsão de uma variável e as funções impulso-resposta,9 são particularmente
interessantes para analisar as correlações. A causalidade no sentido de Granger
indica que o processo estocástico gerador de uma variável explicada Y depende
do processo estocástico gerador de uma determinada variável X. Nesse caso,
dizemos que “X Granger-causa Y”. Empiricamente, no modelo VAR, o teste
de causalidade de Granger é implementado testando-se a significância estatística conjunta dos coeficientes associados às defasagens de X na equação de Y.
Se esses coeficientes forem estatisticamente conjuntamente significantes, então
8O modelo VAR estimado é conhecido como “modelo VAR na forma reduzida”. Este modelo deriva de um modelo
mais geral conhecido como “modelo VAR estrutural”. A priori, como o modelo VAR na forma reduzida possui menos
parâmetros que o modelo VAR estrutural, não seria possível a identificação exata deste segundo modelo por meio das
estimativas dos parâmetros do primeiro modelo. Nesse caso, dizemos que o modelo VAR estrutural é superidentificado,
e sua identificação exata só é possível quando se impõem restrições sobre um subgrupo de seus parâmetros estruturais.
9Diante do que foi exposto na nota 8, para que possamos recuperar os valores dos choques estruturais e, assim, calcular
as decomposições das variâncias e as funções impulso-resposta, utilizamos o processo de decomposição de Cholesky.
O ordenamento que definimos para a decomposição baseou-se em nossos conhecimentos de teoria econômica. Dessa
maneira, ordenamos as variáveis “da mais endógena para a mais exógena”.
40
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
podemos dizer que “X Granger-causa Y”, ou seja, que as defasagens da variável
X explicam o comportamento contemporâneo da variável Y.10
A análise de decomposição de variância, por sua vez, permite verificar qual é
a participação relativa das variáveis do modelo na explicação da variância do erro
de previsão de uma variável específica analisada no modelo. Por meio da análise da
decomposição da variância dos erros de previsão é possível determinar quais variáveis são mais importantes para explicar o comportamento da variável analisada.
As funções impulso-resposta possibilitam verificar a resposta ao longo do
tempo de determinada variável a choques ocorridos em outras variáveis do modelo. Normalizamos a magnitude dos choques estruturais em uma determinada
variável em um desvio-padrão e verificamos tanto seus efeitos acumulados ao
longo do tempo quanto seus efeitos período a período sobre as outras variáveis
do sistema.11
O propósito é analisar a existência de correlação entre as variáveis dívida
líquida do setor público, PIB, resultado nominal, resultado primário, Embi Brasil
e taxa de juros Selic, de forma que seja discutido o argumento ortodoxo sobre a
zeragem do déficit nominal em contraposição ao argumento heterodoxo.
Vale lembrar que a ortodoxia defende a tese de que um aumento no superávit
primário elevaria a credibilidade do país, o que proporcionaria uma redução das
taxas de juros e, consequentemente, da relação dívida/PIB e do déficit nominal.
Nessa concepção, a redução de gastos do governo, via aumento do superávit primário, reduz a demanda agregada da economia, o que ajuda a controlar a inflação.
No entanto, o que queremos defender, com base no argumento de Keynes,
é que essa causalidade está invertida, uma vez que o mesmo resultado poderia ser
alcançado com uma redução da taxa de juros, o que proporcionaria um aumento
do PIB e, então, da arrecadação. O aumento da arrecadação poderia se traduzir
em aumento do superávit, e isso proporcionaria uma queda no déficit nominal
pelos dois lados: queda da taxa de juros e aumento do superávit primário, com as
vantagens vistas pelos keynesianos de estímulos ao crescimento e ao emprego.
As descrições das variáveis a serem utilizadas na estimativa estão relatadas
a seguir. Todas as variáveis têm periodicidade mensal, de janeiro de 1999 a julho
de 2008. As séries das variáveis PIB, resultado nominal, resultado primário e dívida líquida do setor público foram consideradas em termos reais, corrigidas pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e acumuladas em 12 meses, para
resolver possíveis problemas de sazonalidade.
10As hipóteses nulas de ausência de causalidade do tipo Granger são hipóteses de ausência de correlação temporal entre
as variáveis analisadas e são geralmente rejeitadas com probabilidades inferiores a 10% (valor fixado nesta pesquisa).
11Quanto mais distantes de zero estiverem os intervalos de confiança das respostas aos impulsos, mais significativos são
considerados os impactos.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
41
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Variável
Descrição
Selic
Taxa de juros Selic acumulada no mês anualizada. Fonte: Bacen
PIB
PIB mensal – Valores correntes (R$ milhões). Fonte: Bacen
Resultado nominal
Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) – conceito nominal – com
desvalorização cambial – acumulado 12 meses (R$ milhões). Compreende governo
federal e banco central, governos estaduais, governos municipais e empresas estatais. Fonte: Ipeadata
Resultado primário
Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) – conceito nominal – com
desvalorização cambial – acumulado 12 meses (R$ milhões). Compreende governo
federal e banco central, governos estaduais, governos municipais e empresas estatais. Fonte: Ipeadata
Embi
Emerging Market Bond Risk (ou risco Brasil), medido pelo Embi+ Brasil, média mensal dos valores diários. Fonte: JP Morgan
DLSP
Dívida Líquida do Setor Público – Total – Setor público consolidado (R$ milhões).
Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) – conceito nominal – com
desvalorização cambial – acumulado 12 meses (R$ milhões). Compreende governo
federal e banco central, governos estaduais, governos municipais e empresas estatais. Fonte: Bacen
Para averiguar a estacionariedade das séries deste estudo, foram realizados
os testes de raiz unitária (testes Augmented Dickey Fuller – ADF).
Como se pode ver na Tabela 1, todas as séries estudadas revelaram-se não
estacionárias quando avaliadas no nível, mas mostraram-se estacionárias em primeira diferença. Ou seja, elas são integradas de primeira ordem, e o modelo deve
ser estimado com as variáveis em primeira diferença.
Tabela 1
Teste de raiz unitária (jan./1999 a jul./2008)
Variável
42
Constante
Tendência
Estatística-t
DLSP
sim
não
PIB
não
Resultado nominal
Valores críticos
t-prob
1%
5%
-2,1576
-3,4950
-2,8898
0.2231
não
3,8013
-2,5878
-1,9440
1.000
sim
não
-2,9811
-3,4970
-2,8906
0.1401
Resultado primário
sim
sim
-3,1252
-4,0496
-3,4540
0.1061
Embi
sim
sim
-3,0942
-4,0505
-3,4545
0.1133
Selic
sim
sim
-3,5336
-4,0505
-3,4545
0.0411
D(DLSP)
não
não
-11,9411 **
-2,5878
-1,9440
0.0000
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Variável
Constante
Tendência
Estatística-t
D(PIB)
sim
não
D(resultado nominal)
não
D(resultado primário)
Valores críticos
t-prob
1%
5%
-4,4124 **
-3,4957
-2,8900
0.0005
não
-12,60932 **
-2,5878
-1,9440
0.0000
não
não
-10,62068 **
-2,5878
-1,9440
0.0000
D(Embi)
não
não
-5,458632 **
-2,5878
-1,9440
0.0000
D(Selic)
não
não
-3,117744 **
-2,5878
-1,9440
0.0021
Nota: * e ** indicam significância aos níveis de 1% e 5% respectivamente.
“D” indica a primeira diferença da variável.
Os valores críticos para a rejeição da hipótese nula da existência de raiz unitária foram gerados pelo pacote
econométrico E-views, conforme tabulação desenvolvida em MacKinnon (1991).
Fonte: Todas as tabelas foram geradas com base nos dados do pacote econométrico E-views
O passo seguinte foi a seleção da ordem do modelo referente às seis variáveis aqui destacadas. Para tanto, utilizou-se o procedimento-padrão de estimação
de um modelo mais geral e redução do número de defasagens deste. Com base
nos mesmos critérios de seleção utilizados anteriormente, determina-se o número
de defasagens utilizadas no modelo. Os valores dos critérios de informação estão
relatados na Tabela 2:
Tabela 2
Seleção do melhor modelo para estimação do VAR
Defasagens
LR
0
NA
FPE
AIC
SC
HQ
2.90e+34
96.37902
101.3463
96.44419
1
273.8530
2.76e+33
94.02495
100.7604
94.48118*
2
46.86235
3.35e+33
94.21135
100.0003
95.05864
3
87.62779
2.31e+33*
93.81625
99.16838
95.05460
4
35.93114
3.08e+33
94.06084
98.09328
95.69025
5
41.63722
3.68e+33
94.16815
96.88090
96.18862
6
51.83655
3.60e+33
94.03231
96.30822
96.44384
7
50.21365
3.44e+33
93.82456
96.54032
96.62714
8
52.42822*
2.97e+33
93.44271*
95.15403*
96.63635
Nota: variáveis: D(DLSP), D(PIB), D(resultado nominal), D(resultado primário), D(Embi), D(Selic).
Dados : jan./1999 a jul./2008.
LR: estatística de teste LR sequencial modificada (cada teste ao nível de 5%); FPE: critério erro de previsão
final (FPE – Final prediction error); AIC: critério Akaike; SC: critério Schwarz; HQ: critério Hannan-Quinn.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
43
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
O critério de Hannan-Quin (HQ) indica apenas uma defasagem, enquanto o
critério FPE indica três defasagens. No entanto, a maioria dos critérios (LR, AIC
e SC) indica que o uso de oito defasagens no modelo é o mais adequado e, por
isso, optamos por usar esse número de defasagens na estimação do VAR.
Após estimarmos o VAR, passamos à interpretação dos seus resultados por
meio do teste de causalidade de Granger, da análise da decomposição da variância
do erro de previsão e das funções de impulso-resposta para cada variável considerada no modelo.
a) Embi
O resultado do teste de causalidade de Granger indica que a dívida causa,
no sentido de Granger, o Embi (vide Tabela 3), mostrando que o endividamento
público afeta a avaliação externa da economia brasileira. Esse resultado, além do
fato de as variáveis resultado nominal e resultado primário causarem, no sentido
de Granger, o Embi, dá razão inicial à ortodoxia, uma vez que indicam relação
entre o prêmio de risco país e a capacidade do governo de pagamento de dívidas.
Observe-se, porém, que o Embi é apenas um dos fatores que formam a taxa de
juros, e essa própria taxa de juros, como veremos em seguida, não é afetada pelo
resultado primário.
Tabela 3
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(Embi_BR)
Hipótese nula
Probabilidade
D(DLSP) não causa, no sentido de Granger, D(Embi_BR)
0.0002
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(Embi_BR)
0.6736
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(Embi_BR)
0.0208
D(resultado primário) não causa, no sentido de Granger, D(Embi_BR)
0.0099
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(Embi_BR)
0.0010
A análise da decomposição da variância dos erros de previsão do Embi
(Tabela 4) reforça os resultados do teste de causalidade.
44
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Tabela 4
Decomposição da variância – D(Embi_BR)
Período
D(DLSP)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(sup. primário)
D(Embi BR)
D(Selic)
1
16.86662
0.890636
3.331701
1.160371
77.75068
0.000000
5
27.08600
2.699144
1.714156
20.52098
38.94430
9.035417
10
31.57760
3.528648
4.544594
15.20927
31.47253
13.66737
12
31.28550
3.451370
4.536310
14.99500
30.99225
14.73957
b) Taxa de Juros (Selic)
A Tabela 5 mostra os resultados do teste de causalidade de Granger para a
taxa Selic. Chama a atenção o resultado primário não causar, no sentido de Granger, a taxa Selic, apesar da influência significativa do Embi e da dívida sobre ela.
Assim, embora os ortodoxos tenham razão ao chamar a atenção para a relação entre credibilidade do governo e taxa de juros, não a têm ao prescrever aumento do
superávit primário para baixá-la e reduzir o déficit fiscal. Isso tira a importância
do resultado primário na determinação da taxa de juros.
Tabela 5
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(Selic)
Hipótese nula
Probabilidade
D(DLSP) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.1038
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.4141
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.1946
D(resultado primário) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.4960
D(Embi_BR) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.0239
A não rejeição da hipótese nula de que o superávit primário não Grangercausa a Selic torna discutível a causalidade proposta no argumento ortodoxo.
Sabemos que o teste de causalidade de Granger é apenas um indicador de precedência temporal, não permitindo que se afirme positivamente a relação de causalidade entre as duas variáveis. Aqui, porém, a probabilidade de 49,6% (maior
que 10%) de não rejeitar a hipótese nula põe em dúvida a existência de correlação
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
45
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
entre as variáveis, negando o argumento ortodoxo de que o superávit deve necessariamente aumentar para afetar negativamente a taxa de juros.
Observe-se, a esse respeito, que uma taxa de juros alta por si mesma indica o risco, o que deveria ser um argumento para reduzi-la e assim melhorar as
perspectivas de pagamento ou solvência diretamente. De fato, nas Tabelas 3 e 4
anteriores, essa relação mostrou-se importante.
Analisando-se a decomposição da variância dos erros de previsão da taxa de
juros Selic (Tabela 6), observa-se que esta não sofre influência do PIB.12 No entanto, sofre influência significativa da dívida e do Embi, resultados corroborados
pelo teste de causalidade de Granger.
Tabela 6
Decomposição da variância – D(Selic)
Período
D(DLSP)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(sup. primário)
D(Embi BR)
D(Selic)
1
1.179832
0.001116
0.132770
0.260040
4.426620
93.99962
5
18.81502
0.777660
3.484579
4.679409
3.973059
68.27027
10
22.69830
2.667704
4.318265
11.69420
18.36135
40.26017
12
21.45208
2.873262
5.097594
15.88545
17.22053
37.47109
c) Dívida (DLSP)
Percebe-se, pela Tabela 7, que a taxa de juros causa, no sentido de Granger, a dívida. Em termos econômicos, esse resultado já era esperado, porque
uma parte considerável da composição da dívida brasileira, ao longo dos últimos
anos, era indexada pela taxa de juros Selic. Além disso, uma vez que boa parte
da parcela restante era indexada à taxa de câmbio em períodos de crise, que levaram à desvalorização da moeda brasileira, a DLSP também aumentava, tanto
via estoque de dívida indexada ao câmbio quanto pelo estoque indexado à taxa
Selic (que subia para conter as pressões inflacionárias ocasionadas pelo repasse
cambial). O superávit primário e o Embi também causam, no sentido de Granger,
a DLSP: por si só, o primeiro realmente deveria afetar a DLSP, uma vez que foi
adotado no Brasil para controlar a trajetória da dívida; por sua vez, a causalidade
que encontramos entre Embi e DLSP pode ser explicada pela forte correlação
entre Embi e taxa de câmbio.
12Este resultado é oposto àquele encontrado no trabalho de Gomes e Holland (2003), já mencionado anteriormente,
no qual os autores afirmam que “a variância da mesma (taxa de juros Selic) sofre influência do PIB, o que pode ser
traduzido como uma preocupação inicial das autoridades monetárias com o crescimento econômico do país”.
46
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Tabela 7
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(DLSP)
Hipótese nula
Probabilidade
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(DLSP)
0.4720
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(DLSP)
0.1490
D(resultado primário) não causa, no sentido de Granger, D(DLSP)
0.0552
D(Embi_BR) não causa, no sentido de Granger, D(DLSP)
0.0021
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(DLSP)
0.0019
Com base na análise de decomposição da variância dos erros de previsão
da DLSP (Tabela 8), notamos que a taxa de juros Selic responde por 20,1% da
variância do erro de previsão da DLSP, ao passo que o superávit primário e o
Embi são responsáveis, respectivamente, por 8,36% e 13,38% dessa variância,
confirmando os resultados obtidos nos testes de causalidade de Granger.
Tabela 8
Decomposição da variância – D(DLSP)
Período
D(DLSP)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(sup. primário)
D(EmbiBR)
D(Selic)
1
100.0000
0.000000
0.000000
0.000000
0.000000
0.000000
5
55.36967
3.657280
1.824697
6.669159
12.15011
20.32908
10
51.71322
5.427269
2.491695
7.621351
13.84551
18.90096
12
49.93074
5.812930
2.429831
8.363103
13.38270
20.08070
d) Resultado nominal
A Tabela 9 mostra os resultados do teste de causalidade de Granger para o
resultado nominal. Podemos observar que o resultado primário causa, no sentido
de Granger, o resultado nominal. Tal resultado já era esperado, uma vez que o
resultado nominal, recordamos, é o resultado da soma algébrica entre o resultado
primário e o pagamento de juros. Com relação à dívida, ela também causa, no
sentido de Granger, o resultado nominal, isso porque um crescimento mais forte
da DLSP em períodos passados exige um esforço fiscal maior hoje, via aumento
do superávit primário, para que a trajetória da dívida não se torne explosiva, o que
decorre em aumento do resultado nominal.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
47
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Tabela 9
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(resultado nominal)
Hipótese nula
Probabilidade
D(DLSP) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.0519
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.8083
D(resultado primário) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.0723
D(Embi_BR) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.2239
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.1225
Os resultados da Tabela 10 confirmam a importância da DLSP e do resultado primário na decomposição da variância dos erros de previsão do resultado
nominal, com participações de 27,82% e 10,8%, respectivamente. Observe-se que
a taxa de juros Selic também tem uma participação importante na decomposição
da variância do erro de previsão do resultado nominal (15,56%), ainda que, pelo
teste de causalidade de Granger, a relação entre taxa de juros Selic e resultado
nominal só possa ser aceita a um nível de significância de 13%.
Tabela 10
Decomposição da variância – D(resultado nominal)
Período
D(DLSP)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(sup. primário)
D(Embi BR)
D(Selic)
1
37.58435
0.948184
61.46747
0.000000
0.000000
0.000000
5
31.58198
2.341566
35.16574
9.766752
9.935121
11.20884
10
29.99808
3.038811
31.09075
9.719440
12
27.82438
4.180914
29.37969
10.77819
12.39866
12.27540
13.75426
15.56143
e) Resultado primário
Analisando a Tabela 11 e considerando um nível de significância de 10%,
observamos que nenhuma variável Granger-causa o resultado primário. Aqui,
precisamos ressaltar uma observação. A priori, uma vez que a meta de resultado
primário é definida em termos de porcentagem do PIB, pode parecer estranho que
o teste de causalidade de Granger não tenha acusado uma relação entre as variáveis. Todavia, devemos ter em mente que a meta é definida para o ano, enquanto
48
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
nossos dados são mensais. Logo, é possível que não haja realmente correlação
entre o resultado primário mensal e o PIB mensal, ainda que possamos esperar
que esta correlação apareça em uma análise com dados anuais.
Tabela 11
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(resultado primário)
Hipótese nula
Probabilidade
D(DLSP) não causa, no sentido de Granger, D(resultado primário)
0.2583
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(resultado primário)
0.2105
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(resultado primário)
0.7034
D(Embi_BR) não causa, no sentido de Granger, D(resultado primário)
0.6043
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(resultado primário)
0.3604
Uma vez que o teste de causalidade de Granger indicou que o resultado
primário não é explicado pelas outras variáveis do modelo, não foi necessário
calcular a decomposição da variância dos erros de previsão dessa variável.
f) PIB
Com relação ao PIB, pelo teste de causalidade de Granger, a variável taxa
de juros Selic foi a única que se mostrou relevante, conforme observamos na
Tabela 12.
Tabela 12
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(PIB)
Hipótese nula
Probabilidade
D(DLSP) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.4911
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.2004
D(resultado primário) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.4882
D(Embi_BR) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.4684
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.0211
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
49
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
A análise da decomposição da variância dos erros de previsão do PIB mostra que a taxa de juros Selic explica em torno de 21% da variância do erro de
previsão do PIB após 12 meses, o que reforça a relação entre taxa de juros e crescimento econômico.
Tabela 13
Decomposição da variância – D(PIB)
Período
D(DLSP)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(sup. primário)
D(Embi BR)
D(Selic)
1
8.261534
91.73847
0.000000
0.000000
0.000000
0.000000
5
12.37013
58.82731
10.48599
3.128106
4.801436
10.38703
10
21.53082
41.30464
10.10309
5.481939
6.129949
15.44957
12
22.32860
34.35790
9.067383
4.701961
8.626499
20.91766
É curioso observar que, embora essa causalidade pareça óbvia, no trabalho de Gomes e Holland (2003, p. 12) os autores afirmam que “a variância do
crescimento econômico do país não sofre influência significativa de nenhuma
variável”.13
Em relação às funções de impulso-resposta, foi enunciado na seção 2 que
estas traçam os efeitos futuros das variáveis na presença de choques correntes.
Nesse exercício, consideramos choques apenas sobre o resultado primário, visto
que o objetivo aqui é discutir a proposta ortodoxa de aumento do superávit primário para garantir reduções de juros, em oposição à proposta pós-keynesiana de
queda da taxa de juros para reduzir déficit fiscal via aumento do PIB e, consequentemente, da arrecadação.
Pela análise das funções de impulso-resposta, observamos que choques no
resultado primário têm efeitos temporários, de curto prazo, sobre a dívida, o resultado nominal e o Embi, mas não têm impacto sobre a taxa de juros Selic (Figura 1).
Assim, mais uma vez não encontramos relação entre o resultado primário
e a Selic, o que confirma o resultado do teste de causalidade de Granger e não
corrobora a ideia ortodoxa de que o resultado primário deve aumentar porque
isso terá impactos positivos na queda da taxa de juros e, com isso, proporcionar a
zeragem do déficit nominal.
13O trabalho destes autores estima uma VAR para as variáveis Taxa de Juros Selic, PIB, IPCA, Taxa de Câmbio Nominal
e dívida líquida do setor público (% PIB) para o período entre janeiro de 1999 e maio de 2003.
50
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Figura 1
Funções impulso-resposta – choques no resultado primário
A Figura 2, que mostra os impactos acumulados sobre as variáveis como consequência de um choque no resultado primário, evidencia que mesmo no longo
prazo o impacto sobre a taxa de juros Selic não é estatisticamente diferente de zero.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
51
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Figura 2
Funções impulso-resposta acumuladas – choques no resultado primário
Com o intuito de refletir sobre o argumento pós-keynesiano de redução da
taxa de juros para zerar o déficit nominal, ilustraremos alguns resultados provenientes de novas estimações, envolvendo agora variáveis relevantes para Keynes,
tais como o gasto público e a arrecadação.
Vale lembrar que Keynes propôs o uso dos gastos e das receitas do governo
como meio de influenciar, positivamente, o nível de atividade econômica (produção e emprego) nas economias de mercado. Para Keynes, o elemento fundamental
da política fiscal é o gasto público, e seu objetivo deveria ser evitar a deficiência
de demanda efetiva. Uma política fiscal baseada em déficits seria recomendada
apenas de forma transitória para garantir um programa de longo prazo em investimentos ou em situações de recessão já em curso, quando a arrecadação fica comprometida e a necessidade de execução de investimentos públicos pode superar a
disponibilidade de fundos próprios do governo.
52
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Mais que isso, a sustentabilidade das contas públicas estaria garantida a
longo prazo, uma vez que o investimento e o crescimento, estimulados pelo gasto
público e pela redução da taxa de juros, levariam a um aumento da arrecadação.
Assim, estimamos um VAR envolvendo as variáveis relevantes para Keynes: taxa de juros Selic, PIB, resultado nominal, arrecadação e gastos. As variáveis Selic, PIB e resultado nominal têm as mesmas descrições já citadas. As
descrições das variáveis arrecadação e gastos estão relatadas a seguir. Todas as
variáveis têm periodicidade mensal, de janeiro de 1999 a julho de 2008.
Variável
Descrição
Arrecadação
Receita líquida total (R$ milhões). Resultado primário do governo central. Fonte: Secretaria
do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda (STN/MF).
Gastos
Despesa total (R$ milhões). Resultado primário do governo central. Fonte: Secretaria do
Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda (STN/MF).
O procedimento-padrão para a estimação é o mesmo seguido anteriormente.
Primeiro, realizamos os testes ADF para verificar a estacionariedade das séries.
As duas séries consideradas revelaram-se estacionárias em primeira diferença, ou
seja, revelaram-se integradas de primeira ordem.
Tabela 14
Teste de raiz unitária (jul./2000 a jul./2008)
Variável
Constante
Tendência
Estatística-t
Arrecadação
não
não
Gastos
não
D(arrecadação)
D(gastos)
Valor crítico
t-prob
1%
5%
10,0513
-2,5876
-1,9440
1.000
não
4,7422
-2,5878
-1,9440
1.000
sim
sim
-8,690506 **
-4,0505
-3,4545
0.0000
sim
sim
-6,748412 **
-4,0505
-3,4545
0.0000
Nota: * e ** indicam significância aos níveis de 1% e 5% respectivamente.
“D” indica a primeira diferença da variável.
Os valores críticos para a rejeição da hipótese nula da existência de raiz unitária foram gerados pelo
pacote econométrico E-views, conforme tabulação desenvolvida em MacKinnon (1991).
Para testar o argumento keynesiano, estimamos primeiramente um VAR com
as variáveis taxa de juros Selic, PIB, resultado nominal e gastos, sem incluir a variável arrecadação. Isso se justifica porque o gasto e a arrecadação são fortemente
correlacionados, podendo comprometer os resultados da estimação. Em seguida,
repetimos a estimação trocando a variável gastos pela variável arrecadação.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
53
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
O próximo passo foi a seleção do melhor modelo VAR referente às quatro
variáveis já destacadas. Com base nos critérios de informação computados, a Tabela 15 indica que o melhor modelo é aquele com apenas uma defasagem.
Tabela 15
Seleção do melhor modelo para estimação do VAR
Defasagens
LR
0
NA
FPE
AIC
SC
HQ
3.75e+21
61.02756
61.13509
61.07101
1
201.9487
5.57e+20*
59.12053*
59.65819*
59.33778*
2
16.43165
6.46e+20
59.26630
60.23409
59.65736
3
33.97840
6.00e+20
59.18878
60.58669
59.75364
4
13.81961
7.11e+20
59.34844
61.17648
60.08711
5
7.071677
9.17e+20
59.58972
61.84789
60.50219
6
32.64888*
8.23e+20
59.46015
62.14844
60.54642
7
16.38654
9.26e+20
59.54871
62.66713
60.80879
8
18.96048
9.95e+20
59.57974
63.12829
61.01362
Nota: variáveis: D(gastos), D(PIB), D(resultado nominal), D(Selic).
Dados: jan./1999 a jul./2008.
LR: estatística de teste LR sequencial modificada (cada teste ao nível de 5%); FPE: critério erro de previsão final (FPE – Final prediction error); AIC: critério Akaike; SC: critério
Schwarz; HQ: critério Hannan-Quinn.
Após a definição do número de defasagens do VAR, passamos agora à análise das variáveis.
a) PIB
Pelas Tabelas 16 e 17, observamos que o PIB sofre influência da taxa de
juros Selic e dos gastos, confirmando o argumento keynesiano da importância do
gasto público como propulsor do crescimento econômico. Esse resultado torna
discutível, por exemplo, argumentos como o de crowding-out, que neutraliza o
impacto dos gastos públicos sobre os investimentos ao reduzirem o investimento
privado.
54
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Tabela 16
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(PIB)
Hipótese nula
Probabilidade
D(gastos) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.0647
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.2492
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(PIB)
0.0133
Tabela 17
Decomposição da variância – D(PIB)
Período
D(gastos)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(Selic)
1
2.104132
97.89587
0.000000
0.000000
5
11.06976
81.02977
0.470210
7.430266
10
10.69161
76.88865
0.537345
11.88239
12
10.67383
76.67467
0.550087
12.10141
b) Gastos
A análise dos gastos revela que o PIB causa no sentido de Granger esta
variável, conforme observamos pela Tabela 18. Tal resultado é corroborado pela
decomposição da variância dos erros de previsão da variável gastos (Tabela 19).
Tabela 18
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(gastos)
Hipótese nula
Probabilidade
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(gastos)
0.0070
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(gastos)
0.9618
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(gastos)
0.5461
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
55
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Tabela 19
Decomposição da variância – D(gastos)
Período
D(gastos)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(Selic)
1
100.0000
0.000000
0.000000
0.000000
5
90.65660
7.691732
0.019611
1.632060
10
89.00118
7.707690
0.044400
3.246730
12
88.82176
7.767253
0.050051
3.360936
c) Resultado nominal
No que se refere ao resultado nominal, a única variável que se mostrou
significativa, pelo teste de causalidade de Granger (Tabela 20), foi a taxa de juros
Selic. A análise da decomposição da variância dos erros de previsão do resultado
nominal (Tabela 21) mostra que a participação da taxa de juros Selic nesta decomposição é pouco expressiva (3,20%) após 12 meses.
Tabela 20
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(resultado nominal)
Hipótese nula
Probabilidade
D(gastos) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.3664
D(PÍB) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.3210
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(resultado nominal)
0.0064
Tabela 21
Decomposição da variância – D(resultado nominal)
56
Período
D(gastos)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(Selic)
1
2.491036
0.664525
96.84444
0.000000
5
2.847274
2.359245
91.65267
3.140809
10
2.997719
2.878311
90.93235
3.191617
12
3.004440
2.891959
90.90866
3.194944
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
d) Taxa de juros (Selic)
Em relação à taxa de juros Selic, a única variável que se mostrou relevante
no teste de causalidade de Granger foi o PIB (Tabela 22).
Tabela 22
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(Selic)
Hipótese nula
Probabilidade
D(gastos) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.8248
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.0092
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(Selic)
0.5339
O mesmo resultado foi corroborado pela análise da decomposição da variância dos erros de previsão (Tabela 23). Observa-se que a variância do erro de
previsão desta sofre influência do PIB em cerca de 18%. Gomes e Holland (2003)
encontraram esse mesmo resultado, mas com uma participação do PIB menos
expressiva (4,2% após dez meses).
Tabela 23
Decomposição da variância – D(Selic)
Período
D(gastos)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(Selic)
1
0.457233
0.005606
0.862930
98.67423
5
1.452536
12.18452
1.968916
84.39402
10
3.135174
17.97131
2.011660
76.88185
12
3.285687
18.30110
2.005529
76.40768
Para a análise das funções de impulso-resposta, consideramos choques nos
gastos e na taxa de juros. Observa-se que choques nos gastos têm impactos significativos e duradouros sobre o PIB, tal como prescrevia Keynes, conforme podemos observar nas Figuras 3 e 4.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
57
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Figura 3
Funções impulso-resposta – choques nos gastos
Figura 4
58
Funções impulso-resposta acumuladas – choques nos gastos
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Com relação à taxa de juros, similarmente ao teste de causalidade de Granger e à análise de decomposição da variância dos erros de previsão, os resultados das análises das funções impulso-resposta revelam que choques na taxa de
juros acarretam efeitos negativos significativos e duradouros sobre o PIB, conforme Figuras 5 e 6, tornando discutíveis as elevadas taxas de juros que vêm
sendo praticadas no Brasil na condução da política monetária via regra de Taylor.
O resultado nominal também responde a choques na taxa de juros.
Figura 5
Funções impulso-resposta – choques na taxa de juros (Selic)
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
59
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Figura 6
Funções impulso-resposta acumuladas – choques na taxa de juros (Selic)
Finalmente, podemos agora apresentar os resultados relacionados ao modelo que inclui a variável arrecadação.
Novamente computamos as estatísticas para a seleção do melhor modelo
VAR referente às quatro variáveis analisadas. Com base nos critérios de seleção
(Tabela 24), o melhor modelo é aquele com três defasagens.
Tabela 24
Seleção do melhor modelo para estimação do VAR
60
Defasagens
LR
FPE
AIC
SC
HQ
0
NA
4.77e+21
61.26871
61.37624
61.31216
1
197.3523
7.46e+20
59.41275
59.95041*
59.63000*
2
16.58492
8.63e+20
59.55674
60.52453
59.94780
3
44.44797*
7.07e+20*
59.35154*
60.74945
59.91640
4
19.79871
7.74e+20
59.43455
61.26259
60.17321
5
14.05267
9.10e+20
59.58149
61.83966
60.49396
6
21.12574
9.62e+20
59.61654
62.30483
60.70281
7
20.40305
1.02e+21
59.64424
62.76266
60.90432
8
17.44569
1.12e+21
59.69970
63.24825
61.13358
Nota: variáveis: D(arrecadação), D(PIB), D(resultado nominal), D(Selic).
Dados: dez./1999 a jul./2008.
LR: estatística de teste LR sequencial modificada (cada teste ao nível de 5%); FPE: critério erro de previsão
final (FPE – Final prediction error); AIC: critério Akaike; SC: critério Schwarz; HQ: critério Hannan-Quinn.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
A correlação, já esperada, entre PIB e arrecadação pode ser observada com
base nos resultados do teste de causalidade de Granger, da decomposição da variância dos erros de previsão e da função impulso-resposta. Observa-se que o PIB
causa no sentido de Granger a arrecadação (Tabela 25). A Tabela 26 revela que
o PIB é responsável por 11,20% da variância do erro de previsão da arrecadação
após 12 períodos.
Tabela 25
Teste de causalidade no sentido de Granger
Variável dependente: D(arrecadação)
Hipótese nula
Probabilidade
D(PIB) não causa, no sentido de Granger, D(arrecadação)
0.0086
D(resultado nominal) não causa, no sentido de Granger, D(arrecadação)
0.1844
D(Selic) não causa, no sentido de Granger, D(arrecadação)
0.4589
Tabela 26
Decomposição da variância – D(arrecadação)
Período
D(arrecadação)
D(PIB)
D(resultado nominal)
D(Selic)
1
100.0000
0.000000
0.000000
0.000000
5
83.37895
11.25107
3.775677
1.594305
10
77.31266
11.23888
4.362993
7.085470
12
76.20421
11.20109
4.522061
8.072647
A função impulso-resposta confirma esse resultado, mostrando um impacto
significativo sobre a arrecadação como resposta a um choque no PIB, tanto a curto prazo quanto a longo prazo, como mostram as Figuras 7 e 8.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
61
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Figura 7
Funções impulso-resposta – choques no PIB
Figura 8
Funções impulso-resposta acumuladas – choques no PIB
62
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
A julgar pelos resultados desses testes, usados aqui apenas em caráter ilustrativo, as conclusões keynesianas destacam-se, com respostas acentuadas da taxa
de juros e dos gastos sobre o PIB e deste sobre a arrecadação, permitindo o financiamento dos gastos anteriores.
4 Sumário e conclusões
Este trabalho teve como objetivo discutir a política econômica ortodoxa de
forma crítica. Mais particularmente, nossa crítica centrou-se no caráter ortodoxo
da política monetária, caráter que acaba por se estender para a política econômica
em geral, dado o privilégio da política monetária sobre as demais políticas, em
especial sobre a política fiscal, na concepção ortodoxa. Procuramos mostrar que o
predomínio da política monetária ortodoxa sobre a política fiscal no Brasil decorre da visão de Estado ineficiente e moeda neutra, cara à ortodoxia.
Mostramos que o privilégio da política monetária sobre a política fiscal foi
concebido em um arcabouço teórico no qual a moeda é neutra – a curto ou a longo
prazos – e por isso a política monetária deve ser regida por uma regra clara para
cumprir compromisso de “disciplina monetária”, em qualquer caso eliminando a
discricionariedade da política. Isso porque os defensores de regras acreditam que
a política monetária não é um instrumento que pode estimular o investimento e,
consequentemente, reduzir o desemprego de forma duradoura.
Sendo assim, não há nenhuma vantagem em financiar gastos do governo por meio
de aumentos de oferta monetária ou aumento da dívida pública, pois a moeda é neutra
e por isso não consegue afetar variáveis reais. Além disso, a inflação provocada afeta
preços relativos distorcendo-os, comprometendo a eficiência do mercado que esses autores conferem à economia. A prioridade é então o controle de preços, porque a inflação
distorce os preços relativos, e é justamente o sistema de preços o melhor regulador.
Nossa crítica relacionou-se à perda do braço fiscal do Estado nas políticas
ortodoxas dominantes da atualidade. Mostramos, primeiramente, a percepção de
Keynes sobre a política fiscal, que lhe atribuía fundamental importância como
instrumento propulsor da demanda e do emprego.
Além disso, uma vez que na concepção pós-keynesiana a economia é banhada pela incerteza, o Estado assume um permanente papel na alavancagem da
demanda agregada, ou influenciando as expectativas dos empresários ou como
agente participante diretamente na atividade de produção. Somente o Estado é
capaz de reduzir a incerteza presente na economia devido ao seu poder centralizador de informações, mobilizador de recursos e influenciador da demanda efetiva.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
63
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Para Keynes, o elemento fundamental da política fiscal é o gasto público,
e o objetivo da política fiscal deveria ser evitar a deficiência de demanda efetiva.
Uma política fiscal baseada em déficits seria recomendada apenas de forma transitória para garantir programa de longo prazo em investimentos ou em situações
de recessão já em curso, quando a arrecadação fica comprometida e a necessidade
de execução de investimentos públicos pode superar a disponibilidade de fundos
próprios do governo.
Em seguida, destacamos a concepção ortodoxa de política fiscal, não apenas
diferente da de Keynes desde o início, mas tornando-se cada vez mais ortodoxa.
Identificamos, nesta tese, dois níveis de ortodoxização da política fiscal: i)
equivalência ricardiana (e equilíbrio orçamentário intertemporal), na qual a política
fiscal é vista como ineficiente; e ii) Ideia de Dominância Fiscal da Política Monetária e Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP), na qual a política fiscal, além de
ineficiente, causa problemas na esfera monetária (estabilização de preços).
De fato, em todos os níveis, o pensamento ortodoxo com relação à política
fiscal está fortemente ligado ao papel do Estado, visto como nocivo por esses
teóricos, e ao privilégio da política monetária sobre as demais. Isso porque, num
primeiro momento, a política fiscal é concebida como ineficiente para estimular o
crescimento, negando as proposições de Keynes. Em seguida, além de ineficiente,
ela é vista como responsável pelos insucessos da política monetária de controle de
preços, a única concebida como importante pela ortodoxia.
É isso que justifica as propostas de redução da política fiscal ou até sua eliminação em favor da política monetária, o que leva ao predomínio desta última na
atualidade, em particular no Brasil. Esse predomínio prescrito como interessante
pelos ortodoxos (MISHKIN, 2000) aparece no Brasil nas discussões sobre a zeragem do déficit nominal por meio do superávit aumentado ao invés de redução
de taxa de juros.
É nesse contexto que se coloca o debate sobre a zeragem do déficit nominal.
Ressalta-se que a zeragem do déficit é um objetivo partilhado tanto por ortodoxos
quanto por heterodoxos. O que se discute é a forma de alcançar o déficit zero.
Assim, o debate sobre a zeragem do déficit nominal no Brasil reflete um outro, o
da dominância fiscal da política monetária, alegada pela ortodoxia, ou o da dominância monetária da política fiscal, alegada pela heterodoxia.
Neste debate, a ortodoxia defende menor papel do governo, via aumento do
superávit primário. A credibilidade do governo aumentaria com o superávit primário, uma vez que exigiria menor participação do governo com gastos e o impediria
de exercer seu viés inflacionário. Sob outro aspecto, a heterodoxia mostra que é a
política monetária ortodoxa, exigindo taxas altas de juros para conter a inflação e a
fuga de capitais, que impõe dificuldades para a zeragem do déficit nominal.
64
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
O argumento pós-keynesiano é que a queda da taxa de juros proporcionaria um maior crescimento do produto e, consequentemente, da arrecadação. Tal
aumento da arrecadação, assim como a queda da taxa de juros, traduzir-se-ia em
queda do déficit nominal. Nesse sentido, o superávit primário não seria causa da
queda dos juros, mas consequência. Para ilustrar este debate e criticar a posição
ortodoxa, utilizamos a metodologia dos Vetores Autorregressivos (VAR).
Os resultados da análise econométrica mostraram que o superávit primário
não é significativo para explicar variações da taxa de juros Selic, apesar de esta
ser importante para explicar o Embi. Tal resultado torna discutível a prescrição de
aumentar o superávit para reduzir juros e, com isso, zerar o déficit nominal.
Além disso, outro resultado interessante foi que o PIB sofre influência da
taxa de juros e dos gastos, confirmando o argumento keynesiano da importância
do gasto público como propulsor do crescimento econômico. Esse resultado torna
discutível, por exemplo, argumentos como o de crowding-out, segundo o qual a
política fiscal é ineficaz porque um maior gasto governamental leva a uma maior
taxa de juros, provocando queda de investimentos privados.
Keynes, ao contrário, propôs o uso dos gastos e das receitas do governo
como meio de influenciar, positivamente, o nível de atividade econômica (produção e emprego) nas economias de mercado.
Como esperado, encontramos forte correlação entre PIB e arrecadação.
Com base na análise da função impulso-resposta, verificamos que um choque no
PIB tem impactos significativos e duradouros sobre a arrecadação. Nesse sentido,
os resultados desta tese fortalecem os argumentos keynesianos, com respostas
acentuadas da taxa de juros e dos gastos sobre o PIB e deste sobre a arrecadação,
permitindo o financiamento dos gastos anteriores.
No entanto, a estratégia de se elevar o produto, a renda e, consequentemente, as receitas geradas para o governo não foi levada em consideração nos anos
recentes no Brasil pela ortodoxia, em vista da concepção de Estado ineficiente e
provocador de inflação. Optou-se pela política combinada de altas taxas de juros
e expressivos superávits primários, ocasionando o baixo crescimento econômico
verificado nos últimos anos.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
65
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
Referências
ARESTIS, P.; SAWYER, M. New consensus monetary policy: an appraisal. In: ARESTIS P.; BADDELEY, M.; MCCOMBIE, J. (Ed.). The new monetary policy. Aldershot,
UK: Edward Elgar, 2005.
ARIDA, P. Por uma moeda plenamente conversível. Revista de Economia Política, v.
23, n. 3, p. 151-154, jul.-set. 2003.
BALL, L. The genesis of inflation and the costs of disinflation. Journal of Money, Credit and Banking, n. 23, part 2, Aug.1991.
BARRO, R. Are government bonds net wealth? Journal of Political Economy, v. 82, n.
6, p. 1095-1117, 1974.
BARRO, R. On the determination of the public debt. Journal of Political Economy, v.
87, p. 940-971, Sept.-Oct. 1979.
BARRO, R. J.; GORDON, D. B. Rules, discretion, and reputation in a model of monetary policy. Journal of Monetary Economics, v. 12, n. 1, p. 101-121, 1983.
BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting. In: GIAVAZZI, F.; GOLDFAJN, I.; HERRERA, S. (Org.). Inflation targeting, debt, and the brazilian experience, 1999 to 2003. Cambridge, MA: MIT Press, 2005.
BRESSER-PEREIRA, L. C.; NAKANO, Y. Uma estratégia de desenvolvimento com
liberdade. Revista de Economia Política, v. 22, n. 3, p. 146-180, jul.-set. 2002.
BRUNNER, Karl Fiscal policy in macro theory: a survey and evaluation In: HAFER, R.
W. (Ed. ). The monetary versus fiscal policy debate. Totowa, NJ: Rowman and Allanheld, 1986.
CARNEIRO, D. D.; WU, T. Y. H. Dominância fiscal e desgaste do instrumento único
de política monetária no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, 2005 (Texto para discussão).
CARVALHO, F. J. C. Políticas econômicas para economias monetárias. In: LIMA, G.
T.; SICSÚ, J.; De PAULA, F. (Org.). Macroeconomia moderna: Keynes e a economia
contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, 1999a.
CARVALHO, F. J. C. Mercado, Estado e teoria econômica: uma breve reflexão. Econômica, Niterói, v. 1, n. 1, p. 9-25, 1999b.
66
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
CHICK, V. Money and effective demand. In: SMITHIN, J. (Org.). What is money?
Abingdon, UK: Routledge, 2000. p. 124-138.
CHRISTIANO, L. J.; FITZGERALD, T. J. Understanding the fiscal theory of the price
level. Economic Review, Federal Reserve Bank of Cleveland, v. 36, n. 2, 2000.
CLARIDA, R.; GALÍ, J.; GERTLER, M. The science of monetary policy: a keynesian
perspective. Journal of Economic Literature, v. 37, n. 4, p. 1661-1707, 1999.
DAVIDSON, P. The neoclassical vs. post keynesian view of government. Controversies
in post keynesian economics. Aldershot, UK: Edward Elgar, 1991.
DAVIDSON, P. Colocando as evidências em ordem: macroeconomia de Keynes versus
velho e novo keynesianismo. In: LIMA, G. T.; De PAULA, L. F.; SICSÚ, J. (Org.). Macroeconomia moderna. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 35-64.
DAVIDSON, R.; MACKINNON, J. G. Estimation and inference in econometrics.
New York: Oxford University Press, 1993.
DE MENDONÇA, H. F. Independência do Banco Central e coordenação de políticas:
vantagens e desvantagens de duas estruturas de estabilização. Revista de Economia
Política, v. 23, n. 1(89), p. 109-120, 2003.
______. Independência do Banco Central e equilíbrio fiscal: algumas observações para o
caso brasileiro. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, p. 23-38, 2006.
DELFIM NETTO, A.; GIAMBIAGI, F. O Brasil precisa de uma agenda de consenso.
Boletim de Conjuntura, n. 71. Nota técnica. Rio de Janeiro: Ipea, 2005.
DELFIM NETTO, A. Déficit nominal zero. Boletim de Conjuntura Economia & Tecnologia, ano 1, v. 2, p. 5-12, jul.-ago. 2005.
FÁVERO, C.; GIAVAZZI, F. Why are Brazil’s interest rate so high? Innoncenxo Gasparini Institute for Economic Research (IGIER). Milan: Universita Bocconi, 2002.
______. Monetary policy when debt and default risk are high: lessons from Brazil. Innoncenxo Gasparini Institute for Economic Research (IGIER). Bocconi University, May 2003.
______. Inflation targeting and debt. In: GIAVAZZI, F.; GOLDFAJN, I.; HERRERA, S.
(Org.). Inflation targeting, debt, and the Brazilian experience, 1999 to 2003. Cambridge, MA: MIT Press, 2005.
FISCHER, S. Capital-account liberalization and the role of the IMF. In: KENEN, P.
(Ed.). Should the IMF pursue capital account convertibility? Princeton Essays in International Finance, n. 207, Princeton University Press, 1998.
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 2000.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
67
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
GOBETTI, S.; AMADO, A. Ajuste fiscal no Brasil: algumas considerações de caráter
pós-keynesiano. Anais do XIII Encontro Nacional de Economia Política, João Pessoa,
p. 1-25, 2008.
GOMES, C.; HOLLAND, M. Regra de Taylor e política monetária em condições de
endividamento público no Brasil. Anais do XXXI Encontro Nacional de Economia da
Anpec, Porto Seguro, p. 1-17, 2003.
HERMANN, J. Dilemas da dívida pública: macroeconomia da dívida pública. Cadernos
Adenauer, ano III, n. 4, Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, p. 41-70, nov. 2002.
HERMANN, J. Financiamento de longo prazo: revisão do debate e propostas para o Brasil. : In: SICSÚ, João; OREIRO, José L.; DE PAULA, Luiz F. Agenda Brasil: políticas
econômicas para o crescimento com estabilidade de preços. Barueri: Manole/Fundação
Konrad Adenauer, 2003.
______. Ascensão e queda da política fiscal: de Keynes ao “autismo fiscal” dos anos 19902000. Anais do XXXIV Encontro Nacional de Economia da Anpec, Salvador, 2006.
KEYNES, J. M. Activies 1940-1946 shaping the post-war world: employment and commodities. The collected writings of John Maynard Keynes. v. 27. Londres: MacMillan,
1980.
______. Activities 1929-1939: world crisis and policies in Britain and America. The collected writings of John Maynard Keynes. v. 21. London: Macmillan, 1982a.
______. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982b.
KREGEL, J. Budget deficits, stabilisation policy and liquidity preference: Keynes’s postwar policy proposals. In: VICARELLI, F. (Ed.). Keynes’s relevance today. London:
Macmillan, 1985.
KRUGMAN, P. R Policy implications of alternatives views. In: KRUGMAN, P. (Ed.).
Has the adjustment process worked? Washington, DC: Institute for International Economics, 1991. p. 23-31.
KYDLAND, F.; PRESCOTT, E. C. Rules rather than discretion: the inconsistency of
optimal plans”. Journal of Political Economy, 85(3), p. 51-80, 1977.
LOPES, M.; MOLLO, M. L. R. Regime de metas de inflação, regra de Taylor e neutralidade da moeda: uma crítica pós-keynesiana. Anais do XIV Encontro Nacional de
Economia Política, São Paulo, 2009.
LIBÂNIO, G. A. Temas de política monetária: uma perspectiva pós-keynesiana. Belo
Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2004 (Texto para discussão, n. 229).
LUCAS, R. Expectations and the neutrality of money. Journal of Economic Theory, v.
4, n. 2, p. 103-124, 1972.
68
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
MACKINNON, J. G. Critical values for co-integration tests. In: ENGLE, R. F.; GRANGER, C. W. J. (Ed.). Long-run economic relationships. Oxford: Oxford University
Press, 1991.
MANKIW, N. G.; ROMER, D. New keynesian economics. v. 1, Introduction. Cambridge: MIT Press, 1989.
MINSKY, H. Capitalism financial process and the instability of capitalism. Journal of
Economic Issues, June 1980.
MISHKIN, F. What should central banks do? St. Louis: Federal Reserve Bank of St.
Louis, 2000.
MOLLO, M. L. R. Neoliberalismo: o que é, de onde vem, para onde vai. Brasília: Departamento de Economia da Universidade de Brasília, 1996 (Textos didáticos, n. 17).
______. The endogeneity of money: post-keynesian and marxian concepts compared.
Research in political economy, v. 17. Stanford/USA, 1999. p. 3-26.
______. A questão da independência do Banco Central: reflexões teóricas para a formulação da política econômica. Revista de Economia Contemporânea, IE/UFRJ, v. 7, n.
2, p. 333-357, 2003.
OBSTFELD, M. Pricing-to-market, the interest-rate rule, and the exchange rate.
NBER Working Paper 12699, Nov. 2006.
OREIRO, J. L.; SICSÚ, J.; DE PAULA, L. F. Controle da dívida pública e política fiscal:
uma alternativa para um crescimento autossustentado da economia brasileira. SICSÚ,
João; OREIRO, José L.; DE PAULA, Luiz F. Agenda Brasil: políticas econômicas para
o crescimento com estabilidade de preços. Barueri: Manole/Fundação Konrad Adenauer,
2003.
PERSSON, T.; TABELLINI, G. Monetary and fiscal policy. V. 1: Credibility. Cambridge (Mass): MIT, 1994.
PRZEWORSKI, A. Nota sobre o Estado e o mercado. Revista de Economia Política, v.
16, n. 3(63), p.115-120, jul.-set. 1996.
SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Rational expectations, the optimal monetary instrument, and the optimal money supply rule. Journal of Political Economy, v. 83, p. 241254, 1975.
______. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve
Bank of Minneapolis, p.1-17, 1981.
SARGENT, T. J. A primer on monetary and fiscal theory. Journal of Banking & Finance, v. 23, n. 10, 1999.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
69
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Mariana de Lourdes Moreira Lopes
SICSÚ, J. A negação da ineficácia da política monetária: a alternativa de Keynes e dos
pós-keynesianos. Análise Econômica, n. 28, p. 80-107, 1997a.
______. Reputação das autoridades monetárias e credibilidade das suas políticas: uma
abordagem pós-keynesiana. Estudos Econômicos, v. 27, n. 1, p. 5-27, 1997b.
______. Políticas não monetárias de controle da inflação: uma abordagem pós-keynesiana. Anais do VII Encontro Nacional de Economia Política, Curitiba, 2002.
SICSÚ, João; OREIRO, José L.; DE PAULA, Luiz F. Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços. Barueri: Manole/Fundação Konrad
Adenauer, 2003.
SICSÚ, J.; CARVALHO, F. J. C. Experiências de controles do fluxo de capitais: focando
o caso da Malásia. Economia e Sociedade, Campinas, v. 14, n. 2, p. 361-371, 2005.
SICSÚ, J.; VIDOTTO, C. A. A administração fiscal no Brasil e a taxa de juros. In: SICSÚ,
João (Org.). Arrecadação e gastos públicos: de onde vem, para onde vão? v. 1. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 110-119.
STIGLITZ, J. E. Whither socialism? Cambridge, MA: MIT Press, 1994.
STOCK, J.; WATSON, M. Vector autorregressions. The Journal of Economic Perspectives, v. 15, n. 4, 2001.
WALSH, C. Optimal contracts for central bankers. American Economic Review, v. 85,
n. 1, p.150-157, 1995.
WOODFORD, M. Public debt and the price level. In: CONFERENCE ON GOVERNMENT DEBT AND MONETARY POLICY, Bank of England, p. 18-19, June 1998.
Disponível em: <http://www.columbia.edu/~mw2230/>.
______. Fiscal requirements for price stability. Journal of Money Creditand Banking,
n. 33, 2001.
70
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Download